02/04/2015
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NOTA TÉCNICA Nº 10/2015/CGAA3/SGA1/SG/CADE
Processo Administrativo nº 08012.002917/2002­91
Representante: Publicações Técnicas Internacionais (PTI)
Representados: Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e Target Engenharia e Consultoria (Target)
Advogados: Mariana Hamar Valverde Godoy, Michelle Hamuche Costa e outros.
EMENTA: Processo Administrativo. Denúncia de
acordo de exclusividade entre ANBT e Target na
comercialização de normas técnicas em formato digital.
Mercado de elaboração e comercialização de normas
técnicas. Justificativa econômica válida. Não
configuração de infração à ordem econômica.
Recomendação de arquivamento.
I. RELATÓRIO[1]
I.1. Dos Atos Processuais ocorridos na SDE
1.
Trata­se de Processo Administrativo instaurado em 18.05.2005, diante de representação formulada
pela Publicações Técnicas Internacionais Ltda. ("PTI") em desfavor dos representados Associação Brasileira de
Normas Técnicas ("ABNT") e Target Engenharia e Consultoria S/C ("Target"), para apurar possível ocorrência
de infração à ordem econômica consistente na prática de celebrar acordo de exclusividade na comercialização de
Normas Técnicas Brasileiras ("NBRs") em formado digital, bem como na imposição de venda casada, com base
nos incisos I a IV do art. 20 c/c incisos IV, V, VI , XXIII e XXIV do art. 21, ambos da Lei nº 8.884/1994[2].
2.
Em sua representação, a PTI informou que a ABNT havia firmado, no ano de 2001, contrato de
exclusividade com a empresa Target, de forma que somente essa empresa poderia comercializar as normas
técnicas editadas por aquela Associação no formato digital. Contra essa exclusividade, a PTI alegou que as
normas técnicas comercializadas em meio eletrônico passaram a ter preços, em média, quatro vezes superiores
aos preços das normas técnicas vendidas em papel. Também alegou a prática de venda casada, tendo em vista
que só seria possível visualizar as normas técnicas em formato digital por meio de um software produzido pela
Target.
3.
Durante a instrução do processo, as próprias Representadas confirmaram a existência de
exclusividade entre elas para a comercialização das normas da ABNT em meio digital. A ABNT informou ser
titular dos direitos autorais referentes às normas técnicas e, consequentemente, do direito respectivo de
exploração e autorização de seu uso por terceiros. Afirmou também que as normas digitais são efetivamente mais
caras que as normas publicadas no formato papel, dada a necessidade de utilizar uma empresa de tecnologia de
informação para comercializá­las, visto que a ABNT não dispunha de tecnologia para tanto.
4.
Após a instrução processual e observado o devido processo legal, a Secretaria de Direito
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Econômico ("SDE") emitiu parecer conclusivo sugerindo o arquivamento do Processo Administrativo (fls.
1117/1141).
5.
Sobre a exclusividade concedida à Target na comercialização de normas técnicas em meio digital,
a SDE considerou que ao contrabalancear os
prejuízos e benefícios do acordo de exclusividade firmado entre as Representadas, não é possível afirmar
que tal acordo representou uma infração à ordem econômica. Os consumidores se beneficiaram do
surgimento de um novo produto advindo da parceria e pagaram um sobrepreço apenas num primeiro
momento, correspondente ao retorno do investimento realizado. (g.n.) (fl. 1135)
6.
Acerca da suposta venda casada, a SDE concluiu em seu parecer que o produto objeto do contrato
é resultado da associação do programa de computador com as normas técnicas em meio eletrônico, de forma que
existe apenas um produto. Assim, não haveria que se falar em venda casada, visto que não há dois produtos com
utilidades distintas oriundos do contrato, mas apenas um. Esse entendimento seria corroborado pelo fato de que o
software básico é oferecido gratuitamente pela Target, o que é um bom indicativo da não existência de venda
casada.
7.
Considerando que a representação da PTI que deu origem à investigação tratou essencialmente do
contrato firmado entre as Representadas em 2001, com vigência de 60 (sessenta) meses, a SDE fez um paralelo
entre as cláusulas de exclusividade e o entendimento jurisprudencial do CADE sobre cláusulas de não­
concorrência para concluir que: “o prazo de duração de 05 (cinco) anos do contrato de exclusividade aqui
analisado não parece ser desarrazoado para a proteção dos investimentos realizados pela Target no período” (fl.
