21º Congresso Brasileiro de Engenharia Biomédica
ISBN: 978-85-60064-13-7
VALIDAÇÃO DA ESTERILIZAÇÃO A VAPOR DE BAIXA TEMPERATURA
E FORMALDEÍDO DE ACORDO COM A NORMA EN 14180
Vânia Regina Ribeiro Salmon, Pedro Miguel Gewehr
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e Informática Industrial
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, Brasil
[email protected]
Abstract: This study aims to verify the performance
of the sterilization process of low temperature steam
and formaldehyde, using as reference the European
Standard EN 14180 for validation and monitoring
tests. Thus, 159 biological, 57 chemical and 36
desabsorption tests were employed in a commercial
autoclave located in a hospital of Curitiba city
(Brazil). The major part of the applied tests
presented satisfactory results related to the mortality
of the used microorganisms. However, 5 biological
tests were positive and there was formaldehyde
residue on some samples. Therefore, the sterilization
process can be validated with restrictions and there
is a real need for autoclave maintenance and quality
control of the whole sterilization process.
Palavras-chave: esterilizacão, vapor a baixa
temperatura, formaldeído, norma EN 14180.
Introdução
Com o desenvolvimento tecnológico crescente nas
técnicas cirúrgicas e o volume de materiais delicados
que se danificam a altas temperaturas (termossensíveis)
devido à dilatação térmica nos processos de
esterilização convencionais, houve certo consenso sobre
a necessidade do aprimoramento dos materiais e
equipamentos para processar artigos críticos e semicríticos.
Um dos avanços que podem ser destacados na área
de esterilização é o processo realizado em autoclaves,
através de formaldeído gasoso com vapor saturado, o
qual exerce influência na atividade das formas
vegetativas e esporuladas dos microorganismos [1]. A
esterilização com vapor de baixa temperatura e
formaldeído (VBTF) é realizada através da combinação
de solução de formaldeído a 2% na presença de vapor
saturado e com temperatura entre 50º a 60ºC [2]. Este
método é uma alternativa ao óxido de etileno e pode ser
preferível, por ser mais seguro, mais econômico e não
necessita de arejamento prolongado [3].
Na Europa esse processo de esterilização está
consubstanciado nas respectivas normas operacionais,
como a EN 14180 [4]. Atualmente, a Norma Européia
EN 14180 é o único apoio dentro da legislação. Esta
norma foi aprovada pelo Comitê Europeu de
Normatização onde constam vários órgãos nacionais e
1/4
países da Europa, sendo que ela prevê a qualidade do
processo de esterilização por formaldeído bem como o
controle da produção, esterilização de produtos, testes
estabelecidos como forma de proteção da saúde da
população em geral.
No Brasil, a legislação da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) ainda apresenta lacunas
pertinentes à esterilização físico-químico, como a
utilização do formaldeído que é inclusive proibido como
agente saneante por apresentar toxicidade e ser
considerado cancerígeno [5]. Através de consulta ao
Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas considera-se
que não há normas e legislação específicas para o
processo de esterilização com vapor e formaldeído no
país [6]. É importante ressaltar que os hospitais que
utilizam a esterilização de formaldeído, ainda carecem
da validação dos seus procedimentos. Assim, surgiu a
motivação de se estudar as normas internacionais
disponíveis e verificar o processo de esterilização por
formaldeído utilizado em um hospital filantrópico da
cidade de Curitiba-PR.
Materiais e Métodos
O estudo foi realizado na cidade de Curitiba em um
Hospital Universitário filantrópico.
A pesquisa foi aplicada na Central de Material e
Esterilização (CME) do hospital, com a assessoria das
enfermeiras e a equipe de funcionários. O responsável
desse setor determinou o horário e os dias viáveis para a
coleta das amostras e disponibilizou um funcionário
para a fase de montagem da carga e acondicionamento
de materiais para a autoclavação com formaldeído. A
função do pesquisador consistia em embalar os
indicadores dos testes, inserir as seis cargas (três cargas
mínimas e três cargas máximas), incubar os
microorganismos e encaminhar ao laboratório local,
registrar a evolução do processo e despachar os testes de
desabsorção para um laboratório especializado nessas
análises.
