UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAUMACK
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO
Volia Regina Costa Kato
Arq. Rudolf Olgiatti
Disponível em: http://www.ftimmo.ch/immo/olgiati.htm.
Acesso em: 20 abr. 2012
São Paulo / 2012
VOLIA REGINA COSTA KATO
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO
Tese apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial para a
obtenção do título de doutor em Arquitetura e
Urbanismo.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Righi
São Paulo / 2012
K19r Kato, Volia Regina Costa
Reflexões sobre o fazer arquitetônico. / Volia Regina Costa
Kato – 2012.
238 f. : il. ; 30cm.
Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012.
Bibliografia: f. 230-238.
Aos meus filhos Patrícia Kato e Sergio Luis Kato.
VOLIA REGINA COSTA KATO
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial
para a obtenção do título de Doutor.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Roberto Righi – ORIENTADOR
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dra. Maria Isabel Villac
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dra. Leila Maria da Silva Blass
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Prof. Dra. Monica Junqueira
Universidade de São Paulo
Prof. Dra. Eunice Helena S. Abascal
Universidade Presbiteriana Mackenzie
AGRADECIMENTOS
“É preciso verdadeiramente uma aldeia inteira para se escrever um livro”
Remen, 1998, p.276
São tantas as pessoas que contribuíram direta e indiretamente para a realização desta
pesquisa que se torna impossível enumerar. Faço gentilmente um agradecimento a todas elas,
consciente dos elos de solidariedade que se consolidaram durante este percurso. Seguindo o seu
envolvimento no transcurso temporal deste trabalho e ao mesmo tempo por suas contribuições
reflexivas, faço algumas menções especiais.
Agradeço a minha amiga de longos anos e colega no Curso de Ciências Sociais da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Leila Maria da
Silva Blass e hoje professora titular na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por seus
incentivos insistentes para que eu fizesse o meu trabalho de doutorado, mesmo que tardiamente,
como uma decisão de justeza e m relação à minha longa trajetória profissional como professora e
pesquisadora. Contribuiu de maneira fundamental para os rumos conceituais e metodológicos desta
pesquisa, sempre aberta para atender minhas dúvidas e solicitações bibliográficas.
Agradeço ao meu orientador, Dr. Roberto Righi, por ter acolhido minha decisão de
passar pelo processo desta titulação acadêmica, confiando na capacidade de pesquisa e nas
minhas reflexões teóricas, decorrentes de nossa convivência em pesquisas anteriores e parcerias de
trabalho didático nesta Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Agradeço de forma carinhosa ao arquiteto e professor Luciano Margotto Soares que
gentilmente, por nossa amizade que nascida no âmbito de uma disciplina na qual trabalhos juntos,
se disponibilizou para os meus levantamentos empíricos, concedendo-me longas entrevistas e
materiais do seu acervo profissional particular, autorizando sua divulgação. Sem esta contribuição
fundamental o trabalho não poderia ser o que é.
Agradeço também aos muitos colegas de trabalho e parceiros de pesquisa nesta
Faculdade: Angélica Benatti Alvim, Denise Antonucci, Luiz Guilherme Rivera, Gilda Collet Bruna,
Eunice Helena Abascal, que muito me apoiaram nesta tarefa tornando possível que eu me
dedicasse à investigação de doutorado, amenizando e conciliando os meus compromissos nas suas
diversas pesquisas com as quais ainda me encontro envolvida.
Nesta mesma direção, agradeço especialmente a professora Maria Izabel Villac que
embora sendo colega na mesma faculdade, só foi possivel uma aproximação profissional muito
recentemente, sendo sua aluna numa das disciplinas do Programa de Pós-graduação dessa
Faculdade. A partir das discussões teóricas em sala de aula e mesmo fora dela pôde muito contribuir
para o meu trabalho, sinalizando algumas dicas e rumos interpretativos. E, ainda suas contribuições
foram fundamentais para descobertas de pesquisa. Ao lado dela, agradeço a outros professores e
colegas que se dispuseram a discutir questões vinculadas ao fazer arquitetônico – Lizete Maria
Rubano, Ruth Verde Zein, Igor Guatelli, ajudando-me a penetrar no universo complexo da produção
arquitetônica.
Agradeço a minha família e os muitos amigos, também de longa data, que
acompanharam as aflições e dificuldades pelas quais passei durante este percurso, ofertando um
apoio incondicional:- Elenice Valéria Lia, Artur Tufolo, Louris Esper, Conceição Trevisan e Maria
Cecília Cominato.
Os agradecimentos finais se revestem para mim, de uma importância especial:
Agradeço a todos os colegas professores, funcionários da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo por facilitarem e apoiarem esta pesquisa. De maneira destacada agradeço o Diretor,
Prof. Dr. Valter Luís Caldana Júnior e ao Coordenador Prof, Arq. Silvio Stefanini Sant’Anna que
contribuíram de forma direta e indireta nesta pesquisa.
De maneira gentil, agradeço a participação colaborativa de muitos alunos que se
engajaram na concretização material da pesquisa: Simone P.C.F. Cardamoni, Izabela Cordeiro e
Gustavo Delonero.
A todos, o meu profundo reconhecimento.
RESUMO
Esta tese busca apresentar, de uma perspectiva sociológica, as características
singulares do trabalho arquitetônico e, através delas, problematizar simultaneamente a noção
moderna de trabalho e as mistificações que circundam as atividades criativas, No confronto com o
imaginário social onde trabalho é associado às práticas mecânicas e repetitivas, sujeitas a uma
disciplina alheia ao indivíduo e confundidas com emprego, o trabalho no fazer arquitetônico é aqui
interpretado em sua dimensão qualitativa como uma modalidade artesanal de criação. Suas
caraterísticas artesanais que se expressam nos processos coletivos de elaboração do projeto
arquitetônico,
perpassam
a
sociedade
moderna,
contendo
um
saber-fazer
que
articula
simultaneamente conhecimento e prática, reflexão e realização. Adotando o viés metodológico de
aproximação analítica com o fazer arquitetônico em seu efetivo desenrolar, visando identificar quem
faz o trabalho e como o trabalho é feito, três projetos arquitetônicos são apresentados à partir de um
regate reflexivo do arquiteto Luciano Margotto Soares. Ainda, ao assinalar que nas práticas de
concepção e desenvolvimento do projeto da obra arquitetônica imaginada, os múltiplos atos criativos
emergem à partir de movimentos repetitivos que envolvem, disciplina e esforço e, portanto muito
labor, traz elementos que desmistificam as idealizações feitas em torno do arquiteto, como sendo
portador de atributos ocultos de genialidade.
Palavras chave: processo de projeto; trabalho arquitetônico; trabalho e criação.
ABSTRACT
This thesis seeks to present, from a sociological standpoint, the unique
characteristics of architectural work and, through them, to question both the modern notion of
work and the mystifications that surround creative activities. In comparison with the social
imaginary where work is associated with mechanical, repetitive practices, subject to a
discipline distant to the individual and confused with employment, work in architecture is
interpreted here in its qualitative dimension as a form of craftsmanship creation. Its
craftsmanship characteristics are expressed in the collective processes of preparing an
architectural design, passing by the modern society, containing a know-how that articulates
both knowledge and practice, reflection and accomplishment. Adopting the methodological
point of view of analytical approach to architecture in its actual conduct in order to identify
“who does the work” and “how the work is done”, three architectural projects are presented
based on the works of architect Luciano Margotto Soares. Further, indicating that the
practices of project design and development of the architectural work imagined several
creative acts emerge from repetitive movements that involve discipline and effort, therefore
hard work, it brings elements that demystify the idealizations made around the architect, as
bearer of hidden genius attributes.
Keywords: design process, architectural work, work and creation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
09
CAPÍTULO 1
Os apelos investigativos da pesquisa
13
CAPÍTULO 2
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
31
CAPÍTULO 3
Práticas de trabalho e processos de projeto
52
CAPÍTULO 4
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano
Margotto Soares
89
CAPÍTULO 5
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões
do trabalho e seu desenrolar 140
CONSIDERAÇÕES FINAIS 224
REFERÊNCIAS
231
INTRODUÇÃO
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
É importante destacar de início que esta tese de doutoramento, inserida no
programa de Pós-Graduação em perda Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, constitui uma reflexão sociológica sobre o fazer
arquitetônico, focada em suas características qualitativas que expressam uma forma
singular de trabalho, nascida em período histórico anterior à sociedade moderna e que a ela
se inseriu e se ajustou, mantendo seus traços artesanais à margem dos processos
produtivos fabris predominantes.
Diferente de outras pesquisas sociológicas onde o trabalho arquitetônico é
analisado como profissão ou como uma atividade liberal sujeita às regulações de suas
instituições representativas e que, portanto, tem por objeto, as condições de trabalho, esta
tese busca analisar as dimensões concretas do fazer arquitetônico em sua materialidade
específica e como um saber fazer que se expressa nas práticas de trabalho por
conhecimentos técnicos e artísticos incorporados e por suas habilidades manuais voltadas
para a criação da obra arquitetônica.
As reflexões sobre este fazer criativo evidencia a coexistência de outras formas
de trabalho na sociedade moderna ainda que subordinadas a forma predominante e
paradigmática de trabalho na sociedade capitalista moderna – o trabalho assalariado fabril.
As crises geradas pelas transformações dos processos de gestão produtiva e outras
mudanças no mundo contemporâneo que incidiram na retração do trabalho assalariado e
adoção de outras formas de vínculos empregatícios, trazem à tona a crise do emprego em
sua manifestação de assalariamento. O resgate da noção de trabalho enquanto energia
criativa posta em ação representa um enfoque qualitativo de análise que permite trazer à
tona os diversos saberes e fazeres presentes na sociedade contemporânea inseridos na
Introdução
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
modernidade de forma subordinada e que a ela se ajustaram, como é o caso do fazer
arquitetônico. Nesta inserção histórica o fazer arquitetônico se desdobra em diversas
atividades ou atribuições no sentido de sua institucionalização como profissão liberal, ao
lado de uma separação ambígua e não totalmente completa entre o projeto e a construção
da obra criada. Ainda que esta separação incorpore a produção arquitetônica na complexa
divisão do trabalho da sociedade capitalista com a exploração de força de trabalho na
construção civil, tal como salientado pelo debate crítico no campo da arquitetura no contexto
dos anos de 1970 e 1980, este fenômeno não eliminou as característicos artesanais deste
fazer no processo de produção do projeto arquitetônico. Na postura analítica aqui adotada
considera-se, portanto, a elaboração do projeto como o aspecto central do fazer
arquitetônico que, em suas dimensões artesanais se manifesta como ofício.
Trata-se da polêmica marxista sobre o papel da arquitetura como atividade
profissional na sociedade capitalista, movida, sobretudo, a partir das análises de Sergio
Ferro (1979) e seus seguidores. Paulo Bicca (1984), por exemplo, reafirma as
argumentações de Sergio Ferro ao situar a fratura entre a concepção e a construção da
obra arquitetônica como decorrência de um processo crescente de divisão social do trabalho
inaugurado pela produção fabril, identificando aí as mazelas das determinações do capital
sobre a produção arquitetônica que, inserida num circuito de reprodução do capital,
resultaria na exploração alienada do trabalho no canteiro de obras. A preocupação teórica,
centrada na expressão histórica do trabalho capitalista como mercadoria, esquece que a
própria produção do projeto é um processo de trabalho que contém características
qualitativas inerentes e específicas, próprias de um fazer artesanal anterior. Por isto mesmo,
ao ilustrar alguns elementos que marcaram a da transformação histórica do arquiteto,
contribui de forma não intencional e contra os próprios objetivos de sua argumentação para
ilustrar a permanência do arquiteto como artesão transformado na sociedade moderna, ou
seja, alguém que continua sendo portador de um saber fazer específico. Além de tudo,
esses posicionamentos se baseiam na separação equivocada entre trabalho intelectual e
trabalho manual e se distanciam, portanto, da fundamentação sobre o conceito de trabalho
aqui defendida.
Neste sentido as reflexões contidas nesta pesquisa se confrontam com a noção
de trabalho disseminada no imaginário social que confunde trabalho com emprego e que é
reforçada pelos próprios arquitetos ao alimentam a ideia de que são portadores de atributos
de genialidade criativa que tornam o seu fazer oculto e inacessível.
Assim, os próprios arquitetos não se preocupam ou tem dificuldades em
desvendar como surgem e se desenvolvem as idéias criativas e, assim, ao ocultarem nos
Introdução
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
seus discursos e reflexões o que são os atos criativos, contribuem para reforçar o imaginário
social e, portanto, para mistificar o próprio trabalho.
Esta reflexão permite ainda apresentar, como ideia destacada, que as
características inerentes ao seu fazer que se insere no processo de elaboração do projeto
arquitetônico, mantém suas singularidades inerentes, ainda que se alterem as formas de
emprego, ou seja, as relações trabalhistas de engajamento dos indivíduos nos processos de
trabalho e que as inovações tecnológicas promovam mudanças significativas em alguns
instrumentais de trabalho.
Ao
mesmo
tempo
em
que
incorpora
pesquisas
importantes
e
bem
fundamentadas desenvolvidas na área da Arquitetura sobre aspectos parciais deste fazer e
a importância do uso de alguns instrumentos de trabalho consagrados, esta pesquisa
apresenta uma diferença de abordagem analítica uma vez que o fazer arquitetônico e suas
práticas são vistos inseridos num conjunto de relações sociais que se articulam no processo
produtivo. Interessa, sobretudo, identificar no processo de trabalho, quem faz o trabalho e
como o trabalho é feito.
Os resultados da investigação estão sistematizados em cinco capítulos que
articulam conteúdos específicos de caráter analítico e descritivo.
O capítulo um situa o surgimento do interesse temático, contextualizando as
discussões e pesquisas sobre a questão do trabalho na sociedade contemporânea, o
enfoque teórico adotado e a perspectiva metodológica que subsidiou a coleta e
interpretação de dados.
Alguns conceitos instrumentais que se aplicam ao entendimento das
características artesanais e criativas do fazer arquitetônico e sua inserção num campo
específico de produção cultural, privilegiando algumas contribuições de Hannah Arendt e
Pierre Bourdieu, constituem o conteúdo do capítulo dois.
O capítulo três apresenta as várias dimensões do fazer arquitetônico, visto no
contexto do seu processo produtivo, envolvendo atividades conceptivas da obra como um
artefato único e irreproduzível, o gerenciamento e controle do trabalho de diversos
profissionais envolvidos na realização do projeto arquitetônico e a mediação de interlocução
com outros agentes intervenientes situados fora do processo produtivo.
Os
resultados
da
aproximação
qualitativa
com
um
fazer
concreto,
acompanhando o desenrolar do processo criativo de realização de três projetos
Introdução
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
arquitetônicos através de um resgate intencional feito pelo arquiteto Luciano Margotto
Soares, estão amplamente apresentados no capítulo cinco, contendo um grande acervo de
croquis e projetos codificados em sua linguagem específica, destacando sobretudo, o fato
de que os atos criativos no fazer arquitetônico surgem no âmbito de muito esforço repetitivo
e intencional que exige do arquiteto, pesquisa, experimentações e disciplina, portanto,
engajamento na busca do melhor resultado possível. Este avaliar qualitativo se remete à
idéia de ofício artesanal e desmistifica a aura de genialidade que cercam muitos arquitetos
renomados.
O capítulo quatro, que o antecede, contém a contextualização do arquiteto
investigado em termos de sua formação profissional e do seu alinhamento com um
segmento de arquitetos formados na FAUUSP no período de transição democrática no
Brasil. Buscou-se salientar a influência destes fatores sobre suas concepções arquitetônicas
e visão de mundo que incidem sobre uma forma singular de organizar o trabalho, ainda que
o seu fazer siga os cânones institucionalizados gerais a todos os arquitetos e, justamente
por isto, serve como um exemplo expressivo do fazer arquitetônico.
Introdução
CAPÍTULO 1
Os apelos investigativos da pesquisa
“As pessoas que coletam fatos sobre a sociedade
e os interpretam não começam do zero a cada
relato que fazem. Usam formas, métodos e ideias
que algum grupo social, grande ou pequeno, já tem
à sua disposição como uma maneira de fazer este
trabalho” . (Becker, 2009, p.27).
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 13
Este capítulo tem por objetivo situar as discussões teóricas e a trajetória
pessoal reflexiva que deram origem ao tema desta pesquisa, referenciando suas
indagações, o enfoque conceitual adotado e o olhar metodológico que orientou os
levantamentos de informações e as análises.
1.1 PONTOS DE PARTIDA
O meu interesse sobre o tema do trabalho arquitetônico nasceu no transcorrer
de minha trajetória profissional como professora e pesquisadora há longo tempo em cursos
de arquitetura e urbanismo, sempre envolvida com reflexões sobre os processos de
mudança da sociedade contemporânea em seus múltiplos aspectos. O interesse pelas
relações imbricadas dos fenômenos urbanos, sociais e culturais é influenciado pela minha
formação acadêmica como socióloga buscando sempre entender as dimensões subjacentes
entre estas esferas e sua expressão nos contextos espaciais das experiências de vida
individuais e coletivas.
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 14
Mais especificamente, o envolvimento investigativo com este tema ocorreu à
partir da minha participação em duas pesquisas realizadas na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie1 relacionadas ao fazer arquitetônico.
A primeira delas foi realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, congregando professores da Graduação e da PósGraduação sob a denominação de Análise Crítica da Arquitetura Paulista nas Décadas de
1980 e 1990. Esta pesquisa desenvolvida sob a liderança do Prof. Dr. Roberto Righi, teve
como foco uma primeira aproximação de ampla reflexão crítica sobre a produção
arquitetônica paulista contemporânea. Buscava-se identificar nesta investigação as
implicações
das
transformações
econômicas,
tecnológicas
e
culturais
operadas
mundialmente que se consolidaram, sobretudo após os anos de 1980 sobre os processos
de produção arquitetônica, à partir de levantamentos em 35 escritórios. Esta amostragem
intencional visava contemplar o universo heterogêneo da produção arquitetônica mais
destacada nesta cidade, num período recente.
Situada numa perspectiva multidisciplinar, o tema do trabalho aparece como um
dos aspectos da investigação, entrecruzados com outros focos de análise qualitativa sobre a
produção arquitetônica, entre eles, a trajetória de produção profissional dos arquitetos, as
formas de utilização de elementos conceituais, estéticos e simbólicos e a inserção social das
produções arquitetônicas desses escritórios.
De certa forma influenciada pelo caráter inusitado e incipiente sobre as diversas
possibilidades de reflexão sobre as práticas de trabalho na produção do projeto
arquitetônico e condicionada pela unidade de análise – os escritórios – a abordagem
privilegiou uma perspectiva descritiva de elementos que remetiam às condições de trabalho
relacionadas com a composição e transformação funcional de cada escritório em termos de
porte, vínculos trabalhistas, remunerações, e alguns outros que se remetiam às formas de
organização do trabalho no ambiente físico de produção.
Do ponto de vista da organização funcional e das práticas de trabalho, as
hipóteses orientadoras desta investigação supunham a ocorrência de mudanças nas formas
1
Righi, R; Abascal, E., Rivera, L.G; Kato, V.R.C.,. Panorama da Arquitetura Paulista Contemporânea – um estudo sobre 35
escritórios. São Paulo: Fundo Mackenzie de Pesquisa – Mackpesquisa, Relatório de Pesquisa, mimeo, 2003. Esta pesquisa
contou com a participação de professores da graduação e pós-graduação da FAUM, desbobrada em dois projetos.
A enquete Formação Acadêmica e Atuação Profissional: opiniões e perspectivas de ex-alunos da FAU-Mackenzie, 1994-2005,
realizada no ano de 2006, coordenada por KATO, V. R. C. e ZIONI, S. Sem subsídios de fomento e assumindo um caráter de
colaboração voluntária, a sua realização contou com apoios informais da direção e participação de alunos da graduação.
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 15
de produção do projeto e em sua concepção, decorrentes das novas relações entre o
profissional e o mercado; a existência de rearticulações das atividades trabalho à partir de
controles informatizados; a difusão de relações contratuais de trabalho, frouxas e precárias,
no interior dos escritórios, caracterizadas pelo trabalho autônomo e temporário além de
rebaixamentos salariais e ampliação das contratações terceirizadas de pequenos escritórios
de arquitetura individualizados e empresas de serviços, entre outras.
Buscando consolidar os resultados obtidos, a segunda etapa desta pesquisa,
com o mesmo título, finalizada em 2003 ampliou os levantamentos qualitativos destes
fenômenos, através de dados primários expressos por entrevistas semi-abertas nestes
escritórios, destacando os discursos emitidos pelos atores investigados com opiniões e
percepções sobre a sua prática profissional concreta.
Os resultados obtidos destacam algumas especificidades locais na cidade de
São Paulo, sobretudo decorrentes das transformações das demandas sociais sobre a
produção arquitetônica e de incorporação de tecnologias informatizadas aplicadas ao
processo de trabalho que vão se expressar em condições diferenciadas de escritórios, em
termos de porte e formas de inserção no mercado.
De uma maneira geral, observa-se que os reflexos das transformações da
dinâmica econômica inseridas nos processos contemporâneos de globalizações se
traduzem num primeiro momento no Brasil, pela retração do boom imobiliário que
acompanha as crises econômico-financeiras desde a década de 1980 e pela diminuição e
redefinição das demandas estatais em relação à produção arquitetônica. Ao mesmo tempo,
a difusão de tecnologias informatizadas e redefinições das demandas privadas e estatais
sobre a arquitetura impulsionam nos escritórios, remodelações produtivas envolvendo
incorporação tecnológica com sistemas informatizados e enxugamento funcional, tanto em
termos de estrutura física quanto de empregos, ampliando e generalizando modalidades
baseadas na terceirização e no trabalho autônomo.
Ainda que estas tendências gerais perpassam todos os escritórios investigados,
assumem conotações particulares relacionadas às formas e possibilidades de inserção de
cada um deles nas novas condições de mercado. Estas diferenciações permitiram criar uma
cartografia de segmentos de escritórios que se evidenciou bastante heterogênea,
envolvendo desde o aparecimento de grandes escritórios vinculados à ampliação de
demandas privadas de grandes empresas até pequenos escritórios que sofreram
enxugamento funcional e se reduziram apenas à figura do sócio e poucos auxiliares. Esta
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 16
cartografia permitiu conhecer um leque amplo de transformações do emprego na produção
arquitetônica de São Paulo.
À título de exemplificação, entre outros,
um dos segmentos formado por
escritórios que haviam atingido uma estrutura funcional relativamente grande e estável num
contexto anterior de amplas demandas do mercado imobiliário e outras provenientes do
Estado, as práticas de enxugamento, com a redução paulatina de funcionários se traduz no
desmanche de equipes técnicas, desarticulação de processos de trabalhos já consolidados
onde se configuravam perspectivas de carreira pessoal e melhorias salariais no interior do
próprio escritório. Outro segmento desta cartografia e revelando uma resposta diferenciada
às condições internacionais e internas vigentes nos anos de 1980 e 1990 é composto por
escritórios que sempre mantiveram estruturas funcionais reduzidas. O escritório representa
apenas um suporte técnico com poucos funcionários, à arquitetos de autoria renomada na
produção arquitetônica paulista desde a década de 1960. A manutenção de um lugar no
mercado opera-se, nestes casos, por uma forma específica de distinção onde a autoria do
projeto e sua expressão renovada com adoção de novas possibilidades temáticas,
estruturais e plásticas, atendem, sobretudo, a um novo tipo de intervenção do Poder Público
na cidade em obras culturais, viárias e de requalificação urbana. Identifica-se, ao contrário,
como outro segmento, a presença de escritórios de porte funcional em expansão, vinculados
ao surgimento de novos nichos de mercado para a arquitetura à partir dos direcionamentos
das políticas econômicas após 1990 no Brasil, que no âmbito das privatizações atraíram
empresas multinacionais sobretudo ligadas aos ramos eletrônico e comunicação além de
escritórios especializados em consultoria técnica e advocacia. Estes são apenas alguns
exemplos que se destacam.
As tentativas de categorização apresentadas evidenciam por um lado, um
movimento mais amplo de remodelação do mercado de trabalho em arquitetura no Brasil,
desde o final dos anos 1980, sinalizando simultaneamente a presença de condições mais
precárias e instáveis de trabalho. Mesmo nos poucos escritórios onde circunstâncias
pontuais permitem ampliar o trabalho assalariado, já se manifestam políticas de
gerenciamento voltadas para a redução de custos operacionais, afetando as possibilidades
anteriores de sustentar uma requalificação continuada dos funcionários, aumentando a
intensificação e as jornadas de trabalho.
Situada fora dos locais de trabalho, a segunda investigação sob minha
coordenação buscava uma aproximação direta com jovens arquitetos-urbanistas formados
pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, no
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 17
período de 1994 à 2005. Embora objetivasse primordialmente caracterizar a inserção
profissional dos ex-alunos e suas opiniões pessoais sobre as relações entre a qualidade de
sua formação acadêmica e as condições e exigências do mercado de trabalho atual, esta
pesquisa apresentou resultados surpreendentes em termos dos significados subjetivos que
atribuíam ao se fazer.
As hipóteses iniciais remetiam, por um lado, ao fato de que o arquiteto recémformado atualmente já se insere nas novas condições de mercado, envolvendo, sobretudo,
modalidades de trabalho autônomo, informal e temporário, envolvendo um contexto mais
amplo de precariedades em termos de remuneração e vínculos trabalhistas que não é
exclusivo de seu campo de atuação. Focada nas condições de inserção da arquitetura
enquanto atividade profissional remetida necessariamente aos vínculos com a formação
acadêmica destes arquitetos foi baseada em questionários com indagações que pudessem
sinalizar as compatibilidades e disjunções dos conteúdos didáticos e pedagógicos e as
exigências do mercado2.
Confirmam-se aí a predominância de condições de trabalho instáveis, precárias
e mal remuneradas, aspectos enfaticamente mencionados nas entrevistas. No geral, o
trabalho atual é recente (70%), marcado por baixas remunerações (cerca de 30% recebe
menos que o piso salarial da categoria) e por relações de trabalho autônomas e temporárias
ou
assalariadas
sem
registro
regular.
O
emprego
assalariado
possui
pouca
representatividade e os que se declaram como proprietários de escritórios também
constituem uma categoria não significativa.
Do ponto de vista da atribuição de significados sobre o seu trabalho, as
respostas dos entrevistados revelam e ao mesmo tempo ocultam uma compreensão sobre
as relações complexas envolvidas no campo de produção da Arquitetura. Nos discursos
destes jovens arquitetos existe consciência de que estão em desvantagem competitiva no
jogo de prestígio para conseguirem inserções mais favoráveis, ao mesmo tempo em que
desejam se adequar a estas exigências através de qualificação continuada. Diante das
condições de inserção fragmentada e pontuais nos processos produtivos associadas à
baixas remunerações, a valorização subjetiva do trabalho fica comprometida e muitas vezes
é vista como resultado da diminuição da importância social do arquiteto enquanto
profissional. Ao mesmo tempo, revela-se de forma ambígua o valor pessoal do trabalho
2
A proposta de investigar estas questões nasce justamente no âmbito das discussões pedagógicas da FAUM e assume um
caráter de enquete exploratória no sentido de identificar os percursos profissionais dos egressos desta faculdade e suas
percepções subjetivas sobre a influência de sua formação acadêmica.
Os apelos investigativos da pesquisa
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expressas por insatisfações e engajamento precário na realização do trabalho porque estão
apartados das concepções e articulações mais amplas dos processos de produção do
projeto e emitem uma percepção conformista em relação ás condições impostas uma vez
que não conseguem visualizar possibilidades outras de dar significado às suas tarefas. Nas
interfaces ambíguas entre ideais da profissão e impossibilidades reais de sua realização,
coloca-se como um desejo manifesto o aperfeiçoamento profissional e de adequação às
exigências mutantes do mercado de trabalho. Um exemplo é a percepção de que as
relações de trabalho autônomas representam uma tendência definitiva e de que os
arquitetos não foram formados e, assim, não estão habilitados para gerenciar suas
atividades profissionais sob esta nova condição. Se a avaliação sobre sua formação
acadêmica é de distanciamento da prática e do mercado de trabalho, uma vez que os
conteúdos referentes a gerenciamento técnico e de mercado, desenvolvimento de projetos,
legislação ou práticas e processos de produção estão ausentes dos conteúdos curriculares,
revela-se também que a sua prática profissional, tal como realizada, é percebida
desfavorável no sentido de ofertar possibilidades de aquisição de novas capacitações ou
aperfeiçoamento de um conhecimento adquirido. Ou seja, as formas de engajamento real e
significativo com o trabalho são frágeis e esgarçadas.
De um lado, as duas investigações acadêmicas das quais participei foram
profícuas no sentido de fornecer algumas informações qualitativas e apontar que também as
formas de gestão da produção arquitetônica têm sido atravessadas pelas mudanças atuais
da organização do trabalho na sociedade capitalista. Por outro lado, permitiram que eu me
defrontasse, ainda que de forma superficial com o fazer arquitetônico em sua dimensão
qualitativa de trabalho e com os estigmas tanto acadêmicos e profissionais, onde trabalho e
emprego se confudem.
Assim, das informações contidas nestas pesquisas, brotaram interpelações
sobre o fazer arquitetônico e suscitaram questionamentos sobre as abordagens
sociológicas, cujos referenciais teóricos condicionados pela noção de trabalho assalariado
ficam restritas à análise de suas expressões degradadas na sociedade contemporânea.
Os fenômenos contemporâneos que envolvem esta questão sinalizam a
importância de se repensar o significado do trabalho na sociedade capitalista e de se voltar
para as suas diversas expressões na sociedade. Assim, a partir do reconhecimento desta
distinção, abre-se um campo amplo de investigação sociológica, sobre a multiplicidade das
formas de trabalho, inclusive nas atividades artísticas, de lazer e muitas outras.
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 19
É neste quadro de reflexões que nascem e se situam os interesses desta
pesquisa de doutorado sobre o fazer arquitetônico.
1.2 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A NOÇÃO MODERNA DE TRABALHO
A chamada crise do trabalho na sociedade contemporânea surge como uma
questão associada às transformações do trabalho assalariado, tal como se configurou
historicamente à partir da consolidação do desenvolvimento industrial capitalista desde o
século XIX. As alterações na organização dos processos produtivos desde o final da década
de 1970 colocam em cheque as pretensas estabilidades introduzidas pelos dos sistemas
fordistas de gestão, sobretudo nos países centrais e se repercutem em modificações nas
formas de emprego, introduzindo de forma mais generalizada, vínculos trabalhistas mais
instáveis e flexíveis, de emprego autônomo, terceirizado, etc. Trata-se de crise de emprego,
em sua forma paradigmática e não de uma crise do trabalho.
As transformações do emprego assalariado se apresentam como uma das
pontas de um processo mais amplo de mudanças históricas onde se agregam outros
desafios postos pelo conjunto das transformações do mundo contemporâneo.
Os paradoxos do mundo contemporâneo sobre o trabalho, têm mobilizado
numerosas investigações sociológicas que ao penetrar nos significados das transformações
recentes do emprego assalariado decorrentes da adoção de novos sistemas de gestão dos
processos produtivos, constatam condições heterogêneas e precárias de inserção dos
indivíduos, sobretudo nos processos fabris.
As investigações de HIRATA (1997, p. 24) revelam os rumos assumidos pela
acumulação capitalista que trazem como respostas às crises delineadas nos anos de 1970,
um novo conceito de produção denominada de especialização produtiva preconizando uma
nova divisão do trabalho e uma incorporação inovadora dos indivíduos nas organizações
frente a desarticulação do modelo fordista, consolidado no pós-guerra. Os resultados de
suas pesquisas comparativas internacionais destacam que a difusão de um modelo de
especialização flexível, baseada em mão-de-obra altamente qualificada e polivalente,
orientado por um princípio de cooperação entre práticas de trabalho, não ocorre de forma
homogênea: “Sua penetração varia significativamente de um setor para outro, em função do
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 20
modo de inserção na economia mundial, e se a mão-de-obra é masculina ou feminina”
(Idem: 26)
Outros estudos como os de BEYNON (1995) sobre as transformações produtivas
na Inglaterra também problematizam de modo enfático, os resultados das novas
transformações, identificando que a acentuada incorporação tecnológica e de novos
modelos de gestão nos processos produtivos, tem produzido pouco impacto para a criação
de um operário individualizado e polivalente, tal como preconizam os novos modelos de
gestão.
Destaca que após o final dos anos 70, as reduções drásticas de empregos
industriais nos países centrais se traduzem na Inglaterra pelo fechamento de uma
quantidade enorme de empresas consideradas estratégicas no setor siderúrgico, de
estaleiros e de extração mineral no período de 1979 e 1992, implicando num patamar de
eliminação de cerca de 3 milhões de empregos. Ao mesmo tempo ocorre uma realocação
espacial das unidades produtivas, ficando nos países centrais as indústrias de ponta, com
alto valor agregado, ao lado dos processos de privatizações e redução dos empregos no
setor público que, só naquele país e no mesmo período, eliminou mais de mais de 1 milhão
de empregos. Apesar do declínio industrial nesta época, os trabalhadores industriais
representavam ainda um contingente considerável de cerca de 5 milhões de pessoas e
embora a incorporação técnica tenha sido acelerada na indústria de transformação, os seus
impactos sobre as práticas de trabalho foram superficiais no sentido de criar um operário
individual e polivalente, tendo como referências princípios de cooperação. Embora tenham
existido casos de inovação das práticas de trabalho baseadas na especialização flexível,
seus resultados são raros e pouco frequentes. (Ibidem, p. 12).
Os resultados destas redefinições de gerenciamento produtivo incidem,
sobretudo, em novas formas de inserção de trabalho caracterizadas pelo emprego em
tempo parcial, por conta-própria e subemprego e na intensificação do trabalho, aumento de
stress gerado pela constante instabilidade de sua garantia, diante de um mercado de
trabalho alargado pelo desemprego.
Ainda, segundo este mesmo autor, as transformações do trabalho ocorridas
predominantemente nos anos de 1980 na indústria, se propagam na década seguinte para
os outros setores da economia. Porém, seus estudos no setor de serviços, revelam também
que a maior parte dos empregos continua sendo manual, não-qualificado e com
características fordistas - rigidez tecnológica, homogeneização do trabalho em massa e
ênfase no consumidor ao mesmo tempo em que aumenta consideravelmente a incorporação
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 21
feminina através de contratos trabalhistas não padronizados, menor remunerados, por
tempo parcial e temporários.
Assim, no plano das condições vigentes nos países centrais, as investigações
científicas sobre as novas gestões produtivas e práticas de trabalho a elas associadas,
apontam que a assimilação da especialização flexível se traduz em formas heterogêneas e
diversificadas de manifestação.
Análises empíricas comparativas envolvendo as condições brasileiras, no âmbito
do trabalho fabril, confirmam as manifestações heterogêneas das novas práticas de
trabalho, destacando os fatores locais relativos aos aspectos da legislação trabalhista e
outros de caráter cultural como o emprego crescente de mão-de-obra feminina em tempo
integral e resistências à aceitação das novas gestões flexíveis.
Ao mesmo tempo, evidencia-se, tal como em outros contextos, a presença dos
processos de reengenharia implicando na redução do número de funcionários, o aumento
crescente do desemprego e das modalidades de trabalho terceirizados e autônomos.
A relevância do consumidor e da imagem do produto num mercado cada vez
mais competitivo induz, na verdade, ao enxugamento das empresas, com a redução do
número de funcionários eliminando as perspectivas vigentes no modelo anterior, de
ascensão num plano de carreira e possibilidade de visualização de um futuro previsível.
Além destes aspectos, os processos de enxugamento das empresas constituem pressões
para o conformismo no emprego, aumento do sentimento de impotência e insegurança.
Ao discutir a concepção de especialização flexível no bojo das transformações
recentes das sociedades modernas, SENNETT (1999a) amplia a análise de suas amplas
repercussões tanto sobre as práticas de trabalho, quanto sobre as instituições sociais e,
sobretudo a análise dos seus reflexos nas dimensões subjetivas dos indivíduos
problematizando os seus valores pessoais sobre a qualidade do trabalho em termos de
formação, habilidades e engajamento.
No âmbito das ocupações profissionais e das práticas de trabalho, as análises
de Sennett destacam repercussões configuradas em três grandes desafios aos quais os
indivíduos são lançados: 1.O desafio relacionado ao tempo: ao se defrontar com a
instabilidade de emprego o indivíduo se encontra na contingência de migrar de tarefas e
locais devendo o tempo todo improvisar a narrativa de sua vida, com sentimentos oscilantes
à respeito de si próprio; 2.O desafio relacionado ao talento: as alterações das exigências da
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 22
realidade impõem o desenvolvimento de novas capacitações e descobertas de capacidades
potenciais; 3.O desafio relacionado ao desapego: na medida em que os empregos não são
mais garantidos no interior das organizações, o traço de personalidade exigido é a
capacidade dos indivíduos abandonarem suas experiências passadas e estarem abertos às
novidades SENNNETT, 1999b)
A riqueza das análises de Sennett reside justamente em sua perspectiva de
investigar o alcance das mutações do trabalho em relação às suas significações subjetivas e
aos universos sociais e familiares, ultrapassando nestes aspectos, o núcleo das análises
sociológicas que ao se debruçarem sobre a “crise do emprego” na sociedade
contemporânea, circunscreve suas análises dentro dos universos de trabalho reforçando as
dicotomias assumidas historicamente que separam o trabalho do viver, do consumo, do
lazer, vistos como não-trabalho e, de outras dimensões da vida social. Estas abordagens
ficam prisioneiras das imagens sociais gestadas na modernidade ocidental em torno da
prevalência do trabalho assalariado fabril, confundindo-se assim, trabalho com emprego.
Precisamente, as mutações do mundo contemporâneo apontam para a
centralidade que o trabalho assalariado adquiriu na gestação da modernidade capitalista
europeia. As imagens do trabalho no mundo ocidental que influenciam muitas abordagens
sociológicas, ao circunscreverem esta noção ao seu ícone – o trabalho assalariado fabril obscureceram a presença da diversidade de formas de trabalho na sociedade
contemporânea e mesmo as suas combinações específicas dependendo dos diversos
contextos sociais. O próprio desenvolvimento capitalista sempre ocorreu de forma desigual e
combinada, subordinando formas de trabalho não-capitalistas ao processo de produção de
riqueza. Como alerta Montes (apud BLASS, 2007, p. 16-17) tais abordagens não
questionam o trabalho enquanto
[...] uma forma que assume o trabalho na modernidade capitalista européia,
e que uma generalização talvez indevida coloca como parâmetro para a
análise de todas as formas de trabalho nas sociedades contemporâneas,
independentemente da gênese local da formação capitalista ou da força de
trabalho que sustenta o seu desenvolvimento, desigual e combinado,
quando situado na periferia do sistema. [...] Dessa perspectiva, no
desenvolvimento desigual e combinado que a produção capitalista nos
impôs desde o seu princípio, a forma canônica do trabalho assalariado do
sistema capitalista, que se confunde com o trabalho fabril e a subordinação
real do trabalho ao capital, terá sido, no Brasil, mais uma exceção do que
uma regra, sob a qual subsistiu de modo fragmentário uma outra concepção
e forma de experiência mais ampla de trabalho, que não o dissocia do seu
significado na vivência do trabalhador, nem das redes de sociabilidade
dentro das quais é realizado.
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 23
Esta interpelação sinaliza a importância de se repensar o significado do trabalho
na sociedade capitalista e de se voltar para as suas diversas expressões. Impõe-se assim,
um apelo analítico de resgate da noção de trabalho para que se abra um campo amplo de
investigação sobre a multiplicidade das formas de trabalho, inclusive nas atividades
artísticas, de lazer e muitas outras, evidenciando a complexidade e heterogeneidade social.
Contudo, mesmo diante das evidências empíricas sobre as transformações do
trabalho na sociedade contemporânea existe ainda do ponto de vista analítico, poucas
aberturas para o questionamento da noção de trabalho e, no geral, os estudos temáticos
permanecem focados, tal como mencionado, nas oscilações do emprego e nas condições
de trabalho. Se, por um lado, como afirma BLASS, (2007, p.120).
A temática do trabalho tem indagado cientistas sociais, economistas,
pedagogos, empresários, sindicalistas e todos os envolvidos com debate
sobre o futuro do trabalho, porém poucos buscam desvendar os paradoxos
da aplicação extensiva das modernas tecnologias e a persistência de
fazeres e saberes tradicionais nas formas contemporâneas de gestão do
trabalho e da produção, bem como a dimensão subjetiva subjacente às
práticas de trabalho e emprego.
Por isto mesmo, o reconhecimento de que estas oscilações são manifestações
das crises e transformações globalizadas do mundo contemporâneo, reforça a necessidade
de uma releitura desta noção enquanto categoria histórica de análise que possa ultrapassar
dicotomias constituídas – emprego e trabalho assalariado; trabalho e lazer; ócio e trabalho,
entre outras.