1133).
8.
Em 08.09.2011, foi publicado no DOU o despacho do Sr. Secretário de Direito Econômico que
determinou o arquivamento do presente processo administrativo e recorreu de ofício dessa decisão ao CADE (fls.
1142/1143).
I.2 Dos Atos Processuais ocorridos no Tribunal 9.
A ProCADE em seu parecer fez menção a acordos firmados pelas Representadas antes de 2001,
que não constavam dos autos. Assim, recomendou ao Conselheiro Relator que providenciasse a juntada destes
contratos aos autos para que fossem analisados os possíveis efeitos anticoncorrenciais destes acordos e fosse
verificado eventual resultado diverso da análise feita pela SDE (fls. 1149/1176).
10.
Em atenção às recomendações da ProCADE, a Conselheira Relatora, Ana Frazão, solicitou às
Representadas a juntada dos contratos firmados entre 1995 e 2001, o que ocorreu em 03.09.2012, sendo os
contratos juntados às fls. 1179/1193.
11.
Tendo em vista a juntada desses novos elementos aos autos, a Conselheira Relatora solicitou a
realização de instrução complementar pela Superintendência­Geral para a realização das seguintes diligências:
a. Verificar a existência de exclusividade entre as Representadas para a comercialização das normas digitais
entre o período de 1995 a 2001 e os possíveis efeitos sobre o ambiente concorrencial caso essa exclusividade
seja constatada; e
b. Oficiar as Representadas para que apresentem a evolução dos preços das normas digitais de 1995 a 2008, em
comparação com os preços das normas disponibilizadas em meio físico no mesmo período.
I.3. Da Instrução Realizada pela SG
12.
Em atendimento às diligências solicitadas pela Conselheira­Relatora, esta Superintendência­Geral
passou a analisar os contratos celebrados no período anterior a 2001, bem como enviou ofícios aos
Representados objetivando o melhor esclarecimento acerca dos acordos firmados e a adequada instrução
processual (ofícios às fls. 1200/1204). As respostas da Target foram juntadas às fls. 1207/1209 e 1241/1272. A
resposta da ABNT foi juntada às fls. 1277/1310.
13.
Em 12.03.2015, foi publicado no Diário Oficial da União o Despacho SG nº 274, pelo qual o
Superintendente­Geral Interno encerrou a instrução processual e notificou os Representados para apresentação de
alegações finais.
14.
Em 18.03.2015, a Target apresentou suas alegações finais, afirmando basicamente que (i) o
fundador da Target foi quem primeiro criou a compilação das normas da ABNT em formato digital; (ii) não se há
de falar em exclusividade na comercialização das normas técnicas digitalizadas da ABNT, pois outras empresas
poderiam e podem realizar tal comercialização; (iii) o que se exigia era a exclusividade do software criado pela
Target e o banco de dados por ela formatado; (iv) a SDE sugeriu o arquivamento do feito, por considerar que a
prática de exclusividade no caso gerou eficiências suficientes a justificar o acordo e que os preços não foram
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abusivos; (v) a ProCADE teria corroborado o entendimento da SDE; e (vi) o objeto da exclusividade existente no
contrato de 1995 seria a utilização do software da Target pela ABNT.
15.
O prazo para apresentação de alegações finais pela ABNT transcorreu in albis.
16.
É o relatório.
II. ANÁLISE
17.
A instrução complementar solicitada pelo Tribunal tem por objeto verificar qual o escopo dos
contratos firmados entre as Representadas no período anterior a 2001 referentes à comercialização das normas
técnicas da ABNT e analisar os possíveis efeitos sobre o ambiente concorrencial caso esses contratos tenham
cláusula de exclusividade.
II.1. Da duração e do objeto dos contratos celebrados pelas Representadas
18.
Conforme relatado, trata­se de Processo Administrativo instaurado para investigar possível
ocorrência de infração à ordem econômica envolvendo a celebração de contrato com cláusula de exclusividade
para a comercialização das normas técnicas da ABNT em formato digital pela Target. 19.
Em sua análise, a SDE considerou apenas o último contrato firmado entre as Representadas que
vigorou de 2001 a 2006. O prazo de vigência desse contrato – de cinco anos, em consonância com o
entendimento do CADE sobre o tempo aceitável para a proteção do fundo de comércio e do investimento – foi
uma das justificativas utilizadas pela SDE para recomendar o arquivamento do feito.
