Na semana passada vimos um interessante artigo publicado pelo Dr. Nilo Beiro que em breves linhas comentou acerca do artigo 384 da CLT, tratando do intervalo especial da mulher em caso de prorrogação de jornada e elucidando algumas das principais motivações que ensejaram ao entendimento atualmente majoritário sobre o tema, inclusive respaldado pelo C. TST. Em que pese a excelente exposição feita, importante se faz estender um pouco o tema anteriormente posto em pauta, para além do “sim” e do “não”. Explico: É que o tema não se basta apenas na discussão acerca da recepção ou não do artigo de lei pela Constituição Federal, mas, passada esta reflexão inicial e imprescindível, é também essencial buscar a sua aplicação em consonância com os princípios do direito do trabalho e com o conjunto das outras normas compiladas na CLT. Com isso, comento nas próximas linhas as 3 principais correntes que hoje discutem, buscando o que seria o melhor e mais equilibrado entendimento acerca do tema.
O ARTIGO 384 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E SUA ABRANGÊNCIA E APLICABILIDADE Pelo Decreto-­‐Lei N.º 5.452 de 01 de Maio de 1943, o então presidente Getúlio Vargas aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e inseriu ao mundo normativo brasileiro vários dispositivos e medidas de proteção aos trabalhadores, de forma a moldar, em grande medida, muitos dos princípios e diretrizes dos pensadores, doutrinadores e aplicadores do Direito até os dias atuais. O momento histórico, o impacto e a dimensão político-­‐social que levaram a presidência à aprovação da CLT em 1943 visavam como objetivo imediato e aparente a proteção de garantias e direitos da classe proletária. Porém, é certo que as normas ali contidas se tornaram alicerce e pedra angular para a própria manutenção do capitalismo moderno, demonstrando, portanto, sua importância extrema no que se refere à própria sociedade brasileira moderna como um todo. A Consolidação das Leis do Trabalho é considerada por muitos estudiosos do direito uma lei vanguardista, eis que muitas de suas disposições corroboram e alinham-­‐se perfeitamente a princípios que vieram a ser efetivamente garantidos apenas com a promulgação da Constituição Federal em 1988 (mais de 40 anos depois), citando apenas exemplificativamente o Princípio da Dignidade da Pessoa e o Princípio da Função Social do Trabalho. O Capítulo III da CLT foi redigido especialmente para legislar sobre o trabalho da mulher, sendo que especificamente em sua Seção III os dispositivos tratam dos períodos de descanso da obreira no que se refere à sua jornada laboral. A referida Seção não sofreu nenhuma alteração desde a entrada do Decreto-­‐Lei 5.452 no ordenamento jurídico em 1943, no entanto, verifica-­‐se atualmente uma grande polêmica doutrinária e prática que gira em torno do artigo 384, no que se refere a sua forma de interpretação adequada e sua receptividade ou não pela Constituição Federal de 1988, promulgada posteriormente. O art. 384 da CLT, como já exposto, está inserido no Capítulo especial de Proteção às mulheres, e assim dispõe: Art. 384 -­‐ Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho. Extrai-­‐se pela interpretação literal do artigo supra que será obrigatório para as trabalhadoras um intervalo para descanso de no mínimo 15 minutos antes do início de eventual prorrogação de sua jornada de trabalho habitual. Em que pese a existência do artigo 384 ainda inserido na CLT, e mesmo considerando que não houve qualquer revogação expressa de seus termos, a discussão que se traz a baila é se seu dispositivo estaria vigente ainda hoje, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Acerca do assunto, encontram-­‐se basicamente três correntes de pensamento, sendo que uma delas entende pela não recepção do artigo 384 da CLT pela Constituição Federal de 1988, e outras duas entendem que o referido artigo foi recepcionado e mostra-­‐se plenamente aplicável. Frisa-­‐se que em que pese o Colendo Tribunal Superior do Trabalho já ter pacificado o assunto, há Recurso Extraordinário (RExt 658312) que teve sua repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual em 09 de Março de 2012. Distribuído aleatoriamente ao Ministro Dias Toffoli para relatar, o referido recurso extraordinário ainda esta pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal. 1.1. 