Blass (2006, p. 23) enfatiza as análises de Diez, para quem o discurso moderno
do trabalho desponta na Europa Ocidental no final do século XVII e se consolida com as
relações capitalistas no decorrer do século XIX, num movimento de dessacralização do
trabalho e de sua identificação com o trabalho produtivo:
A generalização das várias formas de assalariamento consistiria um dos
critérios para classificar e ordenar as diferentes formas de vida societária
que passam a ser divididas em modernas, desenvolvidas e em
desenvolvimento, contrapostas às sociedades pré-modernas, précapitalistas, subdesenvolvidas tradicionais ou primitivas. Mais ainda, a
fábrica moderna, na sua universalidade abstrata e o emprego fabril é
considerada o paradigma da análise sociológica do trabalho, estabelecendo
os fundamentos da chamada “sociedade do trabalho”, única referência para
a análise das diferentes formas de organização de trabalho, dos
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 24
rendimentos necessários para manter em funcionamento a acumulação do
capital por intermédio do ciclo – produção, distribuição e consumo – e das
várias formas de vida societária.
A noção moderna de trabalho, de acordo com esta análise, não contempla
outras atividades que fogem aos requisitos de criação de valor nos processos de
acumulação de capital, consideradas como não-trabalho, e, assim o emprego fabril se
confunde no imaginário social, com trabalho, ainda que esta seja apenas a forma histórica
das sociedades modernas. (Ibidem, p.24)
Segundo a autora, estes parâmetros estabelecem dicotomias entre locais de
trabalho, atividades domiciliares e moradia; atividades de lazer como não-trabalho,
enquadradas no tempo livre como não-trabalho. E ainda, que o ato de trabalhar é assim
associado ao esforço e ao labor, à obrigações e punições. Ao se desvincular do sagrado,
perde o seu caráter criativo e sua magia, deslocando-se do conjunto das relações sociais.
O desnudamento da noção de trabalho em sua versão histórica, requer, por isto
mesmo, outro olhar para o interior dos processos produtivos que explicite os agentes e as
práticas de trabalho (quem faz e como faz) e que possa contemplar um universo mais amplo
das realizações dos indivíduos nas diferentes atividades da sociedade. Utilizado desta
forma, como categoria teórica, o trabalho pode assumir estatuto explicativo dos diversos
saberes e fazeres extensivas às atividades consideradas como não-trabalho, as atividades
artísticas e outras como o fazer arquitetônico que, por sua natureza criativa, possui
enquadramento conflitante na noção moderna de trabalho.
Como bem situa Leila Blass (2006, p.25), “no ato de trabalho, pensado como ato
criativo, fica difícil dissociar as práticas de trabalho e de emprego ou trabalho assalariado;
sujeito e objeto de produção; trabalho e conhecimento”.
E, ainda, no dizer da mesma autora,
A desmontagem da noção de trabalho, criada e imaginada na modernidade,
indaga sobre um dos seus ícones: o emprego ou trabalho assalariado. Urge,
portanto, o alargamento da idéia de trabalho, para que um conjunto de
práticas sociais de trabalho, porém não necessariamente assalariadas,
ganhe estatuto teórico. (Ibidem, p. 29).
Assim, ultrapassar os referenciais teóricos dominantes em relação ao trabalho
na sociedade contemporânea e ao trabalho arquitetônico em suas singularidades representa
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 25
a construção de possibilidades de aberturas nas constatações imobilizadoras das
imposições sociais que se traduzem em condições cada vez mais perversas e um caminho
para a re-significação do trabalho como um fazer ativo e transformador.
Nesta perspectiva já se difundem alguns estudos acadêmicos sobre diversas
manifestações de fazeres na sociedade contemporânea que problematizam a generalização
do conceito de trabalho tal como foi concebido pela sociedade moderna e com isto, colocam
em xeque as dicotomias a ele associadas que separam trabalho e lazer, trabalho e ócio,
local de moradia e local de trabalho, entre outras tantas (BLASS, op. cit.; BRANDÃO, 2004).
Desta forma, analisar o trabalho no fazer arquitetônico se confronta
simultaneamente com as resistências presentes no imaginário social e com a ausência de
contribuições analíticas acumuladas na sociologia, dentro da perspectiva de análise aqui
proposta.
No caso da arquitetura as abordagens sociológicas tendem a analisar o trabalho
como profissão, como uma categoria desdobrada da engenharia, associada às camadas
médias da população, quer apoiadas em aportes conceituais americanos que buscam dar
conta dos impasses do profissional liberal e do assalariamento nas mudanças das
condições das práticas profissionais quer em algumas vertentes francesas que destacam as
contradições entre as formas com que a profissão é regulada sob o prisma de uma visão
carismática do arquiteto e sua expressão concreta no mercado de trabalho.
No entanto, observa-se que atualmente as reflexões sobre os processos de
projeto arquitetônico tem assumido centralidade crescente na pauta da investigação
acadêmica na área da Arquitetura, incluindo um leque temático amplo em torno de muitos
aspectos
específicos,
envolvendo
desde
questionamentos
de
cunho
pedagógico
relacionados à formação profissional do arquiteto à outras indagações particulares que
remetem à transformações nas formas de realização do projeto e sua importância enquanto
elemento de produção de conhecimento arquitetônico.
Este voltar-se para dentro das
especificidades do próprio trabalho espelha os desafios postos pelo cenário contemporâneo,
marcado por transformações tecnológicas e culturais aceleradas e imprevisíveis. Estas
questões temáticas, nas pesquisas desta área acadêmica vêm ocupar, assim, um campo de
possibilidades analíticas com outros focos e outros recursos teóricos distantes dos grandes
paradigmas de interpretação que em décadas passadas sustentavam o ideário moderno e
as polêmicas sobre o papel da arquitetura enquanto agente de transformação histórica.
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 26
1.3 OBJETIVOS E PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS
O trabalho tem por objetivo apresentar reflexões sobre o fazer arquitetônico em
suas dimensões qualitativas e singulares que se expressam nas próprias práticas de
trabalho, sob o olhar analítico da sociologia que busca identificar as relações entre os
processos sociais e individuais ou, entre as estruturas sociais e as ações dos indivíduos
compreendendo que não são relações mecânicas e que existem nas experiências sociais e
nas riquezas da vida cotidiana possibilidades abertas à transformações e mudanças.
As indagações de pesquisa propostas ao tema, ou seja, quem faz o trabalho e
como o trabalho é feito se inserem à abordagens metodológicas que problematizam os
paradigmas científicos e as matrizes discursivas da modernidade ocidental, inclusas as
relativas às interpretações do trabalho e do fazer arquitetônico.
Evidencia-se, sobretudo, que os paradigmas científicos da modernidade e as
teorias sociais a eles associados, excluíram em suas formulações outros saberes e outras
possibilidades de realização da objetividade científica, revelando-se como uma construção
social de um momento histórico determinado.
O
contexto
contemporâneo
de
transição
de
significativas
e
amplas
transformações suscita a relativização das pretensões da racionalidade instrumental do
conhecimento, a necessidade de redifinição crítica de conceitos interpretativos da realidade
e dos critérios tradicionais de objetividade.
Além disso, como afirmam Almeida e Pinto (2007, p.61):
Se o conhecimento se opera em constante superação de outros
conhecimentos, então os exorcismos da ruptura devem deixar de ser
exercícios de uma lógica abstracta, para se efetivarem na crítica de todos
os níveis e de todos os momentos da pesquisa que tome os processos
sociais como horizonte analítico.
Nesta perspectiva o enfoque metodológico adotado nesta pesquisa não se
restringe a uma teoria fechada, utilizando-se de conceitos e contribuições analíticas de
diversos autores na medida em que contribuíam para interpretar os fenômenos particulares
estudados.
Assimilando as contribuições desenvolvidas por PAIS (1999; 2003) a
metodologia se define por um caráter qualitativo e por um enfoque que prioriza, no trabalho
Os apelos investigativos da pesquisa
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 27
de investigação, pressupostos teórico-analíticos de cientificidade orientados pela lógica da
descoberta e não da comprovação de hipóteses pré-definidas.
Vale dizer que alguns
posicionamentos iniciais sobre o tema assumiram o estatuto de pistas iniciais de pesquisa e
serviram para orientar os procedimentos de levantamentos de dados.
Este enfoque metodológico estabelece estratégias da pesquisa qualitativa, onde
se associam dados resultantes da aproximação com o fenômeno estudado, com outros
dados secundários através de bibliografia específica visando captar sua totalidade, em seus
múltiplos aspectos e em as suas dimensões - objetivas e subjetivas.
Assim, foi realizada uma ampla pesquisa bibliográfica em livros publicados,
trabalhos acadêmicos e revistas especializadas na área de Arquitetura, visando coletar
informações históricas sobre as características das transformações da atividade
arquitetônica e algumas interpretações conceituais sobre aspectos específicos das práticas
de trabalho e ainda alguns discursos de arquitetos que se voltavam reflexivamente para o do
seu fazer criativo.
A aproximação empírica com as práticas de trabalho e com as percepções
subjetivas e memórias em torno do fazer arquitetônico ocorreram através de vários
encontros informais e nove entrevistas abertas, focadas no tema de pesquisa com o
arquiteto e professor Luciano Margotto Soares. Por sua postura pessoal e profissional de
abertura critica, se disponibilizou aos apelos e interesse de sua amiga socióloga e colega de
trabalho para entender como o seu trabalho arquitetônico é feito.
Na sistematização da pesquisa, buscou-se refletir tanto sobre os discursos de
vários arquitetos quanto os de Luciano Margotto, privilegiando mostrar as práticas de
trabalho através de três projetos no qual o arquiteto participou como co-autor.
Os apelos investigativos da pesquisa
CAPÍTULO 2
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
“E assim é para a arquitetura: uma paixão e um prazer. Em
uma obra de arquitetura não há mais conclusão do que o
próprio resultado final, que o próprio objeto.” (MARGOTTO,
Luciano Soares, Poética arquitetônica em seis lições, 2011, p.
06).
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
31
Este capítulo objetiva apresentar algumas ferramentas analíticas que permitem
interpretar as características singulares do trabalho arquitetônico. Existe aí uma intenção de
análise sob a perspectiva sociológica de realizar a separação necessária entre trabalho e
suas imagens sociais. Se, no imaginário social moderno, o trabalho é associado ao esforço
repetitivo e rotineiro alheio à vontade do indivíduo, no geral, confundido com emprego e, ao
mesmo tempo, tido como uma contingência inevitável de sua subsistência, as atividades
criativas, como é o caso do trabalho do arquiteto, são mistificadas no seu oposto. Longe de
esforço e disciplina, estas atividades são vistas como decorrentes de atributos pessoais
enigmáticos de criatividade e intuição e, portanto, como não trabalho. As mistificações de
genialidade em torno da figura do arquiteto são construídas não apenas no imaginário
social. Atravessam também o debate dos intelectuais da arquitetura os próprios arquitetos
contribuem para o reforço desse imaginário, que se faz presente na crítica e na historiografia
da arquitetura moderna brasileira, conforme Aranha (2010), gerando dualidades e
polêmicas. Reposicionando o que considera um falso debate – arquitetura nacional versus
arquitetura internacional – a autora afirma que o cerne da questão é muito mais entre duas
posturas a respeito do fazer arquitetônico: a ideia de gênio versus ofício. Lembrando as
colocações de Lucio Costa a respeito de Oscar Niemayer: “Foi nosso gênio nacional que se
expressou por meio da personalidade eleita deste artista” a autora afirma que “essa análise
de Costa não é gratuita; ao contrário, é respaldada pela própria atitude de Oscar perante a
produção da arquitetura: os grandes gestos, o projeto definitivo nos croquis iniciais, a
inspiração”. (Ibidem, p. 49-50) A posição oposta que assume a ideia da arquitetura como
ofício, ou seja, o trabalho interdisciplinar, o projeto como sendo resultado de um processo de
trabalho que envolve e gera conhecimento e na qual se espelham outros arquitetos como
Rino Levi, Oswaldo Bratke e os irmãos Roberto, por exemplo. Para ela, e tal como se
pretende enfatizar neste capítulo, a localização desta distinção ajuda a situar o fato de que
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
32
os arquitetos, de um e de outro lado, possuem ideários e posições diferentes a respeito do
que é o seu trabalho.
2.1 O TRABALHO DO ARQUITETO COMO OBRA
Os arquitetos, quando se referem ao seu trabalho, tecem ideias e reflexões
pessoais sobre o que fazem, o objeto do seu trabalho – o artefato, a obra de arquitetura –
ou a arquitetura enquanto um campo de atuação que transita entre ciência, arte e técnica,
exprimindo ideias que qualificam e orientam o seu fazer. Revelam, assim, consciência da
materialidade específica e o universo complexo de conhecimentos necessários que a ela se
interpõem. Ainda que os argumentos desenvolvidos priorizem um ou mais aspectos destes
elementos apontados, existe uma ideia consensual que perpassa por todos eles: o trabalho
se define como criação de algo ; um objeto tangível e específico, imaginado.
Lúcio Costa alerta que os arquitetos, ao realizarem o seu trabalho, devem
manter, como lembrete permanente, que:
arquitetura é coisa para ser exposta à intempérie e a um determinado
ambiente;
arquitetura é coisa para ser encarada na medida das ideias e do corpo do
homem;
arquitetura é coisa para ser concebida como um todo orgânico e funcional;
arquitetura é coisa para ser pensada estruturalmente;
arquitetura é coisa para ser sentida em termos de espaço e volume;
arquitetura é coisa para ser vivida. (COSTA, 2001, p. 56, grifos do autor)
Para Artigas (2004, p. 118), o arquiteto realiza a arte de construir, uma “síntese
que só ela é criação”. A obra é arte, porque é fruto de expressividade humana e possui
durabilidade e permanência no mundo: “a obra do homem com sua longa vida histórica é
uma obra de arte”. E ainda:
Construir foi, para o homem, primeiramente construir sua habitação. Alojarse no espaço, dominá-lo como parte da natureza. Num belo ensaio sob o
título ‘Construir, habitar, pensar’ Heidegger junta elementos para a prova
desta afirmação. Na língua alemã, o verbo construir, nas suas formas
linguísticas mais antigas, exprimia também ‘habitar’ e ‘ser’. [...] No ensaio de
Heidegger, destaca-se a casa como criação [...]. A construção só existe
como tal enquanto a humanidade não pode desenvolver plenamente sua
criatividade. (ARTIGAS, 2004, p. 121)
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
33
Paulo Mendes da Rocha (2007) também qualifica o trabalho através da obra,
pontuando, tal como Lúcio Costa, os atributos de saberes envolvidos na criação:
A questão fundamental que navega entre nós arquitetos é imaginar as
coisas que ainda não existem; como esta casa, por exemplo, aqui em
Curitiba, que antes saiu inteira na mente de um de nós, o arquiteto
Vilanovas Artigas.
[...] São aspectos filosóficos, sem dúvida, e antropológicos e geográficos
também. [...] Porque tudo isto não é uma questão de quantidade de
sabedoria. Se por um lado o arquiteto tem que saber mecânica dos fluidos,
dos solos, as técnicas construtivas, a resistência dos materiais, por outro, a
única maneira de saber tudo é de forma peculiar, ou seja, a arquitetura é
uma forma singular de conhecimento, é algo complexo de definir! Porque
você convoca história, ternura, memória, realização e decide: vou fazer
então! (ROCHA, 2007, p. 21-22)
As expressões destes arquitetos, que podem ser vistas como exemplos
ilustrativos de inúmeras opiniões semelhantes, revelam os elementos inerentes à noção de
trabalho, assumida nesta tese como categoria conceitual e interpretativa.
Tal como se refere OSTROWER (1987, p. 31):
A criação se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade
que gera as possíveis soluções criativas. Nem na arte existiria criatividade
se não pudéssemos encarar o fazer artístico como trabalho, como um fazer
intencional produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de
viver.
Para ela, ainda que os processos criativos estejam presentes em todos os
comportamentos produtivos e atuantes do homem, contendo os mesmos princípios
ordenadores entre o fazer e o pensar, as diversas atividades de trabalho apresentam
particularidades distintas:
Diferencia-se pelas propostas materiais a serem elaboradas em cada
campo de trabalho, de acordo com o caráter da matéria. Diferencia-se, pois,
segundo a materialidade em questão. [...] Haveria uma imaginação artística,
uma imaginação cientifica, tecnológica, artesanal, e assim por diante.
Referida à atividade, a imaginação ocorreria em formas específicas porque
adequadas ao caráter da matéria, nas ordenações em que a compreende a
mente humana. A imaginação criativa levantaria hipóteses sobre certas
configurações viáveis a determinada materialidade. Assim, o imaginar seria
um pensamento específico sobre um fazer concreto.. (OSTROWER (1987,
p. 31-32)
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
34
O trabalho é esforço intencional de criação e, por isto mesmo, contém uma
imaginação criativa de natureza específica que se expressa num fazer específico.
Como sugerem os arquitetos citados, na Arquitetura, o trabalho se condensa no
objeto criado – a obra arquitetônica. O artefato material contém em si um modo de fazer –
um processo de criação específico que põe em movimento conhecimentos e habilidades,
que permanece como um pressuposto, mas que não se revela imediatamente.
Esta perspectiva analítica, colocada objetivamente pelas características próprias
do fazer arquitetônico como algo materializado no projeto arquitetônico – na obra criada e
que só poder ser desvendado a partir dele -, torna pertinente a definição de trabalho
desenvolvida por Hannah Arendt (2000), como sendo a atividade do homo faber, que na sua
construção intelectual se distingue de outras, típicas do homo laborans. Com esta distinção,
a autora estabelece um ponto de partida analítico que pode ser utilizado na qualificação das
especificidades do fazer arquitetônico e abre, ao mesmo tempo, um leque de possibilidades
de diálogo e convergência com outros autores.
Através de um quadro teórico articulado em torno da análise de três atividades
fundamentais do que denomina como vida ativa – labor, trabalho e ação - o seu interesse é
examinar o que é geral e o que é historicamente construído como condição humana na
modernidade.
Segundo ela, ao transformar o trabalho em fonte de valor, produtividade e
riqueza, a sociedade capitalista ocidental opera uma junção aparente, como se fosse uma
mesma coisa, de duas atividades de conteúdo distinto – o trabalho e o labor. A separação
destas categorias, no bojo de suas argumentações, se torna uma operação conceitual
necessária, não apenas para resgatar os seus significados próprios, mas, sobretudo, para
desvendar a feição e o sentido com que o trabalho se reveste na modernidade,
especificamente distinto de outros períodos históricos.
Em sua construção analítica, a base da distinção conceitual entre trabalho e
labor é dada através das características do que é produzido por cada uma destas
atividades.
O trabalho, como atividade criadora realizada pelas mãos do homem,
caracteriza-se pela produção de bens, de objetos de uso que possuem durabilidade e se
colocam no mundo como expressão da criação humana. Ao responder às necessidades
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
35
impostas pelas condições histórias, o homem imprime sua marca e sua interpretação do
mundo. Assim,
O trabalho de nossas mãos, em contraposição ao labor do nosso corpo – o
homo faber que ‘faz’ e literalmente trabalha sobre os materiais, em oposição
ao animal laborans que labora e ‘se mistura com’ eles - fabrica uma
variedade de coisas, cuja soma total constitui o artifício humano. Em sua
maioria, mas não exclusivamente, estas coisas são objetos destinados ao
uso e dotadas de durabilidade [...] Devidamente usadas, elas não
desaparecem, e emprestam ao artifício humano a estabilidade e a solidez
sem as quais não se poderia esperar que ele servisse de abrigo à criatura
mortal e instável que é o homem” (ARENDT, Hannah 2000, p. 149, grifos da
autora).
O labor, ao contrário do trabalho, é caracterizado por atividades que buscam
suprir as necessidades de consumo inerentes aos processos biológicos, individuais e
coletivos da vida humana. Pelas semelhanças que compartilham com os animais, em torno
da manutenção e reprodução da vida, as atividades do homem que labora – o homo
laborans – produzem objetos que não permanecem do mundo. Os produtos do labor estão
voltados para um consumo incessante e garantem os recursos de sobrevivência, produzidos
e imediatamente consumidos.
Por outro lado, os produtos do trabalho, enquanto artefatos que se destinam ao
uso permanecem, e, ainda que se desgastem à medida em que são usados, sua presença
torna o mundo reconhecível.1
Vistos como parte do mundo, os produtos do trabalho – e não os produtos
do labor – garantem a permanência e a durabilidade sem as quais o mundo
simplesmente não seria possível. [...] A realidade e a confiabilidade do
mundo humano repousam basicamente no fato de que estamos rodeados
de coisas mais permanentes que a atividade pela qual foram produzidas, e
potencialmente ainda mais permanentes que a vida de seus autores [...] e o
grau de mundanidade das coisas produzidas, cuja soma total é o artifício
humano, depende de sua maior ou menor permanência neste mundo.
(ARENDT, Hannah 2000, p. 105 e 107).
É este caráter das coisas produzidas – os objetos de uso e não de consumo –
que respondem às necessidades criativas do homem e define sua atividade como trabalho.
É o fabricante de uma variedade de coisas e, como tal, interfere sobre a natureza criando
1
Vide considerações de Lafer, Celso. A política e a condição humana, Posfácio. In: Arendt (op.cit)
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
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solidez e confiança, ao contrário dos frutos do labor, típicos do animal laborans, que
desaparecem ao serem consumidos2.
Neste sentido, o trabalho do homo faber resulta e requer dele uma capacidade
de transcender e alienar-se da própria vida, supõe a crença da realidade do mundo, a
consciência da permanência das coisas criadas. Como se refere a autora, é no contato com
os objetos que não variam (como a mesma cadeira e a mesma mesa) que o homem pode
reaver a sua invariabilidade – “[...] contra a subjetividade dos homens, ergue-se a
objetividade do mundo” (Ibidem, p.150). Mesmo as ferramentas e instrumentos de trabalho,
ainda que sirvam para amenizar o esforço e o labor, pertencem como criação ao trabalho,
sendo partes integrantes do universo dos objetos de uso. É justamente nesta dimensão de
materialidade durável – de coisificação ou reificação - que os resultados do trabalho
assumem uma atribuição de sentido, inserindo-se no mundo criado pelo homem e, por isto
mesmo, a força empregada nas atividades de trabalho, ao contrário das atividades de labor,
se transmuta em gratificação, pois, como afirma Arendt,
[...] quase todas as descrições sobre a alegria de trabalhar [...] tem a ver
com a exultação sentida no exercício violento de uma força com a qual o
homem se mede contra as forças devastadoras da natureza [...]. A solidez
resulta desta força e não do prazer ou da exaustão que o homem sente
quando provê o próprio sustento “com o suor do seu rosto” [...]. (Ibidem p.
153 – grifos da autora).
Com este recurso analítico, a autora busca salientar que a sociedade moderna
submete o fazer humano a uma dimensão restrita às imposições de manutenção da vida
humana individual, retirando o caráter expressivo do homem que, ao lutar contra as
imposições postas pela natureza, cria objetos que, por sua durabilidade, revelam sua
presença e sua marca. Neste sentido, o olhar para o objeto produzido seria revelador da
forma como as condições históricas modernas transformaram o fazer criativo em esforço
repetitivo e alienado.
Em outros contextos históricos, como na antiguidade clássica, assumida por ela
como um parâmetro referencial, este
recurso analítico de separação não se aplica. Aí,
2
O termo homo faber se refere ao artífice. Analisando as conotações gregas e latinas dos termos artesão, artista, arteiro,
artíficie, Rugiu (199, p. 32-33), aponta a presença da mesma raiz “ar” relativa a artus: articulação e “armus”: movimento que no
latim medieval equivale a mecanismo. O significado grego “techne” é atribuído à técnica e, num sentido mais preciso, se refere
à capacidade teórico-prática de organizar e realizar uma atividade, com base em conhecimentos e práticas, expressando ainda
a habilidade do uso de mecanismos adequados. Na raiz original, liber equivalia à liberdade ou ao livro (instrumento para o uso
da liberdade). Mesmo considerando as incongruências de uma delimitação separada para as artes mecânicas, no geral, as
artes liberais eram as atividades dignas dos homens livres, aqueles seres que se encontravam liberados da necessidade de
trabalhar para viver. Segundo ele, o termo artesão é mais recente, pois, até o século XV, a expressão artista era a mais usada
e a palavra mestre (na origem latina – mysterium e na grega mistérion) designava aquele que lançava mão de procedimentos
secretos relacionados ao cotidiano e ao uso minucioso de determinadas técnicas para formar aprendizes, num determinado
ofício. Assim, arte, no emprego mais vulgar, estava relacionada à produção manual ou à produção de algo “artificial”, como
algo produzido pelo artífice.
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
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trabalho e labor já se configuram como atividades distintas, tendo-se em conta os critérios
políticos determinantes da sociedade, a partir dos quais todas as atividades humanas são
classificadas por sua relevância pública, tornando-as explícitas e impondo a elas um lugar
social e um espaço físico de realização: as atividades de domínio público e as de domínio
privado. O labor, como esforço físico de sobrevivência, era menosprezado frente às
atividades de interesse coletivo, público, justamente porque aprisionava o homem na
dimensão de sua própria sobrevivência; o que o privava de estar liberado para exercer suas
capacidades mais elevadas e de expor sua expressão de criatividade na esfera pública. Por
isto mesmo, neste contexto, o labor está associado ao trabalho escravo, à falta de
autonomia e à servilidade.
O confinamento das atividades de labor nos espaços privados e, mesmo a
desconfiança em relação às outras ocupações braçais, está relacionada a uma contingência
que retira do homem a sua natureza especificamente humana de estar no mundo entre
outros homens e se ocupar com os interesses comuns. Conforme se refere Arendt, “ao
contrário do que ocorreu nos tempos modernos, a instituição da escravidão não foi uma
forma de se obter mão-de-obra barata nem instrumentos de exploração para fins de lucro,
mas sim uma tentativa de excluir o labor das condições da vida humana”. (ARENDT,
Hannah 2000, p. 95).
Qualquer outra distinção fica relativizada, inclusive a separação entre trabalho
intelectual e manual3, uma vez que o critério antigo de distinção entre artes liberais e artes
servis não se relaciona ao fato do trabalho se realizar com as mãos e outros com a cabeça,
mas por sua relevância pública, incluindo-se nela a arquitetura, medicina e agricultura.
Em contrapartida, a era moderna, ao glorificar o labor como fonte de todos os
valores, retira a importância da presença criativa humana e, uma vez que o labor se torna
uma contingência de sobrevivência, submete à necessidade toda a raça humana. Para
Arendt, as “verdades incômodas da era moderna”, tal como denomina, emergem,
fundamentalmente, do fato de ela se encontrar organizada sob a produtividade crescente do
trabalho4, num processo avassalador de consumo e produção de massa, envolvendo tanto
3
Ao se referir às teorias econômicas sobre o trabalho, desqualifica as distinções que muitas delas fazem entre trabalho
qualificado e não-qualificado e entre trabalho manual e trabalho intelectual. De todas, a única distinção consistente é a que
surgiu primeiro - entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo: ”e não por acaso que os dois teoristas do assunto, Adam
Smith e Karl Marx, basearam nela toda a estrutura do seu argumento. O próprio motivo da promoção do labor como trabalho
na era moderna foi sua “produtividade” [...]”.(Ibidem, 2000, p. 96)
4
Arendt considera que a grande descoberta de Marx, pressentida pelos economistas clássicos, é a de que a atividade do
trabalho, entendido como labor, possui uma produtividade própria e reside na força ou capacidade humana de trabalho que
não se esgota e que é capaz de produzir mais do que é necessário à sua reprodução (Ibidem: 99)
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
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os produtos de consumo quanto os objetos de uso. Assim, dilui e obscurece a distinção
inerente entre atividades distintas - labor e de trabalho.
Em suas palavras, o processo histórico que consolida a sociedade industrial substitui
o artesanato pelo labor, produzindo cada vez mais objetos voltados para o consumo em
detrimento daqueles destinados ao uso. A organização da divisão do trabalho neste período
histórico altera sua natureza, transformando os processos de fabricação em atividades de labor.
Por isto mesmo, os ideais do homo faber, que são a permanência, a estabilidade e a
durabilidade, teriam sido sacrificados em benefício do animal laborans, nivelando todas as
atividades humanas e, assim, “o que quer que façamos, devemos fazê-lo a fim de ganhar o
próprio sustento; é este o veredicto da sociedade, e o número de pessoas que poderiam desafiálo, especialmente nas profissões liberais, vem diminuindo consideravelmente” (Idem:139). Tal
como salienta, a sociedade de consumo, movida por um círculo de desperdício, uma vez que
todas as coisas devem ser devoradas e descartadas rapidamente, se torna deslumbrada pela
abundância de sua crescente fertilidade e não se dá conta da própria futilidade.
Fica evidente que os objetivos últimos desta construção conceitual são realizar
uma análise crítica do pressuposto básico da acumulação capitalista – o trabalho
assalariado sob a feição do trabalhador fabril. Ainda que mantenha a denominação de
trabalho, esta forma histórica de produção material, que paulatinamente se estende às
outras atividades produtivas, deixa de ser trabalho, uma vez que retira o seu pressuposto
criativo e transforma todas as atividades em labor. Reconhece que o formato fabril como
perfil predominante de trabalho se impõe na sociedade mesmo que algumas atividades
escapem deste padrão. Neste caso, faz uma ressalva ao trabalho do artista como o “único
‘trabalhador’ que restou numa sociedade de operários” (ARENDT, Hannah 2000, p. 139).
(Idem: 139). Mesmo assim, o que ele realiza, justamente por não se enquadrar nos padrões
predominantes, é confinado a um lugar social do não-trabalho – como atividade que
supostamente depende de outros atributos.
Assim como em outras atividades, o mesmo pode ser dito em relação ao
trabalho arquitetônico. Ainda que sua inserção na sociedade moderna tenha assumido
alguns contornos próprios e gerado polêmicas no mundo acadêmico, mantém suas
características artesanais inerentes.
Ainda que em Marx (1982), o reconhecimento da expressão histórica do trabalho
na modernidade seja referenciado por outras categorias interpretativas, existem entre ele e
Arendt ressonâncias e proximidades importantes. Para Marx, independentemente do que se
produz, o trabalho é uma energia intencional posta em ação.
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
39
Como capacidade concreta e criativa, o trabalho responde às necessidades
humanas em qualquer formação social, criando objetos, através de um confronto intencional
com as forças da natureza. Esta capacidade posta em ação expõe a presença de uma
energia, que pode ser repetida e utilizada de formas diferentes de acordo com a
configuração histórica na qual se insere. São dois aspectos inerentes e indissociáveis do
trabalho. Ou seja, o trabalho é criação e gasto de energia que se consubstancia num
esforço intencional. Enquanto esforço despendido, é uma energia que pode se renovar
inúmeras vezes.
A especificidade histórica do trabalho na sociedade capitalista moderna estaria
baseada no fato de que, como todas as coisas produzidas, o trabalho também se transforma
em mercadoria, possui valor de troca e, portanto, passível de remuneração. Ao ser usado na
sua manifestação de energia, produz riqueza, configurando mais-valia nas mãos dos seus
empregadores e sustentando a reprodução do capital. Ainda assim, a capacidade de
trabalho, como energia posta em atividade e geradora de riqueza, não pode ser dissociada
de um fazer concreto que é a expressão do próprio trabalho, de seu valor de uso5.
A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força
de trabalho consome-a, fazendo o vendedor dela trabalhar. Este, ao
trabalhar, torna-se realmente no que antes era apenas potencialmente:
força de trabalho em ação, trabalhador. Para o trabalho reaparecer em
mercadorias, tem que ser empregado em valores de uso, em coisas que
sirvam para satisfazer necessidades de qualquer natureza. [...] Antes de
tudo, o trabalho é um processo do qual participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e
controla seu intercâmbio material com a natureza. Põe em movimento as
forças naturais do seu corpo [...] a fim de apropriar-se dos recursos da
natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida humana. Atuando, assim, sobre a
natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria
natureza. Não se trata aqui das formas instintivas, animais de trabalho. [...]
Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. [...] Ele não
transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o
projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei
determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua
vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos
órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta
através da atenção durante todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais
necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e
pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece, por isso, menos
possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças física, e
espirituais. (MARX, 1982, p. 201-202).
5
Especificamente no Capítulo V – Processo de trabalho e processo de produzir mais valia – ao tratar da especificidade
histórica em que o trabalho assume na formação capitalista enquanto mercadoria e valor de troca, Marx alerta para a
permanência inerente de sua dimensão enquanto valor de uso, ou seja, a capacidade do homem em realizar trabalhos
concretos: “ A produção de valores de uso não muda sua natureza geral por ser levada à cabo em benefício do capitalista ou
estar sob o seu controle. Por isso, temos, inicialmente, de considerar o processo de trabalho à parte de qualquer estrutura
social determinada”. (MARX, 1982, p. 201-202)
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
40
Por isto mesmo, nesta dimensão: “O que distingue as diferentes épocas
econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de
trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso,
indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho”. (Id. Ibidem, p. 204) Nesta
perspectiva conceitual, o trabalho não pode ser analisado fora das relações sociais em que
ele se realiza, ou seja, deve ser visto enquanto processo de trabalho, onde se combinam
indivíduos portadores de conhecimentos e habilidades, práticas de trabalho e seus
instrumentos.
Conforme salienta o autor, os elementos componentes do processo de trabalho
são: “1) a atividade adequada a um fim, isto é o próprio trabalho; 2) a matéria a que se
aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os meios de trabalho; o instrumental de trabalho”
(Idem, p. 201- 202). Esta dimensão do trabalho - embora inserido num quadro conceitual
próprio -, se coaduna com as características dos processos de fabricação nos quais se
envolve o homo faber, conforme Arendt.
Para ela, o processo de trabalho é a expressão do próprio trabalho e possui
uma organização guiada por instrumentalidades de meios e fins. O que se fabrica constitui
um fim e organiza o próprio processo de fabricação. No processo de fabricação, a coisa
fabricada é um produto final e possui uma dupla significação: contém em si o próprio
processo, uma vez que este termina e se dilui naquilo que é fabricado e é um meio para se
atingir este fim. Concordando com Marx, os objetivos finais organizam o processo de
trabalho, determinando e movimentando toda uma instrumentalidade em relação ao fim
almejado. Assim, o processo de fabricação, como atividade própria do homo faber, termina
quando algo novo, com suficiente durabilidade, é acrescentado no mundo e, portanto, no
que se refere à coisa produzida, não precisaria ser repetido. Tanto no labor quanto no
trabalho, a repetição do processo ocorre por motivos alheios a si mesmos. No labor a
repetição é compulsória e alimenta um movimento incessante ditado pelas necessidades do
homem prover o próprio sustento: comer para trabalhar e trabalhar para comer, revelando,
portanto, a dimensão histórica assinalada por Marx. Nas atividades de trabalho, o impulso
de repetição ocorre quando os produtos, inseridos no mercado, provêm a subsistência de
seu produtor ou quando responde à ampliação das demandas do mercado, fazendo com
que, neste caso, o seu trabalho se transforme em labor.
De forma semelhante, Marx afirma que:
No processo de trabalho, a atividade humana opera uma transformação,
subordinada a um determinado fim, no objeto sobre o qual atua por meio do
instrumental de trabalho. O processo extingue-se ao concluir-se o produto.
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
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O produto é um valor de uso, um material da natureza adaptado às
necessidades humanas através da mudança de forma. O trabalho está
incorporado no objeto sobre o qual atuou” (MARX, op. cit., p. 205).
Para a sua realização, a atividade se relaciona com um conjunto de coisas
materiais, que adquirem um significado de meios de trabalho uma vez que se interpõem
entre o trabalhador e o seu objeto e dirige sua ação intencional. É ainda, nesta concepção,
que o processo de trabalho estabelece o intercâmbio entre o homem e a natureza e está
presente em todas as formas de organização social.
De outro lado, as características dos meios de trabalho servem para ilustrar
formas históricas específicas de organização social e, como afirma, alertarem para a
importância de se atentar para os aspectos qualitativos do trabalho, “o que distingue as
diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se
faz” (Idem: 204).
Ao ilustrar alguns componentes qualitativos do trabalho, Arendt destaca, no
processo de fabricação próprio do homo faber, que o pensar ocorre simultaneamente ao
fazer e exprime o intercâmbio entre o homem, os materiais e os instrumentos sobre os quais
se realiza.
O trabalho de fabricação propriamente dito é orientado por um modelo
segundo o qual se constrói o objeto. Este modelo pode ser uma imagem
vista pelos olhos da mente ou um esboço desenhado, no qual a imagem já
encontrou certa materialização provisória através do trabalho. Em ambos os
casos, o que orienta o trabalho de fabricação está fora do fabricante e
precede ao processo de trabalho em si [...] – não podemos conceber uma
cama sem, antes, ter alguma imagem, alguma ‘idéia’ da cama ante aos
olhos de nossa mente, nem podemos imaginar uma cama sem recorrer a
uma experiência visual das coisas reais. (ARENDT, 2000, p. 153-154).
O fato de o objeto estar na mente, enquanto imagem traduzida num modelo, faz
com que ele assuma qualidade de permanência que permite a multiplicação e não uma
mera repetição dos objetos criados.
No processo de trabalho, as ferramentas adquirem o seu verdadeiro teor de
instrumentalidade. Em última instância, como criador e fazedor de utensílios, o homo faber é
dependente dos instrumentos primordiais que são suas mãos. (Id.Ibdem). É o critério de
utilidade e significância do objeto final que organiza o processo de trabalho, determinando
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
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os instrumentos pertinentes à atividade de trabalho, o grau de necessidade na incorporação
de outros saberes e especialistas, auxiliares etc.
A dinâmica de adequação de meios e fins não termina exatamente no produto
acabado e sim quando atinge o seu fim último – o seu uso. No entanto, sob o viés do
processo de fabricação no qual se envolve o homo faber, para Arendt, o critério de utilidade
se impõe ao da significância – em nome do que se faz o trabalho. É uma questão remetida à
esfera pública e, portanto, possui determinações historicamente construídas. Não é à toa
que no período clássico da sociedade grega se identifica certo desdém em relação aos
mestres da escultura e arquitetura por estarem presos ao caráter utilitário de sua fabricação
e pela desconfiança de que esta visão utilitária se estendesse ao mundo, como
desvalorização de todas as coisas.
Há que se atentar, contudo, para o fato de que alguns artefatos, os que
justamente permitem que o homem se reconheça em sua humanidade, serem guiados por
valores antropocêntricos e se diferenciarem dos outros na cadeia utilitária infinita das trocas
de mercado. E, muitos deles, como a arte, no dizer de Arendt, não têm utilidade nenhuma,
senão garantir a existência de uma durabilidade do mundo das coisas, através das quais o
homem supera a sua própria mortalidade. Embora a fonte original seja o pensar, na
arquitetura, como na arte, o pensamento precede ao artefato criado, mas só se revela
através de sua materialização:
O mundo de coisas feito pelo homem, o artifício humano construído pelo
homo faber, só se torna uma morada para os homens mortais, um lar cuja
estabilidade suportará e sobreviverá ao movimento continuamente mutável
de suas vidas e ações, na medida em que transcende a mera
funcionalidade das coisas produzidas para o consumo e a mera utilidade
dos objetos produzidos para o uso. (ARENDT, 2000, p. 186-187).
Desta forma, as características singulares do objeto arquitetônico, enquanto
artifício humano, não responde meramente às necessidades de uso. Ao mesmo tempo em
que possui um caráter utilitário relacionado às necessidades sociais de um determinado
contexto histórico, responde a elas através de uma reinterpretação pessoal, revestida de
uma linguagem estética e sensível e, ao mesmo tempo, técnica.
Tanto em Arendt, ao referenciar o trabalho como atividade do homo faber,
quanto em Marx, como capacidade posta em movimento através de processos operativos, o
trabalho é simultaneamente esforço intencional orientado por um fim e atividade de criação.
Ou seja, o trabalho é dispêndio de energia física (e, nesse sentido, é labor) entrelaçada por
inumeráveis atos criativos.
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
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Considerando estas aproximações que se espelham nos processos de
fabricação, a noção de trabalho como obra é pertinente às especificidades do fazer
arquitetônico. Como um processo de criação de artefatos que possuem durabilidade no
mundo e respondem às necessidades de uso postas pela sociedade, possui as
características de trabalho, na acepção de Arendt, e se espelha, portanto, nas atividades do
homo faber.
A elaboração de cada projeto está voltada para um fim palpável: a obra
arquitetônica posta como demanda de necessidades específicas de um determinado
contexto social. Este objetivo, que é inédito a cada projeto arquitetônico, reúne a capacidade
de mobilizar o início e determinar o fim das atividades necessárias à sua realização.