20.
No CADE, a Procuradoria e a Conselheira Relatora chamaram a atenção para a existência de
indicativos nos autos de um primeiro contrato de exclusividade firmado entre as Representadas em 1995.
Entendeu­se, assim, pela necessidade de reavaliar a conduta investigada à luz de um período de vigência maior
para a relação de exclusividade estabelecida entre as Representadas.
21.
Após a juntada dos contratos de exclusividade firmados pelas Representadas em período anterior a
2001, foi possível verificar que o primeiro acordo de exclusividade foi celebrado em 08.06.1995.
II.1.1 Dos contratos celebrados em 1995 e 1997
22.
Por meio do primeiro contrato celebrado entre as Representadas em 08.06.1995, a ABNT conferiu
à Target a exclusividade para a comercialização do software contendo os dados cadastrais das normas técnicas.
Essa exclusividade está expressa nas cláusulas segunda e terceira do “Contrato de Parceria” celebrado pela
ABNT e Target que teve prazo de 24 meses (fls. 1187/1188):
CLÁUSULA PRIMEIRA – OBJETO
1.1 – O presente contrato tem por objeto a comercialização, em parceria entre os contratados, do
software, de propriedade única e exclusiva da TARGET, depositado, em seu nome, no INPI sob o n.º
94008543, contendo os dados cadastrais das Normas Brasileiras, que será utilizado pela TARGET,
visando proporcionar às empresas um serviço genérico de consultas e um controle específico sobre a
atualização de seu acervo de Normas Brasileiras, de propriedade única e exclusiva da ABNT.
CLÁUSULA SEGUNDA – OBRIGAÇÕES DA TARGET
2.1 A TARGET se obriga­se:
(...)
2.1.6 – Conceder à ABNT exclusividade de comercialização, em conjunto, do software, e mantê­la durante
o período de vigência do contrato.
CLÁUSULA TERCEIRA – OBRIGAÇÕES DA ABNT
3.1 A ABNT obriga­se:
(...)
3.1.3 – Manter a exclusividade da TARGET para os fins previstos na cláusula primeira deste contrato,
durante o período de sua vigência; reservando, no entanto, para si e seus sucessores o direito de utilizar
e/ou desenvolver outros softwares e sistemas de informações, consultas, orçamentos, faturamentos e
tratamentos dos mesmos dados cadastrais de suas Normas Brasileiras, inclusive para o uso em suas
dependências, Delegacias, Comitês Brasileiros e/ou grupos de clientes especiais, e que não se confundam
com o sistema, objeto do presente contrato. (g. n.)
23.
Segundo informado pelas Representadas, o primeiro software comercializado pela Target, objeto
do contrato de 1995, apenas disponibilizava os metadados[3] das normas técnicas da ABNT, funcionando apenas
como um catálogo de consulta às normas, que não permitia sequer a visualização do texto integral da norma. 24.
Os seguintes dados de identificação das normas eram disponibilizados: código, título e objetivo
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das normas, ano de publicação das normas, status das normas, assunto relacionado às normas, preço das normas
em papel, normas complementares às normas, informações sobre as normas aditadas ou substituídas (fl. 1260).
25.
O acordo firmado em 03.05.1997 trata­se de simples aditivo que prorrogou por mais 24 meses o
primeiro contrato firmado em 1995, mantendo todos os termos e condições do acordo inicial inalterados.
II.1.2 Do contrato celebrado em 1999
26.
Em 31.05.1999, é celebrado novo “Contrato de Parceria” entre as Representadas, que dispõe que
a ABNT e Target
pretendem comercializar, em parceira, o licenciamento do direito de uso do software indicado no
considerando anterior, cujos direitos de uso são exclusivos da Target, contendo os dados cadastrais das
Normas Técnicas Brasileiras e das Normas Técnicas no âmbito do Comitê Mercosul de Normalização,
bem como os textos das Normas em sua íntegra, cujos direitos de uso são exclusivos da ABNT. (fl. 1251)
27.
A cláusula 2.2 dispõe que o software conterá os “Dados cadastrais das Normas, bem como um
sistema para consulta e navegação das Normas em meio eletrônico adquiridas pelo Usuário” (fl. 1252) (g.n.).