O desempenho do processo de esterilização foi
submetido à validação por meio dos testes descritos na
Norma Européia EN 14180, os quais são: indicadores
biológicos, químicos, testes de desabsorção e
dispositivos de desafio ao processo. Esses testes
(84x3=252 no total) foram distribuídos em 3 cargas
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mínimas (27x3 testes) e 3 cargas máximas (57x3 testes)
conforme a Tabela 1, sendo realizados em uma
autoclave marca CISA, modelo 6412, fabricada com
tecnologia italiana, com volume da câmara de 545 litros
de carga, utilizando-se oito cestos de aço inoxidável
aramados em carrinho de transferência empilhados em
dois níveis de altura (alto e baixo) e dispostos em quatro
colunas, ocupando toda a profundidade da câmara.
Para os testes biológicos, a rotina iniciava no local
em que se encontrava a autoclave, onde os indicadores
eram inseridos na mesma em cargas máximas e
mínimas, processados e incubados, encaminhando-os
posteriormente a um laboratório do município de
Curitiba para incubar as amostras em estufa a 55 ºC de
48h a 7 dias. Nos cestos, as posições dos indicadores
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biológicos eram cesto baixo A3 fundo, cesto baixo A4
frente e cesto baixo A5 meio, todos os quais continham
tiras de papel de filtro impregnadas com esporos viáveis
com Geobacillus stearothermophilus do fabricante
Cefar incubadas em meio de cultura esporofar contendo
caldo caseína.
Em algumas situações onde o meio apresentou
turvação e coloração amarela, indicando organismo
positivo, como medida de segurança para confirmação
do efeito visual alterado, foi realizada, em conjunto com
as profissionais farmacêuticas do Laboratório do Centro
de Produção e Pesquisa de Imunobiológico (CPPI) em
Araucária-PR, uma nova cultura em ágar de soja
certificando-se com a coloração do gram, o crescimento
do microorganismo padrão B. stearothermophillus.
Tabela 1: Distribuição dos testes nas cargas máximas e mínimas
Tipo de Teste
Carga Máxima
Carga Mínima
Cefar Científica
08
16
Controle Positivo
01
01
SGM Biotech
08
16
Controle Positivo
01
01
Todos os pacotes
Todos os pacotes
08
08
Controle Positivo
Indicador Químico
Classe V “Tiras”
Indicador Biológico
SGM Biotech
01
01
00
01
00
01
Filtro Papel 7mm
00
11
Controle Branco
00
01
Indicador Biológico
Classe I ”Spots”
Indicador Químico
Dispositivo de Desafio
do Processo
Desabsorção
Classe V “Tiras”
252
Total (x3)
Na carga mínima (autoclave em vazio) foram
distribuídos 32 testes biológicos posicionados na frente,
meio e fundo dos cestos na câmara. Também foram
usados indicadores químicos classe I e V e os Spots
indicadores químicos classe I foram adesivados em
todos os pacotes inseridos nas cargas máximas e
mínimas.
Pickerill [7] defendia o uso do dispositivo de desafio
ao processo (DDP) com a finalidade de monitorar a
passagem do vapor. Para testar os dispositivos de
desafio ao processo (DDPs) foi usada uma amostra por
ciclo nas três cargas mínimas. As três amostras foram
posicionadas no centro geométrico em cada carga,
dentro da câmara da autoclave. Assim, por carga
2/4
(mínima) dois testes foram colocados separados, sendo
um biológico e outro químico.
Outro teste efetivo citado pela EN 14180 é o teste de
desabsorção. Este teste é usado para determinar se o
esterilizador é capaz de reduzir o nível de formaldeído
num dispositivo médico após a esterilização. Nesta
carga foram utilizados onze invólucros com papel filtro
quantitativo (Quanty) 70 mm e um em branco para
contraprova. Após a esterilização, cada papel foi
envolvido hermeticamente em até 5 min em folha de
papel alumínio (duplamente) devido à volatilidade do
formaldeído para não comprometer os resultados do
laboratório.
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Todos esses testes foram lacrados em embalagens de
grau cirúrgico antes da esterilização e identificados com
indicadores químicos externos, intencionando-se avaliar
o perfil do processo em relação aos testes aplicados em
carga mínima e máxima.
Na carga máxima (autoclave com o máximo de
material permitido) foram utilizadas oito embalagens
seladas contendo os indicadores biológicos totalizando
16 invólucros, por serem marcas diferentes.