Conforme Arendt (op. cit., p. 156), ao contrário das atividades de labor, cujos motivos
externos exigem uma repetição infindável, o trabalho do homo faber possui um fim palpável
“[...] ocorre quando algo inteiramente novo, com suficiente durabilidade para permanecer no
mundo como unidade independente, é acrescentado ao artifício humano. “[...] A
característica da fabricação é ter um começo definido e um fim definido e previsível, e esta
característica é bastante para distingui-la de todas as outras atividades humanas”. (Ibidem,
p. 156)
Richard Sennett, em seu livro recente – O artífice (2009) - se autoriza a
questionar sua antiga mestra, Hannah Arendt, que previa o desaparecimento do artesão na
sociedade moderna. Ao contrário, reafirma a importância de todos os artefatos materiais
(quer sirvam para subsistência ou consumo), não apenas porque o pensar e as
interlocuções atravessam igualmente todas as atividades de trabalho, mas, sobretudo,
porque o processo de feitura de todas as coisas são expressões da cultura e do mundo nas
quais elas se inserem.
Para aprender com as coisas, precisamos saber apreciar as qualidades de
uma vestimenta ou a maneira certa de escaldar um peixe; uma boa roupa e
um alimento bem preparado nos permitem imaginar categorias mais amplas
de “bom”. [...] Amigo dos sentidos, o materialista cultural quer saber onde o
prazer pode ser encontrado e como se organiza. Curioso das coisas em si
mesmas, ele ou ela quer entender como são capazes de gerar valores
religiosos, sociais e políticos. (SENNETT, 2009, p. 18).
Nesse sentido, a qualidade do trabalho - enquanto intencionalidade dirigida de
um saber específico - se alinha às atividades necessárias e se expressa no próprio fazer –
no processo de trabalho.
O arquiteto é portador de um saber fazer de artefatos que possuem um valor
social intrínseco, que justifica e confere significado subjetivo ao seu trabalho, e que
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
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demandam um envolvimento amplo de recursos técnicos e conhecimentos, mobilizados e
incrementados pela própria experiência do fazer. Contudo, para a fabricação destes
artefatos
depende de outros materiais e fabricantes – o que amplia, na esfera da
construção da obra arquitetônica, a dimensão coletiva do processo.
A natureza do trabalho arquitetônico, ou o saber criar e desenvolver o projeto de
um artefato concreto, algo que ainda não existe, pressupõe conhecimentos e habilidades
próprias deste campo de trabalho ou uma matéria, no dizer de Ostrower (1987).
A dimensão criativa se expressa de maneira condensada na obra concebida no
projeto arquitetônico, que imprime, simultaneamente, uma expressão estética e técnica
particular e vincula ou articula as práticas de trabalho, ou seja, as formas de interlocuções
de saberes técnicos e operativos necessários e os instrumentos de trabalho mobilizados
para a produção de um resultado concreto – que é o próprio projeto.
Os arquitetos, assim como os artistas, sabem e reconhecem a
materialidade
especifica do seu trabalho e de que este trabalho não pode ser descolado de um conjunto
de relações sociais envolvidas na sua produção e outras determinações que se situam no
contexto social mais amplo. Por outro lado, ao mesmo tempo em que seguem imperativos
internos que direcionam a sua criação e no que concebe como sendo os meios necessários
para realizar um bom trabalho, têm que se defrontar com certas circunstâncias externas de
prazos, especificações e exigências que dependem do caráter das demandas sociais.
2.2 A OBRA, O DISCURSO E AS ESFERAS DE INTERLOCUÇÃO PÚBLICA
Se a figura do artesão espelha o fazer arquitetônico, nos moldes anteriormente
assinalados, o envolvimento do arquiteto nos processos de trabalho assume a feição de
engajamento – a busca de realização de um bom trabalho, onde se pressupõe um
envolvimento subjetivo total com os desafios postos pela obra em criação. O processo de
trabalho, enquanto instrumentalidade inerente do fazer, mobiliza um conjunto de
conhecimentos e habilidades necessárias e, como expressão de um saber incorporado, não
se constitui em objeto específico de reflexão. O fazer encontra-se ao mesmo tempo implícito
e oculto na obra. Revestido de significância pessoal, o propósito do trabalho articula os
conhecimentos técnicos e os recursos materiais necessários.
Por isto é tão difícil aos
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
45
arquitetos pontuar como se inicia a criação ou de que maneira se manifestaram os múltiplos
atos criativos no decorrer dos processos de trabalho.
Para Arendt (2000), o processo de fabricação, no qual se envolve o artesão,
constitui um momento de isolamento e reclusão, não tem visibilidade pública e o trabalho só
aparece quando o artefato em sua forma acabada se expõe ao mundo. Se o envolvimento
absoluto com o processo de fabricação exige o isolamento em relação ao mundo, o homo
faber, pela natureza do seu próprio trabalho, é capaz de ter sua própria esfera pública,
embora ela não seja propriamente uma esfera política. “A esfera pública do homo faber é o
mercado de trocas, no qual ele pode exibir os produtos de sua mão e receber a estima que
merece” (Ibidem, p. 174)
Nesse sentido, a obra criada revela uma interpretação pessoal do criador ela
própria contendo sua trajetória de vida, suas opções estéticas e conceituais, indissociáveis
do seu percurso profissional, contendo em si um discurso que se apresenta à opinião
pública6.
Como se referem alguns, é este panorama de ideias e posicionamentos, que
transparece na obra criada, que situa o arquiteto no campo de sua produção profissional e,
ao mesmo tempo, direciona o seu fazer em cada novo projeto arquitetônico:
[...] existe uma matriz teórica que antecede e vai dar características
diferentes às singularidades do trabalho arquitetônico de quem, por
exemplo, trabalha para o mercado, de quem trabalha mais criticamente, de
quem trabalha com a perspectiva de uma proposição mais humanizada, sei
lá, vamos dizer assim, para o ambiente construído. Quando o arquiteto vê o
projeto apenas como a solução de um problema que lhe foi colocado, isto é
um posicionamento [...] ou ele pode ter uma visão crítica como intérprete da
realidade sem naturalizar o seu caráter social, como por exemplo, Koolhas,
que descobriu coisas interessantíssimas ao re-interpretar Nova Iorque [...].
7
(RUBANO, 2010)
É nesse sentido que os arquitetos, como artesãos, falam muito sobre o resultado
do seu trabalho e muito pouco sobre como o trabalho é feito. Segnini (2002), em sua tese
de doutoramento, reafirma este fenômeno ao analisar as opiniões e posicionamentos de
numerosos arquitetos, emitidos em artigos e publicações especializadas.
6
Ao se referir à produção artística, Sánchez (2010, p. 36) revela a semelhança do que ocorre na arquitetura pelo fato de existir
um discurso incorporado à obra: “O processo de criação de uma obra de arte é ao mesmo tempo intelectual e operacional. O
artista interioriza os valores visuais de sua sociedade , ou de outras, conforme o grau de contato que existe entre elas e um
conjunto de valores alheios à arte que usualmente estão associados ao ‘significado’ das obras”.
7
Entrevista concedida pela arquiteta Lizete Maria Rubano em 20 de novembro de 2010.
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46
Segundo o autor, através dos discursos afloram as ambiguidades e os impasses
de um fazer típico de produção artesanal, fortemente vinculado a um caráter transcendente,
desde a antiguidade, e que é incorporado às contingências históricas da modernidade, ou
seja, ao mundo utilitário do mercado.
Se, de um lado, os discursos revelam consenso de consciência sobre a
complexidade singular do fazer arquitetônico, como criação de artefatos que devem
ultrapassar um caráter meramente utilitário, incorporando dimensões complexas de arte e
técnica construtiva que expressariam o seu caráter transcendente e simultaneamente
histórico de realização humana, de outro lado, desvendam também posicionamentos
divergentes de resistência e/ou acomodação às determinações sociais sobre a produção
arquitetônica, impostas a ela de uma forma específica, desde os primórdios da
modernidade.
É em torno da significância do artefato arquitetônico, que ultrapassa um teor
meramente utilitário e pressupõe uma reinterpretação sensível do mundo, que se constroem
os discursos e se estabelecem embates acirrados de posicionamentos divergentes.
Se, em alguns deles, como destaca o autor, a dimensão de arte contida na
arquitetura é priorizada, como em Lúcio Costa, Rino Levi, Boffil e muitos outros, os
posicionamentos oscilam até a negação completa de suas pretensões utópicas e artísticas,
tal como aparece em Sergio Ferro, para quem a arquitetura como outras dimensões da
realização social na sociedade capitalista espelham suas contradições e desigualdades
sociais. As concepções diversas estariam, assim, expondo as tensões e ambiguidades
resultantes do confronto entre as características inerentes da arquitetura e as determinações
do contexto social na qual se insere.
Arquitetura é a construção utilitária, mas a satisfação de exigências técnicas
e funcionais não converte a construção em arquitetura. Para tanto, a
construção precisa conceber-se com intenção plástica, de relacionamento
expressivo de seus elementos formais. A construção se torna arquitetura
quando seus elementos apresentam ordenação formal, com valor estético
substantivo, distinto do atrativo superficial da decoração aplicada. (Costa,
8
Lúcio)
A arquitetura aparece quando o homem cria monumentos, transforma a
construção em signos e símbolos arquitetônicos, quando o homem passa
da casa ao templo. O templo é arquitetura, na casa está a construção.
8
COMAS, Carlos Eduardo. Da atualidade do seu pensamento. In: AU, Ano 7 –out-nov de 1991, n.38, p.38 ,(apud SEGNINI,
op. cit., p. 48).
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
47
Quando se domina a tecnologia para construir espaços (signos e símbolos),
9
começa a arquitetura. (Boffil)
Arquitetura é sempre uma atividade de transformação; não existe
arquitetura se não existir transformação. O primeiro ato de arquitetura não é
pedra sobre pedra, e sim pedra sobre um lugar, portanto, transformar uma
10
condição de natureza numa condição de cultura. (BOTTA, Mário)
Não há condições de se falar em arte na arquitetura se não houver uma
modificação nas condições de produção nas obras. Arte é aquele momento
do trabalho em que o júbilo, a alegria acontece e é, portanto, uma dimensão
do trabalho. Eu gostaria de saber qual é o prazer que sente o operário da
construção civil. Talvez, só na hora da pinga, no bar ou quando ouve a
11
música de Chico Buarque. (FERRO, Sérgio)
Estas dificuldades de consenso sugerem, conforme assinala Segnini (2002), pelo
fato de o arquiteto ser “[...] um profissional que vive do seu trabalho, numa sociedade de
mercado, necessitando de demandas pelos seus serviços; por outro, revela-se como um
artista que pretende fazer do resultado do seu trabalho uma representação do seu tempo
[...]” (op. cit, p. 40) Inseridos no cerne destas divergências, “os depoimentos informam a
multiplicidade de visões sobre as relações entre arquitetura e arte, mas não oferecem
condições para a conclusão que sustente a predominância de certa posição” (Idem, p. 47)
O aspecto relevante das análises realizadas por este autor que interessam à
argumentação aqui desenvolvida é o fato de constatar que “os arquitetos, quando falam de
arquitetura, falam do resultado do seu trabalho, e quando se referem ao exercício da
profissão, referem-se ao que pensam ou ao que desejam sobre as possibilidades inerentes
à atividade profissional que exercem” (SEGNINI, 2002). Como artesãos, os arquitetos falam
sobre o que fazem e, muito pouco, como fazem o seu trabalho.
Para o artesão, na acepção de Arendt, o mercado aparece como o local de
interlocução, sendo o momento em que o discurso contido na materialidade do artefato pode
se apresentar aos outros como um posicionamento pessoal diante do mundo. Nesse
sentido, “[...] o homo faber é perfeitamente capaz de ter sua própria esfera pública, embora
não uma esfera política propriamente dita. A esfera pública do homo faber é o mercado de
trocas, no qual ele pode exibir os produtos de sua mão e receber a estima que merece”
(Ibdem, p. 173-174).
9
BOFFIL, Ricardo. Entrevista. In: AU, ano 5, dez 1988 – jan 1989, n.21, p.54 (apud SEGNINI, op.ci., p. 46).
10
BOTTA, MÁRIO. Entrevista concedida a Paulo Faccio e Layla Y, Massuh. In: AU, ano 5, agosto-setembro de 1989, n. 25,
p.50, (apud SEGNINI, op.cit., p.53).
11
FERRO, Sérgio. A geração da ruptura. AU, ano 1, Nov de 1985,n.3, p.56,(apud SEGNINI, op.cit., p. 48).
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
48
Transposta como analogia para o contexto histórico da sociedade moderna, é
necessário considerar que as interlocuções se tornam mais complexas por sua inserção no
processo ampliado de divisão social do trabalho. As atividades artísticas e intelectuais,
conforme Bourdieu (2007) integram campos específicos de produção cultural, estruturando,
através de instituições e agentes, espaços sociais próprios de interlocução pública. O
universo simbólico de cada campo intelectual reveste os discursos e as práticas de trabalho
em valores e códigos reconhecidos e legitimados e orienta o sentido e o significado da ação
dos sujeitos que dele fazem parte. A compreensão da existência e funcionamento de cada
um destes campos - e de suas relações com a estrutura de classes e com os mecanismos
de poder na sociedade - permite, assim, situar as produções individuais dos artistas e
intelectuais - e também dos arquitetos -, para além de seus talentos pessoais de
criatividade.
Cada campo intelectual (por maior que seja sua autonomia, ele é
determinado em sua estrutura e em sua função pela posição que ocupa no
interior do campo de poder) funciona como sistema de posições
predeterminadas abrangendo, assim, como postos de um mercado de
trabalho, classes de agentes providos de propriedades (socialmente
constituídas) de um tipo determinado. Tal passo é necessário para que se
possa indagar não como tal escritor chegou a ser o que é, mas o que as
diferentes categorias de artistas e escritores de uma determinada época e
sociedade deviam ser do ponto de vista do habitus socialmente constituído,
para que lhes tivesse sido possível ocupar as posições que lhe eram
oferecidas por um determinado estado do campo intelectual e, ao mesmo
tempo, adotar as tomadas de posições estéticas e ideológicas
objetivamente vinculadas a estas posições” (Ibidem: 190, grifos do autor)
Garry Stevens (2003), ao se debruçar sobre a estrutura conceitual de Bourdieu,
salientando a sua aplicabilidade à arquitetura como um dos campos de produção da cultura,
detalha a composição e os mecanismos instituídos neste campo, que se apresenta sob a
forma de instituições e agentes, como a esfera pública de interlocução privilegiada dos
arquitetos, onde os seus discursos são acolhidos e suas obras referendadas. É neste
espaço de interlocução que se estabelecem as reafirmações de identidade, as
aproximações e confrontos, e é através dele que as hierarquias de prestígio e poder entre
os arquitetos são estabelecidas.12 Considerando as bases weberianas deste enfoque, a
12
Segundo Stevens, o uso dos conceitos de Bourdieu para a análise da dimensão social da arquitetura sofre ainda fortes
resistências por parte dos teóricos da arquitetura, não apenas pela complexidade de suas estruturas interpretativas, mas pelo
desprezo do autor à aderência a modismos intelectuais em voga, entre eles a ideia de pós-modernismo. Alerta ainda para o
fato de que embora o uso do conceito de capital simbólico seja cada vez mais frequente em trabalhos analíticos de arquitetura,
são poucos os autores que se debruçam em profundidade sobre a contribuição de Bourdieu. Ressalva, entretanto, alguns
trabalhos de significativa importância neste intento, tais como: SNYDER, J.R. Building, Thinking and Politics: Mies, Heidegger,
and de Nazis. Journal of Architectural Education 46, n.4 (1993): 260-265;LARSON, M.S. Architectural competitions as
discursive events. Theory and Society 23 (1994): 469-504. (apud Stevens, 2003, p. 59)
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
49
estrutura de classes da sociedade moderna, composta por grupos de status associados a
recursos econômicos e privilégios diferenciados, possui sustentação política no campo da
cultura.
“Os grupos que obtiveram êxito em ter seu próprio sistema simbólico [...] são
aqueles que dominam a sociedade. As classes lutam, portanto, para impor seus próprios
sistemas simbólicos e para impor seus próprios pontos de vista sobre a ordem social que
esses sistemas ajudam a criar” (Ibidem: 85). Através de mecanismos simbólicos, as
estruturas objetivas da sociedade são internalizadas e o mundo social se realiza e se
reproduz através das ações cotidianas dos indivíduos, ou seja, através das práticas e das
crenças. Ainda que as estruturas sociais sejam marcadas por seu caráter coercitivo, existe
um âmbito de liberdade que permite que a ação dos indivíduos oscile entre liberdade e
coerção. Segundo ele, somos agentes com vontade própria, mas não totalmente livres.
Fazemos nossa própria história, mas não necessariamente nas condições por nós
escolhidas. Os indivíduos aprendem a jogar segundo as regras estabelecidas e
desenvolvem estratégias de atuação social a partir de alguns atributos sintetizados naquilo
que Bourdieu denomina como habitus. Este conceito, elaborado como um constructo
analítico tanto psicológico como social, é definido pelo conjunto de disposições
internalizadas que induz as pessoas a agirem de uma determinada forma, considerando os
valores e os gostos determinados pela sua posição na estrutura de classes sociais, que se
modificam através das experiências sociais adquiridas. A posição de classe constitui um
filtro, através do qual os indivíduos interpretam o mundo. Sendo um conjunto ativo
disposições, o habitus representa um guia para a ação, fornece o sentido do jogo social no
qual se insere, porém, não é uma determinação rígida no sentido de uma ação determinada.
Inserida neste escopo analítico, a noção de campo é concebida como uma arena
de luta, um campo de batalha e um campo de força empregada num duplo sentido: primeiro,
é um espaço social de luta e competição de recursos e capitais e, segundo, um local onde
as relações de poder, em um campo específico, definem de forma relacional as posições
dos indivíduos que dele participam, tendo em vista a natureza do capital que o controla.
(STEVENS, 2003, p. 91)
A posição de um indivíduo depende da posição dos demais, num mesmo
campo, e do quanto é portador de conjunto de atributos (ou de capital simbólico) aí
definidos13. Neste sentido, é um termo técnico empregado para designar “[...] um
13
Stevens (op.cit: 76) sintetiza o conceito de capital simbólico, tal como estabelecido por Bourdieu em suas diversas obras,
como um conjunto de bens culturais que se apresentam sobre quatro formas básicas: capital institucionalizado (qualificações
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
50
conjunto de instituições sociais, indivíduos e discursos que se suportam
mutuamente” (Ibidem, p. 90). É nesta arena competitiva que se definem as
hierarquias valorativas de prestígio e de poder vinculados a determinados padrões
estéticos, comportamentos e práticas de trabalho.
A teoria dos campos possibilita analisar a pluralidade dos mundos e as
suas lógicas correspondentes, que expressam, sobretudo:
[...] a ideia de que as lutas pelo reconhecimento são uma dimensão
fundamental da vida social e de que nelas está em jogo a acumulação de
uma forma particular de capital, a honra, no sentido de reputação, de
prestígio, havendo, portanto, uma lógica específica de acumulação de
capital simbólico, como capital fundado no conhecimento e no
reconhecimento; a ideia de estratégia como orientação da prática, que não
é nem consciente e calculada, nem mecanicamente determinada, mas que
é produto do senso de honra enquanto senso desse jogo particular que é o
jogo da honra [...]. (BOURDIEU, 2004, p. 35-36)
Ao lado de numerosos campos culturais sobrepostos (educação, religião etc),
Stevens acredita ser pertinente considerar a arquitetura, ainda que definida de maneira
solta, como um campo, composto, numa primeira designação e entre outros elementos, “por
arquitetos, críticos, professores de arquitetura, construtores, todo tipo de clientes, a parcela
do Estado envolvida com a construção, instituições financeiras e as exigências legais quanto
a edificações, entre outras coisas”. (STEVENS, 2003, p. 91).
É este espaço social do campo arquitetônico que constitui a esfera pública de
interlocução, onde os arquitetos travam suas lutas simbólicas e atuam, revelando habitus
incorporados e adquiridos “[...] como sistemas de percepção e apreciação, como estruturas
cognitivas e avaliatórias que eles adquirem através da experiência durável de uma posição
do mundo social”. (BOURDIEU, op. cit., p. 158). Ou seja, “o habitus é ao mesmo tempo um
sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e
apreciação de práticas”. (Idem, p. 158)
acadêmicas); capital objetivado (objetos, bens culturais); capital social (rede de relações sociais de apoio); capital corporificado
(comportamentos, gostos, preferências).
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
51
Os discursos dos arquitetos constituem um dos instrumentos de luta simbólica,
na medida em que possibilitam expressar simultaneamente sua visão de mundo e o habitus
legitimado no campo de sua produção profissional. Os discursos contêm posições
avaliativas sobre a importância e o significado daquilo que fazem e demarcam, num balanço
relacional com a produção arquitetônica de outros, identidades e divergências. Revelam, no
interior desta esfera pública singular, as posições de distinção que ocupam ou que almejam
ocupar. Considerando, assim, as lógicas inerentes do campo, não deveria ser inusitada a
constatação de Segnini (2002) sobre a inexistência de consenso entre os arquitetos quando
se posicionam sobre o que fazem.
Cabe ainda destacar que as práticas de trabalho não constituem nestes
discursos objeto de reflexão e designação, justamente porque, ao conter conhecimentos
específicos adquiridos e experiências incorporadas, são tidas como evidentes e senso
comum na sua esfera pública de interlocução. As práticas de trabalho, ou como o trabalho é
feito, exprimem o habitus, enquanto ações valorizadas e prestigiadas neste campo.
Entretanto, a maneira como os arquitetos desenvolvem o seu trabalho é
orientada, como pontua Durand, pelo conjunto de ideias – a matriz conceitual na qual se
insere o que exprime sua concepção sobre o significado do trabalho contido em seu
discurso. Ainda que não se refira necessariamente ao modo como realiza o trabalho, o
discurso orienta suas práticas e o conjunto de relações sociais que articulam os processos
de trabalho.
O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra
CAPÍTULO 3
Práticas de trabalho e processos de projeto
“Em persa há uma maneira expressiva de se referir a alguém
que procura algo de forma intensa: “ele usa os seus dois
olhos e mais dois que pediu emprestado”. Esses dois olhos
emprestados são os que desejo capturar; os olhos que serão
emprestados ao espectador para que enxergue o que está
além da cena vista por ele. (Abbas Kiorastami, Guia Mostra
BR de Cinema. Folha de São Paulo, 22 de outubro de 2004).
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Ainda que as formas de empreender os processos de elaboração do projeto
arquitetônico, sejam, em cada arquiteto, impressas por sua formação acadêmica e por um
modo de entender o seu ofício entrelaçado com as questões postas pelo mundo social, e,
portanto, tragam as marcas de uma geração em que foram formados e por posicionamentos
teóricos e ideológicos sobre o significado e sentido da arquitetura1, existem elementos do
fazer arquitetônico que lhes são próprios e que atravessam as circunstâncias das
transformações históricas com as quais tem que se defrontar e responder.
Os atos criativos que permeiam a concepção e o desenvolvimento dos
processos de projeto se apresentam como um desafio e uma exigência inerente das
próprias práticas de trabalho. Justamente por isto os estudos de Schön (2000), embora
destaquem a importância de se desenvolver habilidades criativas na formação profissional
em todos os campos de atividades, referenciam como exemplares, as práticas de trabalho
na arquitetura.2 Segundo ele, nos pressupostos epistemológicos da racionalidade técnica os
conhecimentos sistemáticos fornecem elementos de solução para os problemas
instrumentais em diversas áreas. Quando, porém é necessário se enfrentar decisões do que
fazer e como fazer, diante de problemas colocados pelo mundo real, esta racionalidade
técnica se confronta com um campo nebuloso e complexo de fatores intervenientes físicos,
1
Para Durand (1974, p. 25) o exercício das atividades do arquiteto em sua inserção profissional, expõe tensões entre um
conjunto de valores que orientaram sua formação profissional, o que denomina de meta-teorias e suas atividades concretas.
Estes valores traduzem, na sua visão, de forma multidimensional alguns padrões ideais: - arquitetura como arte; - arquitetura
como ciência social; - arquitetura como síntese; - arquitetura como prospecção e – arquitetura como técnica.
2
O fato de a arquitetura ter se cristalizado como profissão antes do surgimento da racionalidade técnica, explicaria na visão de
Schön (Ibidem, p. 44) a permanência de traços de uma concepção de trabalho profissional anterior: “Por um lado, é uma
profissão utilitária ocupada com o design funcional e a construção de ambientes para a atividade humana. Por outro é uma arte
que usa as formas das construções e as experiências das passagens através de seus espaços como um meio de expressão
estética”. E, esta sua característica bi-modal não se enquadra nos cânones do ensino acadêmico trazendo desconfortos no
contexto das universidades, uma vez que “a educação para a arquitetura ainda segue suas tradições de ateliê”.
Práticas de trabalho e processos de projeto
52
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
econômicos, políticos, ambientais onde a aplicação simplesmente instrumental não é
suficiente – impõe-se como questão a construção do problema à partir dos elementos
contextuais de uma situação – ou, seja, a necessidade de construção de uma problemática.
(Ibidem, p. 16)
Se cada vez mais se amplia em todas as áreas profissionais a consciência de
que os enfrentamentos profissionais deste tipo ocorrem ao se defrontarem com problemas
singulares e inéditos, enquanto zonas indeterminadas cuja resposta não depende
exclusivamente de recursos instrumentais de conhecimentos técnicos – e, portanto, exigem
respostas criativas que dependem do desenvolvimento de um talento artístico - no caso da
arquitetura, as singularidades contextuais de cada projeto fazem com que as chamadas
zonas de incerteza, instabilidade e indeterminação se apresentem como elementos
permanentes.
Objetiva-se neste capítulo apresentar as características inerentes ao trabalho do
arquiteto inserido no processo de elaboração do projeto arquitetônico como um momento
central do seu fazer. Além de portador de um saber-fazer específico, o arquiteto protagoniza
um processo de trabalho onde se inserem indivíduos detentores de outros saberes,
organizando assim um conjunto de relações sociais. Como se pretende mostrar, os atos
criativos de arquitetura representam uma busca intencional que surgem no contexto de
disciplina, esforço repetitivo, horas de dedicação e engajamento. Mantendo traços
artesanais que se revelam no domínio das ferramentas e do gerenciamento do tempo e dos
locais de trabalho, como homo faber, o arquiteto atribui um valor subjetivo ao seu trabalho
que se integra à sua própria identidade e, ao mesmo tempo revela e é fonte de um saber
singular.
3.1 ATOS CRIATIVOS E ATOS LABORIOSOS
Ao se referir ao artista, Lucio Costa espelha o arquiteto na mesma postura do
artesão engajado:
Não cabe indagar, com intenções discriminatórias ‘para quem o artista
trabalha’, porque à serviço de uma causa ou de alguém, por ideal ou por
interesse, ele trabalha sempre apenas, no fundo – quando verdadeiramente
artista – para si mesmo, pois se alimenta da própria criação, muito embora
Práticas de trabalho e processos de projeto
53
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
anseie pelo estímulo da repercussão e do aplauso como pelo ar que
respira”. (COSTA, 2001, p. 36)
Também como os artistas, embora seguindo outras determinações, os arquitetos
têm dificuldades de identificar os momentos iniciais de sua criação. Mesmo que se
referenciem pela combinação entre ideias e possibilidades técnicas como forma de orientar
o desenvolvimento do trabalho, como ainda se refere Lucio Costa, este momento é fonte de
ansiedade ou de angústia porque as respostas ainda não estão configuradas e porque “[...]
envolve a participação do sentimento no exercício continuado de escolher, entre duas ou
mais soluções, de partido geral ou pormenor, igualmente válidas [...] aquela que melhor se
ajuste à intenção originalmente visada”. (COSTA, 2001, p. 54)
Para Frank Ghery, os momentos iniciais do trabalho são fontes angústia e, por
isto, diz usar mecanismos para adiar o início: “Limpo a mesa de trabalho, faço uma série de
tarefas estúpidas e finjo que são importantes. Tenho sempre medo de não saber o que
fazer. É um momento aterrorizante. Depois de começar fico sempre surpreendido: ‘afinal,
não é tão mal assim’ (GHERY, F. apud POLLACK, S, 2005). Superado este momento, a
concepção do projeto vai se configurando aos poucos a partir de alguns esboços, mas,
sobretudo através de exercícios experimentais na maquete física confeccionada, com
materiais maleáveis que possibilitam rearranjos e alterações. Nas relações sociais
envolvidas nos processos de trabalho observa-se que, enquanto seus auxiliares manuseiam
a maquete, Gehry analisa os resultados e orienta modificações. Se para ele, a arquitetura é
uma forma de expressar sentimentos, os resultados parciais que assumem contornos nos
esboços e maquetes, passam pelo crivo do reconhecimento intuitivo da harmonia da
composição arquitetônica. Conforme salienta as ideias surgem muitas vezes à partir da
memória de associações antigas e circunstâncias diversas. Diz, por exemplo, que estando
em uma exposição, ao observar um determinado quadro percebeu nele uma harmonia na
composição de formas que veio a utilizar posteriormente em um de seus projetos
arquitetônicos. Também para ele, a aproximação e o interesse sobre possibilidades de
aplicação de figuras do mundo real ao projeto arquitetônico surgem frequentemente de
exercícios anteriores com desenhos não necessariamente voltados para um projeto
específico. Relata por exemplo, o fato de que na fase do pós-modernismo dos anos de 1980
quando os arquitetos se voltavam ao passado grego e outros passados históricos, ele
imaginou a imagem do peixe como a representação simbólica do período mais ancestral do
homem e passou a desenhar avidamente peixes que variaram das formas mais figurativas
às mais abstratas e que serviram de inspiração posterior em vários dos seus projetos
arquitetônicos. Expressando a complexidade do trabalho arquitetônico, diz também que
Práticas de trabalho e processos de projeto
54
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
55
intrinsicamente, as ideias que afloram à mente e se esboçam desde os primeiros traços, já
estão associadas aos materiais que lhe conferem concretude.
3.1: Croquis figurativos de
Peixes. Frank Gehry.
Fonte: Revista Projeto 288,
p. 88.
3.2: Diagrama feito escultura
de peixe. Frank Gehry.
Fonte: Revista Projeto 288,
p. 89.
Práticas de trabalho
rabalho e processos de projeto
proje
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Da mesma forma, para Paulo Mendes da Rocha, a ideia inicial, surge
simultaneamente da invenção de possibilidades espaciais e construtivas, conforme salienta
ao explicar os seus projetos para os museus da Universidade de São Paulo. A idéia se
apresenta na mente, antes mesmo, de se expressar no desenho e ao ganhar
paulatinamente consistência, acaba por se tornar uma imposição do próprio projeto. Ao
mesmo tempo em que fala destes projetos específicos, revela os momentos interpretativos
iniciais do fazer arquitetônico: se a principal demanda consistia em reunir num mesmo local
os Museus da Escola de Antropologia e Etnologia, o Museu de Ciência e o Museu de
Zoologia, os desafios iniciais se traduziam justamente em interpelar este programa,
considerando as possibilidades do lugar e do significado sensível e social da obra.
Pensei na hipótese seguinte: vamos
concentrar os três museus num único
recinto, que pode ter um grande
auditório comum, cafeterias e coisas
assim. A princípio a universidade não
tinha pensado desse modo; agrupar
os museus foi uma decisão de projeto.
Por enquanto, não existe maquete,
não há nada ainda, é pura mente,
como se eu fosse escritor, poeta! Não
tem nada que ficar rabiscando, porque
eu ainda não sei o que vou fazer.
Estou levantando o que me parecem
ser
as
justas
questões
que
precisariam ser resolvidas. É nessa
medida que você as levanta para
transformá-las em problemas. Nós
resolvemos problemas, então está
feito. Que problemas? (ROCHA, 2007,
p. 34)
3.3: Croqui Praça dos
Museus, USP – Paulo
Mendes da Rocha.
Fonte: ROCHA, Paulo
Mendes, 2007, p. 37.
No exemplo, os problemas despontam das particularidades de cada um dos
museus; das oportunidades de convivência entre cientistas e público; dos elementos do
entorno e do terreno; das dimensões dos edifícios e das possibilidades estruturais,
assumindo assim contornos de espacialidades e volumetrias passíveis de se expressar em
croquis e desenhos, como recursos de raciocínio, ensaio e experimentação. “Finalmente,
Práticas de trabalho e processos de projeto
56
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
posso começar a falar do meu primeiro ensaio, para ver o que isto representa em termos de
volume, o quanto pode ficar bonito no sentido legítimo da expressão” (Ibidem, p. 36)
Nas singularidades próprias do fazer arquitetônico, o imaginar, a ideia se origina
primeiro na mente e vai se materializar no desenho e também na maquete física, que se
tornam instrumentos de reflexão e de experimentação:
Não se trata dessa maquete que é feita para ser exibida e, eventualmente,
vender ideias. É a maquete como croqui. A maquete em solidão! Não é para
ser mostrada a ninguém. A maquete que você faz como um ensaio daquilo
que está imaginando. O croqui, o boneco, um conto. Como o poeta quando
rabisca, quando toma nota. O croqui que ninguém discute. É a maquete
como instrumento de desenho. Em vez de você desenhar, você faz
maquete. Não tem nada a ver com as maquetes profissionais, do
maquetista que tem a função de mostrar a ideia já pronta. Esse é um objeto
que pode se encomendado para ser exibido, e tem seu valor. A maquete
aqui é um instrumento que faz parte do processo de trabalho; são pequenos
modelos simples. Não é para ninguém ver. A graça disso – eu acho que tem
graça, tanto que estou aqui falando – é que existe, nessa extensão do
raciocínio, o objeto já é um tanto quanto configurado na nossa mente. Como
um sentido de dominar a imaginação para que a coisa seja aquilo que você
quer construir. (ROCHA, 2007, p. 22)
Ou ainda,
Antes de fazer essas maquetinhas, você já sabe mais ou menos se a ideia
vai ficar bem. Se ela necessita de algumas correções. Nós estamos falando
de algo muito particular, que é a materialidade da ideia, o que, no meu
entender, é insubstituível. Portanto, para nós arquitetos, ver e tocar já são
materializar essas ideias no pequeno modelo. É como um esclarecimento
para nós mesmos. É a construção. A verificação dos códigos, da
matemática, sobre os momentos da inércia, as fundações [...]. E mesmo
que tenha que se submeter às regras, normas, você pode introduzir
aspectos daquilo que faz – ainda que como uma concessão de valor -,
aquilo que seja capaz de comover o outro. Portanto, a arquitetura é uma
atividade crítica e a base para construir. (Ibidem, p. 27-28)
Práticas de trabalho e processos de projeto
57
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
58
3.4: Maquete Praça dos
Museus, USP – Paulo
Mendes da Rocha.
Fonte: ROCHA, Paulo
Mendes, 2007, p. 3.2-33
Para alguns, como Álvaro Siza, a concepção inicial requer um afastamento e
muitas vezes as soluções, fruto de uma inquietação permanente, surgem de maneira
inesperada em locais aparentemente deslocados e, nestes momentos, as ideias que ainda
estão só na cabeça, como coisa imaginada ou de forma experimental e preliminar em
esboços e croquis, se definem aos poucos como um caminho palpável. “Dicen que proyecto
em el café [...]. El café es um lugar, aqui em Oporto, que permite el anonimato y la
concentración [...]. Se trata de conquistar las bases para el trabajo”. (MONEO, 2004, p. 205).
Em suas ideias, a criação é também recriação ou um ato de renovação resultante da
proximidade com o que é dado, com o conhecido, à partir do qual outros elementos se
interpõem e se relacionam.
Ao mesmo tempo, embora possa parecer contraditório em relação à afirmação
anterior, o trabalho perseguido por Siza envolve também uma proximidade constante do
objeto, em diferentes momentos e circunstâncias: – no sítio onde o projeto se realizará, no
contado com a cultura e com as pessoas do local e na observação presencial dos seus
modos de vida. A busca de soluções arquitetônicas opera-se, não como atos prédeterminados por posicionamentos simplesmente formais, mas se orienta, por uma lógica da
descoberta que se faz nos momentos iniciais do projeto e ao longo de sua elaboração. A
postura que se movimenta pela lógica da descoberta, assumida por arquitetos e outros
artesãos que ainda se inscrevem no mundo contemporâneo, pressupõe abertura às
soluções adequadas e sensíveis como manifestação de atos criativos no interior do próprio
processo de trabalho.
Práticas de trabalho e processos de projeto
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Ao fazer uma observação sobre este fenômeno para Juan Luis Trillo, Hélio Piñón
diz que as idéias criativas em arquitetura oscilam na imprevisibilidade e que sua forma de
lidar com as incertezas na realização do trabalho exige acompanhar o movimento de
flexibilidade do próprio processo: “[...] projeto a partir de um sistema sólido, porém flexível
que pode parecer previsível para o expectador, mas que na realidade não é tanto assim” e
os resultados surpreendem porque, tal como no jazz, a improvisação é inerente ao processo
-“ [...] no fundo sou um pianista de jazz. Essa música não só lhe permite ser intérprete, mas
também exige que o seja. Os meros executantes, inclusive talentosos, não tem futuro no
jazz”. (PFEIFFER, 2010, p. 86-87) São as indagações e as dúvidas constantes que
mobilizam os atos criativos: “não pense que meu modo de abordar o projeto busque eliminar
a dúvida, muito pelo contrário: eu a considero um momento essencial da concepção que,
por definição, deve tender a ser resolvia e não induzir o criador a nela permanecer”. (Ibidem,
p. 86).
Estes depoimentos sinalizam as percepções de alguns arquitetos à respeito do
seu fazer, enquanto criação e invenção e que já revelam
algumas especificidades
presentes na elaboração do projeto arquitetonico e que se relacionam às característica da
matéria trabalhada. Neste nível se coloca pertinente a distinção fundamental entre
criatividade e criação tal como formulada por Fayga Ostrower (1999). Para ela, a criatividade
é um potencial de sensibilidade que nasce com todos os seres humanos ligando o sensorial
ao intelectual nas vivências e possibilitando a compreensão de relações explícitas ou
implícitas das coisas e a percepção de coerência e beleza. “A criatividade é, portanto um
potencial em aberto e abrangente vindo a manifestar-se nas pessoas através de certas
inclinações, interesses, aptidões. Poderíamos considerá-la também uma espécie de
receptividade interior [...] As inclinações surgem espontaneamente”, podendo estar ligada a
muitos trabalhos artísticos e à muitos campos da pesquisa científica e tecnologia. (FAYGA
OSTROWER (1999), p. 218).
Porém na criação, estas inclinações particulares e individuais não se colocam
apenas como potencial e não podem mais se apresentar em termos genéricos, uma vez que
a criação se traduz em materialidade e “[...] se dá em atos concretos e específicos”.
A especificidade da ação criativa origina-se nas diversas matérias com que
se lida; as "matérias" podendo ser de natureza física ou psíquica: ferro,
vidro, cores, sons, gestos, ou também ideias ou relações humanas. Estas
matérias vão ser transformadas pela ação do homem. Daí, os processos de
criação constituírem essencialmente processos de transformação, cujas
formas de desdobramento irão revelar novos aspectos característicos da
própria matéria. Assim toda forma artística será forma gerada num processo
de transformação”. (Ibidem, p. 219, grifos da autora)
Práticas de trabalho e processos de projeto
59
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
[...] Quando, no próprio processo de criação, o artista passa da imaginação
para a realização da obra, das idéias para a ação, ele não traduz
simplesmente as formas imaginadas. A imaginação e a ação, embora
entrelaçadas no trabalho artístico, ainda assim representam dois modos de
ser distintos, dois âmbitos do ser, cada qual com seus limites, suas
possibilidades e impossibilidades. (Ibidem, p. 221)
E, por isto mesmo [...]
Os diálogos do artista com a matéria são, na verdade, diálogos íntimos consigo mesmo. Dentro da crescente riqueza formal em que a matéria pode ser
compreendida, é o próprio ser que se identifica. Daí também o artista
criador não se confundir com a figura do intelectual erudito. No caso, o ser
artístico está na frente do intelectual. É um outro saber que está em jogo,
outro tipo de compreensão, outras realidades e outra lealdade. (Ibidem, p.
223, grifos da autora)
Para Schon (2000), as manifestações do talento artístico aplicado às atividades
profissionais diversas, inclusive à arquitetura, ocorrem em duas dimensões fundamentais,
denominadas por ele de conhecer-na-ação e reflexão-na-ação.
O conhecer-na-ação, refere-se a um saber mais do que se pode dizer como algo
que se manifesta no próprio fazer, definido por Michael Polanyi como conhecimento tácito3.
Apoiando-se em Polanyi, define este conhecimento como sendo aquele que advém da
aprendizagem de uma habilidade através das próprias práticas e, portanto no fazer. Como
exemplo, “capacitar-se no uso de uma ferramenta é aprender a apreciar, diretamente e sem
raciocínio intermediário, as qualidades dos materiais que aprendemos através de sensações
tácitas da ferramenta em nossas mãos”. (SCHON, 2000, p. 30).