Assim, verifica­se que o contrato celebrado em 1999 possui objeto mais amplo do que o primeiro contrato
firmado em 1995. Além do acesso aos dados cadastrais, o software comercializado pela Target passa a permitir a
visualização do texto integral da norma pelo usuário. Além disso, o software passou a contar com um sistema de
atualização, via Internet ou disquete, que informaria o status de cada norma, ou seja, se houve alguma nova
edição, uma errata, uma emenda, se foi cancelada, etc. Em caso de necessidade de atualização, o software
permitiria a elaboração de orçamento e de pedido on­line (fls. 1324). Segundo informado pela Target, a partir de
1999 o software também passou a realizar atualizações (fls. 1320).
28.
A relação de exclusividade entre as Representadas foi mantida no contrato de 1999, uma vez que a
Target se obriga a “não conceder a terceiros os direitos de comercialização do ‘software’ durante o período de
vigência” do contrato e a ABNT, por sua vez, se obriga a “não conceder a terceiros as informações referentes aos
‘Dados cadastrais das Normas’ e das ‘Normas em meio eletrônico’, durante a vigência” do instrumento
contratual (fl. 1256).
II.1.3 Do contrato celebrado em 2001
29.
Pelo contrato firmado em 24.04.2001, a ABNT conferiu à Target a exclusividade para a
comercialização das normas técnicas em formato digital utilizando as plataformas internet e intranet, sendo que o
produto comercializado incorporou avanços tecnológicos, conforme mostra a cláusula 3.1. transcrita abaixo:
3.1. A TARGET será responsável pelo desenvolvimento técnico do Produto e declara neste ato, que tomou
e tomará as medidas necessárias para que o Produto possua as seguintes características:
(a) contenha um sistema que permita ao Usuário realizar consultas para identificação das Normas, pelos
itens descritos na Cláusula 4.1;
(b) contenha um sistema que permita ao Usuário atualizar mensalmente os Dados cadastrais das Normas,
realizada através da inserção, no Produto, das informações fornecidas pela ABNT, nos termos da cláusula
6.1 “b” abaixo;
(c) contenha um sistema que permita ao Usuário registrar internamente os Dados cadastrais das Normas,
a fim de que os Usuários possam cadastrar as Normas que já possuem, para verificação de eventuais
alterações, através do registro de sua data de publicação ou alteração;
(d) contenha um sistema que permita ao Usuário realizar orçamentos para a aquisição de Normas; e
(e) contenha um sistema que permita ao Usuário consultar Normas em meio eletrônico. (fls. 681).
30.
Segundo a ABNT, o produto comercializado em 2001 diferiu dos anteriores por possibilitar o
acesso e aquisição das normas por meio da internet e também por permitir o livre download do arquivo, sem
limitação de impressão e acessos.
31.
Esse contrato vigorou por cinco anos e não foi renovado.
II.1.4 Considerações sobre os contratos
32.
Pelo exposto, verifica­se que houve mudança no objeto dos contratos firmados, no que concerne
às funcionalidades do software comercializado, que era apenas um catálogo de consulta (que não permitia a
visualização do texto integral das normas) no contrato de 1995, passando pela possibilidade de visualização do
texto integral das normas e realização de atualizações no contrato de 1999, até permitir a aquisição e o acesso
pela internet e o livre download das normas técnicas no contrato de 2001. É por isso, aparentemente, que em
algumas respostas das Representadas foi informado que as normas técnicas em formato digital só passaram a ser
comercializadas a partir de 2001.
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II.2. Dos efeitos concorrenciais da relação de exclusividade entre as partes
II.2.1. Definição dos mercados relevantes
33.
À época dos fatos investigados, a ABNT atuava no mercado de elaboração de normas técnicas e
de comercialização das normas técnicas em formato impresso. Já a Target atuou com exclusividade no mercado
de comercialização de: (i) software contendo os dados cadastrais das normas técnicas (de junho de 1995 a maio
de 1999); (ii) software contendo os dados cadastrais e o texto integral das normas (de maio de 1999 a abril de
2001); e (iii) software contendo as normas técnicas em formato digital com funcionalidades de acesso por meio
da internet (abril de 2001 a abril de 2006).
34.