1ª CORRENTE: NEGATIVISTA NÃO RECEPÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Esta vertente de interpretação entende que com a vigência da atual Constituição Federal a partir de 1988 o artigo 384 da CLT deixou de ser aplicável, uma vez que não teria sido recepcionado pela nova Carta Magna. Os adeptos desta corrente entendem que a atual Constituição Federal equiparou homens e mulheres em todos os aspectos e, portanto, não há como ser permitida qualquer discriminação e diferenciação entre eles baseados exclusivamente em seus gêneros. De fato, assim dispõe o Art. 5º, inciso I da CF: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-­‐se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I -­‐ homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (…) – grifo meu Com o reconhecimento do Princípio da Igualdade entre homens e mulheres pela Magna Carta, subentende-­‐se para os pensadores desta corrente que o artigo 384 da CLT não teria sido recepcionado, eis que o artigo celetista dispõe acerca de um intervalo específico e somente para mulheres, o que se leva a presumir que discrimina e diferencia os trabalhadores das trabalhadoras, situação expressamente proibida pela Constituição Federal. Alice Monteiro de Barros sustenta que: “considerando que é um dever do estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que esteja em harmonia com a realidade social, propomos a revogação expressa do art. 376 da CLT, por traduzir um obstáculo legal que impede o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho. Em consequência, deverá também ser revogado o art. 384 da CLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitam com os arts. 5º, I, e 7º, XXX, da Constituição Federal” 1 Esta mesma doutrinadora também entende que, tendo em vista a revogação expressa do artigo 376 da CLT pela Lei nº 10.244/2001, o artigo 384 também restaria tacitamente revogado. Em suas palavras, “ambos os dispositivos conflitavam, sem dúvida, com o art.5º, I, da Constituição da República”.2 Alguns doutrinadores vão ainda mais longe e defendem que a 1
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BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 479.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. rev. atual. São Paulo: LTr, 2010. p.
aplicação do artigo 384 da CLT na sociedade brasileira atual acarretaria em prejuízos e não benefícios às mulheres, haja vista que os empregadores poderiam passar a dar preferência à contratação de homens justamente pela desnecessidade de observar o intervalo de 15 minutos antes de eventual em caso de prorrogação de jornada habitual. Sergio Pinto Martins, adepto desta corrente de entendimento, fundamenta que: “(...) o preceito em comentário conflita com o inciso I do art. 5º da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-­‐se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher.” 3 Neste mesmo sentido o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região decidiu: ART. 384 DA CLT -­‐ ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL -­‐ INCOMPATIBILIDADE COM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE TRATO ENTRE HOMENS E MULHERES -­‐ AFETAÇÃO AOS ARTS. 5º E 226 DA CARTA DE 1988 E 11 DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER -­‐ Se o “privilégio” contido no art. 384 consolidado , ao invés de proteger termina na prática dificultando e até inviabilizando o acesso da mulher ao mercado de trabalho, evidente que de forma indireta há discriminação em razão do gênero. Por conseguinte, agride o princípio da igualdade de trato entre homens e mulheres, positivado nos arts. 5º e 226 do Texto Maior e 11 da Convenção Internacional dos Direitos da Mulher, integrante do bloco de constitucionalidade e por isso vinculativa, inclusive no âmbito das relações privadas em face da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Esses princípios devem orientar o intérprete na aplicação das normas de proteção da mulher. Por conseguinte, deve o julgador recusar aplicação de toda e qualquer norma, por inconstitucionalidade, quando direta ou indiretamente com eles conflitar. 4 (grifo meu) Ainda, na contramão do entendimento majoritário do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, o ministro Aloysio da Veiga: 3
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MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 307-8.