Usa a mesma expressão conhecer-na-ação para referir-se a ações inteligentes
publicamente observáveis ou ações privadas que expressam capacidades incorporadas e
espontâneas de desempenho. Nos dois casos, o ato de conhecer está na própria ação
através de construções, o que ocorre pela incapacidade de torná-las explícitas verbalmente.
É um conhecimento tácito porque se coloca espontaneamente, sem deliberação consciente
e que funciona para os resultados pretendidos, “[...] enquanto a situação estiver dentro dos
limites do que aprendemos a tratar como normal”. (Ibidem, p. 33)
A outra dimensão do fazer artístico - reflexão-na-ação – surge também no
contexto da ação como uma reflexão sobre os problemas práticos que se interpõem aos
3
O livro referenciado por SCHÖN é : POLANYI, Michel. The Tacit Dimension. Nova York: Doubleday, 1967.
Práticas de trabalho e processos de projeto
60
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
resultados pretendidos que aparecem como surpresas ou fenômenos inusitados. Possui
uma função crítica que interpela o conhecimento tácito e simultaneamente se apresenta com
experimentações novas do fazer. Ou seja, a reflexão consciente pode muitas vezes se
integrar ao contexto das próprias ações, como improvisações criativas do fazer. Sinaliza
através de exemplos de improvisações dos músicos de jazz ou de conversas no dia-a-dia,
que o fazer propicia novos conhecimentos e possui também, uma dimensão pedagógica
fundamental estabelecida através de relações entre indivíduos que dele fazem parte. Nestes
exemplos musicais são performances coletivas que ocorrem na ação, onde existe escuta e
surpresa em relação aos atos criativos que surgem e, ao mesmo tempo aprendizagem num
processo de desafios e respostas que se alteram em resultados parciais na composição de
um todo . (Ibidem, p. 35).
Nos momentos iniciais do trabalho no fazer arquitetônico, os diálogos reflexivos
que conduzem às soluções criativas, se manifestam quando o profissional, ao definir o
problema – como um ato de designação e concepção - escolhe os aspectos que irá analisar,
apreciando a situação de tal forma que se estabeleça, a partir daí, uma coerência e uma
direção para a ação. Assumindo posicionamentos de Goodman, (1978) 4, Schön afirma que
a definição do problema constitui em sua essência um processo ontológico – uma maneira
de apresentar uma visão de mundo – onde se conjugam a história de vida, as experiências
profissionais, a posição do indivíduo nas organizações e seu posicionamento em termos de
perspectivas econômicas e políticas diante do contexto histórico.
Como sinaliza Foqué (2010), uma vez que a realização criativa não segue um
caminho pré-determinado, cria, no fazer, resultados parciais que só podem ser plenamente
visualizadas quando o trabalho termina. Referendando a concepção de De Bono5, afirma
que os atos criativos estão associados a um “pensamento lateral” que se manifesta no
processo de escolha das alternativas mais apropriadas diante de múltiplas possibilidades.
Ou seja, o processo de criação se baseia não só na intuição do sujeito, mas num movimento
intrincado onde se aliam reflexão e conhecimento já incorporado. Para De Bono, embora
os resultados das escolhas não possam ser garantidos de antemão, “elas devem ser
originais e efetivas”. (Ibidem, p. 37)
MAY (1975) analisa alguns aspectos conjugados que cercam os atos criativos.
No momento de sua ocorrência, são acompanhados de sensações e percepções, como uma
forma de experiência do sujeito, onde se salientam quatro características: primeiro surge um
4
5
GOODMAN, N. Ways of World Making. Indianápolis: Kackett, 1978.
DE BONO, Edward. Lateral Thinking: creativity step by step. London,England: Harper & Row, 1970.
Práticas de trabalho e processos de projeto
61
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
sentimento de culpa na medida em que a criação supõe necessariamente destruição e
transformação, seguida de ansiedade e, mais importante ainda, de uma sensação de
gratidão que acontece nos momentos em que enxerga o algo novo criado. Em segundo
lugar, a percepção do ato criativo é claridade, como na expressão: “Tudo a meu redor ficou
subitamente iluminado”. Esta experiência pode ser definida como um estado de
intensificação do consciente que “amplia a capacidade de pensar e o processo sensorial e,
sem dúvida, fortalece a memória” (Ibidem, p.61). Ao mesmo tempo, a percepção de
claridade nunca vem por acaso. Articula-se a um padrão de comportamento que se define
como compromisso do indivíduo com o seu próprio trabalho. “A quarta característica da
experiência é que a intuição vem exatamente no momento de transição entre o trabalho e o
repouso” (Ibidem). Entretanto, para que isso aconteça é necessário uma postura de abertura
e um envolvimento menos rígido com conclusões pré-estabelecidas e a intuição pode se dar
nas mais diversas circunstancias de cotidiano, além dos locais e tempos designados ao
trabalho. Ou seja, o trabalho, em sua dimensão qualitativa de um fazer concreto escapa às
dicotomias, atravessando diversas dimensões sociais do viver. O aspecto que se destaca
na análise de MAY é que “não podemos querer a criatividade. Mas podemos usar a vontade
para conseguir o encontro, intensificando a dedicação e o compromisso. A ativação dos
aspectos mais profundos da percepção relaciona-se diretamente com o grau de
compromisso da pessoa com o encontro”. (Ibidem, p. 45).
Além desses aspectos, declarações pontuais de muitos arquitetos sobre as suas
experiências de trabalho rompem com outras dicotomias. Revelam, por exemplo, que os
atos criativos se agregam a um esforço consciente que é indissolúvel de sua própria
experiência de vida; de conhecimentos e repertórios específicos; de um modo de se colocar
no mundo e, como tal, atribuem na configuração de um saber fazer, um significado subjetivo
que torna problemática as separações entre o sujeito que cria e o objeto de sua criação.
Villac (2004, p. 243-244) reconhece através de uma analise exaustiva da obra de
Paulo Mendes da Rocha6 esta impossibilidade da separação entre o sujeito e sua obra e
assim se refere, analisando os diversos depoimentos em suas entrevistas com o arquiteto:
La vida del arquitecto contiene el gérmen de su obra. E su opinión, los
fatores heredictarios y las influencias ambientales son el texto que la
naturaleza y la historia le han legado, para que él lo decifre. Para el
arquitecto, lo que la vida le propone, como libre interpretación de la
existencia, es la penetración en el mundo a través de un pensamiento
6
Adotando princípios fenomenológicos sinalizados por Merleau-Ponty sobre o diálogo inerente entre a obra de arte e o sujeito
que vive a experiência, como um dos recursos analíticos para o entendimento da produção arquitetônica de Paulo Mendes da
Rocha VILLAC (2004) fundamenta e amplia a noção de complexidade que cerca à atividade criativa.
Práticas de trabalho e processos de projeto
62
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
constructivo que se estructura de forma tectónica, necesaria y escénica, ‘’en
un continuo espetáculo de transformación.
El arquitecto considera que la “experiência vivida” construye la mirada,
como referencia de las relaciones significativas del mundo que habita y
enlaz com la objectividade. El conhecimento es un enlace entre la mirada y
el mundo y, por tanto, se muestra desde un horizonte de existencia.
Es a partir de la consciencia concreta del mundo – la apropriación del
pensamiento constructivo -, que el arquitecto concibe el mundo de las ideas.
Para Mendes da Rocha, a objetividad no está “en la idea de mundo”, sino
que está “en el mundo”. Empreender, engendrar, transformar son acciones
constructivas en el tiempo que posuen magnitud existencial. Así pues,
considera que el racionalismo se insinúa de forma significativa: la
percepción de uma consciencia constructiva intencional se constitue en
ciencia y tiene um carácter antiintelectual, cuja “apertura al mundo”
constituye una modalidad de manifestación del proprio mundo. La
consciencia integrada en la existencia configura que, para el arquitecto, “el
cogito es espesura temporal de um contacto intersubjetivo com el mundo.
Ao mesmo tempo, a ideia contida no resultado do trabalho e assumida como
invenção, surge e se desenvolve como esforço intencional de possibilidades construtivas,
que condensa arte e ciência, mobilizando através de impulsos subjetivos, o que se sabe e o
que se quer saber e contém necessariamente uma interpelação crítica das determinações
externas que se conjugam no Programa do projeto arquitetônico.
Em nossa profissão, sempre antecedem as nossas atividades, uma
solicitação advinda de uma pessoa ou órgão público que anseia um objetivo
e, para tal, advoga um “Programa Básico”, pelo qual intenciona proporcionar
as condições e funções mínimas para atingi-las. Todavia, nem sempre
construído sobre problemáticas verdadeiras e, freqüentemente de forma
supérflua poderá atender estas prerrogativas. Cabe, portanto, ao arquiteto
com sua formação universalista (realizar) a “Análise Programática”,
ponderando e depurando as eventuais alterações que poderão otimizá-lo. O
arquiteto, pela sua estrutura abrangente, é usualmente o coordenador das
equipes pluridisciplinares, de projetos urbanos e arquitetônicos de maior
complexidade e, a reconstrução definitiva do programa, cada vez mais, se
constitui em uma de suas maiores atribuições. (PETRACCO, 2004, p. 421,
grifos do autor)
Estas considerações denotam algumas singularidades do trabalho que tornam
diferentes, por exemplo, o arquiteto do artista plástico. No dizer de (TELLES, 2009), ambos
traçam alguns percursos criativos semelhantes, mas com pontos de partida distintos. O
artista, segundo ela, assume que tem uma subjetividade e o seu desafio de criação é
ultrapassar a si mesmo, no processo de representação. O arquiteto, ao contrário tem um
ponto de partida distinto: caminha de uma linguagem codificada e genérica, enquanto
portador de um conhecimento técnico para uma expressão sensível que lhe permite expor o
Práticas de trabalho e processos de projeto
63
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
sentimento do mundo que lhe é subjetivo. É um trabalho permeado por uma questão
sensível e estética e por outras questões de ordem social que lhe demandam competências
de organizador de uma ganha de atividades.
Caldana (2005, p. 139) retoma nos clássicos da modernidade, Vitruvius e Alberti,
as características essenciais do trabalho arquitetônico, algumas das quais, mencionadas
anteriormente. Para ele, já se coloca aí a noção de indissolubilidade entre teoria e prática. O
trabalho arquitetônico incorpora simultaneamente, “reflexão, sistematização e proposição”, o
que exige do arquiteto uma formação multidisciplinar. Considerando estes aspectos,
“interessa [...] a forte ligação sistematizada há mais de dois mil anos entre o pensar e o fazer
Arquitetura como resposta de conhecimento à superação das necessidades colocadas pelos
outro, seja ele individual ou coletivo, imperador ou plebeu”7.
A ciência do arquiteto é ornada por muitos conhecimentos e saberes
variados, pelos critérios da qual são julgadas todas as obras das demais
artes. Ela nasce da prática e da teoria. Prática é o exercício constante e
frequente da experimentação, realizada com as mãos à partir de materiais
de qualquer gênero, necessária à consecução de um plano. Teoria, por
outro lado, é o que permite explicar e demonstrar, por meio de relação entre
as partes, as coisas realizadas pelo engenho. (VITRUVIUS,1999, p. 49,
apud CALDANA, 2005)
Importa ainda, para o autor, reconhecer o fato de existir já em Vitruvius, “a
compreensão de que o trabalho artístico é composto pelo resultado e pelo processo, pela
obra em si e pela dimensão teórica inerente ao seu fazer”. (Ibidem, p. 140).
No ato de trabalho de criação arquitetônica, parafraseando SENNETT (2009)
quando se refere às habilidades do artesanato, a cabeça e as mãos andam juntas ou ainda,
como se refere (ROSSI, 2008, p. 98) sobre o desenhar:
[...] a questão mais importante para o entendimento da realização da
atividade do desenho, segundo a expressão utilizada por Alonso (1994.:
8
109) é que perceber e representar andam de mãos dadas”, ou seja,
ocorrem concomitantemente. Não há uma seqüência hierárquica do
primeiro perceber para depois representar – o ato de representação é
imediatamente percepção. Por esta razão o desenho se faz enquanto o
7
O autor relembra que Alberti foi o fundamento da arquitetura do Renascimento sistematizando um método que de certa forma
permanece até hoje e que permitiu a elaboração de uma nova linguagem na representação. Entretanto, afirma que este
fenômeno não se esgota em suas proposições. “No século XVIII Boullé, Ledoux, Bondel, entre outros avançam na distinção
entre o pensar e o fazer, dedicando ao primeiro a composição como instrumento privilegiado de ação. Origem do ensino
contemporâneo da Arquitetura, a sistematização da composição possibilitou sua institucionalização, que se deu nas academias
do Renascimento e sobretudo na escola de Belas Artes de Paris” (CALDANA, Ibidem, p. 143).
8
Na citação de Rossi, a referência mencionada é: ALONSO, Carlos, E.
bidimensional. Tese de Doutorado apresentada na FAU-USP, 1994.
Percepção tridimensional, representação
Práticas de trabalho e processos de projeto
64
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
próprio ato de pensar de quem o realiza. Perceber é uma atividade
intencional.
A imaginação sensível se alia a conhecimentos técnicos e habilidades de
representações construtivas, como materialidade própria a ser trabalhada, apropriando-se
de recursos instrumentais diversos até que o projeto arquitetônico se finalize como um
produto completo.
Desta maneira, a idéia do artefato, como algo único, tem sua existência primeira
nas imagens mentais e aos poucos assume materialidade no próprio fazer - e este fazer é
trabalho no sentido esforço intencional, de energia posta em ação.
Nos movimentos
infindáveis de esforço e dedicação onde “a cabeça e as mãos andam juntas”, afloram as
habilidades, os conhecimentos técnicos e a experiência acumulada do arquiteto, como
“saberes não sabidos”, ou seja, como conhecimento tácito.
Ao indagar sobre a produção artística em seus diferentes momentos e fases,
BRANDÃO (2006) sugere esta mesma ideia, ao apontar a simultaneidade e articulação
entre criatividade e pesquisa, entre saberes inconscientes (como saberes não-sabidos) e
saberes racionais e conscientes evidenciando que a construção de conhecimentos também
na arte, se realiza no ato de trabalhar, ou nos processos de trabalho. Ao se referir à artista
plástica Carmela Gross, afirma que: “Abordando o processo de construção do seu trabalho
artístico, fornece pistas sobre a construção do saber-fazer e afirma que não basta conhecer
e dominar uma técnica determinada. [...] O próprio artista parece “não saber o sabido”
contido no momento inaugural dos processos criativos uma vez que ele sempre apresenta
um caráter experimental” (Id. Ibidem: 60). Reafirmando as colocações anteriores sobre
conhecimento tácito, para CERTEAU (1996:145), a manifestação do saber não sabido se dá
por um saber fazer que não apela ao discurso e se movimenta entre a inconsciência dos
praticantes e a reflexão dos não praticantes: - “Trata-se de um saber anônimo e referencial,
uma condição de possibilidades das práticas técnicas e eruditas”.
São muitos os depoimentos de arquitetos que traduzem este saber não sabido
como uma intuição relacionada a conhecimentos adquiridos a uma experiência acumulada
que propicia uma capacidade de equacionar e lidar com dados específicos de um projeto
particular. Todos estes aspectos se transferem no dizer de Sylvio Vasconcelos (apud
XAVIER, 2003, p. 237), “[...] para o subconsciente os processos mentais que racionalmente
se realizam no consciente” ou como afirma Affonso Reidy (apud XAVIER, 2003, p. 212) se
expressa no ato de projetar, como uma intuição dirigida (Id. Ibidem), o que significa
habilidades que se forjam e se consolidam no próprio trabalho.
Práticas de trabalho e processos de projeto
65
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Estas idéias também estão presentes nas análises de Sennett (2009). O autor se
utiliza do conceito de conhecimento tácito para se referir às características das atividades
artesanais no sentido de que nas práticas de trabalho existe conversão de conhecimentos
“não sabidos” e, ao mesmo tempo, estas práticas forjam novos conhecimentos e
habilidades, num mesmo movimento simultâneo do fazer e do pensar.
O termo incorporação dá conta aqui de um processo essencial a todas as
habilidades artesanais, a conversão da informação e das práticas em
conhecimento tácito. Se uma pessoa tivesse de pensar em cada movimento
para acordar de manhã, levaria uma hora para sair da cama. Quando falamos
de fazer algo “instintivamente”, muitas vezes estamos nos referindo a
comportamentos que de tal maneira entraram em nossa rotina que não mais
precisamos pensar a respeito. Aprendendo uma capacitação, desenvolvemos
um complicado repertório de procedimentos desse tipo. Nas etapas mais
avançadas dessa capacitação, verifica-se uma constante interação entre o
conhecimento tácito e a consciência presente, funcionando aquele como uma
espécie de âncora, esta, como crítica e corretivo. (SENNETT, 2009, p. 62-63).
O ato de projetar, qualificado por PETRACCO (2004, p. 408) como gesto
9
projetual , advém, “[...] do conhecimento da história e da ciência; portanto, contém o
conjunto de
comportamentos e
procedimentos que
envolvem
o
profissional
no
desenvolvimento de uma concepção determinada, desde o primeiro olhar ao derradeiro
pormenor”. Na busca de qualificar os seus atributos, coloca como ponto de partida, a
presença de dois pressupostos simultâneos:
1. o processo criativo, base da produção cultural, está inserido no método
cognitivo e se desenvolve da Observação, que induz a Crítica e anseja à
Criação;
2. a arquitetura é uma obra artística, por isso subjetiva, e emerge de uma
análise historiográfica e de uma proposta tecnológica, geralmente
prospectiva, portanto inserida em método científico. (Ibidem, p. 413).
E ainda,
O Gesto Projetual, como qualquer outro se desenvolve dentro de um
emaranhado de circunstâncias e consequentes reações. São fenômenos
conjunturais ou condicionantes que irão protagonizar nossas posturas
dentro do comportamento ético. Elas estão presentes nos desafios físicos e
9
Dependendo da forma como é utilizada, a expressão “gesto projetural” pode conter mistificações em torno da criação
arquitetônica. Este não é o caso de Petracco, pois o gesto criativo para ele não é algo obtido de imediato. Representa uma
busca intencional e direcionada tecnicamente, cujas respostas ou encontro de soluções passam por processos reflexivos e
materiais próprios que demandam tempo e esforço. Caldana (p.cit) utiliza a expressão “gesto criador” e trabalha com a
hipótese de que ele é fruto da capacidade do arquiteto de interpretar criativamente as condições pré-existentes e as condições
desejadas.
Práticas de trabalho e processos de projeto
66
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
morfológicos assim como nos fatores sócio-econômicos e culturais e no
conhecimento tecnológico. (Ibidem, p. 413)
Para ele, a dimensão criativa contida no ato de projetar,
[...] é o resultado do domínio de toda “entourage” depois de observada e
apuradamente criticada, revertido em ato propositivo, o projetar. O ser
humano, insaciável agente de transformações, não se resigna a acomodarse perante seus diagnósticos. Espontaneamente propõe e, quando
necessário derruba e desconstrói. É objetivo específico precípuo, mas não
se exaure em si neste momento. Em sua mente investigadora volta a
observar-se em sua proposta, reflete, critica-a e a redescobre,
reinventando-a, dentro de um processo de aproximação sucessiva e
sistemática. E nesse comportamento, “moto contínuo”, que o homem leva e
é trazido para as aventuras do processo evolutivo, quando emancipandose, volta a observar-se reanalisando os conteúdos com crítica consciente e
profunda, reinventando descobertas e descobrindo novas invenções.
(PETRACCO, 2004, p. 410, grifos do autor)
Por isto mesmo é que CAMPOS e SILVA (2004) consideram o projeto
arquitetônico como tendo as mesmas características e elementos do conhecimento e da
pesquisa científica, contendo indagações, referências teóricas, hipóteses de trabalho,
experimentações. Mas, ao mesmo tempo mantém aspectos diferentes e singularidades
próprias na medida em que “a arquitetura possui um enquadramento epistemológico e
metodologias próprias”. E ainda, salienta que: “a formulação intelectual na arquitetura é
uma apropriação de conhecimento tendo em conta a poesis [...] e, o conceito proposto
intelectualmente,
deverá
ser
traduzido
em
linguagem
arquitetônica
mediante
o
conhecimento sensível, visando à forma arquitetônica”.
CALDANA (2005, p. 148) ao se debruçar sobre os processos de projeto
arquitetônico problematiza a concepção de que ele é um simples recurso para a resolução
de problemas colocados por outros. Considera que este é um paradigma superado na
medida em que a atividade de projeto é atravessada por outros fatores intervenientes,
inclusive subjetivos. “O estabelecimento de relações e nexos passa [...] por sua natureza
social e pelos repertórios de informações e conhecimentos envolvidos no processo”.
Esta mesma perspectiva é reconhecida por Villac (2004, p. 264-265), em Paulo
Mendes da Rocha. Para este arquiteto, a arquitetura se articula não apenas como forma de
solucionar problemas, mas, sobretudo por lançar problemas, enquanto desafios criativos nas
Práticas de trabalho e processos de projeto
67
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
relações entre meios e fins, no mesmo sentido apontado por Schön10. Nas palavras do
próprio arquiteto, ressaltas pela autora:
Eu tenho a impressão de que até hoje faço arquitetura assim: eu acho que é
invenção, é a resolução de alguns problemas, cujos problemas não são
aqueles contidos estritamente nos programas, mas são os que você
transforma como problema, porque quer que aquilo diga aquilo lá. Você
quer que este projeto exprima “isto”. Daí nasce o problema: um problema
que você cria diante do quadro e você o resolve tecnicamente para que
fique assim, no espaço. É uma construção enquanto realização de uma
imaginação.
Em Alvaro Siza, conforme já salientado anteriormente, a dimensão da liberdade
criativa está presente, mobilizada pelos desafios de enfrentar elementos aparentemente
contraditórios e pela capacidade de se articular às circunstâncias ainda que com modos de
criação específicos. Para ele, o processo de criação, sobretudo nos desafios iniciais, é
sempre uma descoberta, onde a solução dos problemas frequentemente ocorre de maneira
inesperada, exigindo a consciência da presença do conflito como reflexo de ambivalências e
múltiplas possibilidades de soluções.
Me dicen algunos amigos que no tengo ni una teoría ni un método, que no
soy un pedagogo, que soy una nave a merced de las elas. No pongo a
prueba la madera de la nave en el mar. Los excesos la destruírian. Estudio
las corrientes, los remolinos [...] Puedo ser visto paseando a solas em la
cubierta. Pero toda la tripulación y todos o medios están allí. [...] No me
atrevo a poner las manos en le timón cuando apenas se ve la Estrella Polar.
Y no indico cuál es la via clara. Los caminos no son nunca claros”. (SIZA,
apud MONEO, op. cit., p.206)
Por isto mesmo é que, para ele, o movimento criativo supõe, à partir desta
consciência, um distanciamento, abrindo espaço para fruição de novas ideias que oscilam
entre estranhamento e reconhecimento, consciência do conflito e ambivalências e só
termina devido às circunstâncias.
De todo modo, o projeto arquitetônico segue um desenvolvimento em etapas
institucionalizadas e referendadas pelos órgãos de representação de classe11 que à primeira
vista pode parecer como uma forma linear de organização do ato de projetar: “Traduzidas
10
Segundo Schön (Idem:17), as zonas indeterminadas da prática que escapam aos cânones da racionalidade técnica
envolvem em muitos casos, conflitos de valores e quando isto ocorre, “[...] não há fins claros que sejam consistentes em si e
que possam guiar a seleção técnica dos meios”.
11
Existem duas normas da ABNT que tratam do projeto arquitetônico: NBR13531 e NBR13532, com o referendo da ASBEA
que ainda formularam diretrizes e normas para a intercambialidade de projetos com representações em CADD. (CALDANA,
2005: 167).
Práticas de trabalho e processos de projeto
68
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
para o jargão da produção do projeto, estas etapas se caracterizam pelo começo
correspondendo à definição do partido, o meio ao desenvolvimento do projeto e o fim à
execução do projeto” (CALDANA, 2005, p. 156). Conforme salienta, a complexidade das
demandas e a introdução de novos instrumentos de trabalho no processo de projeto
acabaram por incidir no aparecimento de etapas intermediárias: definição do partido do
projeto; elaboração do estudo preliminar, elaboração do anteprojeto e execução do projeto
executivo e, em alguns casos incorporam-se estudos de viabilidade, plantas legais e projeto
pré-executivo. (Ibidem, p. 159-160).
Entretanto, em termos de processo de trabalho estas etapas não são lineares.
Podem, dependendo do estágio de desenvolvimento do projeto, serem efetuadas
simultaneamente, definindo e assimilando modificações necessárias no percurso do seu
desenvolvimento. Como já mencionado, fatores intervenientes muitas imprevistos, obrigam
um refazer que se repete, cabendo ao arquiteto realizar o trabalho de perícia artesanal,
avaliando constantemente e ajustando o trabalho para o fim desejado. No processo do
fazer, “surge a possibilidade de que esta idéia original, a proposta de arquitetura, seja ainda
passível de re-elaboração durante o processo, sem que isto signifique que se está
elaborando outro projeto” (Ibidem, p.174)
Além disso, segundo Caldana (2005, p. 149) existe hoje uma convivência entre
diversas abordagens metodológicas em relação ao processo de projeto12:
A intensa relação existente entre Arquitetura e seu tempo, se por um lado
não prescinde do conhecimento e sua sistematização, por outro tem
provocado a crise de identidade que pode ser frequentemente observada.
Questões como criatividade, a racionalidade e o controle desse processo
em que ambas estão envolvidas buscam respostas neste momento de
transição.
Os seus posicionamentos de não-linearidade dos processos de projeto se apoia
em estudos sistematizados por Joaquim Guedes e conhecidos como teoria dos sistemas e
sub-sistemas, onde existe ênfase num conhecimento aprofundado do lugar e do programa
do projeto. Nesta proposição, a arquitetura vai se realizando em partes e “não
obrigatoriamente através de um processo linear baseado na definição de uma ideia original
ou uma forma pré-concebida que se desenvolve em sua representação” (Ibidem, p. 150).
12
Aponta o crescente interesse investigativos sobre os processos de projeto, destacando as contribuições de pesquisadores
renomados como Elvan Silva, Carlos Eduardo Comas e Edson Mafhuz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e de
Carlos Leite Brandão e Silke Kapp (em Minas Gerais), entre outros.
Práticas de trabalho e processos de projeto
69
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Do ponto de vista das características das práticas de trabalho, evidencia-se aí
uma combinação simultânea de esforço, disciplina, e inúmeros atos criativos que percorre
todo o processo de elaboração do projeto arquitetônico, desde sua concepção. No fazer, o
arquiteto lança mão dos instrumentos disponíveis e que domina como expressão de suas
habilidades manuais, capazes de expressar, nas linguagens gráficas, o artefato concebido.
A obra se configura paulatinamente e se expressa como uma narrativa pessoal onde se
articulam elementos subjetivos (a fantasia) e materialidade numa linguagem reconhecida. É
nesta perspectiva que se pode transpor as analises de Balinisteanu (2008, p. 12) sobre a
construção das narrativas literárias ao projeto arquitetônico. Tal como nos textos literários, o
arquiteto também, ao construir sua narrativa através do projeto arquitetônico, transita entre
fantasia e realidade, se apresenta ao outro, mexe com as identidades dos indivíduos e
confirma sua presença social no mundo.
O desenho e as modelagens constituem os instrumentos principais dos
processos conceptivos que constituem a primeira fase do projeto ou os momentos
inaugurais do fazer arquitetônico permitindo que as ideias que surgem primeiramente na
mente se materializem no papel, como criação. GINOULHIAC, (2009) ao discutir as
mudanças de paradigmas do projeto arquitetônico desde a modernidade, defende a
premissa de que o desenho se mantém e se atualiza até hoje por ser um meio de
construção negociada de pensamentos e concepções, não só nos primeiros momentos, mas
ao longo de todas as etapas do processo de trabalho.
Práticas de trabalho e processos de projeto
70
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
3.5 - Processos de criação / Instrumentos de trabalho. Escritório UNStudio, Amsterdam
Fonte: GOODMAN, N., 1978, p. 120-122.
Para Rozestraten (2006) estes instrumentos se colocam “[...] como meio de
diálogo entre as ‘imagens de pensamento’ – formas mentais, internas – e as imagens
visuais – formas materiais, externas – que poderiam ser percebidas (vistas, tateadas,
percorridas) pelo próprio autor e também por outras pessoas”.
[...] o ato de desenhar ou modelar é indistinto da criação, e como tal é
aberto: sujeito a críticas, revisões e alterações.
Como já disse Vilanova Artigas: “desenho – designa” [...] É um risco que
significa. Desenhar-designar é introduzir uma nova forma simbólica no
universo semântico. Todo desenho é, inevitavelmente, a invenção de novos
signos que comunicam novos conteúdos artísticos.
O croqui é um esboço, um desenho esquemático, sem acabamento. Um
desenho que se pretende mais uma forma em construção do que uma
forma acabada. Desenho do pensamento em processo, aproximativo,
tateante, registro de um traço reflexivo que experimenta possibilidades.
O croqui é o desenho que acompanha o pensamento de quem projeta, no
diálogo gráfico consigo mesmo, e com os outros. É o desenho que se faz
enquanto se fala e se pensa, e o registro plástico de um pensamento em
curso.
Como pontua Schenk (2010, p. 109-110), interpretando o papel dos croquis nos
processos conceptivos em quatro projetos arquitetônicos13 através de entrevistas com os
seus autores14, destaca, entre muitas outras, as seguintes reflexões:
•
Os croquis conceptivos são compreendidos enquanto linguagem
que expressam formas de estruturação de idéias espaciais;
•
O partido arquitetônico não poderia ser atingido por um único
momento de inspiração ou se conter a ela. “Sua constituição decorre de
sucessivos contatos com o fenômeno arquitetônico”. Ou seja, a solução
arquitetônica só pode ser pensada como um processo de sucessivas
aproximações, rompendo com a idéia de instantaneidade conceptiva;
•
“A aparente totalidade que se anuncia, imprimindo um sentido ao
projeto, vigoraria por ser embrionária. Se um partido arquitetônico se firma
é porque ele indicia uma série de possibilidades de articulações espaciais,
um caminho a ser per corrido”;
13
Museu de arte de Belo Horizonte MABH de autoria de Givaldo Medeiros e Alexandre Loureiro (1990), projeto
vencedor do concurso Nacional de anteprojetos para o MABH – promovido pelo IAB – Minas Gerais; Museu Rodin da
Bahia – MRBA, de Francisco Fanucchi e Marcello Ferraz (2001); Grande Museu Egípcio do Cairo – GMEC, de Hector
Vigliecca (2003), projeto mencionado como destque no The International Architecture competition for the Grand Eggyptian
Museum e Museu de Escultura de São Paulo, de Paulo Mendes da Rocha (1987), projeto vencedor de concurso fechado
de arquitetura, promovido pelo IAB, São Paulo.
14
O olhar para as transformações da ideia arquitetônica no contexto do desenvolvimento do projeto à partir da percepção dos
próprios autores é, do ponto de vista metodológico a mesma desenvolvida no capítulo 5 desta tese.
Práticas de trabalho e processos de projeto
71
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
•
“o desenvolvimento do projeto faria o partido arquitetônico se
reencontrar continuamente. Como um caminho que se trilha na
simultaneidade do que é construído, o projeto seria feito na medida em
que passa a ser revisto”;
Reafirmando estes aspectos Sennett (2009, p. 55) enfatiza que o desenho,
enquanto intermediação no fazer, necessita, sobretudo na Arquitetura, da presença de
elementos táteis e relacionais no processo de trabalho.
O tátil, o relacional e o incompleto são experiências físicas que ocorrem no
ato de desenhar. O desenho representa aqui um leque mais amplo de
experiências, como por exemplo, a maneira de escrever característica da
edição e revisão, ou a maneira de tocar música que explora repetidas
vezes as qualidades intrigantes de um determinado acorde.
Estes aspectos táteis e relacionais como o desenho ou outros
meios de experimentação é, sobretudo fundamental na arquitetura
porque estabelecem conexões necessárias entre as idéias
imaginadas e a realidade real onde serão aplicadas. Para o autor,
“os projetos que dispensam o uso da mão também desqualificam
um certo tipo de compreensão relacional”. (Ibidem, p. 54)
Exemplifica estas idéias com as palavras de Renzo Piano15:
Começamos fazendo esboços, depois traçamos um determinado desenho
e em seguida fazemos um modelo, para então chegar à realidade – vamos
ao espaço em questão -. Voltamos mais uma vez ao desenho.
Estabelecemos uma espécie de circularidade entre o desenho e a
concretização e de volta ao desenho. [...] É perfeitamente característico da
abordagem do artífice. Ao mesmo tempo, pensar e fazer. Desenhamos e
fazemos. O ato de desenhar [...] é revisitado. Fazer, refazer e fazer mais
uma vez”. (Ibidem, p. 52).
As preocupações de Sennett, enfatizando os elementos táteis do trabalho
arquitetônico, dirigem-se às possibilidades e formas do uso de programas digitais
aplicados à arquitetura. A questão para ele é mais complicada do que uma simples
oposição entre mão versus máquina. É possível usar o computador como ferramente
auxiliar para contornar dificuldades, nos movimentos circulares de trabalho, enfatizados
acima por Enzo Piano. “As formas abusivas de utilização do CAD bem demonstram que,
quando a cabeça e a mão estão separadas, é a cabeça que sofre”. Ou ainda, “o desenho
com ajuda do computador pode servir como símbolo de um amplo desafio enfrentado pela
sociedade moderna: como pensar a vida como artífices fazendo bom uso da tecnologia”
(Ibidem 56).
15
Refere-se aqui a uma citação de Renzo Piano extraída do livro: ROBBINS, Edward. Why architects Draw. Cambridge, Mass:
MIT Press, 1994, p. 126.
Práticas de trabalho e processos de projeto
72
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Maria de Jesus Leite (2007) embora tenha o foco de suas análises centrado nas
questões de formação do arquiteto, defendendo o propósito de um aprendizado não apenas
pragmático, mas também voltado para as possibilidades de criação de utopias - cujas bases
estariam numa formação sensível, onde a busca da ampliação dos sentidos significa querer
aflorar o que ela denomina por ‘manualidade”.
Entretanto,
Para o desenho ser desígnio nas mãos do aprendiz de Arquitetura é preciso
um domínio espacial para o qual ele precisa preparar-se. Com o domínio
espacial, o desenho, à medida que vai sendo construído, vai, ele mesmo se
transformando em instrumento do pensar, do refletir, porque consciente. E,
na “realidade, é a concepção, a consciência da criação” (LEITE, Maria J.,
16
2007, p. 78) .
O aspecto mais destacado de suas análises é o fato de conferir à criação, o
estatuto de trabalho. Ou seja,
[...] quando se trata de abordar o processo de criação [...] há que buscar
entender que dele fazem parte capacidades que são cerebrais
(pertencentes ao mundo real) e que exige uma dimensão de trabalho
tamanha que a ele se referir como algo livre de esforço é não lhe dar a
dimensão devida. (Ibidem, p.85).
Cabe assinar que a importância crescente do desenho, desde os primórdios da
modernidade, como o elemento característico do trabalho do arquiteto, fez como que se
tornasse um indicador de autoria do projeto e, no geral, os arquitetos são admirados por
suas qualidades de desenho. Conforme Lapuerta (1997, p. 20) nos séculos XVIII e XIX
existia uma luta obsessiva contra as imperfeições no trabalho e os croquis e desenhos
arquitetônicos eram muito bem elaborados e inclusive expostos em prateleiras, expondo-se
ao olhar do outro. Ao mesmo tempo em que revelam um saber fazer erudito, servem de
patente do produto, uma vez que se espera que cada arquiteto tenha uma reflexão única e
uma marca característica de expressão gráfica. O autor refere-se inclusive ao fato de que Le
Corbusier assinava a maioria dos seus croquis.
Sobre as características intrínsecas dos croquis, se reporta ao fato de que para o
arquiteto eles possuem uma dupla intensão: - comunicar-se consigo mesmo através de
16
Para Lacombe (2007) a idéia do aluno desenhando na prancheta com a supervisão do mestre é uma tradição, com raízes
no início do século XIX. Isto supõe que a arquitetura não se ensina este método de transmissão do conhecimento – da
arquitetura enquanto construção do espaço – decorre do pensamento que se constrói através de mediações e representações.
Práticas de trabalho e processos de projeto
73
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
imagens e mostrar aos clientes os resultados parciais ou finais do seu trabalho. Tanto do
ponto de vista interno quanto externo, existe um movimento de rapidez que se multiplica em
muitos desenhos o que explicaria a aparência tosca e expressiva dos croquis, onde as
convenções gráficas são simplificadas. (LAPUERTA, 1997, p. 28).
Além dos autores mencionados, muitos outros (PERRONE, 2005, 2006;
ALONSO, 1999; FLORIO, 1998; ROSSI, 2008; SEGNINI, 2002, etc.) têm contribuído de
forma substancial para o conhecimento do papel ainda importante dos instrumentos
tradicionais no trabalho do arquiteto, em alguns casos movidos pela preocupação com os
impactos sobre as formas de se criar em arquitetura, decorrentes de um mundo tecnológico
em rápida aceleração.
No caso deste trabalho, o resgate de um fazer concreto através de entrevistas
concedidas pelos arquiteto Luciano Margotto Soares, permitiu constatar que, desfazendo as
preocupações de Sennett, no trabalho de elaboração dos projetos analisados, os
instrumentos tradicionalmente usuais e manuais se combinam com instrumentos
tecnológicos digitais num movimento não linear. Os croquis assumem um duplo papel –
como um instrumento de criação e como elemento de interlocução interna e externa, como
enfatizado por Lapuerta e muitos outros autores. Da mesma forma, a maquete se apresenta
em sua dupla expressão – física e eletrônica, também possui funções múltiplas – se insere
no processo criativo como instrumento de trabalho (modelagem) e como elemento de
intermediação nas relações externas.
Como expressão de um fazer que é geral aos arquitetos, os momentos primeiros
da criação pressupõem um conjunto de atos de trabalho que exigem muito esforço e
disciplina, envolvendo o resgate de referências próprias em projetos anteriores ou alheios,
interlocuções com outros profissionais especializados e investigação sobre possibilidades
técnicas, etc, que no geral também ocorrem em diversas circunstâncias e espaços para
além do escritório ou atelier, tal como igualmente acontece no fazer artístico, conforme
BRANDÃO (op.cit). O arquiteto Toscano, só para citar um exemplo significativo, relata que
ao se defrontar com os desafios de projetar a Estação Ferroviária do Largo Treze em aço foi
em busca de Amílcar de Castro, artista renomado por suas habilidades com este material,
para conhecer suas possibilidades plásticas (RIGHI, 2003).
Por isto mesmo, desde sua fase inicial, no fazer o projeto arquitetônico os atos
criativos surgem no contexto de esforço intencional e direcionado a um fim desejado; a
articulação dos ritmos e do tempo de trabalho assume feições auto-geridas; o processo de
trabalho ocorre em diversos locais, e as possibilidades de ajustes são intermináveis mesmo
Práticas de trabalho e processos de projeto
74
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
quando o resultado se apresenta em sua forma final. Como um processo paulatino de ajuste
em torno das concepções iniciais, como se refere Piñón, o desenvolvimento do projeto
arquitetônico é mobilizado por constantes dúvidas e os resultados finais são sempre
surpreendentes e imprevisíveis.
3.2 ARTICULAÇÃO DE SABERES E FAZERES E ENGAJAMENTO SIGNIFICATIVO NO
TRABALHO
Se, como afirma Paulo Mendes da Rocha (VILLAC, 2004, p. 265) a invenção de
uma maneira de fazer é simultânea ao fazer e não reflexo de algo exterior, a criação não se
restringe à concepção inicial, mas se realiza em aproximações sucessivas em busca de
respostas e ajustes de idéias, durante todo o percurso do processo de trabalho. Estas
aproximações revelam tensões entre a concepção estética e suas possibilidades
construtivas ou, as tensões entre técnica e arte, num movimento de “sínteses provisórias”
(Ibidem, p. 323), que se apresentam como resultados parciais do objeto trabalhado – o
projeto arquitetônico.
Ao colocar idéias polêmicas, TELLES (op. cit.) sustenta que, diferente do que
ocorre nos países centrais, a expressão arquitetônica brasileira do trabalho na prancheta
possui um perfil próprio. A tradição da inexistência de um diálogo declarado a respeito das
referências intelectuais no processo de criação liga-se ao fato de que aqui o projeto
arquitetônico é assumido como síntese, denominação abstrata como algo que surge e se
consolida no próprio processo de representação na prancheta, ou seja, no fazer. Esta
ausência de referências conceituais e mesmo históricas no processo de criação teria,
segundo ela, raízes na própria tradição da arquitetura brasileira em seus laços originais com
a engenharia, assumindo um contorno didático-pedagógico na própria formação acadêmica
do arquiteto, onde o conhecimento é transmitido em exercícios projetuais e, portanto,
através das práticas.