Percebe­se que o mercado relevante de origem das práticas investigadas é o de elaboração das
normas técnicas, no qual a ABNT é monopolista. Isso porque, por autorização legal concedida à ABNT, essa
Associação é a única entidade brasileira com competência para coordenar, orientar e supervisionar o processo de
elaboração de normas técnicas no país, sendo considerada de utilidade pública pela Lei nº 4.150/1962. Além
disso, atua como representante exclusiva do Brasil nos organismos internacionais como a ISO – International
Standardization Organization.
35.
O direito autoral da ABNT sobre as normas técnicas é questão discutida no judiciário[4]. Contudo,
para os fins da análise aqui realizada, o que interessa é o fato de que os contratos discutidos nos presentes autos
reconhecem o direito autoral da ABNT sobre as normas técnicas, na medida em que essa Associação outorga o
direito de comercialização das normas técnicas para a Target[5]. Dessa forma, pelo menos no período dos fatos
investigados, a ABNT detinha posição dominante no mercado de origem das condutas.
36.
Já o mercado relevante alvo é aquele em que foram firmados os acordos de exclusividade entre as
Representadas, qual seja, o mercado de comercialização de normas técnicas em formato digital, aqui
considerando os diversos momentos do software quanto às suas funcionalidades.
37.
Entende­se pela existência de um mercado relevante de comercialização das normas técnicas no
formato digital, não englobando aquelas comercializadas em meio impresso, pelas enormes diferenças existentes
para o consumidor nessas duas formas de apresentação das normas técnicas. Um consumidor corporativo, por
exemplo, que compra uma norma técnica em formato digital, terá o número de exemplares que desejar,
diferentemente da compra em meio impresso. Registra­se, também, a maior facilidade de utilização das normas
em meio digital, principalmente a partir de 2001, no qual, por exemplo, estavam disponíveis ferramentas de
procura de palavras­chave e atualizações, vis­à­vis as normas em meio impresso.
38.
Assim, a ABNT, ao firmar os contratos de exclusividade aqui analisados, transferiu seu poder de
monopólio do mercado de origem para a Target no mercado alvo. Dessa forma, durante o período de vigência
dos contratos, apenas a Target atuou na comercialização de normas técnicas em formato digital, aqui
considerando os diferentes momentos do software quanto às suas funcionalidades. Já na comercialização de
normas técnicas em meio impresso, diversas empresas atuavam como postos de vendas, adquirindo as normas
técnicas da ABNT para revendê­las. A Target trouxe aos autos lista de 98 (noventa e oito) empresas que atuavam
como revendedoras (fls. 403/413) por meio de contrato de representação padrão (fls. 807/812).
39.
Quanto à dimensão geográfica, considera­se como nacional, tendo em vista que as normas
técnicas elaboradas pela ABNT e comercializadas por terceiros aplicam­se em todo território nacional.
II.2.2. Evolução dos preços das normas técnicas
40.
A Representante também aponta em sua representação que as normas em formado digital teriam
sido comercializadas com preço em média quatro vezes maior que o praticado para a aquisição das mesmas
normas em papel, o que teria prejudicado substancialmente o consumidor.
41.
Nesse sentido, foi solicitada pela Conselheira Relatora a evolução dos preços das normas técnicas
comercializadas em meio digital e em meio físico.
42.
Quando questionada pela SDE sobre a razão para a prática de preços diferenciados na
comercialização de normas em formato digital, a ABNT informou que:
As normas digitais são mais caras que as normas em formato papel primeiramente devido à possibilidade
de impressão destas normas, ou seja, quando o consumidor compra as normas em formato papel, ele terá
efetivamente 01 (um) exemplar da norma, agora quando o consumidor compra uma norma em formato
digital ele poderá ter efetivamente o número de exemplares da norma que desejar. Desta forma, resta
claro que não há imposição de preço excessivo.
Além desse benefício, temos o fato da ABNT ter de utilizar uma empresa de tecnologia de informação para
comercializá­las, visto que, até aquele momento, não dispunha da tecnologia envolvida nesse tipo de
comércio e, sendo assim, parte dos recursos arrecadados com a venda das normas digitais são destinados
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a seu próprio custeio. (fl. 870)
43.
Em suma, a ABNT informou que as normas técnicas em formato digital possuíam os seguintes
custos adicionais em relação às normas em papel: despesas com os custos de desenvolvimento, amortização do
investimento, custos de suporte técnico, custos de distribuição, implantação e manutenção da infraestrutura de TI
(fl. 1279).