Adicionaram-se também dois invólucros a mais para os
testes positivos, respeitando-se também a mesma ordem
de colocação dos invólucros nos cestos como na carga
mínima. A unidade de carga máxima foi composta por
materiais médico-odonto-hospitalares de diferentes
geometrias e disponíveis na Central de Materiais e
Esterilização (CME) do hospital.
Na fase de incubação o pesquisador paramentava-se
assepticamente, com roupas e luvas estéreis, e numa
bancada recoberta com campos estéreis eram dispostos
os meios de transporte com caldo caseína, desinfetados
externamente com álcool 70% e ordenados em colunas,
retiradas as tampas para facilitar a colocação das tiras
após a paramentação e reservados em uma mesa
separada. As tiras de papel mediam 8mmx25mm e
foram impregnadas com 106 esporos viáveis,
envelopadas individualmente, constituindo-se em um
bioindicador de primeira geração com esporos
Geobacillus stearothermophilus.
Ao término deste procedimento, mantendo a ordem
dos frascos incubados, todos eram identificados com
códigos e encaminhados ao laboratório para incubar em
até sete dias, conforme descrito anteriormente. Neste
período foram acompanhadas as mudanças dos
indicadores e após a leitura, os frascos que tinham
alterado a cor de verde para amarelo foram novamente
verificados por uma microbióloga para se certificar do
resultado.
Resultados
A Tabela 2 apresenta os resultados para os testes
biológicos. Nela, dos 159 testes biológicos aplicados ao
estudo, 12 (7,55%) compreendiam um controle positivo
para contraprova do lote dos biológicos e não sofreram
esterilização. No quantitativo de testes inseridos na
carga máxima e que foram autoclavados, 3 (1,89%)
foram positivos e, outros 2 (1,25%) para DDPs,
confirmaram resultado positivo na leitura rápida. Todos
reagiram à coloração verde do meio caseína tornando-se
amarelos indicando crescimento positivo para o
Geobacillus stearothermophilus.
O ciclo em que se encontravam as 3 (1,89%)
amostras positivadas era na primeira carga máxima,
realizada no dia 28/12/07. Na época, o equipamento
tinha passado por reparos, a autoclave não estava sendo
utilizada havia 30 dias. Após seu reparo foram
realizadas algumas cargas a vapor e uma inicial com
formaldeído.
Entre os DDPs testados, 2 (1,25%) testes pósesterilização positivaram, alterando o meio caseína de
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verde para amarelo após incubação, comprovando
presença
do
microorganismo
Geobacillus
stearothermophilus. Na outra amostra ocorreu morte
microbiana. O objetivo de se utilizar DDPs era
acompanhar o comportamento da morte microbiana pósesterilização em objetos com lúmen estreito e longo
como o dispositivo desafio, pois alguns artigos tubulares
médico-hospitalares têm semelhança ao DDP devido ao
comprimento de 1,5 m e diâmetro de 2 mm.
Tabela 2: Perfil de mortalidade dos indicadores
biológicos (testes realizados em cargas mínimas e
máximas).
Situação
Positivos
Negativos
Total
Carga Cheia
(%)
03
(1,89)
45
(28,30)
48
(30,19)
DDP
(%)
02
(1,25)
01
(0,63)
03
(1,89)
Controle
Positivo
(%)
12
(7,55)
00
(00)
12
(7,55)
Outros
(%)
00
(00)
96
(60,37)
96
(60,37)
Total
(%)
17
(10,70)
142
(89,30)
159
(100)
Adotaram-se ainda nas três cargas mínimas, as tiras
de papel com agente químico específico ao formaldeído.
Esses indicadores químicos são sistemas que revelam a
chance de falha em um ou mais parâmetros
(temperatura, tempo, qualidade do vapor) de um
processo, com base numa mudança química ou física,
resultante de uma exposição do indicador ao
procedimento em estudo. Entretanto nessas amostras,
todas mudaram da cor azul para o verde sem apresentar
falhas, ou seja, negativaram determinando assim que
houve penetração do vapor com formaldeído, porém não
significando que os indicadores biológicos tenham sido
eliminados (mortos).
Os testes de desabsorção foram avaliados pelo
laboratório Environ (São Paulo) de acordo com a Norma
Européia EN 14180 e na análise dos resultados
constatou-se que em algumas posições dos invólucros
com papel filtro houve presença de dosagens elevadas
de formaldeído.