Na perspectiva de DURAND (op. cit., p. 23) o conceito de síntese assume uma
dimensão de meta-teoria ou um padrão de valor sobre arquitetura que se traduz na seguinte
idéia: “o projeto arquitetônico resulta não da somatória, mas da síntese de múltiplas
determinações da situação a que ele vem responder: necessidades do usuário, recursos
Práticas de trabalho e processos de projeto
75
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
tecnológicos, disponibilidades financeiras – a serem reunidas num princípio unitário”. Neste
sentido, a noção de síntese reveste uma expressão quase que consensual entre os
arquitetos brasileiros e que se espelha nas colocações de Paulo Mendes da Rocha: de que
as soluções criativas ocorrem de maneira paulatina, não necessariamente linear, no
decorrer do processo de projeto.
Há que se adicionar a esta reflexão, que além do caráter não linear do trabalho
no processo de projeto, ele se encontra entremeado por outras articulações complexas de
caráter social e técnico.
A concepção do partido arquitetônico e a apresentação do artefato criado em
etapas subsequentes de detalhamento são sustentados também por conhecimentos
técnicos e habilidades instrumentais de outros profissionais que participam de forma pontual
ou permanente no decorrer dos processos de trabalho. Significa dizer que o processo de
projeto organiza um conjunto de relações sociais e se define por seu caráter coletivo.
Mesmo que as formas de engajamento dos indivíduos neste processo ocorram
através do emprego assalariado ou de outras modalidades (temporário, por tarefas ou
mesmo sob a forma de prestação de serviços terceirizados), cabe ao arquiteto, como autor
(ou arquitetos, numa autoria compartilhada), identificar os conhecimentos necessários e
articular um conjunto de trabalhos técnicos específicos que devem se harmonizar e
convergir na obra projetada. Como será discutido no próximo ítem 3.3., nesse sentido o
arquiteto lida simultaneamente com trabalhos e empregos e é responsável pelos “arranjos
de trabalho”.
3.6 - Arquiteta Lina Bo Bardi
e equipe de trabalho.
Fonte:GOODMAN, N. 1978,
p. 20
Práticas de trabalho e processos de projeto
76
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
3.7: Diagrama SESC Pompéia
Arquiteta Lina Bo Bardi
Fonte: GOODMAN, N., 1978, p. 27.
Pode-se considerar como dimensão integradora dos diversos saberes e fazeres
presentes no processo de projeto as interlocuções e o significado subjetivo que os indivíduos
atribuem ao seu trabalho enquanto elemento importante para o projeto do artefato em
elaboração.
Nas condições de complexidade do mundo contemporâneo, é importante assinalar,
como o faz Caldana (2005, p. 177), que o papel de interlocutor e mediador, exercido pelo
arquiteto se acentue, não só porque se ampliam as interferências e agentes externos, mas,
ainda porque as tecnologias informatizadas permitem cada vez mais que o trabalho possa ser
realizado à distância, fora de sua supervisão física.
Embora, ainda não existam dados estatísticos oficiais e confiáveis nesta área, o
que se pode observar empiricamente a partir de levantamentos realizados junto a escritórios
situados em várias partes do mundo é o aumento da utilização da grande rede não apenas para
troca de informações e mensagens, mas também para o estabelecimento de parcerias técnicas,
comerciais e científicas.
Práticas de trabalho e processos de projeto
77
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Em relação às interlocuções internas do processo de criação, as contribuições de
Schön (2000), ainda que voltadas para aspectos do ensino em Arquitetura, são fundamentais
porque conseguem posicionar a sua importância nas relações colaborativas necessárias.
Para além das questões de formação do arquiteto, é importante ressaltar que a
dimensão pedagógica é um fenômeno inerente aos processos de trabalho. Se os
conhecimentos tácitos e novos conhecimentos são forjados pelas práticas de trabalho,
pode-se afirmar que o elemento intermediador da dimensão pedagógica contida no fazer
são as interlocuções que se inserem as relações sociais. Quer sejam feitas através de uma
busca individual do arquiteto estabelecendo diálogos informais com profissionais muitas
vezes de outras áreas de trabalho sobre a sua matéria de criação, quer através de parcerias
declaradas com outros arquitetos sob a forma de arranjos de co-autoria ou de colaboração,
as interlocuções estão presentes e são estratégicas na concepção do projeto. As discussões
voltadas para a busca de melhores alternativas favorecem os ensaios de experimentação de
possibilidades técnicas e espaciais e ajuda a definir decisões. Também, consultas ou
participação diretas de outros especialistas nas questões técnicas específicas do projeto
arquitetônico responsáveis pela elaboração dos projetos complementares dependem do
entendimento discursivo das questões arquitetônicas envolvidas.
Se, para Schön (Ibidem) a arquitetura é por excelência uma expressão do talento
artístico profissional por lidar com a complexidade, as práticas pedagógicas típicas da
formação do profissional é o ateliê de projeto, que representa um protótipo da conversação
reflexiva do designer17 – onde se aprende através do fazer, com apoio da instrução e se
prepara os indivíduos para o exercício profissional.
Ao adotar o ateliê de projeto como objeto de análise18, discute as relações
complexas de criação que envolvem saberes e fazeres diversos e, ainda, competência,
prática e talento artístico. No caso das práticas pedagógicas analisadas, as instruções do
professor, ao mostrar as competências que gostaria que os alunos adquirissem, são apoios
de instrução que acompanham os diálogos de criação, onde progressivamente se
configuram aproximações e experimentação19: “Desenhar e conversar são formas paralelas
17
Em sua definição, designer é todo aquele que converte situações indeterminadas em determinadas e, como construtor,
impõe sua própria coerência à partir de situações incertas, mal definidas, complexas e incoerentes.
18
As origens de suas pesquisas sobre ensino de arquitetura estão baseadas no trabalho dirigido por William Porter, diretor da
Escola de Arquitetura e Planejamento do M.I.T. e Dean Maurice Kilbridge, Diretor da Escola de Pós-Graduação em Design de
Harward. As descrições das práticas pedagógicas contidas no seu livro são resultados da observação participante em vários
ateliês de projetos em diversas universidades americanas.
19
As características dos ateliês, nas universidades pesquisadas assumem o seguinte formato: “[...] em geral são organizados
em torno de projetos gerenciáveis de design, assumidos individual ou coletivamente, mais ou menos padronizados de forma
similar a projetos tirados da prática real. Com o passar do tempo eles criaram seus próprios rituais, como demonstrações dos
coordenadores, sessões de avaliação de projetos e apresentação para bancas, todos ligados a um processo central de
aprender através do fazer” (Ibidem, p. 45).
Práticas de trabalho e processos de projeto
78
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
79
de construir um projeto e, juntas, elas fazem o que eu chamo de linguagem do projeto”
(Ibidem, p. 48). Ao mesmo tempo, existe um caminho de construção e reconstrução da
concepção do problema arquitetônico que envolve ações, reflexões e diálogos. E, em
algumas situações o arquiteto estabelece um diálogo com a própria situação através de um
domínio da linguagem:- “[...] aprecia as consequências de suas ações, as implicações que
ele descobre e segue e realiza mudanças de postura em relação com a qual ele conversa”
(Ibidem, p. 56).
As interlocuções que permeiam as práticas de trabalho nos processos de criação
arquitetônica, quer no ensino acadêmico, quer na vida profissional, desnudam a ausência de
dicotomias entre o ensinar e o aprender.
Também na dimensão pedagógica do processo criativo se apresenta outro
elemento estratégico: o engajamento- como expressão de envolvimento na busca de
realização de um bom trabalho.
3.8: Arq. Paulo M. da Rocha
e alunos em atividades do
curso de Maquete em
Curitiba.
Fonte: ROCHA, Paulo
Mendes, 2007, p. 62.
É possível apontar que as habilidades forjadas no processo de trabalho, inclusive o
aperfeiçoamento técnico de um saber ou mesmo, a aprendizagem através da incorporação de
novos instrumentos de trabalho, possuem relações com o tipo de engajamento dos indivíduos
Práticas de trabalho e processos de projeto
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
no trabalho,
o seu grau de envolvimento e entrega, enquanto uma postura subjetiva de
valoração sobre aquilo que faz.
Uma pesquisa coordenada por Perrone (2005) com o objetivo de indagar as
funções dos croquis no processo de projeto arquitetônico, consultando diversos arquitetos,
exemplifica como a prática profissional, quando se realiza através de um engajamento
significativo (no sentido positivo) favorece o aperfeiçoamento de habilidades manuais, ainda que
estas exijam esforço repetitivo e muitas horas de dedicação. Grande parte dos arquitetos
entrevistados revelou que a prática profissional permitiu ao longo do tempo aprimorar
suas capacidades de desenhar e que através de descobertas pessoais estas habilidades
se transformaram. Os seus desenhos foram se tornando mais maduros e capazes de
adquirir uma linguagem de expressão própria. A capacitação aperfeiçoada é algo que
pode ser medida pela quantidade de horas empenhadas neste exercício manual de
elaboração de desenho, quer “[...] sejam eles feitos a mão, no computador, ou o cada
vez mais frequente através de desenho híbrido em que as plotagens recebem
intervenções à mão num constante processo de vai e vem”20. (Ibidem, p. 626)
Sennett (2009) salienta a importância subjetiva do engajamento, como
elemento substancial que orienta a realização de um bom trabalho. Ao tratar das práticas
artesanais, discute o engajamento não em seus aspectos instrumentais, mas em seus
patamares mais elevados onde a técnica deixa de ser uma atividade mecânica e as pessoas
são capazes de sentir plenamente e pensar profundamente o que estão fazendo quando o
fazem bem e esta sensação se traduz em gratificações emocionais – “as pessoas se ligam à
realidade tangível e podem orgulhar-se do se seu trabalho” (Ibidem, p. 31). “Fazer um bom
trabalho significa ser curioso, investigar e aprender com a incerteza”. (Ibidem, p. 61) Nesta
dimensão, as transformações tecnológicas que se interpõe no trabalho não são o problema e
sim, a forma com que a tecnologia é utilizada.
Estas
questões
remetidas
à
introdução
de
instrumentos
de
trabalho
informatizados pressupõem forjar habilidades, potencializando os novos recursos, o que por
si só não exprime engajamento, gratificações emocionais e vínculos afetivos com o ato de
trabalhar. De todo modo, habilidades com as ferramentas informacionais representam
saberes novos que vão construindo sendo incorporados e combinados aos já existentes. As
preocupações de Sennett, no caso da arquitetura, e já mencionadas anteriormente, é que
elas possam afetar e comprometer o fazer artesanal em seus aspectos de contato sensorial
com a própria matéria trabalhada.
20
Os processos de projeto apresentados no capítulo 5, exemplificam práticas de trabalho semelhantes.
Práticas de trabalho e processos de projeto
80
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
No trabalho arquitetônico, o projetista estabelece na tela uma série de pontos; os
algoritmos do programa ligam os pontos numa linha, em duas ou três dimensões. A concepção
com ajuda do computador tornou-se quase universal nos escritórios de arquitetura, por sua
precisão e rapidez. Entre suas virtudes está a capacidade de girar imagens, para que o
projetista possa ver a casa ou o prédio de escritórios de vários pontos de vista. Ao contrário do
que acontece com um modelo físico, o modelo na tela pode ser rapidamente aumentado,
diminuído ou dividido em partes. Certas aplicações sofisticadas do CAD reproduzem os efeitos,
numa estrutura, das mudanças de iluminação, direcionamento dos ventos ou temperatura.
Tradicionalmente, os arquitetos analisavam os prédios de duas maneiras, pela planta e o corte
transversal. O CAD permite muitas outras formas de análise, como, por exemplo, fazer uma
viagem mental na tela pelas correntes de ar do prédio.
Como poderia uma ferramenta tão útil ser mal empregada? Quando o CAD foi
introduzido no ensino de arquitetura, substituindo o desenho à mão, uma jovem
arquiteta do MIT observou que, ‘quando projetamos um espaço, desenhando
linhas e árvores, ele fica impregnado em nossa mente. Passamos a conhecê-lo
de uma maneira que não é possível com o computador. [...] Ficamos
conhecendo um terreno traçando-o e voltando a traçá-lo várias vezes, e não
deixando que o computador o ‘corrija’ para nós’. Não é uma questão de
nostalgia: a observação leva em conta o que é perdido mentalmente quando o
trabalho na tela substitui o traçado à mão. Tal como acontece em outras
práticas visuais, os esboços arquitetônicos frequentemente constituem imagens
de possibilidade; no processo de cristalização e depuração pela mão, o
projetista procede exatamente como o jogador de tênis ou o músico, envolve-se
profundamente, amadurece suas idéias a respeito. O espaço, como observa a
21
arquiteta, “fica impregnado na mente” . (SENNETT, 2009, p. 52).
Outras questões significativas dirigem-se às relações efetivas de como nos
processos de gestão, a incorporação de tecnologia pode acentuar a fragmentação do trabalho
dependendo de como é realizado e produzir um engajamento subjetivo frágil, tal como discutido
nas partes iniciais deste capítulo ou forjar outras possibilidades de arranjos de trabalho e
interlocução no sentido de angariar formas renovadas de re-significação do trabalho. As
habilidades criadas nos processos de trabalho e, sobretudo, o engajamento entendido como
a busca de realização de um bom trabalho, se inserem, ao conjunto de relações sociais
envolvidas, às formas como se articulam os indivíduos portadores de saberes necessários –
aos arranjos produtivos ou formas de gestão do processo de trabalho.
21
Faz referência nesta citação ao autor: TURKLE, Sherry . Life on the Screen: Identity in the Age of the Internet. Nova York: Simon
and Schuster, 1995
Práticas de trabalho e processos de projeto
81
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Tal como já destacado, as interlocuções entre saberes constituem uma
singularidade do fazer arquitetônico, quer entre pares sob a forma de parcerias e outras formas
de cooperação, quer como um elemento indispensável no interior do processo produtivo, uma
vez que o arquiteto assume a figura de articulador de um conjunto de trabalhos técnicos
especializados, inserindo os projetos técnicos complementares à concepção inaugural e de
outros profissionais encarregados de execuções gráficas, além de comandar as relações
externas com indivíduos ou instituições que representam suas demandas sociais de projeto.
3.3 ARRANJOS DE TRABALHO
O processo de trabalho articula um conjunto de relações sociais, ou um conjunto
de saberes técnicos necessários através de arranjos particulares que exprimem a forma
como os arquitetos concebem o próprio trabalho e sua inserção no campo da arquitetura.
A autoridade do arquiteto, em seu papel de articulação de múltiplos trabalhos
singulares, é legitimada por sua experiência e notoriedade de sua produção, na esfera
pública do seu campo profissional. Consideradas as ambivalências dos arranjos produtivos
através dos quais se organiza o trabalho, como evidenciam algumas investigações (KATO,
2007; 2009), as relações sociais fundadas por esta autoridade podem se traduzir por
obediência passiva ou participação colaborativa.
Neste sentido, a autoria individual e a produção coletiva imprimem outra
característica ao trabalho arquitetônico, fazendo com que os processos de trabalhos sejam
perpassados por múltiplas tensões. Se as diferentes etapas do processo de projeto exigem
do arquiteto soluções criativas diante dos desafios e tensões entre a concepção estética e
suas possibilidades construtivas ou, no dizer de Paulo Mendes da Rocha, tensões entre
técnica e arte que se desdobram em “sínteses provisórias”, estes ajustes envolvem
igualmente o conjunto das relações e são perpassados por tensões e conflitos entre os
agentes internos e externos ao processo de trabalho.
Estudos sobre a organização dos arranjos de trabalho em escritórios de
arquitetura em São Paulo, num contexto relativamente recente evidenciam composições
heterogêneas em termos de porte funcional e número de profissionais envolvidos na
produção do projeto arquitetônico. Contata-se a presença desde pequenos escritórios de
Práticas de trabalho e processos de projeto
82
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
arquitetos renomados e que sempre se pautaram pela escolha de uma estrutura funcional
reduzida, até escritórios que promoveram reduções drásticas no quadro de funcionários
fixos e outros que surgem e se desenvolvem no contexto recente das novas demandas de
mercado e já estruturam com base nos paradigmas de gestão difundidos internacionalmente
(RIGHI, 2003). O uso de instrumentos de trabalho digitais com aplicação de programas já
amplamente difundidos ou mesmo a geração de plataformas próprias constitui um traço
marcante em todos eles e traz resultados muito semelhantes no que se refere à gestão dos
processos de trabalho. Embora nos escritórios de maior porte exista uma tendência de
estruturação da produção em departamentos ou grupos de trabalho, encarregados por
nichos específicos de mercado ou de marketing, a implicação substancial da incorporação
tecnológica é o reforço da gestão centralizada do processo de projeto na figura do arquiteto
responsável ao lado da fragmentação das etapas que podem agora ser realizadas e
supervisionadas à distância, sem a necessidade de grandes equipes de funcionários fixos.
Proliferam-se, desta maneira, os locais de trabalho e a coexistência de formas diversas de
vínculos trabalhistas. A redução do trabalho assalariado é acompanhada pela difusão de
outras formas de inserção produtiva, como o trabalho autônomo, temporário e de serviços
terceirizados através de outras empresas especializadas. A aplicação de sistemas digitais
no processo de projeto e a flexibilização das inserções trabalhistas favorecem a contratação
de estagiários ou arquitetos recém-formados, para execução de tarefas específicas e
parceladas.
Como sugerem outras pesquisas (KATO, 2006; 2007) esta maneira de organizar
o processo produtivo não significa a ocorrência de modificação substancial nas formas de se
conceber o trabalho e muitas vezes acentuam os conflitos entre os agentes envolvidos no
processo de projeto. Em contraposição à necessidade cada vez acentuada de jovens
profissionais familiarizados com os sistemas digitais, a sua inserção fragmentada, as
sobrecargas de trabalho que penetram os espaços e os tempos da vida cotidiana dos
indivíduos, aliados às baixas remunerações, tendem a acentuar insatisfações e frissões no
interior dos processos de trabalho. Por outro lado, a incorporação tecnologia tem servido
como instrumento de agilização da gestão centralizada do processo der projeto, fornecendo,
além disso, algumas ferramentas que propiciam modelos de experimentação das ideias
conceptivas do projeto ou linguagens gráficas que favorecem a comunicação e interlocução
externa, com clientes e outros agentes. Na concepção do partido, os novos instrumentos
propiciados pelos diversos programas digitais combinam-se (mas não eliminam) aos
instrumentos já consagrados, como desenhos, croquis, e maquetes físicas.
Práticas de trabalho e processos de projeto
83
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Desta forma, e considerando os aspectos qualitativos, é cada vez mais
impossível dissociar trabalho e emprego, tempo de trabalho e tempo de lazer.
Mesmo que as maneiras de inserção de outros profissionais no interior do
processo de projeto ocorram pela presença combinada entre trabalho assalariado e outras
formas, o que importa para a realização do trabalho são suas habilidades e conhecimentos
que devem ser aplicados e incorporados. Cabe ao arquiteto o domínio da composição do
arranjo de trabalho o que exige dele conhecimentos técnicos capazes de definir o lugar que
os indivíduos portadores destes conhecimentos, ocupam no conjunto da criação,
estabelecendo hierarquias funcionais mais rígidas e, ou frouxas e ainda, capacidade
gerencial de intermediação de conflitos latentes e expressos.
No desempenho de seus múltiplos fazeres, o arquiteto precisa de uma
autoridade legitimada pelos indivíduos envolvidos nos processos de trabalho.
Sennett
(2001, p. 29-30), num grande ensaio sobre este tema, exemplifica varias manifestações de
autoridade em personagens reais portadores de características próprias – num extremo, a
garantia de disciplina através do terror, como era o caso do regente Toscanini e, num outro
extremo, a ausência de coerção e ameaça como em Montreaux que levava os músicos ao
seu melhor, “[...] tocando como ele queria, pois ele sabia”. Assim, um dos traços marcantes
da autoridade se expressa no indivíduo como uma força capaz de guiar os outros
“disciplinando-os e modificando seu modo de agir, através da referência a um padrão
superior”. Porém para que a autoridade se torne legítima é necessário que seja atravessada
pela percepção de diferenças de força: “A autoridade transmite e o subalterno percebe,
portanto, a ideia de que há algo de inatingível no caráter dela. Há um poder, uma segurança
ou um segredo, possuído pela autoridade, que o subalterno não consegue desvendar. Essa
diferença desperta medo e respeito” (Ibidem, p. 206). E acrescenta:- “A autoridade pessoal
legítima é percebida como capaz de fazer duas coisas: julgar e tranquilizar. Em virtude de
seus poderes internos, ela sabe sobre o subalterno algo que ele mesmo não sabe” (Ibidem).
Tomás Salgado (BAPTISTA; VENTOSA, 2009, p. 49), quando se refere às
práticas de trabalho do seu pai, Manuel Salgado, à frente do escritório Risco, é um caso
típico de legitimidade da autoridade do arquiteto fundada no reconhecimento de uma
experiência consolidada:
O meu pai intervinha em todos os projectos: liderava as discussões iniciais
nas quais se definiam as estratégias e se fundavam conceitos e
acompanhava o desenvolvimento dos trabalhos através de sessões de
trabalho periódicas. Quando percebia que alguma coisa podia estar a seguir
um rumo com o qual não concordava, andava mais em cima.
Práticas de trabalho e processos de projeto
84
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
Neste exemplo, mesmo articulando estratégias de coordenação cooperativa, sua
saída, conforme declara Tomás Salgado, deixou um vácuo ainda não totalmente superado:
“Já não temos as costas quentes. Já não dá para dizer – ‘discutimos isto com Manoel e ele
está de acordo com a solução’ [...] Só daqui a uns anos é que vamos poder fazer um
balanço”.22
Consideradas as ambivalências dos arranjos produtivos através dos quais se
organiza o trabalho, como evidenciam as pesquisas mencionadas, as relações sociais
fundadas por esta autoridade podem se traduzir por obediência passiva ou participação
colaborativa. Por isto mesmo e, antecipando-se aos conflitos, as inserções técnicas tendem
a se consolidar por afinidades comprovadas entre os indivíduos, com bem assinalam muitos
arquitetos, ao mencionarem a longa permanência de outros profissionais em suas equipes.
É o caso, por exemplo, de Niemeyer em seu depoimento elogioso ao engenheiro Joaquim
Cardozo, com quem sempre manteve fortes laços de afinidades no trabalho:
Em minha vida profissional, tive o privilégio de encontrar na colaboração amiga
e superior de Joaquim Cardozo, esse companheiro essencial. Passo em
revista, mentalmente, todos os trabalhos que juntos realizamos, e não me
lembro de um único caso em que ele se insurgisse contra o que os meus
projetos sugeriam, nenhum caso em que se fizesse cauteloso, propondo
alterações de caráter econômico ou de prudência estrutural. Sua atuação se
mantém invariavelmente, num alto nível de compreensão e otimismo,
interessado em fixar para cada problema a solução justa, a solução que
preserve a forma plástica em seus mínimos detalhes [...].
Se lhe proponho solução difícil de realizar, ele a estuda com redobrado carinho,
desejoso de não lhe reduzir o que porventura, apresenta de novo e arrojado,
mas de adicionar-lhe outros detalhes [...]. E tudo isto acresce o trato ameno e
simples do homem inteligente [...] incapaz de impor uma opinião com a
intransigência das coisas irrefutáveis, apresentando-as sempre como
sugestões pessoais, que julga justas e convenientes. (NIEMEYER, apud
XAVIER, 2003, p. 365).
Outras vezes é através das vivências de conflitos que o arquiteto vai aos poucos
afinando as relações de compatibilidade com os indivíduos de sua equipe de trabalho. Para
Gehry este reconhecimento surgiu como aprendizagem no decorrer de sua trajetória
profissional quando passou a valorizar mais o trabalho em equipe. Aprendeu a necessidade
de estabelecer proximidades e diálogos para amenizar desentendimentos e a se adaptar às
22
O escritório de arquitetura Risco, sediado em Lisboa, fundado em 1974 por Daciano Costa como um atelier de design,
passou a ser coordenado por Manuel Salgado durante a década de 1980 consolidando-se através da realização de projetos de
arquitetura e urbanismo em diversas partes do mundo, muitos dos quais, com a colaboração de Vittorio Gregotti. Atualmente
coordenado pelos arquitetos Tomás Salgado, Nuno Lourenço, Carlos Cruz e Jorge Estriga o escritório teve seu projeto para o
concurso internacional para o Plano Geral e Urbanístico do Parque Olímpico Rio 2016 classificado em 3º lugar.
Práticas de trabalho e processos de projeto
85
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
características e ritmos dos profissionais com os quais atua desde os momentos iniciais da
concepção do projeto. Como modo particular de atuação, permanece junto nos momentos
cruciais, dando instruções e verificando os resultados materializados de suas ideias
conceptivas. Refere-se, por exemplo, ao arquiteto que trabalha com ele há 15 anos, o
“chinesinho” e que, durante os dois anos iniciais nunca abriu a boca. Agora, já familiarizado
com suas matrizes conceituais se permite emitir palpites que no geral são acatados.
Menciona também outras formas de interlocuções subentendidas no processo de projeto,
entre elas, com o engenheiro calculista engajado há tempos em seus projetos e considerado
por ele o maior especialista em cálculos estruturais do mundo. Fala também sobre uma
relação crucial que define a viabilidade do próprio trabalho – as interlocuções com o cliente,
primeiramente ouvindo suas expectativas, seus valores e modo de vida e, a partir das
primeiras ideias, realizar o que chama de ensinamento do cliente – um processo de
convencimento que deriva do diálogo e de explanações sobre o significado das propostas
idealizadas por ele. Em suas palavras, as equipes encarregadas do desenvolvimento do
projeto se apresentam como extensão de suas mãos e estas mãos são as que garantem a
harmonia da composição até os momentos finais.
Assim, é em torno do traço marcante do processo de trabalho, caracterizado
pela autoria individual (ou em parceria) e pela produção coletiva, que emergem possíveis
conflitos e que se interpõe a necessidade de ajustes, exigindo que o arquiteto torne a perícia
artesanal numa capacidade ampliada de ajustes múltiplos e constantes do trabalho de
outros para obter o melhor resultado possível nas condições impostas por prazos e outras
variáveis.
Por todos os aspectos assinalados neste capitulo, a perspectiva analítica
debruçada na dimensão qualitativa do trabalho do arquiteto como um saber fazer singular
que se insere nos processos de trabalho para a elaboração do projeto arquitetônico, permite
situar as limitações da noção moderna de trabalho, confundida com emprego e atividades
repetitivas e, ao mesmo tempo as mistificações em torno da genialidade do arquiteto.
Como salientado, as práticas de trabalho do arquiteto nos processos de projeto
exigem dele um enorme esforço dirigido e engajado, envolvendo disciplina e dedicação que
demandam tempo e energia física e intelectual, no âmbito do qual emergem os atos
criativos.
Em suas características artesanais, a busca de soluções criativas e singulares
em cada projeto rompe com as dicotomias fundadas na modernidade que separam e opõem
as esferas da vida social do individuo, na medida em ultrapassa os locais específicos de
Práticas de trabalho e processos de projeto
86
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO |
trabalho, captura o arquiteto exigindo dele movimentos reflexivos de aproximação e
afastamento em relação aos desafios do projeto e ocupa os seus espaços de vida privada e
de lazer.
Práticas de trabalho e processos de projeto
87
CAPÍTULO 4
Contexto social e contexto dos indivíduos:
o lugar de Luciano Margotto Soares
“O conhecimento é uma escolha tanto de um modo de vida
quanto de uma carreira; quer o saiba ou não, o trabalhador
intelectual forma-se a si próprio à medida que trabalha
para o aperfeiçoamento do seu ofício.” (C. Wright Mills, em
Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios, 2009)
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 89
Partindo-se das ideais que demarcam as discussões conceituais anteriores, ou
de seja, de que as singularidades do trabalho no fazer arquitetônico independem das
condições trabalhistas ou salariais com que os indivíduos realizam o trabalho e que existem
possibilidades múltiplas de arranjos e de gerenciamento destes processos, conforme o porte
dos escritórios e do perfil de demandas sociais nos quais se inserem, a análise de um fazer
específico – no caso o arquiteto Luciano Margotto Soares – requer ampliar o escopo
influências contextuais que lhe imprime uma determinada feição.
A disposição colaborativa do arquiteto permitiu a realização de 9 entrevistas não
estruturadas e muitas conversas informais como um resgate reflexivo intencional no qual foi
incitado a rememorar o percurso do seu fazer arquitetônico em alguns projetos específicos –
CAPES, SEBRAE e Porto Olímpico – cuja escolha só ocorreu ao longo dos contatos
pessoais. Como não poderia deixar ser, mantém no seu discurso um vínculo indissociável
entre as obras projetadas e seus valores pessoais e posturas profissionais. A partir deste
valioso levantamento de dados é possível visualizar um saber fazer que é parte integrante
das habilidades de todos os arquitetos na realização do seu ofício e que, ao mesmo tempo,
é amalgamado a uma postura profissional e a uma história de vida.
Para além das marcas pessoais incorporadas no próprio processo produtivo e no
produto do trabalho, as ideias e posicionamentos que ele carrega em si são também uma
expressão social de um segmento de arquitetos de uma geração formada na FAU-USP, no
período de transição das décadas de 1980 e 1990. Objetiva-se, neste capítulo apontar
algumas das características e influencias deste segmento de arquitetos, na medida em que
permitem ampliar a compreensão e contextualizar as posições de Luciano Margotto Soares
em torno dos significados subjetivos do seu trabalho e dos aspectos conceituais e
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 90
valorativos de arquitetura que guiam suas ações no campo profissional e suas praticas de
trabalho em cada projeto específico.
4.1 MARCAS DE UMA GERAÇÃO: IDENTIDADES RENOVADAS
Ao iniciar a palestra para os alunos da Facultad de Arquitectura, Arte y Diseño
da Universidad Diego Portales y Hunter Douglas, Santiago, Chile, em setembro de 2009,
Luciano Margotto Soares apresenta a imagem da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo como a referência inaugural de sua trajetória profissional,
associada a outras que destacam a cidade de São Paulo e o Edifício Eiffel, projetado por
Niemeyer, onde atualmente habita.
Nesta parte inicial de seu depoimento, sob a
designação de “O enigma da memória” recorre às raízes de suas opções pela arquitetura,
localizadas por ele, no imaginário social de sua infância dos anos de 1960. A elas se
misturam e se agregam a vivência de cotidiano posterior em uma metrópole a qual se refere
como austera, mas culturalmente rica e, ainda, a ocorrência determinante de sua formação
acadêmica ter acontecido na FAU-USP.
Falei que achava que a minha memória ou o que eu trago é um pouco mais
mestiço, menos puro, mais misturado... e quando eu era criança, quando eu
comecei a pensar em fazer arquitetura, meus tios, que eram engenheiros
civis e meus irmãos, gostavam de Oscar Niemeyer e era o máximo. Não
sabia exatamente o significado desta admiração, mas achava muito
impressionante, uma coisa maravilhosa [...]. A imagem do prédio da FAU é
uma coisa muito distinta da imagem da cidade, mas tão forte quanto.
Estudar arquitetura, estudar aqui, é uma coisa muito forte. Você vive cinco
anos aqui intensamente do ponto de vista das relações, da coisa pública, do
edifício sem portas, do espaço único, da biblioteca como um grande
coração, a fachada desse pátio que é a coisa mais importante, o vazio que
é a coisa mais importante e tudo o mais. (MARGOTTO, 21 set.2009)
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 91
4.1: Palácio da Alvorada
em Brasília.
Foto de MARGOTTO,
L.S. 2010, cedida pelo
autor.
4.2: Edificio Fau-Usp.
Fau
Foto de MARGOTTO,
L.S. 2010, cedida pelo
autor.
4.3: Praça da República,
São Paulo.
Foto de MARGOTTO,
L.S. 2010, cedida pelo
autor.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 92
4.4: Edifício Eiffel,, São
Paulo, SP
Foto de MARGOTTO,
L.S. 2010, cedida pelo
autor.
Com efeito, Margotto faz parte de uma geração conhecida como a dos “jovens
arquitetos paulistas”, termo que se generalizou para designar os arquitetos formados em sua
maioria no final da década de 1980 e inícios de 1990 na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo e que paulatinamente foram
f
se destacando
profissionalmente na década posterior através da participação e recorrentes premiações em
concursos públicos e pela consolidação de uma produção arquitetônica
arquitetôni
significativa. As
afinidades conceituais com o ideário moderno, discurso hegemônico na universidade,
universidade
sempre acompanhado pelas práticas de debate e intercâmbio de ideias no espaço
acadêmico, se desdobram posteriormente em associações e parcerias e na organização de
diversos
rsos escritórios de arquitetura. Alguns deles se notabilizaram
aram através de premiações,
como Andrade Morettin, MMBB, Núcleo de Arquitetura, Projeto Paulista, Puntoni
Pun
Arquitetos,
SPBR Arquitetos e Una Arquitetos entre tantos outros constituídos
dos à partir do final dos anos
de 1980.
Para Wisnik (2006
(2006a, p. 173), não é à toa que a FAU- USP é o projeto primeiro de
referência de identidade para os arquitetos desta geração. O tratamento dado ao programa
do edifício contém a genealogia de posturas arquitetônicas valorizadas
valorizada em comum. A
despeito das trajetórias e características individuais
individuais, o edifício contém uma materialidade
simbólica de identidade coletiva. Ou seja, a “[...] generosidade dos espaços de circulação e
congregação, associada à radical recusa de fragmentação e enclausuramento dos
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 93
ambientes, retiram-lhe qualquer atributo doméstico ou privado".1 Os elementos simbólicos
das espacialidades contidas no edifício enfatizam o caráter público da arquitetura presente
nas relações de abertura espacial ao convívio social e permeabilidade aos contextos
urbanos do entorno e da cidade. Os posicionamentos relativos à valorização da dimensão
pública da arquitetura – consubstanciado no ideal de que a arquitetura deve sustentar as
relações necessárias entre o individual e o coletivo; entre o edifício e a cidade – são marcas
presentes na formação acadêmica desta geração e, mesmo interpretadas de forma
particular, permitem estabelecer costuras transversais como se refere Wisnik e algumas
afinidades comuns.
É possível afirmar que estas identidades e outras características distintivas que
marcam a produção arquitetônica destes escritórios se tornam reconhecíveis como
pertencentes a um segmento de arquitetos paulistas de uma geração que foi capaz de
realizar uma releitura singular e contextual das influências de um modernismo local
justamente num momento histórico de grandes transições econômicas e culturais que
marcaram a década de 1990.
Quando, por exemplo, no ano de 2000, Ruth Zein analisa criticamente algumas
das obras específicas destes escritórios, já se refere aos arquitetos a eles vinculados - como
portadores de uma marca geracional passível de ser reconhecida através de suas criações
e que revelariam o fato de serem simultaneamente herdeiros e críticos das raízes de uma
tendência arquitetônica sedimentada de São Paulo desde meados dos anos de 1950 e
consolidada nos anos seguintes – a escola paulista brutalista.
Cabe salientar que ao lado desta herança, todos eles são igualmente frutos de
um período de resistência e crítica que atravessa os anos de 1970 e 1980, quando o debate,
embora truncado e reprimido pelo regime ditatorial brasileiro, esteve presente na vida
universitária demarcando posicionamentos e afinidades ideológicas e formais. Não se pode
esquecer que a transição política brasileira da década de 1980, ou período de
redemocratização, como passou a ser reconhecido, reacende, com o retorno efêmero de
Vilanovas Artigas, o debate crítico em torno da produção arquitetônica de São Paulo
germinada e espelhada no projeto arquitetônico e no projeto pedagógico da FAU-USP.
1
Relembra Wisnik (Ibidem) que Álvaro Siza ao ser entrevistado em 1997 pela Revista Caramelo, destaca a qualidade espacial
do edifício da FAU-USP e seu caráter simbólico, como expressão de um tratamento muito particular do programa desenvolvido
como uma sucessão contínua em torno de uma praça comum de distribuição e convívio.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 94
O próprio Artigas reconhece, em entrevista à Paulo Markun em 1984 2 a
necessidade de uma revisão crítica das relações bi-unívocas – o projeto pedagógico e o
projeto arquitetônico da FAU-USP, considerando-se os paradoxos e perplexidades postos
pela realidade dos anos de 1980, quando a Universidade, com um número crescente de
alunos já assume o contorno de ensino de massa, contrapondo-se às propostas
pedagógicas formuladas no início da década de 1960 baseadas na premissa da capacidade
articuladora do ateliê de projetos e, ao mesmo tempo numa presença numérica de
estudantes mais restrita e adequada à esta formulação de ensino.
Em outros aspectos, os desafios sociais e profissionais da época, entre eles, o
aumento desmesurado das cidades e das desigualdades sociais; as relações ambíguas
entre o ideário utópico da arquitetura moderna brasileira e a recessão das demandas
estatais de arquitetura; diminuição dos empregos nas profissões liberais, incluindo a
arquitetura, constituem dimensões da realidade antes impensáveis e que apelam, por isto
mesmo, para a imaginação criativa do arquiteto. Sem abrir mãos dos próprios valores, o tom
de suas opiniões é menos otimista quanto se trata de identificar caminhos e possibilidades.
Como exigência contextual, trata-se, para ele, de lidar com a instabilidade e a falta de
perspectiva sólida de futuro enquanto uma premissa a ser incorporada - o que já é uma
percepção declarada da impossibilidade de sustentação de alguns paradigmas dogmáticos
que antes permearam o debate arquitetônico em São Paulo.
Como ele próprio deixa claro,
Na década de 50, estas definições foram bem mais fáceis. Tínhamos uma
visão dualista: o socialismo era a felicidade, o capitalismo era odiado. Uma
visão bastante maniqueísta. Hoje temos consciência de que os problemas
são mais complexos [...]. Seria maravilhoso se eu pudesse dizer que sei
qual a saída [...]. Agora isto me angustia. [...] Como arquiteto, acredito no
aperfeiçoamento constante do próprio homem através da técnica. E no
avanço do seu domínio sobre a natureza e sobre as relações sociais. É o
que guardo do meu passado [...] me reservo o direito de manter minhas
utopias. Acho que na hora em que você abrir mão da condição de por a
imaginação a serviço da felicidade humana você nega a sua condição de
homem mesmo. Podem me chamar de sonhador, mas é isso. Essa posição
é a única que pode ser chamada de otimista. [...] Sou de uma geração que
procurou solução para todos os problemas [...] foi nisso que gastei os
melhores anos de minha vida. [...] (ARTIGAS, 2004, p.171)
2
Sob o título - As ideias do velho mestre -, esta entrevista foi publicada em 19 de janeiro de 1985 na Folha de São Paulo, logo
após o falecimento de Vilanova Artigas (ARTIGAS, 2004, p.173)
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 95
A Revista Caramelo pode ser considerada um espelho voltado para o interior do
mundo acadêmico, trazendo algumas imagens do cenário cultural e arquitetônico deste
contexto de transição democrática e de redefinição de posicionamentos teóricos e políticos.
Organizada por alguns alunos recém-ingressos nessa faculdade em 1989, se torna um foco
de convergência do debate acadêmico 3 . Já no primeiro número (dezembro de 1990), a
publicação de entrevista feita pelo corpo editorial com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha
publicando inclusive o seu projeto do concurso do Centro Georges Pompidou, no qual foi
finalista e uma matéria sobre Artigas, também aí inserida, atraíram oposições e críticas. A
revista é inclusive acusada, como relembra Fernando Viègas4, de estar se vinculando a um
discurso arquitetônico retrógrado. Com a presença do corpo editorial inicial acrescido de
outros integrantes vai aos poucos consolidando uma autonomia editorial e financeira. Os
sete primeiros números revisitam a arquitetura moderna paulista, contendo entre outras
inúmeras matérias, análises realizadas por Marcos Acayaba (Caramelo n.3, 2º semestre de
1991), Silvia Telles (Idem) ao lado do Dossiê Lina Bo Bardi (Caramelo n.4, 1º semestre de
1992) e outros artigos de arquitetos renomados como Vittorio Gregotti, Álvaro Siza e Giulio
Carlos Argan (Caramelo n.5, 2º semestre de 1992). Abrem igualmente um espaço para o
debate interno da FAUUSP realizando um balanço histórico dos Fóruns da faculdade
(Caramelo n.6, 1º semestre de 1993), passando também a publicar alguns TFGs (Trabalho
Final de Graduação) considerados mais representativos da produção discente. Neste
percurso amplia paulatinamente o escopo de pauta, abrindo-se para questões culturais e
urbanas do momento. A Caramelo n. 7 (2º semestre de 1993), por exemplo, é dedicada
especialmente às cidades apresentando temas emergentes reunidos numa perspectiva
multidisciplinar com artigos de Ladislau Dowbor; Nelson Brissac Peixoto, Olgária Chain
Féres; Marilena Chauí, Vera Pallamin, Anderson Kazuo Nakano, além de entrevistas feitas
pelo corpo editorial com Milton Santos, Nicolau Sevcenko e Joaquim Guedes. Ainda que a
equipe original se mantenha somente até este último exemplar, a revista continua na mesma
intenção de se abrir ao debate proposto por alunos até a n.10.