TRT-24ª R. - RO 1100/2009-022-24-00.6 - Rel. Des. Francisco das C. Lima - DJe 17.09.2010 - p. 47
RECURSO DE REVISTA. EMPREGADA BANCÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT. ART. 5º, I, DA CF. IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES. O art. 384 da CLT contempla a concessão de quinze minutos de intervalo à mulher, no caso de prorrogação da jornada, antes de iniciar o trabalho extraordinário. O tratamento especial, previsto na legislação infraconstitucional não foi recepcionado pela Constituição Federal ao consagrar no inciso I do art. 5º, que homens e mulheres "são iguais em direitos e obrigações". Tal dispositivo apenas viabiliza de direitos diferenciados quando, efetivamente, houver necessidade da distinção, que apenas se viabiliza em razão de ordem biológica, não podendo ser admitida a diferenciação apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular discriminação no trabalho entre iguais. Recurso de revista conhecido e provido. 5 (grifo meu) No entanto, em que pesem os respeitáveis entendimentos dos estudiosos e adeptos desta interpretação, certo é que atualmente esta corrente vem perdendo a força, mormente pela publicação da decisão do Pleno do Colendo Tribunal Superior do Trabalho relativo ao Incidente de Inconstitucionalidade (TST-­‐IIN-­‐RR-­‐
1.540/2005-­‐046-­‐12-­‐00.5) em 13 de Fevereiro de 2009, que entende pela recepção pela Constituição Federal de 1988 do referido artigo 384 da CLT. 1.2. 2ª CORRENTE: POSITIVISTA RECEPÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Os adeptos desta vertente entendem que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela constituição federal, interpretando que a Magna Carta não possui qualquer dispositivo contrário a proteção especial fornecida as mulheres. Fundamentam que o artigo 5ª, inciso I da Constituição Federal, que institui o Principio da Igualdade, não contradiz o capítulo III da CLT que dispõe acerca da protecao do trabalho da mulher, eis que as diferenças inerentes aos seres humanos do sexo masculino e feminino ocasionam diferenciações legais justamente com o fim de serem todos equiparados de maneira real e efetiva. 5
TST-RR-1458/2004-033-15-40.1, de 29.10.08 – Rel. Min. Aloysio da Veiga
Assim, o fato do intervalo de 15 minutos privilegiar somente as mulheres não infringiria o Princípio da Igualdade consagrada pela Constituição Federal de 1988, mas, pelo contrário, sua aplicabilidade seria mandatória justamente para equipará-­‐
las com os homens em suas funções e produtividade, observando as particularidades e necessidades femininas, eis que a igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afastaria a natural diferenciação fisiológica e psicológica entre ambos. Ainda, alegam que em que pese a sociedade brasileira viver hoje uma realidade diferente da visão patriarcal de décadas anteriores -­‐ em que o homem era visto como provedor e mantenedor e a mulher apenas como reprodutora e dona de casa, é certo que os resquícios são perceptíveis e e ainda há um longo caminho a ser percorrido para a igualdade total neste âmbito. Destarte, não se pode ignorar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, visto que além de realizar as atividades profissionais em seu local de trabalho, realizam também atividades domésticas quando retornam às suas residências. Ao tratar-­‐se desigualmente os naturalmente desiguais não se estaria afrontando ao princípio da Igualdade disposto no art. 5º, I, da Magna Carta, mas sim buscando sua efetiva aplicabilidade, eis que tal medida buscaria fornecer a igualdade real para todos. Este é, de modo simplificado, o que preceitua o Princípio da Isonomia, um dos cernes do direito brasileiro e que deve ser observado rigidamente pelo legislador e pelos aplicadores e interpretes da lei, a fim de que seja alcançado o legítimo estado democrático de direito. Destarte, esta segunda vertente defende a aplicabilidade do artigo 384 da CLT e é atualmente o entendimento pacífico do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que já unificou seu entendimento, decidindo na sessão do Pleno do dia 17 de Novembro de 2008, perante o Incidente de Inconstitucionalidade TST-­‐IIN-­‐RR-­‐1.540/2005-­‐
046-­‐12-­‐00.5, nos seguintes termos: MULHER -­‐ INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA -­‐ CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF. 1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-­‐se sua não-­‐
recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico. 2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-­‐se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-­‐1 do TST). 3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-­‐maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-­‐maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso. 4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher. 5. Nesse diapasão, levando-­‐se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT. Incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista rejeitado. 6 Importante também ressaltar que uma das contra-­‐
argumentações utilizadas frente à alegação da impossibilidade de diferenciações por base 6
TST. IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, Tribunal Pleno,
publicado no DJ em 13/02/2009.