44.
A análise da evolução dos preços das normas técnicas[6] mostra que ocorreu uma equalização dos
preços das normas em papel e em formato digital no ano de 2007. Os preços das normas em formato digital
permaneceram bem mais elevados do que os preços das normas em papel apenas no período correspondente ao
contrato de 2001, o que é justificado pelas Representadas pela necessidade de amortização do investimento
realizado. Tabela 01 ­ Evolução dos Preços das Normas Técnicas 2002­2007
Fonte: ABNT (fls. 1354/1356).
II.2.3. Justificativa da exclusividade
45.
Os possíveis danos à concorrência decorrentes da exclusividade devem ser balanceados com as
suas eficiências. Como benefícios das práticas de exclusividade reconhecidos pelo SBDC estão: “a contenção de
condutas oportunistas em defesa de investimentos não recuperáveis, como em marcas e tecnologia, e na proteção
de ativos específicos”[8]. Assim, deve­se considerar na análise se a exclusividade pactuada era necessária para o
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desenvolvimento de novo produto ou serviço a ponto de, se não fosse por ela, inviabilizar­se ou prejudicar em
demasia a existência do produto em si (no caso, normas em formato digital), o que é uma situação pior para o
consumidor.
46.
No caso em análise, anteriormente à parceria com a Target, as normas técnicas da ABNT eram
comercializadas apenas em meio impresso e a atualização ocorria de 05 (cinco) em 05 (cinco) anos. Devido aos
acordos assinados com a ABNT aqui analisados, a Target ordenou e digitalizou toda a base de dados referente às
normas técnicas então existentes, passando a comercializá­las no mercado em um novo formato: o digital, que
confere uma série de vantagens para os consumidores, como a facilidade de acesso e de consulta e a melhor
organização.
47.
A Target também passou a oferecer um novo serviço no mercado: o de atualização e
sistematização digital de normas técnicas, por meio de diferentes versões de seu software CENWin (fls.
817/834). Esse software permite a atualização imediata das normas técnicas, oferecendo segurança jurídica aos
usuários/consumidores. Como visto, tal produto não existia e passou a existir, representando uma utilidade
adicional ao consumidor.
48.
A ABNT informou em sua defesa que não tinha condições de desenvolver sozinha o novo formato
de divulgação digital para as normas técnicas, motivo pelo qual celebrou o contrato de parceria com a Target e
lhe concedeu exclusividade na comercialização das normas em formato digital (fls. 868). Segundo a Target, “a
contratação estabelecida viabilizou a organização catalográfica em ambiente digital (base de dados) em face do
aporte tecnológico da empresa especializada que arriscou seu capital para investir nesse ramo de atividades” (fl.
780).
49.
O argumento da ABNT de que não havia condições de desenvolver o produto sozinha é factível:
ora, ela é monopolista no fornecimento das normas. Se quisesse (e pudesse) comercializaria no formato digital
sozinha, cobrando, também, um preço de monopólio. Não há nos autos, nem se consegue imaginar de forma
razoável, evidência de que a contratação de um terceiro não tenha se dado por uma questão de eficiência.
50.
Pelos elementos contidos nos autos, verifica­se que cada um dos três contratos firmados ao longo
do tempo pelas Representadas (nos anos de 1995, 1999 e 2001) trouxe efetivas melhorias ao software
comercializado, aumentando suas funcionalidades, com um sucessivo desenvolvimento do produto, gerando
ganho de eficiências para o consumidor. As obrigações assumidas pela Target revelam o ônus da empresa para
desenvolver o produto em seus aspectos tecnológicos e físicos, incluindo atualizações frequentes (cláusula 5.1 do
Contrato Auxiliar nº 01 ao Instrumento Particular de Acordo de Parceria, datado de 24.04.2001, fls. 682).
51.
Pelo exposto, entende­se que havia uma justificativa que não pode ser adequadamente contestada
para a exclusividade concedida pela ABNT à Target para a comercialização das normas técnicas em formato
digital, mesmo considerando o período total de duração do contrato, sendo uma contrapartida pelos
investimentos realizados para o desenvolvimento de um novo produto, constantemente alterado e melhorado ao
longo do tempo dos contratos exclusivos. Portanto, conclui­se que a prática analisada trouxe ganhos aos
consumidores maiores dos que os eventuais prejuízos incorridos com a exclusividade na comercialização. Vale
ressaltar, mais uma vez, que a parceria trouxe ao mercado um produto novo, que efetivamente sofreu
incrementos tecnológicos importantes a cada novo contrato firmado, sendo que o produto antigo – as normas em
papel – continuou a ser comercializado no mercado de forma não­exclusiva.