O modo de Artigas se reposicionar frente ao contexto do seu então presente,
reconhecendo a instabilidade dos processos econômicos sociais e a impossibilidade de
visualização de um devir histórico palpável, demarca em certo sentido, o traço geracional
destes jovens arquitetos que pode ser traduzido pela postura de redefinição de referências
de identidade e que se revela, não apenas nas opções estéticas e formais ou nos discursos
3
A Caramelo, organizada através do grêmio da FAU como uma revista que se abre a incorporação livre dos alunos e lançada
no segundo semestre de 1990, foi iniciativa de alguns alunos do segundo ano da faculdade: Cristiane Muniz, Fabio Valentim,
Fernanda Bárbara, Fernando Felippe Viègas (que se mantém hoje como sócios do escritório UNA Arquitetos), Ana Paula
Gonçalves Pontes, Catherine Otondo.
4
Entrevista concedida pelo arquiteto Fernando Felippe Viègas em 08 mai.2012, a autora.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 96
arquitetônicos contidos em suas produções, como busca salientar Ruth Zein (2000.), mas,
também nas maneiras de se engajarem nas demandas de arquitetura e nos arranjos de
trabalho voltados aos processos de projeto.
Assim, se do ponto de vista das concepções arquitetônicas, em meados da
década de 1980, conforme Zein (Ibidem), o debate parecia tender a uma ruptura em
relações as raízes locais do modernismo, os anos seguintes revelariam mais um cenário de
redescoberta e reafirmação das tradições da arquitetura paulista de raiz brutalista.
Os jovens arquitetos de São Paulo são herdeiros da escola paulista
brutalista, tendência arquitetônica que se estabelece e se caracteriza
fortemente a partir de meados dos anos 1950 e tem seu auge na década
seguinte. As crises e reviravoltas dos anos 1970/80 legaram a esses jovens
um caminho já aberto por uma geração um pouco anterior; e em face dessa
peculiar tradição moderna re-elaboram suas afinidades eletivas, seus
questionamentos e seus reposicionamentos arquitetônicos. Em meados dos
anos 1980, as posições tendiam algumas vezes à ruptura; mas a partir da
década de 1990, passou a predominar um clima de re-descoberta e reafirmação dessa qualidade "paulista" de raiz brutalista, que comparece em
algumas características arquitetônicas que seguem presentes em suas
obras: a ênfase na elegância das soluções estruturais, o apreço pelo
concreto aparente (embora não mais como material exclusivo), a
preferência pelo detalhamento empregando uma paleta de criteriosamente
mínima. Mas não se trata de mera continuidade já que também há
diferenças marcantes entre suas arquiteturas e aquelas dos anos 1960/70.
Apesar das polêmicas ainda hoje em pauta 5 , equivale dizer que se trata de
posturas de recriação de algo que foi simbolicamente importante num contexto histórico
determinado operando redefinições capazes de manter os elementos tradicionais desta
arquitetura renovados e atualizados a outro contexto histórico. Carlos Fortuna utiliza a noção
de destruição criadora da tradição ou destradicionalização para explicar fenômenos sociais
de teor semelhante ao analisado aqui, porém em outras escalas maiores de relações sociais
6
. Como afirma: “Entre ‘raizes e opções’, a destradicionalização, ao instigar a recriação das
5
Em posicionamento recente, Ruth Zhein (2012, p. 11) afirma que o brutalismo assim como o pos-modernismo não existem
enquanto movimentos autônomos. Segundo ela, brutalismo é um termo “inapropriado e conceitualmente impreciso” para
caracterizar coesões e harmonias internas entre as obras arquitetônicas assim denominadas. No entanto, serve,
paradoxalmente para aproximar obras com características externas semelhantes, funcionando como “etiqueta”. “En otras
palabras, algunos edifícios pueden denominarse brutalistas simplesmente porque parecem selo, ya que lo que determina su
inclusión en el grupo no es su naturaleza interna sino sua apariencia [...]”.
6
Apela a esta noção para explicar os processos de redefinição das identidades culturais das cidades portuguesa em especial,
da cidade de Évora onde os projetos de renovação urbana na década de 1990 buscam adequar o patrimônio histórico da
cidade aos contextos de uso contemporâneo, com destaque para os fluxos turísticos e de estudantes nas redes de cidades
médias européias. O que denomina como destradicionalização da imagem da cidade de Évora se expressa pela retenção de
alguns elementos simbólicos da tradição e aquisição de outros elementos modernizantes de inovação. É a permeabilidade em
relação aos elementos novos (inovação) que permite a manutenção da tradição.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 97
primeiras, ajusta e reconfigura o significado social do passado e da tradição”. Ou ainda: “[...]
o sentido que atribuo à noção de destradicionalização é o de um balanço positivo favorável
aos traços inovadores que a tradição pode conter e que, em numerosas circunstâncias, se
traduz numa espécie de paradoxal conservação inovadora do tradicional’. (FORTUNA, 1997,
p. 231, grifos do autor)
Ainda, segundo Zein (2000), a produção destes arquitetos “[...] tomam como
precedentes a melhor arquitetura do brutalismo paulista - mas igualmente incorporam a
tradição brasileira/carioca e outras fontes internacionais. Sempre com cautela - mas sem
preconceitos”.
Na mesma direção, as análises feitas por Ribeiro e Del Negro (2008, p. 28)
sobre o projeto arquitetônico da Escola Jardim Angélica III realizado em 2004 por Luciano
Margotto Soares, Marcelo Ursini e Sergio Salles, do então escritório Núcleo de Arquitetura,
assinalam a presença de releituras específicas de influências arquitetônicas e de um modo
particular de interpretar as relações do projeto com o seu contexto urbano de localização.
Assim se referem:
A peça única, quase caixa é conformada por uma série de operações e
escolhas de projeto que a afastam de qualquer raciocínio exclusivamente
idealizador, contido nas caixas racionalistas paulistanas. As justaposições
formais de diversas ordens prevalecem como traços de uma poética
encantada com a diferença, com a reconciliação de elementos e raciocínios
de origens diversas. A linguagem das aberturas abstratas encontra-se
contaminada pelas figurações mais sistêmicas e ritmadas. Nas
espacialidades, há tanto continuidades de espaços quanto segmentações
imperativas.
[...] O objeto que aparentemente se desprende de seu contexto apenas
sublinhando sua total autonomia é uma elegante reinterpretação nos
padrões contidos num daqueles desertos de água e areia Calvinianos, no
caso, a homogeneidade da autoconstrução. O ato estético eleva à condição
de figura aquilo que se esconde na informalidade expressiva das moradias
de periferia.
Na verdade, a identificação de diferenciais desta geração de arquitetos,
especialmente em São Paulo, já moviam desde o início dos anos 1990 especulações e
discussões na crítica de arquitetura. Como sugere Maria Cecilia Rodrigues dos Santos
(1991, p. 54) ao apresentar uma compilação de projetos de jovens arquitetos brasileiros,
como resultado de um trabalho patrocinado e publicado pela Revista Projeto sob o título
Novíssimos arquitetos, a retomada dos Concursos Públicos de Arquitetura desde a segunda
metade dos anos de 1980 vinha revelando e alimentando um fenômeno inusitado:- as
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 98
sucessivas premiações angariadas por jovens arquitetos ou equipes de jovens arquitetos
que muitas vezes neste intento publico superavam outros mais velhos e mais experientes.
“O concurso Ópera Prima, patrocinado desde 1989 pela Fademac e Revista Projeto [...] só
veio tornar mais patente a qualidade dos projetos apresentados por esta nova geração de
arquitetos desde a saída da escola”. A autora referenda algumas análises assinadas por
Antônio Carlos Sant’Anna no contexto da mesma matéria da revista para quem o perfil
destes arquitetos se torna nítido através de um conjunto de elementos, tais como:- “[...] a
abordagem não dogmática das questões de arquitetura; a revalorização do movimento
moderno no que ele tem de mais rico; o projeto como resultado de operações intelectuais
rigorosas [...]”. (Ibidem) No rol dos projetos aí apresentados, estão numerosos arquitetos de
São Paulo, entre eles, por exemplo, Sergio Camargo e Valério Pietraróia, ambos formados
pela FAU em 1984 7 que ao lado de Claudia Nucci, Marcelo Consiglio Barbosa e Paulo
Fugioka, foram contemplados com o 2º lugar no concurso público para o Terminal
Rodoviário e Shopping Center no Bairro do Méier, Rio de Janeiro, entre outros. Álvaro
Puntoni, Álvaro Razuk e Angelo Bucci, tecem análises sobre seus projetos premiados até
essa data:- a Igreja da Matriz de Cerqueira César, de 1989 e o Pavilhão do Brasil na Expo
92 em Sevilha, Espanha, de 1991. Justificando esta parceria nos concursos assim se refere:
Diante do quadro que configura a Arquitetura Contemporânea, marcado,
sobretudo pelo silêncio e pelas experiências isoladas, pelo afastamento das
questões primordiais, a constituição de um grupo apresentou-se como a
única alternativa para marcar nossa posição, dar corpo e coesão às
experiências isoladas. Nossos projetos, suas formas e espaços procuram
abarcar as questões do nosso tempo, da nossa realidade. Daí a
necessidade de não abandonar (como a tradição antidemocrática nos tem
insistentemente colocado) as referências históricas e culturais do país.
(Ibidem, p. 68)
O escritório Núcleo de Arquitetura, identificado nesta matéria pela presença dos
arquitetos Henrique Fina, Luciano Margotto, Marcelo Luiz Ursini, Sergio Bolivar Gomes e
Sérgio Luiz Salles de Souza, já se posicionam no debate em curso da seguinte forma: - “[...]
não rejeitamos o legado do movimento moderno. Procuramos reavaliá-lo e entender a
manutenção, ainda hoje, de seus valores”. (Ibidem, p. 72)
Mais recentemente, Margotto reafirma a mesma disposição, identificando em sua
produção influências de uma tradição paulista de arquitetura que se firmou na FAU- USP:
[...] para nós alunos, ex-alunos da FAU ou da Escola Paulista, a estrutura é
importante, é sempre muito importante. Ela assume um protagonismo no
7
Segundo Valério Pietraróia, arquiteto entrevistado em 2002 para a pesquisa sobre escritórios de arquitetura em São Paulo
(RIGHI, 2003), ele, Sergio Camargo e Claudia Nucci participaram juntos desde 1985 em concursos públicos, formando
posteriormente, em 1991, o escritório NPC- Grupo de Arquitetura. Salienta que os três já trabalhavam em equipe na faculdade,
mas foi através dos concursos públicos que conseguiram reafirmar suas afinidades no campo profissional.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 99
espaço e vai determinar a própria forma arquitetônica e às vezes não, mas
sempre ela é resultado de um raciocínio lógico muito claro - do pessoal da
Escola Paulista, vamos chamar assim. Se você olhar outra matriz onde se
coloca, por exemplo, o Álvaro Siza, que eu gosto muito, a estrutura entra de
outra forma. Ele está preocupado com a espacialidade com uma
plasticidade dos planos, dos volumes e a estrutura... (ele não está
preocupado com quantos metros de vão ele vai vencer) pode estar
escondida. O pessoal do Rio de Janeiro também é um pouco assim, as
vezes o Oscar vence um vão enorme mas não está revelando isso, o Paulo
8
já está revelando o que faz. (MARGOTTO, 2010)
Para além dos elementos estéticos e formais salientados na análise de Zein e
outros autores, é importante destacar que se trata de uma reinterpretação mais ampla de
uma tradição arquitetônica, envolvendo inclusive a visualização de possibilidades de
inserção profissional num cenário histórico profundamente alterado em termos econômicos
e socioculturais.
Aos traços já mencionados como característicos dos anos de 1990 se interpõem
movimentos simultâneos de retração das demandas estatais de arquitetura relacionada à
situação de endividamento governamental e recuo em relação aos projetos nacionalistas; de
evidente proeminência de políticas neoliberais vinculadas a uma importância crescente da
dinâmica de mercado cujos elos internacionais são reforçados de forma inusitada pelas
tecnologias de comunicação de informação que se agregam aos processos de globalização
mais amplos que fortalecem as interações e influências culturais numa escala planetária.
Na reinterpretação particular deste cenário, as possibilidades de inserção e de
produção arquitetônica assumem alguns contornos específicos. Tal como evidencia a
pesquisa anteriormente mencionada sobre um recorte da produção contemporânea de
arquitetura paulista (RIGHI, 2003), jovens arquitetos desta geração se afinam com alguns
outros mais velhos e mais renomados compondo um dos 4 segmentos identificados na
amostragem. Inserem-se aí escritórios de pequeno porte, alguns poucos que nasceram em
épocas bem anteriores e permaneceram nucleados na figura de mestres renomados como,
por exemplo, Paulo Mendes da Rocha e Walter Toscado e predominantemente por outros
de uma geração bem mais nova de arquitetos que constituem parcerias em escritórios
intencionalmente menores, tais como NPC – Grupo de Arquitetura, Brasil Arquitetura, etc,
assumindo tanto em seus projetos quanto nas formas de gestão do trabalho no escritório,
posturas de abertura crítica á heterogeneidade e flexibilidade de padrões conceituais na
arquitetura.
8
Entrevista concedida pelo arquiteto Luciano Margotto Soares em 08 nov.2010 Entrevista concedida pelo arquiteto Fernando
Felippe Viègas em 08 mai.2012, a autora.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 100
Como expressão de contradições renovadas, ao mesmo tempo em que se
impõem, nestes escritórios, readequações dos processos produtivos frente à condições
objetivas nas quais se encontram, as atribuições de significados do fazer arquitetônico,
expresso nos discursos dos arquitetos revelam a permanência de fraturas antigas já há
muito assinaladas por Durand (1974) entre as práticas de trabalho e o ideário da profissão,
num movimento incessante na busca de reafirmação de formas distintivas de inserção num
campo de produção cultural (BOURDIEU, 1989) que envolve agentes diversos e, no caso
em questão, vinculado à um mercado cada vez mais competitivo e segmentado. (KATO,
2009).
Segnini (2002) vê os discursos dos arquitetos descendentes da geração pioneira
do modernismo identificada com a crença no potencial da arquitetura em promover
transformações no sentido de uma sociedade mais justa e menos desigual redefinir a
magnitude das aspirações utópicas em prol de valores mais amplos culturais e estéticos,
reconhecendo a irrealização histórica das causas sociais adotadas.
Sobretudo, se
reposicionar na realidade contemporânea, na qual “o mercado e sua lógica racionalizadora
assume importância cada vez maior, submetendo as relações sociais às relações
econômicas, aprofundando desigualdades em dimensões jamais observadas anteriormente”
(Ibidem, p. 58).
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 101
4.2 MOSTRA COLETIVO: 36 PROJETOS DE ARQUITETURA PAULISTA
Um exemplo de visibilidade pública de parcela deste segmento se dá em 2006,
com a exposição promovida pelo Centro Cultural Maria Antônia de uma seleção de projetos
desenvolvidos por sete escritórios de arquitetura de São Paulo:- Andrade Morettin
Arquitetos, MMBB, Núcleo de Arquitetura, Projeto Paulista, Puntoni Arquitetos/SPBR
Arquitetos e UNA Arquitetos.
Representa uma iniciativa conjunta e um reconhecimento
público de uma auto-designação diferenciada que transparece no próprio título da mostraColetivo: 36 Projetos de Arquitetura Paulista Contemporânea capaz de denotar afinidades
comuns de um legado da arquitetura paulista, um discurso que está embutido nos projetos
apresentados, e deslocar o diferencial distintivo do indivíduo para o grupo. A intenção
subjacente é apresentar uma produção sequencial de faixas etárias de arquitetos de uma
mesma tradição paulistas, formados nos contextos mais recentes. Para Viègas (entrevista
de 08.05.2012) considerando-se que a mostra ocorre em 2006, busca-se aí uma seleção
simbólica de produções arquitetônicas em intervalos de 10 anos, tempo considerado
necessário para que os arquitetos tivessem obras consolidadas e premiações. Na primeira
faixa, estariam os formados em 1986 (ou anos sequencialmente próximos), como os
arquitetos do MMBB, Nucleo de Arquitetura e Projeto Paulista e Grupo SP (com a presença
destacada de Alvaro Puntoni); na segunda, os formados em 1996 (e anos próximos) como
os do UNA.
Embora sejam poucos os escritórios aí representados, a iniciativa reacende
antigas polêmicas e algumas resistências veladas relacionadas aos embates e diferenças
internas inerentes ao campo próprio da arquitetura, em torno de concepções e discursos
diferenciados. Com isso, a mostra sinaliza simultaneamente, o reconhecimento pelos
próprios arquitetos, da existência de uma segmentação da produção arquitetônica paulista
num contexto histórico de ascensão das demandas privadas de mercado, e a revelação de
posicionamentos que reafirmam a manutenção intencional de valores arquitetônicos e de
precisão técnica do projeto, como um modo considerado erudito de realizar o trabalho
arquitetônico – o uso de instrumentos tradicionalmente reconhecidos e valorizados, as
interlocuções e incorporação de pesquisa, a precisão técnica e outros preceitos – de tal
forma que a obra necessariamente contém uma reflexão teórica9.
Segundo algumas interpretações (NOBRE, 2006, p. 21), ocorre, nestes
escritórios, uma transmutação da concepção moderna de autoria, mais individualista, para
9
A ideia de que a “obra edificada e reflexão teórica são inseparáveis” é assumida por Luciano Margotto (2011, p. 6) como uma
hipótese geral de sua pesquisa de doutoramento.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 102
uma valorização do trabalho em equipe, cuja ênfase “[...] por vezes parece recair menos
sobre o objeto arquitetônico em si, do que sobre o processo de arquitetura como um todo,
da concepção à execução”.
Ainda que a autora não se ocupe de explicitar o que é o processo de trabalho
subjacente à ideia de coletivo, o que se revela na aproximação com alguns relatos
publicados de arquitetos desta mostra e em especial com as entrevistas realizadas com
Luciano Margotto sobre suas práticas de trabalho, é que a ideia de coletivo expressa um
modo de gerir as etapas do processo de projeto, alargando uma das maneiras usuais da
autoria na produção arquitetônica – o trabalho em parceria - através equipes mais amplas e
voláteis. Ao largo desta característica, se mantém um saber-fazer que é generalizado e
referendado no campo de produção da arquitetura, incluindo as diversas etapas do processo
de projeto e a utilização de instrumentos de trabalho clássicos, desenhos e croquis e outros
contemporâneos de caráter digital que se interpõem e se entrelaçam no próprio processo.
Aliás, como já anteriormente colocado (vide capítulo terceiro) o processo de projeto sempre
se articulou em torno de um conjunto de relações sociais e, neste sentido, assume sempre
uma feição coletiva. Nele se estabelece uma dinâmica de trabalho coordenada pelo
arquiteto ou arquitetos responsáveis envolvendo diversos agentes portadores de
conhecimentos especializados. Se considerado em sua dimensão social, o processo de
projeto é uma somatória de competências individuais convergentes sustentando a
elaboração do produto final.
Simultaneamente e, na interpretação do mesmo arquiteto10, a noção de coletivo
tal como veiculada no contexto da mostra de 2006, acoberta uma inquietação teórica e
posicionamentos em torno do significado do trabalho e da produção arquitetônica:
[...] A base deste trabalho é constituída, inicialmente, pela inquietação
teórica desde a perspectiva do projeto, isto é, desde quem está na posição
de, por assim dizer, produzi-la, atendendo à cadeia de decisões e
operações que lhe dão origem. [...] apoia-se na certeza de que cada ação e
cada expressão do ser humano só faz sentido, só é frutífera quando – além
da satisfação pessoal – também possui uma validade objetiva para a
coletividade. (MARGOTTO, 2011, p. 2)
Nesse sentido, e no caso específico desta geração, o alargamento da autoria
individual reinventa, já no exercício profissional, a tradição do debate e da crítica sobre as
relações entre arquitetura e o plano do social e da cultura, tão marcantes no período de
suas formações acadêmicas, compondo um determinado discurso arquitetônico. A adesão à
10
Posicionamentos de Luciano Margotto Soares, constantes do seu projeto de seleção de doutoramento, FAUUSP, 2011.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 103
matriz teórica modernista apela à continuidade de leituras contextuais sobre a realidade
brasileira, interrompidas com a repressão do período de ditadura, devendo agora dar conta
de um cenário profundamente alterado pelas dinâmicas das globalizações econômicas e
culturais que se consolidaram especialmente na década de 1990. Nas circunstâncias que
acompanham este período, o debate se arrefece e se ressente da ausência de lideranças
intelectuais antes capazes de polarizar posicionamentos e de sustentar divergências
conceituais, ao mesmo tempo em que se impõem de maneira irreversível, alterações nas
demandas de arquitetura dirigidas agora por um mercado cada vez mais competitivo e
mundializado.
Como afirma Margotto,
A arquitetura brasileira foi muito reconhecida lá fora até década de 1960/70,
tínhamos publicações, produzíamos arquitetura de primeiríssima, o mundo
inteiro amou a arquitetura brasileira. De repente, esse negócio que o Brasil
tinha, com a ditadura, ficou absolutamente prejudicado e enfraquecido. Nós
tínhamos o nosso sonho, o nosso desejo de que a arquitetura brasileira
voltasse a ser reconhecida. Uma das coisas que precisa ser feita é fazer a
11
arquitetura voltar a ser cultura como antes era . Quando o Oscar e o Lucio
pensavam a arquitetura moderna brasileira, estavam pensando em trazer
aquela arquitetura moderna do ciclo internacional [...] e cruzar isso com a
nossa cultura, nosso clima, nosso jeito de ser, sem abrir mão daquelas
ideias novas, da vanguarda, mas também sem abrir mão da nossa cultura.
O Lucio desenvolveu simultaneamente a noção de patrimônio cultural,
fundou o IPHAN, e trouxe o Corbusier para fazer o Ministério da Educação
que foi uma obra moderna, um caráter múltiplo, imenso, amplo, que a
principio poderia ser tido como visões antagônicas. Então o que a gente
queria, era que a arquitetura voltasse a ser tudo isso. Então esse é o debate
que a gente faz o tempo todo. Também estávamos perdidos em algum
momento, sem grandes pretensões e a coisa cresceu e ganhou força.
12
(MARGOTTO, 2009).
Ainda nas colocações do arquiteto, a exposição Coletivo que permanece aberta
entre agosto à novembro de 2006, surge mais especificamente de uma idéia proposta pelo
11
Os discursos em torno das imbricações entre arquitetura e cultura assumem conotações diversas. Em Jean Nouvel, por
exemplo, a arquitetura é “influenciada por todos os níveis culturais, seja no nível técnico seja no plano da produção de
imagens” (NOUVEL, 1989 apud SEGNINI, 2002, p. 52). Em outros arquitetos, como Mario Botta, a arquitetura “é sempre uma
atividade em transformação, não existe arquitetura se não existir transformação. O primeiro ato de arquitetura não é por pedra
sobre pedra, e sim pedra sobre um lugar, portanto, transformar uma condição de natureza numa condição de cultura”. (BOTTA,
1989, apud SEGNINI, 2002, p. 53) Na argumentação de Segnini a ideia de que a arquitetura é cultura e revela uma sociedade
que é imperfeita e instável, “leva muitos arquitetos a manifestar suas angústias e sonhos por se reconhecerem como
intérpretes utópicos desta mesma realidade”. (Idem: 54) Conforme lembra, apelando aos discursos de Anatole Kopp (1990),
Demétrio Ribeiro (1989), João B. V. Artigas (1985), Mario Pini (1985) e outros, esta dimensão utópica do movimento moderno
transforma a arquitetura em uma causa, na busca por uma sociedade mais justa e menos desigual.
12
Entrevista concedida a autora pelo arquiteto Luciano Margotto Soares em 08 set.2010.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 104
Escritório UNA, responsável pelo projeto IAC, anexo de reforma de parte das edificações da
USP na Rua Maria Antônia. Propõe reunir numa mesma mostra, trabalhos de outros
arquitetos com os quais mantinha afinidades geracionais de formação na USP, ligados pelos
mesmos princípios de manutenção crítica sobre o lugar social da arquitetura brasileira. Se a
marca definida pela ideia de coletivo trouxe repercussões públicas significativas e algumas
críticas negativas não previstas, o que se percebe, pelos critérios de escolha dos
participantes, é a ambiguidade de intenções nesta iniciativa que oscila entre a busca de
corporificar um recorte específico da produção arquitetônica de São Paulo em suas
singularidades e valorizar notoriamente produções ainda pouco difundidas de frações deste
segmento de arquitetos. O corpo de amigos, em torno do Escritório UNA se assume como
curadoria, viabilizando os propósitos deste grupo de amigos, como relembra Margotto:
Não foi isso que a gente pensou no início, e nem nós sabíamos que
queríamos dar continuidade. Não é essa a história, mas quando a gente
começou a discutir a exposição a gente começou a fazer isso que a gente,
você está fazendo: o que que nos une? Quais os critérios? Somos de uma
mesma geração e percebemos que tínhamos algo em comum. Inclusive
essa filiação, somos de uma geração pós golpe militar. Entrei em 1984 na
FAU, foi o ano que o Artigas voltou a dar aulas, voltando do exílio. Alguns
escritórios maiores que os nossos como o Brasil Arquitetura e o do
Guilherme Paolielo, poderiam entrar perfeitamente no coletivo, mas eles já
tinham uma certa notoriedade, têm um trabalho muito mais reconhecido. [...]
queriamos um pessoal mais jovem, mas não tão jovem que não tivessem
obra construída. Tinha que ter obra construída. E que também tivessem
obras relacionadas à cidade, que aí começa a fechar um pouco os
princípios que a gente compartilha.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 105
4.5 e 4.6: Mostra Coletivo
no Centro Universitário
Maria Antônia – 01 set a
12 nov.2006.
WISNIK, s/d, p. 6
A mostra criou um marco importante de discussão crítica no campo da
arquitetura não só em São Paulo. No ano seguinte e já com um livro referencial publicado13,
é apresentada no Rio de Janeiro, entre 22 de agosto e 5 de outubro de 2007, na PUC-RIO.
Praticamente de forma simultânea segue um percurso internacional com montagens em
13
MILHEIRO, Ana Vaz; NOBRE, Ana Luiza; WISNIK, Guilherme. Coletivo – 36 projetos de arquitetura paulista
contemporânea. São Paulo: Cosac Naif, 2006. Ed. Bilíngue:português/inglês.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 106
Portugal, Suíça, Alemanha e Estados Unidos. Em Zurique, como destaca uma das fotos à
seguir, a exposição é acolhida no GTA- Institut für Geschichte und Theorie der Architektur,
entre 27 de setembro a 25 de outubro de 2007.
4.7 e 4.8: Mostra Coletivo
na PUC-RIO – 22
jul.2007.
WISNIK, s/d, p. 9
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 107
4.9 e 4.10: Mostra
Coletivo em Zurique 27
set a 25 out.2007.
WISNIK, s/d, p. 12
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 108
Entre as várias referências que foram feitas nos meios de comunicação, voltadas
ao grande público, Wisnik, em matéria publicada na Folha de São Paulo reafirma que os
sete grupos de arquitetos que compõem a exposição estão ligados por um “fio geracional” e
“aqui, mais do que nunca, nota-se a herança formadora da ‘escola paulista’ de Vilanova
Artigas e, sobretudo Paulo Mendes da Rocha [...]” e que, por isto mesmo, a produção aí
divulgada “[...] atesta a sobrevivência dos princípios modernos no país [...]” e “[...] uma
atitude comum perante a cidade: a preocupação de projetar o edifício segundo o um
horizonte urbano”. (WISNIK, 2006b)
O traço mencionado por Wisnik transparece no trabalho de curadoria da mostra
compondo uma organização dos projetos arquitetônicos segundo as escalas urbanas, num
recorte temporal de 1996 à 2006.
Na escala regional estão presentes os “programas que estruturam funções
urbanas pelo seu caráter sistêmico, especialização ou porte, influenciando toda a cidade ou
vários de seus setores, algumas vezes ultrapassando seus limites”. (WISNIK, s/d, p. 17).
Entre eles:- Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo- USP, São Paulo, SP,
1998, do escritório Andrade Morettin e Lua Nitsche e José Alves; Terminal de Ônibus da
Lapa, São Paulo, SP, 2002, de Núcleo de Arquitetura; Memorial da República, Piracicaba,
SP, 2003, de Ângelo Bucci, Álvaro Puntoni, Paula Zaniscoff, Pablo Hereñu, Eduardo Ferroni
e Paula Cardoso; Reurbanização da Mooca|Ipiranga, São Paulo, SP, 2006, do escritório
UNA arquitetos, vistos respectivamente nas figuras à seguir.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 109
4.11 e 4.12 - WISNIK, s/d, p. 18 e 21
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 110
4.13 e 4.14 - WISNIK, s/d, p. 18 e 23
Na escala da cidade destacam-se os “espaços de uso coletivo, públicos ou
privados, que servem a uma comunidade, bairro ou região da cidade”. (Ibidem, p. 24). Entre
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 111
os 23 projetos inseridos nesta escala, alguns exemplos podem ser visualizados:
Estacionamento Trianon, São Paulo, SP, 1996, de MMBB e Angelo Bucci; EE Jardim Ataliba
Leonel, Guarulhos, SP, 2003, de Álvaro Puntoni e Angelo Bucci; Colégio Santa Cruz,
Butantã, São Paulo, SP, 2003, de Una Arquitetos; EE Jardim Angélica III, Guarulhos, SP,
2004 de Núcleo de Arquitetura.
4.15 e 4.16 - WISNIK, s/d, p. 27 e 26
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
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4.17 e 4.18 - WISNIK, s/d, p. 30 e 28
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A escala local é contemplada por programas de “ambientes construídos ligados
a vida cotidiana, onde a habitação é o uso predominante, criando um conjunto de atividades
e espaços em contato imediato com seus moradores” (Ibidem, p. 31), tais como: Casa em
Carapicuíba, Carapicuíba, SP, 1997, do escritório Una Arquitetos e Ana Paula Pontes e
Catherine Otondo; Conjunto Comercial e de Serviços, São Paulo, SP, 1998, de Núcleo de
Arquitetura; Casa em Aldeia da Serra, Barueri, SP, 2001, de Angelo
Bucci e MMBB;
Habitação Social no Centro, São Paulo, SP, 2004, de Andrade Morettin Arquitetos.
4.19 - WISNIK, s/d, p. 34
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
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4.20 e 4.21 - WISNIK, s/d, p. 35 e 36
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Ao mesmo tempo em que rebate as críticas negativas geradas pela mostra,
salientando que não houve aí qualquer provocação intencional, Margotto (2010) valoriza os
seus resultados na medida em que foi circunstancialmente um elemento catalizador do
debate arrefecido sobre a produção arquitetônica em São Paulo. Assim se refere:
Nada disso é uma estratégia de marketing. A gente está mais para abdicar
dessa guerra, abrir mão, deixar os outros fazerem, do que partir para uma
luta no campo de batalhas. Por sorte essa exposição criou um corpo, uma
força que foi reconhecida, que foi falada, foi criticada e aí ela ganhou
espaço. Mas não foi uma bandeira, a gente não quis levantar nenhuma
bandeira desse modo de fazer, de que somos melhores que os outros.
Nada disso.
Ou ainda,
O interesse da gente é levar a arquitetura para o âmbito da cultura como os
grandes pensadores da cultura brasileira fizeram, como o Lúcio sempre fez,
enfim, e acreditar que isso vai fazer o trabalho melhorar, para todo mundo.
Ela não pode ser entendida como um objeto isolado. Ela tem que ser
entendida como uma peça nessa discussão inteira, um empenho de tentar
colocar a arquitetura no âmbito da cultura [...]. O que a gente queria era
fazer uma exposição bem feita, mostrar que é possível fazer uma
arquitetura boa, séria, ligada à cultura, à cidade, ao coletivo. E o nome
surgiu quase como uma brincadeira. Que nome teria? A discussão foi que
coletivo no futebol é aquele treino com bola - ele é um pouco brincadeira,
ele antecede o jogo principal, é onde você ensaia as melhores jogadas,
ninguém pode chegar pesado, se você entrar pesado no zagueiro você
pode machucar o outro [...]. Também tem a ideia do coletivo em português
de Portugal que é o ônibus, o transporte coletivo. Então mais do que querer
ser a estrela, o grande artista o que a gente queria é contribuir para fazer
um trabalho bom. A gente tem ouvido muitas críticas. Pessoas queridas,
inclusive, que acham que a gente não tem nada a ver com a escola, com o
Artigas, com a FAU, que essa coletividade não existe que a onda do
brutalismo parou em algum lugar.
Com efeito, ao se referir a um dos traços de identidade comum entre os
escritórios da mostra de 2006, Margotto14 remete também a concepção de autoria coletiva à
importância que as experiências pedagógicas na universidade tiveram em cada um deles. A
criação do projeto arquitetônico ocorria ali num ambiente de relações próximas entre mestre
e discípulos, quase como uma transposição do modelo original de ateliê de arquitetura para
o âmbito do ensino.
14
Arquiteto Luciano S. Margotto concedeu entrevista a autora em 17 mar.2009.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
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Segundo ele, o desejo de manter esta tradição na prática profissional vai orientar a criação
do Galpão – espaço de reunião de alunos recém-formados pela USP num mesmo local de
trabalho, enfrentando de forma associada, os seus primeiros desafios profissionais. A partir
deste
aglomerado
original
são
criados
posteriormente
escritórios
de
arquitetura
independentes como o Brasil Arquitetura, e Una Arquitetos, por exemplo.
Por isto mesmo não parece inusitado a continuidade de relações, já no âmbito profissional,
entre mestre e discípulos e, ou, na ausência dele, o reforço da relação grupal, em parcerias
alargadas. Como bem situa Ana Luiza Nobre (2006, p. 24-25), as relações rotineiras de
cunho pedagógico entre os alunos da FAU e professores de projeto como Mendes da
Rocha, Eduardo de Almeida, Joaquim Guedes muitas vezes se replicam nos trabalhos
profissionais.
Se no ambiente paulistano não é novidade a frutífera relação estabelecida
entre um grupo de jovens e um arquiteto já consagrado – e o exemplo mais
paradigmático disso talvez seja a relação entre Lina Bo Bardi e os arquitetos
que mais tarde viriam a compor o Brasil Arquitetura -, importa como esse
tipo de relação veio a se constituir mais recentemente com Paulo Mendes
da Rocha, com a particularidade de que os projetos, neste caso, se dão
preferencialmente em associação e às vezes até em co-autoria com
escritórios autônomos. E de maneira tal, que foi se constituindo, por assim
dizer, um processo de reforço mútuo: na medida em que se fortalecia uma
determinada genealogia, Mendes da Rocha firmava-se no centro
gravitacional de uma produção moça de alta qualidade e como protagonista
15
indiscutível do último decênio”.
Não é à toa que ampliando as referências de afinidades transversais, Margotto
se refere a três elementos distintivos comuns: 1º- o fato de todos os arquitetos serem
formados na FAU-USP; 2º- todos já possuírem obras consolidadas e, portanto, inseridos
plenamente no campo da arquitetura; 3º- a existência uma partilha de princípios reunidos em
torno daquilo que denominam - o caráter público da arquitetura - expresso na concepção
programática do projeto que deixa transparecer seus vínculos com a dimensão social da
cidade. Neste último aspecto, se refere configuração de um discurso cujos principais
fundamentos de sustentação são compartilhados - uma matriz teórica semelhante.
De acordo com dados disponíveis sobre estes sete escritórios, sistematizados na
Tabela 4.1, o Núcleo de Arquitetura é o mais antigo, tendo sido constituído em 1988 por
15
Nobre (Ibidem p. 24) considera o escritório MMBB, composto originalmente pelos arquitetos Angelo Bucci, Fernando de
Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga como um dos mais afinados com Paulo Mendes da Rocha e que “[...] desde 2002,
desligados de Bucci – vem dando prosseguimento a uma linhagem arquitetônica desencadeada em torno das pranchetas da
FAU [...].
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 117
Marcelo Luiz Ursini, Luciano Margotto Soares e Sergio Luiz Salles de Souza, imediatamente
após a formatura de Ursini na FAU.
Conforme indicado na mesma tabela, todos os
arquitetos componentes dos sete escritórios da mostra de 2006 são formados pela FAUUSP, em sua maioria entre os anos de 1986 e 1992, na virada de uma década marcada por
processos políticos de consolidação da retomada democrática no Brasil através da
institucionalização de importantes marcos regulatórios, como a Constituição Federal. Como
exemplos, Milton L. de Almeida Braga, Fernando de Mello Franco, formados em 1986 e
Marta Moreira, em 1987, oficializam a criação do MMBB em 1990. Do mesmo modo, Luís
Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño se formam também no final da década,
respectivamente em 1988 e 1989 e logo a seguir, em 1991, organizam o escritório Projeto
Paulista.
Os escritórios constituídos mais tardiamente, na segunda metade da década
seguinte - o Una Arquitetos (1996) e o Andrade Morettin (1997) representam a continuidade
desta mesma geração. Especialmente os arquitetos componentes do Una – Cristiane Muniz,
Fabio Rago Valentim, Fernanda Bárbara e Fernando Felipe Viègas que muito se
destacaram no debate acadêmico da virada destas décadas ainda como estudantes da
FAUUSP, integrados ao corpo editorial da Revista Caramelo.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
QUADRO 4.1: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - SEGUNDO PERFIL DOS ESCRITÓRIOS E ATIVIDADES DOCENTES DOS ARQUITETOS
ESCRITÓRIO
ANO DE ORIGEM
ANDRADE MORETTIN ARQUITETOS (1)
1997
MMBB (2)
NÚCLEO DE ARQUITETURA (3)
PROJETO PAULISTA (4)
GRUPO SP (5)
COMPONENTES
GRADUAÇÃO
Vinicius Hernandes de Andrade
FAU - USP, 1992
Marcelo Henneberg Morettin
FAU - USP, 1991
S/D
Leciona na AEAU-SP
Fernando de Mello Franco
FAU - USP, 1986
Doutorado: FAU-USP, 2005
Professor da USJT desde 2003, foi professor visitante no curso de Pós-Graduação da
UPM e Critic Design na GSD-USA.
Marta Moreira
FAU - USP, 1987
Mestrado: FAU-USP
Professora da UBC entre 1992 e 1995, leciona desde 2002 na AEAU.-SP.
Milton Liebentritt de Almeida Braga
FAU - USP, 1986
Mestrado: FAU-USP, 1999
Doutorado: FAU-USP, 2002
Professor da UBC entre 1992 e 1995, da USJT entre 1997 e 2001. Professor visitante da
School of Architecture, Univesity of Florida, USA, 2008. Leciona desde 2002 na FAUUSP.
Luciano Margotto Soares
FAU - USP, 1989
Mestrado: FAU-USP, 2001
Professor da Universidade Bras Cubas de 1994 a 1996, na USJT de 1996 a 2004, desde
2002 leciona na UPM e desde 2008 na AEAU-SP.
Marcelo Luiz Ursini
FAU - USP, 1988
Mestrado: FAU-USP, 2005
Leciona desde 1999 na USJT, desde 2010 na FMU-FAAM-FIAM e desde 2011 no
SENAC.
Sérgio Luiz Salles Souza
FAU - USP, 1989
Luis Mauro Freire
FAU - USP, 1988
Mestrado: FAU-USP, 2006
Professor da Universidade Bráz Cubas entre 1994 e 1996, professor da AEAU-SP entre
2004 e 2005, desde 2002 leciona na FMU-FAAM-FIAM e desde 2008 na UNIP.
Maria do Carmo Vilariño
FAU - USP, 1989
Mestrado: FAU-USP, 2000
Doutorado: FAU-USP, 2006
Professora da UNIP desde 2002 e da UNIB desde 2004.
Alvaro Luis Puntoni
FAU - USP, 1987
Mestrado: FAU-USP, 1999
Doutorado: FAU-USP, 2005
Professor do Colégio Santa Cruz entre 1987 e 1990, professor da UNITAU entre 1990 e
1992, professor da UBC entre 1992 e 1996, professor da FAM entre 1997 e 2010,
professor da FEBASP entre 1998 e 2002, da UNIABC entre 1997 e 2000. Foi professor
convidado da UPM e do Taller Sudamerica da FADU-UBA. Leciona na AEAU-SP desde
1996 e na FAU-USP desde 2001.
João Clark de Abreu Sodré
FAU - USP, 2005
Mestrado: FAU-USP, 2010
Doutorando: FAU-USP
Professor na FMU-FAAM-FIAM Centro Universitário, desde 2011.