no sexo, é de que as leis trabalhistas e previdenciárias já dispõem de muitas outras formas de proteção especial à mulher, sendo estas consideradas plenamente válidas e constitucionais. Apenas a título exemplificativo, cita-­‐se algumas das diferenciações legais: licença maternidade de 120 dias (agora com possibilidade de extensão para 180 dias, conforme Lei Nº 11.770 de 9 de Setembro de 2008), a possibilidade de aposentadoria integral com 30 anos de contribuição contra 35 anos de contribuição para homens (conforme previsto na própria Constituição Federal, após Emenda Nº 20, de 15 de Dezembro de 1998) e os intervalos previstos para amamentação no artigo 396 da CLT. Ressalta-­‐se que mesmo com muitas medidas de proteção à mulher o mercado de trabalho tem cada vez mais absorvido as mulheres, parcela esta que tem se tornado mais representativa e significativa para os empregadores. 1.3. 3ª CORRENTE: AMPLIATIVA Esta terceira vertente é minoritária, no entanto tem ganhado adeptos e espaço em discussões doutrinárias variadas. Analisando-­‐se os argumentos, verifica-­‐se que os adeptos desta vertente seguem a mesma linha de raciocínio da primeira corrente que entende pela não recepção do artigo 384 pela Constituição Federal, ainda que suas conclusões sejam diametralmente opostas. Aqui, entende-­‐se que de fato o princípio da igualdade previsto no art. 5º, inciso I da Constituição Federal de 1988 teria igualado os direitos de homens e mulheres, sendo impossível ser feita diferenciação entre eles como o faz o Capítulo III da CLT. No entanto, como decorrência de tal igualdade e observando-­‐se o principio do in dúbio pro operario, a interpretação a ser dada ao art. 384 da CLT é ampliativa e não restritiva Assim, tendo em vista a igualdade formal entre homens e mulheres prevista na Constituição Federal, o direito ao intervalo de 15 minutos antes de eventual prorrogação de jornada seria obrigatório para todos os empregados, de ambos os sexos. Sendo a prorrogação de jornada atividade maléfica ao trabalhador, deverá ser realizada como forma de exceção, eis que prejudica a saúde física e psicológica do empregado, além de sacrificar sua vida social e familiar. Assim, as medidas de proteção ao trabalhador são necessárias, a fim de tentar minimizar os malefícios causados pelo excesso de trabalho, assim entendidas as horas que ultrapassem a 8ª hora diária e 44ª semanal, conforme dispõe o inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal. Ainda, além do objetivo que visa o bem estar do trabalhador, certo é que a qualidade de vida do empregado influi diretamente na qualidade de seu labor, atingindo positivamente até mesmo o empregador. Acerca do assunto, ensina Vólia Bonfim Cassar: As regras de medicina e segurança do trabalho envolvem os períodos de trabalho e as condições de trabalho. A limitação do tempo de duração do trabalho tem como fundamento três aspectos importantes: fatores biológicos, sociais e econômicos. a) biológicos: o excesso de trabalho traz fadiga, estresse, cansaço ao trabalhador, atingindo sua saúde. Portanto, os fatores biológicos são extremamente importantes para limitar a quantidade de trabalho diário; b) sociais: o trabalhador que executa serviços em extensas jornadas tem pouco tempo para a família e amigos, o que segrega os laços íntimos com os mais próximos e exclui socialmente o trabalhador; c) econômicos: um trabalhador cansado, estressado e sem diversões produz pouco e, portanto, não tem vantagens econômicas para o patrão. 7 O parágrafo 1º do artigo 71 da CLT dispõe acerca da 7
CASSAR, Volia Bonfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2008, p. 626.