Neste tipo de avaliação foram encontradas nove
amostras com valores alterados para a concentração
exigida pela norma européia. Esses valores não podem
ultrapassar 250µg de formaldeído em qualquer peça
testada podendo causar risco de toxicidade. Sua
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concentração não é elevada em todos os cestos devido à
propagação do vapor de formaldeído e diferença de
desempenho em cada ciclo de esterilização. Outro fato
observado no segundo ciclo foi que a maioria das
amostras com valores elevados estava nos cestos das
extremidades da prateleira. No entanto, no terceiro ciclo
as amostras apresentaram um índice elevado de
concentração de formaldeído em apenas um cesto que
por sua vez estava inserido no fundo, no alto e na
extremidade.
Discussão
O objetivo deste trabalho foi estudar o processo de
esterilização de vapor a baixa temperatura e
formaldeído verificando-se a sua confiabilidade nos
processos e consequentemente dando tranquilidade para
a Instituição que utiliza essa tecnologia, devendo-se ao
mesmo tempo reduzir os riscos que funcionários e
pacientes são submetidos. Entretanto ficou evidenciado
pelos testes que ocorrem irregularidades, as quais
podem determinar a sobrevivência dos microorganismos
e a toxicidade no manuseio dos materiais pósesterilização.
Deve-se esclarecer mais efetivamente à equipe
operacional os cuidados e as formas de proteção
fazendo uso de equipamentos de proteção individual
(EPIs), principalmente máscaras e luvas, não
esquecendo de enfatizar os riscos na colocação das
pastilhas sólidas de formalina dentro do reservatório que
irá sublimar em formaldeído.
É fundamental dentro do processo, determinar
semestralmente os testes de desabsorção dos itens
esterilizados para não expor a equipe a riscos cutâneos
ou respiratórios causados pelo formaldeído. O rigor nas
diretrizes para executar adequadamente os testes
biológicos a cada ciclo e os químicos em cada invólucro
também devem ser devidamente observados.
Para os ciclos de esterilização que apresentaram
resultados positivos, ocorreram falhas no processo,
sendo necessária uma monitoração preventiva e
corretiva frequentes, precisando-se de um período maior
para se adequar a todas as fases do processo conforme a
norma EN 14180.
Conclui-se assim que a utilização da esterilização de
vapor a baixa temperatura e formaldeído pode ser
validada com restrições para a autoclave estudada,
devido ao fato de se ter resultados biológicos positivos
em alguns testes. Entretanto, esses resultados foram
obtidos após o reparo do equipamento e assim parecem
ter relação com este fato ao invés do método de
esterilização utilizado.
Dando continuidade ao trabalho desenvolvido,
torna-se imprescindível que a Instituição prossiga com
freqüencia adequada (anual, mensal e diária) a aplicação
dos testes para validação e monitoramento do processo,
como também efetue as manutenções preventivas e
corretivas do equipamento sempre que necessário,
possibilitando um maior controle sobre todo o processo
de esterilização.
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Referências
[1] Martins, M. A. (1993), Manual de Infecção
Hospitalar: Esterilização. Rio de Janeiro: Editora
Medsi.
[2] Possari, J. F. (2003), Esterilização por vapor de
baixa temperatura e formaldeido. São Paulo: Iátria.
[3] Ayliffe, G. A. J. (1998), Controle de Infecção
Hospitalar. Rio de Janeiro: Revinter.
[4] Norma Européia (2003), EN 14180. Bruxelas:
Comitê Europeu de Normatização. 52 p.
[5] Brasil (2007) “Ministério da Saúde. Agência
Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC 14
de 28 de fevereiro de 2007”. Disponível em
www.anvisa.gov.br/legis. Acesso em 13 abr. 2007.
[6] Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas (2008)
“Resposta Sobre Normas Para Esterilização a
Vapor”.
Disponível
em
http://www.respostatecnica.org.br/resposta.do?acao=
iniciar&idMenu=2 (com senha). Acesso em 10 set.
2008.
[7] Pickerill, J. K, Stuart, J. L. (1973) “Testing a steam
formaldehyde sterilizer for gas penetration
efficiency” Journal of Clinical Pathology, v. 6, n. 9,
p. 716-720.
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