João Yamamoto
FAU - USP, 2008
Mestrando: FAU-USP
André Nunes
FAU - USP, 2010
S/D
1990
1998
2005
Angelo Bucci
UNA ARQUITETOS (7)
Formado pela Faculdade de Desenho Industrial da
UPM, 2009. Atualmente cursando a Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da AEAU-SP.
FAU - USP, 1987
ATIVIDADE DOCENTE - LOCAL
Professor na UBC até 1996. Leciona na AEAU-SP desde 2005.
Professor visitante da Ciências e Letras Ensino desde 1989 e da USJT desde 1999.
1991
Alexandre Mendes
SPBR (6)
TITULAÇÕES
S/D
Mestrado: FAUUSP, 1998
Doutorado: FAUUSP, 2005
Professor desde 1990
Leciona na FAUUSP desde 2001
Ciro Miguel
FAU - USP, 2004
S/D
João Paulo Meirelles de Faria
FAU - USP, 2003
S/D
Juliana Braga
FAU - USP, 2004
S/D
Nilton Suenaga
FAU - USP, 2010
S/D
Tatiana Ozzetti
FAU - USP, 2009
S/D
Cristiane Muniz
FAU - USP, 1993
Mestrado : FAU-USP, 2005
Professora convidada do Taller Sudamerica, Universidade de Buenos Aires, Argentina,
desde 2006. Professora convidada na UPM em 2007, professora convidada na
Universidade do Texas, em 2009, leciona na AEAU-SP desde 2006.
Fábio Rago Valentim
FAU - USP, 1995
Mestrado : FAU-USP, 2003
Leciona na AEAU-SP desde 2003.
Fernanda Barbara
FAU - USP, 1993
Mestrado : FAU-USP, 2004 - Pós-graduação na
École de Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, Professora FAAP desde 2001, leciona na AEAU-SP desde 2007.
França
Fernando Felippe Viégas
FAU - USP, 1994
Mestrado : FAU-USP, 2004
2003
1996
(1) Fonte: http://www.andrademorettin.com.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4471812T5; http://www.escoladacidade.edu.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=89&Itemid=215
(2) Fonte: http://www.mmbb.com.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4248010U6, http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4759008Y6
(3) Fonte: xxx; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4428652P9, http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4431402J9 e http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4437178Y9
(4) Fonte: http://www.projetopaulista.com.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4102712P3, http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4240356T9
(5) Fonte: http://www.gruposp.arq.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4735276U6; http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4765705D3; http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4318799H3
(6) Fonte: http://www.spbr.arq.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4735439T1
(7) Fonte: http://www.unaarquitetos.com.br/; http://www.escoladacidade.edu.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=89&Itemid=215
Professor UAM de 2004 a 2010, professor convidado do Taller Sudamerica,
Universidade de Buenos Aires, Argentina, desde 2006, professor convidado na
Universidade do Texas, Austin, em 2009, e na Universidade Mayor do Chile, Santiago,
em 2010, leciona na AEAU-SP desde 2005.
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 119
Ao identificar os traços comuns entre os arquitetos participantes da mostra de
2006 como um fenômeno tipicamente paulista que se articula com a formação acadêmica na
FAU-USP, Luciano Margotto é obrigado a reconhecer a existência de um espectro bem mais
amplo de arquitetos e escritórios inseridos neste segmento, muitos dos quais atualmente
renomados e muito experientes.
Com efeito, Ruth Zein, ao se referir a esta geração destaca criações
arquitetônicas de muitos outros arquitetos que não estavam presentes na mostra de 2006. É
o caso, por exemplo, de Marcelo Barbosa e Jupira Corbucci, Lilian e Renato dal Pian,
Henrique Reinach, Mauricio Mendonça, Mario Figueroa, Fernando Moyses, Mauro Docchi,
Ricardo Buso, Marcio Coelho, Mario Biselli e Arthur Katchborian, etc. Estes dois últimos
para ela, “[...] estão entre os mais relevantes arquitetos dessa nova geração. Com um
admirável domínio formal e construtivo, Biselli & Katchborian vem realizando obras que
incluem de casas a indústrias, revelando uma busca incessante de novas propostas, mas
não da inovação a qualquer custo”. (ZEIN, op.cit.),
Coerentes com os traços de afinidades referidos por Margotto, os escritórios da
mostra se pautam por arranjos na gestão de trabalho que remetem à idealização do
ateliê/estúdio e das possibilidades de diálogos e valorização do grupo em torno da
concepção arquitetônica, quase como uma extensão da reflexão e experimentação que
ocorre no âmbito do ensino.
Podem também ser entendidos como uma forma de engajamento significativo no
trabalho, nos moldes assinalados por Sennett (2009).
A valorização da interlocução e da cooperação, esta última vista como uma
somatória de competências se alia à possibilidade do estabelecimento de relações sociais
de trabalho que se fazem mais horizontais na etapa de concepção do projeto, ainda que a
autoria se mantenha nas mãos de um ou poucos. Ou seja, para ele, o “trabalho coletivo é
considerado uma oportunidade de encontro, de manter um diálogo mais livre sobre a
arquitetura, sem os constrangimentos de uma empresa que precisa se submeter à
contingências para se manter financeiramente”. (MARGOTTO, 2009) 16 . Neste sentido, o
discurso apela para o fato de que, ao contrário dos escritórios de arquitetura em geral
marcados por uma rotina de serviços, a modalidade de trabalho predominante nos
escritórios que participaram da mostra é considerada mais flexível e aberta à parcerias
temporárias em função de demandas excepcionais de projeto, como os concursos públicos.
16
Entrevista cedida a autora em 17 abr.2009.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 120
Referindo-se ao Núcleo de Arquitetura, destaca a liberdade de escolha dos
trabalhos neste escritório o que pode incidir inclusive em projetos de caráter mais técnico,
como foi o caso da Pró-Mater, mas que se colocam sempre na perspectiva de realização de
uma arquitetura íntegra voltada para o questionamento constante do que é arquitetura
brasileira considerada em suas relações contextuais com a cidade e com o mundo
contemporâneo.
Cabe ressaltar, contudo, que cada um desses escritórios possui uma historia
particular e, circunstancialmente portes funcionais diversos em função da variedade e
oscilação das demandas de trabalho. E mais, que a viabilidade de realização dos ideais
preconizados de criação coletiva ocorre, sobretudo através de uma forte adesão aos
concursos públicos, uma modalidade de expressão arquitetônica referendada como
prestigiosa. Além dos concursos criarem uma temporalidade própria que exige mobilização
de conhecimentos e habilidades em prazos relativamente curtos, a avaliação dos seus
resultados é feita no interior do próprio campo profissional por pares notáveis e por rituais
institucionalmente legitimados.
A opção pela participação em concursos públicos e as composições variáveis de
autoria no horizonte de cada concurso favorecem a reafirmação de identidades comuns na
medida em que a concepção e o desenvolvimento do projeto pressupõem intercâmbios de
ideias e um trabalho colaborativo, aliado ao fato de que os concursos permitem ampliar o
campo de visibilidade pública dos discursos embutidos em cada proposta. Neste sentido,
reafirmam uma escolha de inserção profissional. Engendra-se neste processo uma busca
constante adequação entre o discurso ou matriz teórico conceitual os arranjos produtivos e
uma forma particular de inserção nas demandas de arquitetura.
É possível afirmar ainda, a partir destas colocações que o alargamento ou
redução da equipe de autoria, conforme os desafios dos projetos ultrapassa a composição
oficial destes escritórios e expressa arranjos possíveis para garantir a permanência e a
coerência conceitual de uma mesma raiz, portanto, de certo discurso, além da qualidade da
proposta arquitetônica. O alargamento da equipe de autores/colaboradores também ocorre
em função da assimilação de ferramentas tecnológicas difundidas e generalizadas no
campo da arquitetura através de programas digitais aplicados ao processo de projeto tais
como a renderização, perspectivas e modelos eletrônicos e outros recursos. Estas
incorporações exigem a presença de outras habilidades que vão estar presentes no interior
das equipes, representadas por arquitetos bem mais jovens e recém-formados, porém
alinhados aos mesmos princípios conceituais.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 121
Conforme salienta Fernando Viègas, um dos sócios do escritório UNA Arquitetos
(apud SAYEGH: 2009, p. 2),
O projeto de arquitetura é sempre trabalhoso, exige uma equipe afinada
muito além dos próprios sócios. Podemos dizer que durante todos esses
anos colaboraram conosco profissionais de grande qualidade. Muitos
seguiram seus próprios caminhos, porém deixaram suas contribuições e,
mais do que isso, ajudaram a construir o cotidiano do escritório. Nessa
forma de trabalhar incorporamos as discussões em equipe e acreditamos
que o resultado dos projetos, de algum modo, revela esse processo. Tal
método permite associar ideias de várias pessoas sem, necessariamente,
explicitar uma marca ou assinatura. Esperamos que a qualidade de nosso
trabalho se perceba pelo conjunto.
Fica evidente em casos, como o Grupo SP de Álvaro Puntoni e do SBPR de
Ângelo Bucci, que a incorporação de arquitetos mais jovens muitas vezes se consolida
aparecendo na composição associativa desses mesmos escritórios. (Vide Quadro 4.1)
A noção de coletivo, enquanto autodesignação de identidade imiscui duas faces
inerentes e indissolúveis contidas no resultado do trabalho, ou seja, no projeto arquitetônico:
um discurso sobre o que é arquitetura e uma autoria de projeto baseada em parcerias
alargadas e voláteis, através das quais se faz possível potencializar a interlocução e a
cooperação nas etapas conceptivas. Neste caso, o alargamento da autoria está contido no
discurso e engendra uma busca constante de coerência com um arranjo específico de
trabalho e com uma forma de inserção social destes arquitetos. E é apenas neste âmbito
que suas práticas de trabalho tendem a se distinguir das demais17.
É principalmente através das duas dimensões que se define, neste discurso, um
campo de maior liberdade de escolha e autonomia. Referindo-se à seleção dos projetos da
mostra realizada na Maria Antônia, Margotto explica que todos eles se distinguiam pelas
premissas de uma arquitetura ética, consistente e coerente com sua dimensão social,
apresentando obras de interesse público para a cidade. Ao mesmo tempo, por estas
opções, contém um posicionamento crítico em relação à produção arquitetônica voltada
para as demandas de mercado muito embora, como afirma, “[...] não se tem nenhuma
intenção de demonizar o mercado imobiliário”. O que entra em jogo é outra perspectiva, ou
seja, “[...] que a arquitetura seja um bem de interesse publico, não um bem para dar lucro,
17
Cabe aqui novamente retomar a entrevista de Valério Petraróia, participante desta mesma geração de arquitetos quando se
refere ao fato de que a criação do seu escritório responde à necessidade de registro oficial para que pudessem se inserir de
forma institucionalizada nas demandas de arquitetura. Se, no início conseguiam participar de forma coletiva em todas as
etapas do processo de projeto, na medida em que os trabalhos foram surgindo, precisaram incorporar uma equipe fixa de
apoio.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 122
gerar lucro para um grupo de pessoas. Não temos nada contra ninguém, mas é a nossa
opção. A gente fica mais feliz quando está fazendo um hospital, quando esta fazendo uma
escola do que quando se esta fazendo uma residência luxuosa [...]” (MARGOTTO, 2010).
Com efeito, a retomada dos concursos públicos desde o período de
redemocratização brasileira, cria um campo de possibilidades inserção de trabalho para os
arquitetos dessa geração. Considerando-se apenas os escritórios da mostra verifica-se um
elevado nível de premiações angariadas por todos eles. Segundo dados divulgados nos
sites destes escritórios e sistematizados nos Quadros 4.1 a 4.7, onde muitos exemplos se
destacam. Entre 1996 e 2010, o escritório Andrade Morettin Arquitetos participou de 20
concursos públicos dos quais apenas um não recebeu alguma premiação18; 7 classificações
em 1º lugar, 4 classificações em 2º lugar, destacando-se mais recentemente as vitórias no
Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a sede do CAPES,
Brasília, DF, 2007 e no Concurso Nacional para o Centro de Informações COMPERJ,
Itaboraí, Rio de Janeiro, 2008. (Quadro 4.1).
O Núcleo de Arquitetura possui uma quantidade de premiações significativa,
desde 1989 destacando-se já com premiação no primeiro ano de funcionamento do
escritório (1989)19 e posteriormente com Menção Honrosa em 2006, no Concurso Público
para o campus UNIFESP, Diadema, São Paulo, entre muitos. As parcerias entre o Núcleo
de Arquitetura e o escritório de Álvaro Puntoni são frequentes, como é o caso dos
concursos: Teatro de Londrina, em 2007, quando também participou Amanda Spadotto;
SESC de Guarulhos, São Paulo, 2008, tendo sido finalistas e Sede do CREA-PR Curitiba,
2009, com resultado de Menção Honrosa. (Quadro 4.3.) Observam-se igualmente parcerias
recorrentes entre Álvaro Puntoni e Angelo Buccci. (Vide Escritório SPBR, Quadro 4.6.)
A disposição na participação constante em concursos públicos também ocorre
com o escritório Projeto Paulista, desde 1989 (15 concursos, dos quais três projetos foram
premiados com o 1º lugar, havendo ainda muitas premiações com Menções Honrosas).
(Vide Quadro 4.4.)
Outros fenômenos recorrentes são a concomitância de premiações em alguns
concursos públicos, como é o caso do Concurso Nacional para a Reciclagem da Agência
dos Correios em São Paulo, 1997, onde participaram três escritórios da Mostra - UNA
18
19
Trata-se do Concurso Internacional Asplundt para a nova biblioteca de Estocolmo, Suécia 2006.
Concurso Regional para a Matriz de Cerqueira Cesar, São Paulo, SP.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 123
Arquitetos, Projeto Paulista e Andrade Morettin, tendo sido contemplados respectivamente
com o 1º Premio, Projeto Finalista e Menção Honrosa.
Um fenômeno destacado nestes escritórios é a valorização da equipe completa
da produção do projeto arquitetônico, jovens arquitetos, profissionais mais velhos e
especialistas responsáveis por projetos complementares ou consultores, denominados de
colaboradores, são reiteradamente mencionados, constando das fichas técnicas de seus
projetos. No Andrade Morettin, por exemplo, alguns profissionais, como Marina Mermelstein,
participa em 14 concursos; Marcelo Maia Rosa e Marcio Tanaka em 13 concursos e, assim
por diante (Quadro 4.1). Esta reincidência é muito clara também no MMBB (Quadro 4.2.)
UNA Arquitetos (Quadro 4.7), no Grupo SP (Quadro 4.5.) e outros.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
QUADRO 4.2: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO ANDRADE MORETTIN - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES
ANDRADE MORETTIN ARQUITETOS
CONCURSOS PÚBLICOS
ARQUITETOS RESPONSÁVEIS
COLABORADORES
PREMIAÇÕES
Concurso: internacional Service Area for the Logistic Activity Zone of the Porto of Barcelona,
XIX Congresso de La Unión Internacional de Arquitetos, UIA Barcelona 96, 1996
S/D
S/D
Projeto de Desenho Urbano Selecionado
Concurso Nacional para a Reciclagem da Agencia Central dos Correios, 1997
S/D
S/D
Menção Honrosa
Conc. Púb. Nac. para o Plano Diretor da Fac. de Medicina da USP, São Paulo, SP, 1998
Vinicius Andrade, Marcelo Morettin, Lua Nitsche e José Alves Baldomero Navarro, Márcia Terazaki, Marina Mermelstein, Renata Andrulis, Suzana Barbosa
Concurso Nacional para o Monumento em Homenagem aos Imigrantes e Migrantes, 2000
S/D
S/D
Menção Honrosa
Conc. Púb. Nac. promovido pela FAPERGS para a Sede de Fundação de Amparo à
Pesquisa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2003
S/D
S/D
2º Prêmio
Concurso fechado para a sede do FDE. São Paulo, 2005
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Renata Azevedo, Thiago Natal e Marina Mermelstein
1º Prêmio
Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP, 2004
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Renata Azevedo, Thiago Natal e Marina Mermelstein
1º Prêmio
Concurso Internacional e Idéias Zero Latitude - Galápagos, Quito, Equador, 2006
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Marcela Aleotti,
Renata Andrulis e Thiago Natal
1º Prêmio
Concurso Nacional de Anteprojeto Paço Municipal de Hortolândia, Hortolândia, São Paulo,
2006
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Marcela Aleotti, Renata Andrulis e
Thiago Natal
2º Prêmio
Concurso Nacional de Anteprojeto UNIFESP
Diadema, São Paulo, 2006
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Marcela Aleotti,
Renata Andrulis e Thiago Natal
2º Prêmio
Concurso Internacional 'Asplund' para nova biblioteca de Estocolmo, Estocolmo, Suécia,
2006
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Marcela Aleotti,
Renata Andrulis e Thiago Natal
sem prêmio
Concurso de Anteprojeto para UNIABC, Santo André, São Paulo, 2006
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Antero Lopes, Marina Mermelstein, Thiago Natal, Marcio Tanaka, Merten Nefs e Renata
Andrulis
3º Prêmio
2º Concurso Internacional Living Steel para Habitação Sustentável, Recife, Pernambuco,
2007
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis e
Thiago Natal
1º Prêmio
Concurso Internacional ‘Building a Sustanaible World’, Paranaguá, PR, Brasil, 2007
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis,
Thiago Natal e Thomas Kelley
Projeto Finalista
Concurso Internacional 2G – Parque da Laguna de Veneza, Veneza, Itália, 2007
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs e Renata Andrulis
Projeto Finalista
Concurso Internacional de Idéias para a Revitalização da Frente Ribeirinha, Porto, Portugal,
2007
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis e
Justin Rodrigues Taylor
Menção Honrosa
Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a Sede da Capes,
Brasília, DF, 2007
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis e
Thiago Natal
1º Prêmio
Concurso Internacional para a nova sede da CAF, Caracas, Venezuela, 2008
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Natasha Pirondi, Renata Andrulis,
Sonia Gouveia, Florian Schmidt-Hidding
2º Prêmio
Concurso Nacional para o Centro de Informações Comperj, Itaboraí, Rio de Janeiro, 2008
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Natasha Pirondi, Renata Andrulis,
Sonia Gouveia, Florian Schmidt-Hidding
1º Prêmio
Sede da CNM, Brasília, 2010
Vinicius Andrade e Marcelo Morettin
Beatriz Vanzolini,Guido Otero, Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Sznelwar, Renata
Andrulis, Ricardo Gusmão
Menção Honrosa
Fonte: http://www.andrademorettin.com.br/
1º Prêmio
QUADRO 4.3: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO MMBB - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES
PROJETOS
ARQUITETOS RESPONSÁVEIS
MMBB
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira, Milton
Concurso Nacional: Pavilhão do Brasil na Expo 92, Sevilha, Espanha, 1991 Liebentritt de Almeida Braga e Vinicius Gorgati
COLABORADORES
PREMIAÇÕES
Claúdio Diaféria, Miriam Castanho, Vinicius de Andrade e
Nagaaki Yasumoto
Premiado
Sede do Grupo Corpo, Belo Horizonte, MG, 2001
Anna Helena Villela, Eduardo Ferroni, Jorge Zaven
Angelo Bucci, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira Kurkdjian, José Augusto Nepomuceno, Maria Júlia
e Milton Liebentritt de Almeida Braga
Herklot, Marta Bogéa, Omar Dalank, Sérgio Cançado,
Walter de Almeida Braga
Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP,
2004
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira, Milton Braga
Concurso fechado para a sede do FDE. São Paulo, 2005
Eduardo Ferroni, Márcia Terazaki, Jaques Rordorf,
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga Marina Sabino, Paula Cardoso, Renata Vieira e Thiago
Rolemberg
1° Prêmio
Concurso Internacional Tecktónica - Continente Móvel, Lisboa, Portugal,
2005
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira, Milton
Liebentritt de Almeida Braga
1° Prêmio
Concurso Bairro Novo, 2006
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton
Anja Kolher, Anna Ferrari, Márcia Terazaki, Flávio
Liebentritt de Almeida Braga, em associação com Camila
Rezende, Marina Acayaba, Marina Sabino, Sarah
Toledo Fabrini, Guilherme Wisnik, Martin Corullon e
Feldman, Thiago Rolemberg
Roberto Klein
Concurso Internacional CAF, Caracas, Venezuela, 2008
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton
Liebentritt de Almeida Braga
Alícia Vasquez, Cecilia Góes, Eduardo Pompeo,
Giovanni Meirelles, Guilherme Pianca, Luís Pompeo,
Marina Sabino e Tiago Oakley
6° Lugar
Concurso SESC Guarulhos, Guarulhos, SP, 2008
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton
Liebentritt de Almeida Braga
Cecilia Góes, Eduardo Pompeo, Giovanni Meirelles,
Guilherme Pianca, João Yamamoto, Thiago Mendes e
Vito Macchione
6° Lugar
Concurso Latino-americano para Biblioteca do Rosário, Argentina, 2010
Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton
Liebentritt de Almeida Braga, Cecília Góes, Guilherme
Pianca, José Paulo Gouvêa
immy efrén liendo terán, Pablo Iglesias e Rita Aguiar
Rodrigues
SEM COLABORADORES
Fonte: http://www.mmbb.com.br/
Anja Koehler, Flávio Rezende, Jacques Rordorf, Márcia
Terazaki, Marina Acayaba, Marina Sabino, Tiago
Rolemberg
Ana Carina Costa, Gabriel Manzi, Márcia Terazaki,
Marina Sabino, Rodrigo Brancher e Thiago Rolemberg
sem prêmio
sem prêmio
sem prêmio
sem prêmio
QUADRO 4.4: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO NÚCLEO DE ARQUITETURA - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES
NÚCLEO DE ARQUITETURA
CONCURSOS PÚBLICOS
Fonte:
ARQUITETOS RESPONSÁVEIS
COLABORADORES
PREMIAÇÕES
Concurso Regional para a Igreja Matriz de Cerqueira César, São Paulo, SP,
1989
S/D
S/D
2º Prêmio
Concurso Público de anteprojeto para habitação popular, Brás, São Paulo,
1989
Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles
S/D
2º Prêmio
Concurso Nacional para a Faculdade de Medicina UNESP, Botucatu, SP,
1991
S/D
S/D
2º Prêmio
Concurso Nacional para a Paço Municipal de Osasco, Osasco, SP, 1991
S/D
S/D
Menção Honrosa
Concurso Nacional para o Centro Administrativo da UFU, Uberlândia, MG,
1995
S/D
S/D
3º Prêmio
Concurso Público para a modernização do Conjunto Desportivo do
Ibirapuera, São Paulo, 2003
Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles
S/D
2º Prêmio
Concurso Público Nacional - Habitasampa / Cônego Vicente Marino, São
Paulo, SP, 2004
Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles
S/D
Menção Honrosa
Concurso fechado para a sede do FDE. Guarulhos, SP, 2005
Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles
S/D
sem prêmio
Concurso Público de projeto para o campus da UNIFESP, Diadema, São
Paulo, 2006
Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles e
Guilherme Lemke Motta
S/D
Menção Honrosa
Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a sede
da Capes, Brasília, DF, 2007
S/D
S/D
Menção Honrosa
Teatro, Londrina, PR, Brasil, 2007
Alvaro Puntoni, Amanda Spadotto , João Sodré, Jonathan
Anita Freire e Walter Diamond
Davies, Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sergio Salles
Concurso Nacional: SESC Guarulhos, Guarulhos, SP, 2008
Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano
Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini
André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel, Camila
Obniski, Fabricius Mastroantonio e Gioavanna Araújo
Finalista
Concurso Nacional: Sede do CREA-PR, Curitiba, PR, Brasil, 2009
Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano
Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini
André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel e Fabricius
Mastroantonio
Menção Honrosa
QUADRO 4.5: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO PROJETO PAULISTA - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES
CONCURSOS PÚBLICOS
Câmara Legislativa do Distrito Federal, DF, Goiás, 1989
ARQUITETOS RESPONSÁVEIS
COLABORADORES
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz
José Mário de Castro Gonçalves e Luiz Oliviera Ramos
Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima
PROJETO PAULISTA
Concurso Nacional de Idéias para Núcleo Urbano de Campinas, Campinas, Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz
SEM COLABORADORES
SP, 1990.
Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima
PREMIAÇÕES
1º Prêmio
Menção Honrosa
Parque Guaraciaba, Santo André, SP, 1991
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz
SEM COLABORADORES
Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima
1º Prêmio
Concurso Nacional de Anteprojetos para a Sede do Conselho de
Contabilidade do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, 1991.
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz
SEM COLABORADORES
Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima
Menção Honrosa
Concurso Fechado de Anteprojetos para a construção da Catedral da
Sagrada Família, São Paulo, SP, 1991
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz
SEM COLABORADORES
Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima
1º Prêmio
Concurso Nacional para a Faculdade de Medicina UNESP, Botucatu, SP,
1991
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz
SEM COLABORADORES
Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima
Menção Honrosa
Centro Cultural e Educacional Mogi das Cruzes
São Paulo, 1995
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Fábio
Mariz Gonçalves
SEM COLABORADORES
3º Prêmio
Concurso Nacional para a Reciclagem da Agencia Central dos Correios,
1997
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Fábio
Mariz Gonçalves
SEM COLABORADORES
Projeto Finalista
Nova Sede da FAPESP, São Paulo, 1998
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Henrique
Fina e Fábio Mariz Gonçalves
SEM COLABORADORES
sem prêmio
Concurso Nacional para Projeto da Sede do Edifício para o CREA-CE,
Fortaleza, CE, 2001
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Fábio
Mariz Gonçalves
SEM COLABORADORES
2º Prêmio
Requalificação do Largo da Batata, São Paulo, SP, 2002
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Henrique
Fina, Luis Oliviera Ramos
SEM COLABORADORES
2º Prêmio
Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP,
2004
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Henrique
Fina
Luis Oliviera Ramos e José Mário de Castro Gonçalves
Menção Honrosa
Concurso Público Nacional de Projetos de Arquitetura para Museu da
Tolerância, São Paulo, 2005
Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Henrique
Fina
Luis Oliviera Ramos
Menção Honrosa
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009
Luis Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño
Luis Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño
Menção Honrosa
Sede da CNM em Brasília, 2010
Luis Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño
José Mário de Castro Gonçalves
Fonte: http://www.projetopaulista.com.br/
3º Prêmio
QUADRO 4.6: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO GRUPO SP - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES
CONCURSOS PÚBLICOS
COLABORADORES
PREMIAÇÕES
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci e José Oswaldo Vilela
Geraldo Vespaziano Puntoni, Edgar Dente, Fernanda Barbara
Clovis Cunha, Pedro Puntoni (historiador)
Nova Sede da FAPESP, São Paulo, SP, 1998
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci
Apoena Amaral e Almeida, Camila Fabrini, Eduardo Ferroni, Moracy Amaral e Almeida
Pablo Hereñu
sem prêmio
Edifício para o CONFEA, Brasília, DF, 1999
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Marcelo Caloi, Maria Isabel Imbronito, Marta Moreira e Omar Dalank
Eduardo Ferroni e Moracy Amaral
sem prêmio
Concurso Nacional para Projeto da Sede do Edifício para o CREA-CE, Fortaleza, CE, 2001
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Apoena Amaral, Carlos Ferrata, Eduardo Ferroni, Moracy Amaral e Pablo Hereñu
SEM COLABORADORES
Sede do Grupo Corpo, Belo Horizonte, MG, 2001
Alvaro Puntoni, Priscila Araujo, Ricardo Gomes Lopes, Roberto Fialho e Valéria Fialho
Márcio Coelho e Silvio Squizzardi
Concurso Nacional: Memorial da República, Piracicaba, SP, 2002
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Ciro Miguel, Eduardo Ferroni, Pablo Hereñú e Paula Cardoso
SEM COLABORADORES
1º Lugar
Concurso Público para a modernização do Conjunto Desportivo do Ibirapuera, São Paulo, 2003
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Geraldo Vespaziano, Maria Isabel Imbronito, Anna Kaiser, Ciro Miguel, Fernando
Bizarri, João Sodré, Juliana Braga, Omar Dalank
SEM COLABORADORES
sem prêmio
Biblioteca Nacional José Vasconcelos, Cidade do México, México, 2003
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Ciro Miguel, Fernanda Neiva, Maria Isabel Imbronito, José Alves, Juliana Braga e
Juliana Corradin
SEM COLABORADORES
sem prêmio
Concurso Internacional: Elemental, Chile, 2003
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Andre Drummond, Ciro Miguel, João Sodré, Jonathan Davies e Juliana Braga
SEM COLABORADORES
Finalista
Concurso Público Nacional - Habitasampa / Cônego Vicente Marino, São Paulo, SP, 2004
Alvaro Puntoni, Jonathan Davies e João Sodré
Juliana Braga
Nossa Caixa: Idéias e Soluções para Habitação Social no Brasil, São Paulo, SP
Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies
SEM COLABORADORES
Museu do Ouro, Sabará – MG, 2004
6º Prêmio Jovens Arquitetos
Álvaro Puntoni
João Sodré e Juliana Braga
1º Lugar
Concurso Nacional: Sede da Petrobras, Vitória, ES, 2005 - 2º Lugar
Alvaro Puntoni, Eduardo Ferroni, Jonathan Davies, Fernanda Costa Neiva
Maria Julia Herklotz e Pablo Hereñú
Edson Riva, Fabiana Cyon, João Sodré, Juliana Braga, Olivia Pereira
Omar Dalank e Vitor ao Castro
2º Lugar
Concurso Nacional: Habitação Social No Amazonas, Manaus – AM, 2005
Alvaro Puntoni, Edson Riva, João Sodré, Jonathan Davies e Mina Warchavchik
SEM COLABORADORES
Concurso Nacional: Museu da Tolerância, 2005
Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies
Rafael Urano e Tatiana Ozetti
sem prêmio
Concurso Nacional: Living Box, 2005
Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies
SEM COLABORADORES
sem prêmio
Concurso Nacional: Paço Municipal De Hortolândia
Hortolândia, SP, 2006
Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies
Fernanda Varela e Gabriel Manzi
sem prêmio
Concurso Nacional: Sede do IPHAN, Brasília, DF, 2006
Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies
Rafael Urano e Tatiana Ozetti
sem prêmio
Teatro, Londrina, PR, Brasil, 2007
Alvaro Puntoni, Amanda Spadotto , João Sodré, Jonathan Davies, Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sergio Salles
Anita Freire e Walter Diamond
sem prêmio
Concurso Nacional: SESC Guarulhos, Guarulhos, SP, 2008
Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini
André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel, Camila Obniski, Fabricius Mastroantonio e
Gioavanna Araújo
Finalista
Concurso Público Nacional de Anteprojetos de Arquitetura para a sede do SEBRAE, Brasília, DF, 2008
Alvaro Puntoni, Jonathan Davies, João Sodré e Luciano Margotto
André Nunes, Rafael Murollo, Julia Valiengo e Isabel Nassif
1º Lugar
Concurso Nacional: Sede do CREA-PR, Curitiba, PR, Brasil, 2009
Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini
André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel e Fabricius Mastroantonio
Concurso Teatro Castro Alves, Salvador, BA, 2009
Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies
Luciano Margotto, Flavio Castro, Luís Cláudio Marques Dias
André Nunes, Julia Caio Siqueira, Fabricius Mastroantonio
5º Lugar
Concurso House in Luanda: Patio and Pavillion, Luanda, Angola, 2010
Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, André Nunes (gruposp)
Luciano Margotto
SEM COLABORADORES
Finalista
Concurso Ponte e Passarela em Blumenau, Blumenau, SC, 2011
Alvaro Puntoni, João Sodré, João Yamamoto, André Nunes, Luciano Margotto, Marcos Acayaba
André Procópio
sem prêmio
Concurso Porto Olímpico
Alvaro Puntoni, João Sodré, João Yamamoto, André Nunes, Luciano Margotto, Marcos Acayaba
Claudio Libeskind, Sandra Llovet, Marina Rosa, Natalia Leardini, Sabrina Chibani, Andre Procopio
Gustavo Delonero, Henrique Winkel, Mona Feldman
sem prêmio
Concurso Parque Olímpico
Alvaro Puntoni, João Sodré, João Yamamoto, André Nunes, Luciano Margotto, Cristiane Muniz, Fabio Valentim,
Fernanda Barbara, Fernando Felippe Viégas, Edgar Mazo, Luis Callejas, Sebastian Mejia
Giovanni Meirelles, Gustavo Delonero, Ana Paula de Castro, Bruno Gondo, Carolina
Klocker, Eduardo Martorelli, Henrique te Winkel, Igor Cortinove, Mellisa Naranjo,
Dasha Lebedeva, Victor Marechal, Sebastian Vela, Martin Baena, Juan Esteban
Giraldo, Maria Jose Arango, Manuela Bonilla
sem prêmio
Concurso Nacional: Pavilhão do Brasil Na Expo '92, Sevilha, Espanha, 1991
GRUPO SP
ARQUITETOS RESPONSÁVEIS
Fonte: http://www.gruposp.arq.br/
1º Lugar
3º Lugar
sem prêmio
Menção Honrosa
sem prêmio
Menção Honrosa
Menção Honrosa
QUADRO 4.7: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO SPBR - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES
SPBR
CONCURSOS PÚBLICOS
ARQUITETOS RESPONSÁVEIS
COLABORADORES
Vespaziano Puntoni, Edgar Dente, Fernanda Barbara, Clovis Cunha e
Pedro Puntoni
PREMIAÇÕES
Concurso Nacional: Pavilhão do Brasil Na Expo 92, Sevilha, Espanha, 1991
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci e José Oswaldo Vilela
Nova Sede da FAPESP, São Paulo, 1998
Alvaro Puntoni e Angelo Bucci
Edifício Para o CONFEA, Brasília, DF, 1999
Angelo Bucci, Alvaro Puntoni, Maria Isabel Imbronito, Marta Moreira, Marcelo Caloi e
Omar Dalank
Sede do Grupo Corpo, Belo Horizonte, MG, 2001
Angelo Bucci, Milton Braga, Marta Moreira, Fernando de Mello Franco, Marta Bogea,
Eduardo Ferroni, Maria Julia Herklotz, Anna Helena Vilella e Omar Dalank
SEM COLABORADORES
Concurso Nacional: Memorial da República, Piracicaba, SP, 2002
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Pablo Hereñu, Eduardo Ferroni, Paula Cardoso e Ciro
Miguel
Alexandre Mirandez e Anna Kaiser
Concurso Público para a modernização do Conjunto Desportivo do Ibirapuera, São
Paulo, 2003
Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Geraldo Vespaziano, Maria Isabel Imbronito
Anna Kaiser, Ciro Miguel, Fernando Bizarri, João Sodré, Juliana Braga e Omar Dalank
SEM COLABORADORES
Concurso para Biblioteca Nacional José Vasconcelos, Cidade do México, México,
2003
S/D
S/D
1º Lugar
Concurso Internacional: Elemental, Chile, 2003
Angelo Bucci, Alvaro Puntoni, Andre Drummond, Jonathan Davies, Ciro Miguel, João
Sodré e Juliana Braga
SEM COLABORADORES
1º Lugar
Centro Cultural Brasil - Espanha, Brasília, DF, 2004
Angelo Bucci, Maria Isabel Imbronito, Ciro Miguel, João Sodré, Juliana Braga
Jonathan Davies, Carolina Gimenez e Susana Jeque
SEM COLABORADORES
sem prêmio
Concurso Open House, Vitra Design Museum, 2005
Angelo Bucci
SEM COLABORADORES
S/D
Concurso Internacional para a nova sede da CAF, Caracas, Venezuela, 2008
Angelo Bucci, João Paulo Meirelles de Faria, João Paulo Daolio e Thiago Natal Duarte
Apoena Amaral e Almeida, Camila Fabrini, Eduardo Ferroni, Moracy
Amaral e Almeida e Pablo Hereñu
Moracy Amaral e Eduardo Ferroni
Juliana Braga e Tatiana Ozzetti
Concurso Igreja da Natividade, Culiacan, Mexico, 2009
Angelo Bucci e João Paulo Meirelles de Faria
SEM COLABORADORES
Concurso por convite Instituto Moreira Salles, 2011
Angelo Bucci
Ciro Miguel, Giovanni Meirelles, Nilton Suenaga, Juliana Braga e Tatiana
Ozzetti
Fonte: http://www.spbr.arq.br/
1º Lugar
sem prêmio
sem prêmio
sem prêmio
1º Lugar
sem prêmio
sem prêmio
S/D
QUADRO 4.8: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO UNA ARQUITETOS - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES
UNA ARQUITETOS
CONCURSOS PÚBLICOS
ARQUITETOS RESPONSÁVEIS
COLABORADORES
PREMIAÇÕES
Concurso Público Nacional de Anteprojetos: SENAR, Ribeirão Preto, SP, 1996
S/D
S/D
Concurso Nacional para a Reciclagem da Agencia Central dos Correios, 1997
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas,
Ana Paula Gonçalves e Catherine Otondo
César Shundi Iwamizu, Eduardo Chalabi, Gustavo Rosa de Moura,
Mariana Felippe Viégas, Roberto Zocchio Torresan, Paula Zasnicoff
Cardoso, Marcio Guarnieri
Concurso Público Nacional de Idéias- IAB: teatro e faculdade de artes cênicas e corporais da
unicamp, campinas, 2002
Cristiane Muniz, Fábio Valentim Fernanda Barbara Fernando Viégas e
Clóvis Cunha
Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Gabriela Gurgel, Fabiana Cyon,
Jimmy Efrén Lliendo Terán, José Carlos Silveira Júnior, Miguel Felipe
Muralha Sílio Almeida e André Ciampi, Carolina Nobre, Gustavo Pimentel,
Márcio Wanderley
1º Lugar
Concurso por convite Colégio Santa Cruz, 2003
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, César Shundi Iwamizu,
Clóvis Cunha, felipe noto, Jimmy Efrén Lliendo Terán, José Carlos Silveira
Júnior, José Paulo Gouvêa, Sabrina Lapyda, Ricardo Barbosa Vicente
1º Prêmio
Concurso fechado para a sede do FDE. São Paulo, 2005
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, Jimmy Efrén Lliendo
Terán, José Carlos Silveira Júnior, José Paulo Gouvêa, Ricardo Barbosa
Vicente, Sabrina Lapyda
1º Prêmio
Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP, 2004
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas
Concurso Público Nacional - Habitasampa / Cônego Vicente Marino, São Paulo, SP, 2004
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas
Concurso por convite Campus Universitário Nazaré Paulista, 2005
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas
José Carlos Silveira Júnior, Jimmy Liendo, Jörg Spangenberg, Ana Paula
de Castro
Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a Sede da Capes, Brasília,
DF, 2007
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, José Carlos, Jimmy Liendo, Luiz Eduardo Loiola
Menezes, Maria Cristina Motta
sem prêmio
Concurso Escola Vera Cruz, 2008
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Gabriela Gurgel, Miguel Felipe
Muralha, Ricardo Manton, Sílio Almeida
1º Prêmio
Concurso Internacional Liceu Francês em Brasília, 2009
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas
Ana Carolina Neute, Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Fabiana
Cyon, Gabriela Gurgel, Miguel Felipe Muralha, Roberto Galvão Júnior e
Sílio Almeida
1º Prêmio
Concurso por convite Museu de Arte Moderna de Medellín, 2009
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas,
Carlos Andrés Betancur, Mmanuel José Posada, Carlos David Montoya
Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Fabiana Cyon, Gabriela Gurgel,
Silio Almeida, Miguel Felipe Muralha
Concurso por convite, Alojamento e Salas de Ensaio em Campos do Jordão, 2009
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Fabiana Cyon, Gabriela Gurgel,
Miguel Felipe Muralha, Sérgio Roberto Zancopé, Sílio Almeida
Concurso Sedes Regionais, CIESP, 2010
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, Fabiana Cyon, Gabriela Gurgel, José Carlos Silveira
Júnior, Miguel Felipe Muralha
1º Prêmio
Concurso por convite Instituto Moreira Salles, 2011
Ana Paula de Castro, Bruno Gondo, Carolina Klocker, Eduardo Martorelli,
Luccas Matos, Roberto Galvão Júnior, Filipe Barrocas
Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Clóvis Cunha, Eduardo Martorelli,
Enk te Winkel, Fabiana Cyon, Fabrice Zaini, Gabriela Gurgel, Hugo Bellini,
Igor Cortinove, Marta Onofre, Miguel Felipe Muralha, Paula Saito, Pedro
Saito e Sílio Almeida.