obrigatoriedade de intervalo de 15 minutos em qualquer jornada de trabalho superior a 4 horas ininterruptas como medida protetiva à higiene e saúde física e psicológica dos trabalhadores e trabalhadoras. Nesta linha de raciocínio, considerando-­‐se uma jornada habitual de 8 horas diárias e 44 semanais presume-­‐se que após o intervalo intrajornada de 1 hora (previsto no “caput” do artigo 71 da CLT) o trabalhador ainda labore 4 horas ou mais até o final da sua jornada contratual. Em assim sendo, quando se analisa sob o enfoque protetor que levou a normatização do parágrafo 1º do artigo 71, é lógico considerar aplicável a observância dos 15 minutos de intervalo anteriores à eventual prorrogação de jornada para todos os trabalhadores, de ambos os sexos. Neste sentido: Com esse raciocínio, seria também possível aproveitar, segundo Russomano, a regra do art. 384 para confrontá-­‐la,sucessivamente, com os arts. 59, 61 e 71, §1°, da CLT, a fim de reforçar a interpretação no seguinte sentido: esse intervalo para descanso pode ser devido em qualquer caso de prorrogação do serviço de qualquer trabalhador, sempre que tal prorrogação determinar sua permanência em atividade por mais de quatro horas consecutivas. 8 (grifo meu) Corrobora com a corrente ampliativa Jorge Souto Maior, o doutrinador e Juiz Federal do Trabalho da 15ª Região, entendendo que “não se deve pensar na inaplicabilidade dessa norma e sim na sua aplicação também para os homens”, devendo, portanto, ser utilizada a norma contida no artigo 384 da CLT para beneficiar não somente às trabalhadoras mas também os trabalhadores, eis que a prorrogação de jornada é maléfica e assim sendo o aplicador do direito deve prezar pela diminuição de seus prejuízos, de forma igualitária. Em síntese, esta última corrente entende que o artigo celetista em estudo encontra-­‐se em plena consonância com outros dispositivos da CLT, sendo que 8
GUNTHER, Luiz Eduardo; GUNTHER, Noeli Gonçalves da Silva. A Igualdade de Direitos entre
Homens e Mulheres nas Relações de Trabalho. Rev. TRT – 9ª R. Curitiba a.35, n.65, Jul./Dez. 2010.
sua essência corrobora com o objetivo do legislador. Ainda, sua abrangência deverá ser ampliada aos homens -­‐ em que pese estar contida no Capítulo de Proteção à Mulher, tanto pelo Princípio da Igualdade que preceitua o artigo 5º, inciso I da Constituição Federal, quanto pela aplicação do princípio do in dúbio pro operário e da norma mais benéfica. 2. CONCLUSÃO Em que pese o posicionamento já pacificado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho e a brilhante fundamentação dada, é possível que em um curto período de tempo o Supremo Tribunal Federal julgue o Recurso Extraordinário RExt 658312 (que teve sua repercussão geral conhecida) e modifique por completo o entendimento que hoje vigora majoritariamente. As três correntes de pensamento (negativista, positivista e ampliativa) possuem bons argumentos e interessantes pontos de vista, todos com raciocínio lógico e jurídico, merecendo, portanto, seus devidos reconhecimentos. No entanto, verifica-­‐se que a Corrente Ampliativa destaca-­‐se entre as outras, pois busca não apenas vincular o artigo 384 com as finalidades de outros artigos da CLT (artigo 71), mantendo assim uma harmonia ampla e geral, como também reconhece a Igualdade entre homens e mulheres trazidas pela Constituição Federal em 1988, estendendo assim os benefícios para ambos, em total consonância com os Princípios do Direito do Trabalho, que é claramente protetivo. Desta forma, entendo que dentre as três correntes de entendimento ora comentadas, deve prevalecer a Corrente Ampliativa para que assim seja observado o intervalo de 15 minutos a todos os trabalhadores que necessitem laborar em prorrogação de jornada, como forma de minimizar os danos e prejuízos físicos e psicológicos a todos causados pela jornada de trabalho estendida. 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -­‐ BARROS, Alice Monteiro de. A mulher e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. -­‐ BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. rev. atual. São Paulo: LTr, 2010. -­‐ MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001. -­‐ CASSAR, Volia Bonfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2008. -­‐ GUNTHER, Luiz Eduardo; GUNTHER, Noeli Gonçalves da Silva. A Igualdade de Direitos entre Homens e Mulheres nas Relações de Trabalho. Rev. TRT – 9ª R. Curitiba a.35, n.65, Jul./Dez. 2010. -­‐ TRT-­‐24ª R. -­‐ RO 1100/2009-­‐022-­‐24-­‐00.6 -­‐ Rel. Des. Francisco das C. Lima -­‐ DJe 17.09.2010 -­‐ p. 47 -­‐ TST. IIN-­‐RR-­‐1.540/2005-­‐046-­‐12-­‐00.5, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, Tribunal Pleno, publicado no DJ em 13/02/2009. 
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Na semana passada vimos um interessante artigo publicado pelo