52.
Por fim, vale ressaltar, como já exposto, que não havia uma racionalidade anticompetitiva em
relação à prática. A ABNT já era monopolista no mercado de normas e não atuava no mercado downstream.
Assim, não havia interesse da empresa em fechar o mercado ou favorecer uma empresa no downstream; pelo
contrário, caso tivesse tecnologia, poderia ofertar o produto e obter os mesmos lucros de monopólio. O raciocínio
mais lógico foi apresentado pela Representada: a exclusividade por um período foi necessária para tornar o
desenvolvimento da tecnologia atrativa. Diante disso, a eventual proibição do CADE poderia ter o efeito não
eficiente de inviabilizar o novo produto – situação pior do que um produto mais caro por um determinado
período. III. CONCLUSÃO
53.
Em face de todo o exposto, recomenda­se, nos termos do art. 74 da Lei nº 12.529/2011 e art. 156,
§1º e 2º, do Regimento Interno do CADE, que sejam remetidos os presentes autos ao Tribunal Administrativo do
CADE para julgamento, opinando­se pelo arquivamento do processo administrativo em relação às
Representadas, pela não­configuração de infração à ordem econômica.
Estas as conclusões.
Encaminhe­se ao Sr. Superintendente­Geral Interino.
http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_­38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn…
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02/04/2015
:: SEI / CADE ­ 0041620 ­ Nota Técnica ::
[1] A elaboração desta Nota Técnica contou com a colaboração de Raul Nero Perius Ramos, estagiário do Gabinete
da Superintendência­Geral.
[2] Correspondente ao art. 36, incisos I a IV, e § 3º, incisos III, IV, V e XVIII da Lei nº 12.529/11.
[3] Metadados são dados sobre outros dados, sendo importantes para facilitar a consulta e recuperação dos dados,
uma vez que os metadados possuem um significado e um valor bem definidos. A ficha catalográfica de uma obra é
um exemplo de metadado (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Metadados. Acesso em 05.12.2014).
1. Por exemplo, em decisão de 09.05.2006, o juiz Maurício Sato, da 21ª Vara Federal de São Paulo, concedeu
tutela assecuratória de direitos contra a ABNT e a favor da Target. A decisão reconhece que as normas
brasileiras não são protegidas por Direito Autoral e determina que a ABNT se abstenha da prática de
qualquer ato que implique na proibição ou perturbação do uso pela autora do conteúdo das normas brasileiras
(Ação Ordinária 2006.61.00.010071­0).
1. Por exemplo, o contrato de parceria firmado entre ABNT e Target, em 31.05.1999, afirma que as partes:
“pretendem comercializar, em parceria, o licenciamento do direito de uso do software indicado no
considerando anterior, cujos direitos de uso são exclusivos da Target, contendo os dados cadastrais das
Normas Técnicas Brasileiras e das Normas Técnicas no âmbito do Comitê Mercosul de Normalização, bem
como os textos das Normas em sua íntegra, cujos direitos de uso são exclusivos da ABNT” (fl. 1251) (g.
n.).
[6] Diligenciada, a ABNT afirmou não possuir o histórico de preços de 1995 a 2001.
[7] A partir de maio para a norma em formato digital. Antes de maio, um preço superior foi cobrado pela norma em
formato digital.
[8] Anexo I da Resolução CADE nº 20/1999.
Documento assinado eletronicamente por Kenys Menezes Machado, Superintendente‐Adjunto(a)
Substituto(a), em 30/03/2015, às 16:45, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02
de dezembro de 2014.
Documento assinado eletronicamente por DANIEL COSTA REBELLO, Coordenador(a)‐Geral, em
30/03/2015, às 17:58, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de
2014.
A autenticidade deste documento pode ser conferida no site
http://sei.cade.gov.br/sei/controlador_externo.php?
acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0041620 e o
código CRC 5CCCDAE7.
Referência: Processo nº 08012.002917/2002‐91
SEI nº 0041620
http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_­38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn…
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