Projeto Finalista
Concurso Público Nacional Renova SP, (Oratório 1) 2011
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Eduardo Martorelli, Enk Te Winkel,
Igor Cortinove, Marta Onofre
1º Prêmio
Sede da CNM em Brasília, 2010
Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas
Ana Paula de Castro, Bruno Gondo, Carolina Klocker, Eduardo Martorelli,
Luccas Matos, Roberto Galvão Júnior, Filipe Barrocas
sem prêmio
Fonte: http://www.unaarquitetos.com.br/
Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, Jimmy Efrén Lliendo
Terán, José Carlos Silveira Júnior, José Paulo Gouvêa, Ricardo Barbosa
Vicente, Sabrina Lapyda
Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, Jimmy Efrén Lliendo
Terán, José Carlos Silveira Júnior, José Paulo Gouvêa, Ricardo Barbosa
Vicente, Sabrina Lapyda
2º Lugar
1º Prêmio
2º Prêmio
2º Prêmio
S/D
Projeto Finalista
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 131
Margotto (2009) 20 reconhece que através dos concursos públicos tem sido
possível colocar a arquitetura na pauta de debates numa esfera valorizada de interlocução
pública.
[...] como a gente quer fazer projetos que pensam a cidade, por trás disso
tem um pensamento sobre o coletivo. O que nos unia também era essa
prática dos concursos públicos, que são feitos para obras de interesse
público. Nós queríamos depois desse momento que houve um desmonte da
arquitetura pela ditadura, voltar a discutir a arquitetura no âmbito da cultura
[...]. Quando a gente começa a ter um olhar para os aspectos formais do
edifício, para a espacialidade interior, a continuidade, a fluidez, a ausência
de portas, tudo isso começa a se encaixar com a idéia de fazer um
equipamento público para todos- a questão da ética.
O início de sua trajetória profissional desponta pela participação em 1989 de
dois destacados concursos públicos na cidade de São Paulo – o Concurso Público Regional
de anteprojetos para a Igreja Matriz de Cerqueira César, promovido pelo Instituto dos
Arquitetos do Brasil – SP e o Concurso Público Nacional de Anteprojetos para Habitação
Popular, no bairro do Brás, promovido pela Prefeitura Municipal de São Paulo, através da
Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Com a parceria originária do escritório
Núcleo de Arquitetura, obtém em ambos o 2º e prestigiado lugar.
A atuação como arquiteto, representa em suas memórias, uma continuidade já
implícita no final de sua formação acadêmica. Com efeito, estando no último ano do curso
de Arquitetura da FAU-USP, Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sergio Salles alugam uma
salinha no térreo de um edifício no Caxingui, dando início ao escritório Núcleo de
Arquitetura 21 . "Não tínhamos nem telefone", lembra Ursini. Conseguiram umas coisinhas
aqui, outras acolá... Até que, logo depois de formados conquistaram o segundo lugar em um
concurso público para a criação de moradias populares no Brás. "A partir daí apareceram
trabalhos melhores”, diz Salles (2009).
Esta prática constitui um canal de inserção profissional em três dimensões
significativas:- é uma forma de minimizar conflitos inerentes nas relações arquiteto/cliente e
garantir maior liberdade de escolha dos projetos a serem realizados, para além dos
parâmetros das exigências imediatistas e dos modismos embutidos nas demandas de
mercado; é um recurso que amplia as possibilidades de satisfação pessoal na medida em
que permite realizar um engajamento significativo no trabalho incitando a cooperação
20
Entrevista cedida a autora em 17 abr.2009.
21
O escritório Núcleo de Arquitetura, inaugurado em 1988, funcionou até o final de 2010, realizando projetos arquitetônicos
prestigiosos.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 132
criativa frente aos desafios do projeto; denota, ainda, na valorização da pesquisa e
discussões inerentes ao saber acadêmico e na maneira de uso de ferramentas e linguagens
notabilizadas neste campo de produção cultural, os ideais eruditos do fazer arquitetônico.
Quando a gente pega um projeto, e é muito comum ao pegar um projeto,
que a gente queira estender a reflexão inicial à cidade, ao contexto, olhar a
história e daí, acho que você acaba tirando, olhando as premissas do
projeto, quase como se fosse uma decorrência. Os outros arquitetos
também fazem isso, até os mais velhos, não só os mais jovens “nós não
somos feitos de nada mais que dos outros”. Quando você assume que não
faz o projeto sozinho, eu não faço projeto nenhum sozinho. Uma condição
do nosso tempo, quase que sai naturalmente essas trocas todas. Isso é a
maneira coletiva de fazer. [...] Mas eu até brinco que nesta forma de
associação de trabalho você não esta muito a fim de enxergar as diferenças
[...] você esta a fim de enxergar as afinidades. É gostoso estar junto, fazer
um trabalho junto. É uma oportunidade de estar junto. Já em outros lugares
isso não acontece. Eu acho que surgiu em São Paulo, eu cito o Paulo
Mendes, eu cito o Artigas, eu não copio nada deles, para sair à maneira
deles. Mas este modo de associação já existia entre eles e isso foi
passando de um para o outro [...] confirma uma vontade de estar aqui, [...]
22
todos esses meus colaboradores são meus ex-alunos . (MARGOTTO,
2010)
Para Zein (2000), analisando a atuação profissional de alguns destes arquitetos,
os concursos públicos são práticas comuns de início de carreira, funcionando como
verdadeiros ritos de passagem para a maioridade profissional.
Permite aos jovens
arquitetos canalizar suas energias e idealismo arquitetônico, angariando repercussões e
reconhecimento entre seus pares. Conforme exemplifica, “Álvaro Puntoni, juntamente com
Ângelo Bucci e José Oswaldo Vilela, iniciaram de maneira marcante sua carreira de
arquitetos ao vencer, em 1988, o concurso para o Pavilhão Brasileiro na Expo'92 em
Sevilha, Espanha. Desde então, a dupla Bucci, Puntoni realizou outros trabalhos juntos,
inclusive concursos - como o do edifício do Confea, Brasilia”.
Por todos os aspectos apontados o apelo à noção de distinção desenvolvida por
Bourdieu (2004, p. 35) ajuda a entender a importância do significado simbólico dos
concursos públicos no campo da produção arquitetônica. Pode ser considerada uma prática
entre outras relacionadas às múltiplas áreas de produção cultural que se orienta por um jogo
de honra e de prestígio, não necessariamente consciente ou calculada. Ou seja,
[...] a ideia de que as lutas pelo reconhecimento são uma dimensão
fundamental da vida social e de que nelas está em jogo a acumulação de
22
Refere-se aqui ao escritório República fundado em 2011, logo após o término da parceria de longos anos entre Luciano
Margotto Soares, Marcelo Ursini e Sergio Salles que sustentava o escritório Núcleo de Arquitetura.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 133
uma forma particular de capital, a honra, no sentido da reputação, de
prestígio, havendo, portanto, uma lógica específica do capital simbólico,
como capital fundado no conhecimento e no reconhecimento.
A adesão valorativa na participação em concursos públicos e as diversas
composições de autoria no horizonte de cada concurso ao lado de aspectos já mencionados
vinculam-se ao fato de que permitem ampliar a visibilidade pública dos discursos embutidos
em cada proposta. O trabalho exposto aos olhares críticos passa a fazer parte de outro
momento onde adesões e confronto se opera, como uma forma de luta, na esfera pública da
arquitetura, e cujos resultados de vitória ou derrota se incorporam à trajetória de
experiências de cada arquiteto, tal como já discutido no capítulo 2.
A característica de mobilidade horizontal, ou o trânsito entre os arquitetos deste
segmento acaba por se estender às composições bastante voláteis dos escritórios.
Margotto (2010) refere-se a este fenômeno como nomadismo entre equipes, citando as
seguintes relações: “[...] O Álvaro Puntoni já foi sócio do Ângelo Bucci (escritório SPBR) e o
Ângelo já foi sócio do MMBB”, entre muitos outros exemplos23.
A este fenômeno, assim se refere Zein (op. cit.):
É comum os arquitetos jovens se associarem com diferentes colegas, em
situações e ocasiões distintas, seja para realizarem concursos ou obras de
maior porte, seja por circunstâncias pessoais de suas trajetórias. De alguma
maneira essas diferentes associações influem distintamente nos resultados
formais das obras; mas nem sempre é simples perceber como isso se dá, e
talvez não seja nem mesmo importante - principalmente quando há um
núcleo comum e entrelaçado de crenças e perspectivas que embasam suas
respectivas produções. É o caso, por exemplo, dos arquitetos que hoje
compõem o escritório MMBB (ex-Via Arquitetura): todos já trabalharam
associados a outros profissionais, inclusive colegas de outras gerações, ao
mesmo tempo realizando alguns projetos individualmente.
Outro fenômeno recorrente entre eles é o fato da maioria associar a prática
profissional e a atividade acadêmica. Exemplificando dados constantes da Quadro 4.1, nos
23
Conforme declara Puntoni (2012) a primeira parceria foi com os colegas Angelo Bucci e Alvaro Razuk em um escritório do
Conjunto Nacional na Avenida Paulista, em que juntamente com Bucci venceu o concurso para o Pavilhão do Brasil na
exposição de Sevilha, onde “puderam aplicar livremente suas ideias até então limitadas a projetos residenciais para clientes de
recursos limitados”. Formados em 1987, lembra que Angelo e Razuk foram trabalhar no Aflalo e Gasperini e ele buscou
trabalho na Fundação Artigas: “A Rosa Artigas disse que não tinha como pagar, mas aceitei, porque o que eu queria era
estudar a obra de Artigas, que na época era pouco valorizada”. A associação dos três permaneceu até 1996, quando o Angelo
Bucci foi trabalhar no MMBB. Em 2003 retornaram a parceria, formando o escritório SBPR Arquitetos Associados que durou
apenas até 2004.. “Comecei então a me organizar com os meus companheiros atuais no GrupoSP. “Ainda trabalho com o
Angelo, mas de forma mais esporádica, como no concurso para o Museu da Tolerância, da USP, em 2005”.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 134
escritórios Andrade Morettin Arquitetos, MMBB, Núcleo de Arquitetura, Projeto Paulista e
UNA Arquitetos são professores universitários em faculdades de arquitetura e nos outros
dois, um ou dois sócios também são professores universitários.
As opções pela flexibilidade de parcerias e de maior autonomia profissional,
aliadas as oportunidades de uma reflexão crítica constante sobre arquitetura se traduz em
arranjos de trabalho cuja viabilidade financeira exige que os arquitetos componentes destes
escritórios se dediquem a outras atividades remuneradas, preferencialmente as que
estabelecem vínculos acadêmicos e titulações progressivas, em diversas faculdades de
arquitetura de São Paulo.
Como destacado ainda no Quadro 4.1, os arquitetos dos seis escritórios, além
de formados na FAU-USP entre a segunda metade dos anos de 1980 e princípios dos anos
de 1990 e se destacarem por participações relevantes em concursos públicos, em sua
maioria possui titulações acadêmicas de mestrado e alguns de doutorado, todos na FAUUSP e exercem atividades docentes concomitantemente às atividades projetuais.
Tendo cursado a graduação entre 1984 e 1989, Luciano Margotto Soares inicia
suas atividades docentes na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Braz
Cubas de Mogi das Cruzes em 1994, dedicando-se as disciplinas de Projeto Arquitetônico e
outras a ela vinculadas. No transcurso acadêmico em faculdades de arquitetura, ingressa
em 1996 na Faculdade de Lacce- Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São
Judas Tadeu; em 2002, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie e em 2004 na Associação de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
de São Paulo – Escola da Cidade. Mantendo-se atuante nestas duas últimas instituições
respectivamente
nas
Atividades
do
Trabalho
Final
de
Graduação
–
Exercício
Projetual/Orientação Acadêmica e na Disciplina/atividade - Estúdio Vertical, exercendo
orientação a equipes compostas por alunos de diferentes anos, vem ao longo deste
percurso conciliando profissionalmente o trabalho de professor universitário e o trabalho de
arquiteto. Além das exigências de produções acadêmicas correlatas, defende em 2002 sua
dissertação de mestrado na FAU-USP, onde discute a arquitetura de Álvaro Siza 24 e
ingressa em 2012 como doutorando na mesma universidade.
24
SOARES, Luciano. Margotto. A arquitetura de Álvaro Siza – três estudos de caso. Dissertação de Mestrado apresentada na
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU-USP, 2002.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 135
Em todos eles, a atividade docente é também o ponto de partida para a
manutenção das valorizadas interlocuções acadêmicas e um campo de experimentação
arquitetônica desvinculado das exigências e do pragmatismo do cotidiano dos escritórios.
Eu acho que o grupo da Escola da Cidade, dos professores da escola da
cidade, todos os escritórios aqui tem alguém que dá aula lá. Na escola da
cidade a gente continua esse diálogo e esse coletivo hoje poderia ser muito
maior, com os escritórios mais jovens que eu estou te falando.
(MARGOTTO, entrevista de 08 set.2010).
Aliás, a manutenção dos escritórios constitui um grande desafio e pode
representar um campo de tensão entre os ideais de realização arquitetônica e o exercício da
prática profissional.
Luciano revela no decorrer da trajetória do escritório Núcleo de Arquitetura os
embates entre a necessidade de manutenção financeira de sua estrutura física e a
organização do trabalho. Mostra as diversas tentativas de divisões de tarefas, inclusive por
tipos de clientes, resultando insatisfatórias. A divisão final, vista como sendo uma divisão por
competências acabou, na prática por inviabilizar os ideais de criação coletiva – Marcelo
Ursini, ligado ao desenvolvimento do projeto executivo, Sergio Salles com busca de novos
trabalhos e Luciano Margotto com a concepção dos projetos. Segundo ele, as decisões
internas relativas aos projetos acabam ganhando autonomia individual porque o
envolvimento do escritório com vários projetos fez com que os sócios se encontrassem cada
vez menos e que algumas decisões fossem naturalmente tomadas sem o aval
coletivo.(Ibidem).
Mostra neste contexto, a realização de parcerias com outros escritórios, no caso
do SESC de Guarulhos, com Álvaro Puntoni (2009)25.
No começo, quando nós tínhamos disponibilidade maior, nos primeiros
compromissos, quando nós dávamos menos aulas, nos momentos de
poucos trabalhos e dificuldade financeira, nós mesmos desenhávamos tudo
e isso fazia com que nós tivéssemos sinergia, interlocução e uma
elaboração coletiva dos trabalhos. Então esses momentos traziam um
benefício muito grande nesse aspecto coletivo. Agora com outros
compromissos assumidos, dando mais aulas, filhos, outra idade, é difícil ter
tempo da gente desenhar tudo da forma que a gente desenhava antes. Tem
sempre os vários colaboradores e naturalmente você acaba assumindo
alguns trabalhos como a gente tá fazendo agora, até para tentar uma
25
Entrevista concedida a autora em 08 set. 2009.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 136
gestão que seja um pouco mais eficiente, competente. Então, a interlocução
25
entre nós também vai diminuindo. (Idem) .
Segundo ele, alguns outros arquitetos mais jovens que se colocam dentro desta mesma
postura do que ele denomina como engajamento coletivo de trabalho, tem encontrado
fórmulas flexíveis para contornar estes problemas. Cita o exemplo dos arquitetos
cooperantes:
[...] tem outros escritórios, mais jovens que os nossos, com os cooperantes,
que estão trabalhando de forma nova. E existe um coletivo: cada um tem
uma empresa, e eles dividem o espaço, dividem os custos fixos, tem essa
troca constante de fazer as coisas juntos. Cada um tem o seu trato da coisa
e se você entra nessa roda viva de atividades pessoais e clientes, fica refém
da estrutura, desaparece a possibilidade de interlocução. Não se pode ficar
25
refém da estrutura. (Idem) .
Em relação aos embates com a manutenção das estruturas de trabalho, cita
exemplos comparativos com outros escritórios que também passam por contingências
semelhantes.
As vinculações com outras atividades de trabalho colocadas além dos
compromissos no escritório ainda que sejam maneiras de contornar as dificuldades
financeiras e ultrapassar necessidades de ajustes de ganhos individuais diante das
oscilações das demandas de projeto arquitetônico, respondem muito mais a uma coerência
entre as posturas teóricas, os ideais profissionais e as realizações projetuais. Vale dizer, que
os concursos públicos e o ensino de arquitetura se tornam, para muitos arquitetos desta
geração, práticas de trabalho necessariamente imbricadas e se manifestam como canais
privilegiados de expressão. As possibilidades de realização dos ideais de aprimoramento
técnico constante, fundamentado na reflexão crítica da arquitetura e do contexto histórico
desde os tempos de graduação, passam assim necessariamente pela academia e pelos
concursos públicos, espaços que lhes garantem cabedal reflexivo para a reinvenção
interminável de uma mesma tradição.
É neste sentido e pelos aspectos aqui assinalados que Luciano Margotto Soares
se insere no contexto de indivíduos específicos que compartilham valores éticos e
simbólicos em relação ao seu trabalho ao mesmo tempo em que acolhem os códigos e as
normas de condutas próprias do seu campo de atuação (conforme Bourdieu) e que orientam
e delimitam o seu fazer arquitetônico.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 137
Uma vez que o trabalho ocorre nos espaços da vida cotidiana, embora não
apenas como movimentos de repetição e rotina, mas também de confronto com o inusitado
e o surpreendente, as noções conceituais desenvolvidas por Machado Pais (2003),
investigador da Sociologia do Cotidiano se adequam ao fenômeno aqui estudado. Para ele
(Ibidem, p. 121) a vida cotidiana, ao envolver um conjunto de ações e experiências
vivenciadas pelos indivíduos e grupos sociais no decorrer de suas vidas diárias, constitui
uma instância de investigação desafiadora e instigante na medida em que esconde e ao
mesmo tempo revela os elementos estruturais da organização da sociedade .
A ideia de contextos, tão cara para a sociologia da vida cotidiana e, tal como
posicionada por este autor, possui uma conotação referida ao contexto dos indivíduos,
aquele relacionado às situações de vida e aos padrões de comportamentos e práticas no dia
a dia. Os indivíduos se inserem num contexto de vida e se movimentam nele, uma vez que
conhecem os elementos do meio social e lançam mão de recursos que consideram
necessários e importantes para a sua existência.
O
contexto
dos
indivíduos
se
refere
aos
conhecimentos
comuns
e
compartilhados nas atividades de cotidiano na qual se inserem as práticas de trabalho. “Em
sociologia da vida cotidiana, os contextos dos indivíduos podem (tal como os observamos...)
ser tomados como matéria informante dos contextos analíticos, desde que, à partida, se
demarquem as suas distintas naturezas”. (Ibidem p.122, grifos do autor). Os contextos dos
indivíduos ao expressarem modos específicos de viver contêm normas e referenciais
simbólicos apropriados por eles e que servem de orientação de suas condutas, compatíveis
com as condições, circunstâncias e momentos de vida. As normas referem-se aos sistemas
de significados compartilhados, como regras de um jogo que envolve prêmios e punições.
Direcionam maneiras de agir consolidadas pelo uso e costumes e que estão vinculadas aos
aparelhos ou instituições prescritivas como a família, escola, religião e outras. O fato de que
na vida social esta transmissão contém fluidez e nem sempre é nítida permite uma
variedade de movimentação social na incorporação de valores.
Assim, as condutas e
interações sociais se desenvolvem em torno de alguns códigos compartilhados entre
indivíduos e grupos e o grande desafio da pesquisa sociológica é decifrar estes códigos,
antes mesmo de interpretar comportamentos.
Vale dizer que, ao se relacionar com os elementos contextuais do meio, os
indivíduos reinterpretam ou reelaboram de forma específica as determinações sociais. É
nesse sentido que a vida cotidiana se coloca como um elemento mediador entre as grandes
estruturas sociais (econômicas, políticas, culturais) e as ações individuais e coletivas. As
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 138
relações e interações entre os indivíduos presentes na vida cotidiana são mais do que
simples relações psicológicas. Na perspectiva do autor, as ‘cenas’ do cotidiano nas quais se
situam as relações sociais, são construídas num determinado tempo histórico e são
afetadas pelas forças influentes da sociedade. Nesse sentido existe um contexto social que
funciona como sustentação significativa das interações. Os indivíduos selecionam os
elementos do contexto social que consideram relevantes e seus comportamentos informam
as posições sociais que ocupam e os valores e identificações simbólicas que portam.
Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares
CAPÍTULO 5
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias
e reflexões do trabalho, seus percursos e o seu desenrolar
“O trabalho me inspira e me nutre, assim como o insondável e o etéreo. Não
acredito muito na imagem romântica da inspiração que vem de cima, de improviso,
e chega passivamente. A Inspiração existe, sim, e é um estado alterado de
consciência, o qual se atinge através de muita procura e esforço”. (André Mehmari,
Abraçando a canção, FSP, 2012).
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 139
As mesmas posturas de engajamento colaborativo tão enfaticamente defendidas
por Luciano Margotto Soares como algo necessário e inerente ao processo de trabalho se
revelam presentes nas diversas entrevistas por ele concedidas, quer pela disposição em
atender os apelos desta pesquisa e abrir mão de seus compromissos profissionais ou
intercalá-los para se disponibilizar em muitas horas de conversas, quer pelo seu empenho
em desvendar os interesses analíticos de uma socióloga pelo trabalho arquitetônico, ao
longo de contatos não necessariamente sequenciais e próximos.
O apelo a um olhar para os percursos de elaboração dos três projetos – Capes,
Sebrae e Porto Olímpico -
trouxe revelações exemplares de trabalho tanto no sentido
atribuído por Hannah Arendt (2000) ao homo faber quanto de perícia artesanal - atributo de
artífices atuantes na sociedade contemporânea, como bem coloca Richard Sennett (2009).
Fragmentos das conversas, já assinaladas no capitulo anterior, confirmam
algumas dificuldades típicas do homo faber em se ater reflexivamente sobre suas práticas
de trabalho. Isto porque o fazer já contém um saber-fazer incorporado e inerente que se
imiscui a um conjunto de concepções arquitetônicas e de visão de mundo que vai se
corporificando aos poucos no processo e se apresenta completo nos resultados do trabalho,
como um discurso indissociável da obra criada. Ao mesmo tempo, para expressar suas
ideias em nossas conversas, Luciano Margotto sempre lançou mão de linguagens e
ferramentas próprias do trabalho arquitetônico – imagens e croquis já prontos ou realizados
no momento - evidenciando um habitus profissional de tal forma agregado ao arquiteto que
se manifesta espontânea e naturalmente em outras relações sociais.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 140
Ao ser interpelado sobre o seu trabalho as respostas no geral se remetiam a
uma obra já realizada tomada como suporte de argumentação, ilustrando as colocações de
Segnini (2002) de que os arquitetos fazem longas digressões sobre suas criações e também
sobre os significados da arquitetura, com ênfases diferentes em suas dimensões artísticas,
sociais e técnicas, porém falam pouco em como as criações são realizadas. No caso dos
projetos em questão e atendendo as solicitações para direcionar o tema sobre as práticas
de trabalho, o arquiteto entrevistado disponibilizou um rico acervo de registros pessoais
sobre os processos de projeto através dos quais foi desvendando os processos de sua
elaboração.
O olhar focado na construção de uma ideia arquitetônica revela um movimento
que só aparentemente é linear. A elaboração do projeto arquitetônico, segue as etapas
consensuais próprias deste fazer – Estudo Preliminar, Anteprojeto, Projeto Executivo - com
maior ou menor desdobramento segundo exigências específicas, através de linguagens
gráficas referendadas e difundidas no campo de produção arquitetônica. Ao mesmo tempo
vai concretizando produtos parciais que trazem a ideia, mas escondem o processo. Neles se
corporificam um trabalho que dependendo dos prazos estipulados são extremamente
concentrados, comprimidos em termos de tempo e que exigem esforço, pesquisa e muita
disciplina, portanto, muito labor. Com os suportes do empenho na busca de soluções, as
ideias criativas surgem concomitantemente e, muitas vezes de forma inesperada fora do
local de trabalho e exigem do arquiteto confiança no seu saber-fazer e algumas disposições
emocionais próprias. Como lembra Margotto (14.04.2009), “muitas vezes, diante do desafio
do projeto, fico com a questão não resolvida, mas crio um distanciamento, vou ler poesia ou
outras coisas do tipo...”. Refere-se, ainda, ao fato de adotar alguns preceitos que servem
para orientar atitudes de trabalho: a ideia de rapidez num sentido budista (correr
vagarosamente) o que significa estar atento, mas não entrar no desespero, e outras atitudes
que devem, segundo ele, se manifestar no fazer como posturas (ou concepções) e
tornando-se perceptível no produto acabado, no caso, já amarradas a um discurso
específico. Entre elas: – precisão, visibilidade, consistência, ou, liberdade, generosidade,
austeridade, poesia, enigma1.
A busca de realização de um bom trabalho ou engajamento significativo
transparece ao longo da descrição dos três projetos feitos em parcerias. Como poderá ser
1
Esta conversa inicial não gravada foi realizada num café nas proximidades do então escritório Núcleo de Arquitetura contendo
muitos esboços de ideias feitos nas toalhas de papel da mesa. Em outra ocasião (21 set.2009) apresentou-me todo o material
utilizado na palestra realizada no Chile contendo uma articulação de projetos arquitetônicos dos quais participou como autor
segundo sua representatividade em relação às posturas arquitetônicas aqui assinaladas.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 141
visto, a perícia artesanal dos autores se faz presente através de ajustes de ideias e de suas
representações de tal forma que os movimentos de trabalho só terminam por contingências
externas de prazos e, mesmo assim, cabe a eles reconhecer que o projeto arquitetônico
realizado contém de forma consistente as ideias arquitetônicas imaginadas e atende às
exigências programáticas das demandas. Estas decisões os aproximam de outros fazeres
artesanais na sociedade contemporânea, ainda que trabalhem com materialidades
diversas2.
O ponto final do fazer artístico, assim como em outros fazeres, é decisão
exclusiva de quem a imaginou, inicialmente. Contudo, definir o término de
uma obra constitui o momento crítico quando é avaliada a sua justeza, isto
é, se nada falta. Embora seja impossível prever a chegada de tal momento,
o artista deve ser para Ostrower (1998) ‘capaz de reconhecê-lo; De saber
que sua obra está terminada’ (Idem, p.58) e expô-la aos olhares e ouvidos
externos, configurando-se assim, outro momento do seu fazer. (BLASS,
2009, p. 58).
A escolha dos três projetos arquitetônicos, todos eles vinculados a concursos
públicos, se articula a alguns critérios metodológicos que permitem colocar em relevância
aspectos específicos e ao mesmo tempo comuns, do fazer arquitetônico.
Os projetos CAPES e SEBRAE foram tomados como exemplo do trânsito de
ideias criativas que permitiu a passagem de concepções e partidos de projeto semelhantes
de um trabalho para o outro, trazendo à tona o peso da experiência, conhecimento e a
importância do acervo de referências pessoais dos arquitetos-autores. Além deste critério, o
SEBRAE, pelas características do próprio concurso, exemplifica um processo mais completo
e detalhado de projeto, avançando para além da proposta preliminar até o Anteprojeto3.
No caso do Porto Olímpico, a realização das entrevistas para esta pesquisa
ocorreram logo após o término do projeto arquitetônico, o que tornou possível o acesso a
uma memória próxima e mais fresca sobre as práticas de trabalho e, com isto, a um
detalhamento maior do desenvolvimento do processo produtivo. Há que se ressaltar que
2
Sartre (2012: p. 36-38) ao se referir aos processos de trabalho de Alberto Giacometti diz da atitude de prorrogação infinita do
artista em relação ao término de suas obras: “ [...] Giacometti não está satisfeito. Ele poderia ganhar a partida no mesmo
instante: bastaria decidir que ganhou [...] adia a decisão hora após hora, dia após dia, às vezes durante uma noite de trabalho
está prestes a reconhecer a vitória; de manhã tudo está rompido. [...] A divisibilidade infinita que ele expulsou de sua obra
talvez renasça sem cessar entre ele e sua meta. ‘Quando acabar’, diz, ‘vou escrever ou pintar vou me divertir’ . Mas morrerá
antes de terminar”.
3
É necessário mencionar que saindo vencedores no concurso, os autores (Alvaro Puntoni , Luciano Margotto, João Sodré e
Jonathan Davis) foram contratados pelo SEBRAE, continuando o processo de desenvolvimento do Projeto Executivo e
acompanhamento da construção da obra arquitetônica. Neste capítulo a análise do trabalho arquitetônico é considerada nos
limites do concurso, ou seja, até o Anteprojeto.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 142
Luciano Margotto já havia feito um registro pessoal de algumas etapas o que possibilitou a
disponibilização dos croquis de Marcos Acayaba e do próprio Luciano.
5.1 PROJETO CAPES – BRASÍLIA
5.1.1 O concurso
A CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do
Ministério da Educação-, junto à entidade organizadora IAB/DF-Instituto dos Arquitetos do
Brasil, Departamento do Distrito Federal-, oficializou em 28.11.2006 a divulgação do Edital e
deu início às inscrições para o Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de
Arquitetura para sua nova Sede em Brasília.
De acordo com a então Diretora de Administração o objetivo do concurso era
valorizar a transparência do processo e uma ampla participação dos profissionais da área da
arquitetura na efetivação da obra prevista.
A sede, conforme afirmou Jorge Guimarães, então presidente da CAPES, teria
sua instalação definitiva e seria um marco e representa o reconhecimento da relevância do
papel que a instituição vem desempenhando.
Previa-se que o vencedor daria desenvolvimento ao estudo preliminar em quatro
etapas: Revisões do Estudo Preliminar, Projeto Legal, Projeto Básico e Projeto Executivo. A
área localizada no Setor de Grandes Áreas Norte - SGAN, quadra 601, Lote “J”, em Brasília
– DF, localizada entre a Avenida L-2 Norte e o Setor de Embaixadas Norte, próximo ao
MEC. Possuindo 13.100m² o terreno, continha previsão de construção de cerca de
30.000m², dos quais 13.100m² referem-se aos 100% da Taxa Máxima de Construção
permitida para o lote e os demais à garagem no subsolo.
O Programa de Necessidades tinha visava subsidiar o dimensionamento e a
distribuição dos espaços no Estudo Preliminar de arquitetura, estruturado de forma genérica
para que atendesse a quantificação de funcionários projetada para um horizonte de 10 anos.
O Estudo Preliminar deveria conter: memorial descritivo, plantas de todos os níveis, planta
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 143
de cobertura e implantação, cortes e elevações de todas as fachadas, em conformidade
com as exigências técnicas das Bases do Concurso, das Normas da ABNT, da SGA-Norte
PR-177/1, da NGB 01/96, do Código de Edificações do Distrito Federal.
Os critérios básicos de avaliação considerados pela Comissão Julgadora de
forma proporcional as escalas avaliadas, tanto em relação aos trabalhos selecionados
quanto àqueles laureados com Menções Honrosas foram: objetividade, clareza, atendimento
ao programa de necessidades, às normas do Distrito Federal, qualidade estética, inserção
urbana, construtibilidade e viabilidade da tecnologia e materiais propostos. Além disso, a
forma de apresentação dos trabalhos solicitada pelo edital foi de 4 pranchas A0.
Os arquitetos Tadeu Almeida de Oliveira e Igor Soares Campos como
coordenadores do concurso elegeram cinco arquitetos para fazer parte da comissão
julgadora: Ciro Felice Pirondi, Denise Barcellos Pinheiro Machado, Gustavo Araújo Penna,
Héctor Ernesto Vigliecca Gani e Paulo de Melo Zimbres.
Com um prazo de praticamente dois meses para a realização de propostas no
nível de Estudo Preliminar (28.11.2006 a 23.01.2006) o concurso recebeu 64 trabalhos, dos
quais 59 puderam participar da seleção, uma vez que os outros estavam em desacordo com
as normas previstas no edital.
O julgamento ocorreu em 07.02.2007 na Galeria Athos Bulcão do Teatro
Nacional em Brasília. A apreciação dos trabalhos durou dois dias consecutivos e, entre os
20 pré-selecinados, 10 formam referenciados. As cinco primeiras premiações couberam
respectivamente às propostas dos seguintes arquitetos: Vinicius Hernandes de Andrade (1º);
Paulo Henrique Paranhos (2º); Mário Biselli (3º); Valério Pietraróia (4º); Renato Dal Pian (5º).
Pela
competência
técnica,
acuidade
profissional
e
outras
qualidades
mencionadas pelo júri, foi atribuída menção honrosa aos trabalhos de cinco arquitetos, a
saber: Leonardo Pinto de Oliveira (proposta 03), Marina Milan Acayaba (proposta 05),
Cláudio de Sá Ferreira (proposta 39), Marcos Alexandre Jobim (proposta 51) e Álvaro
Puntoni (proposta 58).
A divulgação do resultado do concurso, juntamente com a exposição dos
trabalhos, aconteceu no dia 09 de fevereiro de 2007.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 144
5.1.2 Pontos de partida e resultados
A primeira parceria entre Álvaro Puntoni e Luciano Margotto ocorreu neste
concurso para a sede do CAPES em Brasilia, no qual foram contemplados com Menção
Honrosa. Aos dois integram-se outros arquitetos – Pablo Posasa, Jonathan Davis e João
Sodré - compondo assim um conjunto de relações sociais necessárias para a elaboração do
Projeto Preliminar previsto em edital. A decisão de participar do concurso, no seu caso,
ocorreu em meio a muitos outros trabalhos em execução no então Núcleo de Arquitetura,
caracterizando uma opção de trabalho excepcional que impunha sobrecargas de atividades
e esforço concentrado. O ponto inicial desta associação ocorreu durante uma festividade de
comemoração da exposição da Maria Antônia, em setembro de 2006 e a maior parte do
desenvolvimento do trabalho foi realizada no espaço do escritório do arquiteto Álvaro
Puntoni.
Os resultados finais contêm uma interpretação particular das especificações
programáticas constantes do edital: “A intenção precípua do partido é concentrar em uma
única construção as duas estruturas solicitadas – a sede da CAPES e garagem com 800
vagas de estacionamento- reduzindo ao mínimo as ações construtivas e, consequentemente
os custos”. (Vide Prancha 1). Do ponto de vista urbanístico, a solução construtiva imaginada
permite a criação de um vazio horizontal como espaço de passagem, “uma superfície de
convergência que amplia o chão da cidade” ao mesmo tempo em que respeita as feições
tipológicas de natureza urbanística preexistentes.
A ideia de construção do vazio se destaca como elemento articulador do
conjunto edificado, configurando uma praça interna, “na forma de um pátio por onde desce a
luz do céu e localizam-se as atividades mais públicas” (Vide Prancha 1). O partido opta,
assim, por criar um nível abaixo da soleira, “integrando verticalmente ao rés do chão, como
térreos multiplicados, iluminados e ventilados pelo espaço livre que os circunscrevem, o que
lhes concede expressão arquitetônica”(Idem), Para as espacialidades dos escritórios, prevêse uma flexibilidade tal que possibilita rearranjos de acordo com possíveis alterações no
organograma institucional. Esta flexibilidade leva em conta os componentes de instalações
prediais e de infra-estrutura. Nos aspectos de sustentabilidade, o projeto contempla planos
d’água para amenizar o clima do cerrado e outros aspectos de eco-eficiência (quebra-sol de
aço-platinável que protegem as faces do conjunto com a finalidade de sombrear o interior).
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 145
Segundo os autores, existe neste projeto arquitetônico, uma estratégia que
transita entre o “abstrato e o figurativo”:
O mote do quebra-sol é o símbolo da Capes, uma figura. A figuração é um
tipo de estilização da realidade, uma forma de arte. A estratégia é trabalhar
dentro das fronteiras entre o abstrato e o figurativo para obter um novo
elemento arquitetônico. Eis que o símbolo se desfigura para converter-se
em textura, abandonando sua natureza representativa. A idéia é estabelecer
uma continuidade entre as duas formas de operar, alcançando ambivalência
entre a linguagem abstrata e figurativa como distinção. A repetição também
é técnica compositiva. Ao final, devem prevalecer idéias arquitetônicas
simples - das linhas de sombra que vibram dentro da forma geral e
produzem uma sensação global de abstração. (Vide Memorial, prancha 1).
A visualização da obra projetada é feita em 4 pranchas através de
representações técnicas normatizadas, linguagens usuais, legitimadas no campo da
arquitetura. São consideradas “como principais recursos para a apresentação de projetos e,
tais recursos, embora tragam uma série de elementos para a leitura do projeto não
proporcionam a devida visualização do seu projeto conceptivo” (SCHENK, 2010, p. 24). No
desenrolar do fazer, parece existir, conforme o autor, um momento de ruptura onde os
desenhos conceptivos são deixados de lado e o projeto passa a ser representado de acordo
com as normas de representação técnica.
Nessa fase, os registros são rigorosamente produzidos respeitando
conceitos geométricos descritivos de representação, estipulados a partir do
regime de projeções ortogonais em épura. Na construção geométrica
descritiva, os pontos identificados no espaço são rebatidos de modo
perpendicular a planos assim também dispostos. Tal artifício projeta
coordenadas de posicionamento do referido ponto –imagens – aos planos
horizontal e vertical da épura e, mediante a identificação de vários pontos
do espaço, é possível elaborar desenhos do tipo planta, corte e fachada. A
atenção que se volta a este tipo de representação concerne ao fato de que,
através desses parâmetros, o projeto guarda uma razão proporcional
perante a realidade física do objeto, permitindo sua pré-visualização.
Para visualizar os movimentos criativos que vão sendo moldados no processo de
trabalho e a atuação dos agentes participantes de um conjunto de relações sociais de
trabalho, há que se retornar aos pontos de partida.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 149
5.1.3 Memórias dos processos de trabalho
Ao se remeter ao Projeto Capes, Luciano Margotto Soares relembra o fato que
todo o principio, em qualquer projeto, se estabelece a partir das relações com o edital e o
programa de necessidades, como um processo de aproximações sucessivas: “umas serão
mais próximas, outras não, e uma hora as coisas se encaixam. Lógico que tem arquiteto que
dá mais valor à idéia genial, de inspiração; tem arquiteto que é mais técnico; tem arquiteto
que tem certeza do que vai fazer e tem arquitetos que começam sempre angustiados”
(MARGOTTO, 2010). Com estas expressões reafirma o fato de que o trabalho aciona
energias voltadas para a busca de ideias criativas e se apresenta como esforço intencional
através de instrumentos e materialidades próprios. A Ao lado do programa, que por si só
exige uma interpretação particular, outros materiais fornecidos como base do edital Capes
exigiram cuidados especiais na medida em que instruíam a compreensão do funcionamento
da instituição.
Relembra, ainda, que já na primeira reunião ocorrida no escritório de Álvaro
Puntoni, levou seus primeiros croquis no seu caderno de desenho. Estava “[...] pensando
em dois volumes, uma base e a possibilidade de fazer o programa assim ou assado [...] e aí
eu já falei que a gente pode fazer um quadrado e de certa forma eu comecei a imaginar a
estrutura já no croqui, “a mesma que eu havia imaginado para o IPHAN e não deu certo”
(Idem). Nesta fase inicial, vêm à tona outros projetos já realizados (considerados como préexistências de trabalho) que de alguma forma trazem ideias e referências para os estudos e
experimentações em questão. “O projeto IPHAN estava localizado em Brasília e era um
terreno muito parecido. Isso vale a pena porque quando você começa a fazer um projeto,
estuda o lugar, as condicionantes, o que é mais forte e diferenciador... No estudo do IPHAN
já tinha a ideia do Lúcio Costa do térreo livre [...]” (Idem).. Menções a esse projeto foram
reiteradas diversas vezes como referência de conhecimentos próprios adquiridos e
incorporados através de outros trabalhos realizados.
Os quatro primeiros croquis apresentados a seguir são considerados por Luciano
Margotto como sua primeira contribuição a equipe, contendo esboços das primeiras ideias,
com implantação em dois volumes de edificações. Ainda que iniciais, os croquis vão
exigindo, como salienta Sckenk (2010, p. 33) esboços sequenciais, “pelo trânsito imposto ao
próprio partido arquitetônico, que a cada instante se remete a novos posicionamentos
situacionais”. E ainda,
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 150
Os croquis [...] mostram-se e ingressam no espaço em regime de
totalidades parciais. Cada croqui pede o seu subsequente: a ideia de
espaço que percorre cada um se esboça antes da elaboração do primeiro e
não cessará ao lançamento do último. O partido arquitetônico se reencontra
entre os croquis, num sentido de tensão e de superação, avançando como
um ser que continuamente se desenvolve. Este movimento, de certo modo,
não se inicia tampouco se esgota.
5.1 - Croqui 1 - CAPES
5. 2 - Croqui 2 – CAPES
5. 3 - Croqui 3 – CAPES
5. 4 - Croqui 4 - CAPES
Ainda relacionada à ideia inicial do projeto em duas edificações, o Croqui 5
mostra um estudo para estrutura e perspectiva. Conforme Margotto, o edifício já estava em
sua cabeça e os croquis ajudaram a concretizar e ver possibilidades.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 151
5.5 - Croqui 5 – CAPES
5.6 - Croqui 6 - CAPES
As ideias evoluem no sentido de uma única edificação que se esboça ainda em
desenho, tal como mostra o croqui 7, considerado como um estudo de implantação de um
único volume. Na sequencia, o croqui 8
contém estudo em corte de terreno, com o
propósito de organizar uma praça elevada. Como lembra Margotto, o terreno é muito
parecido com o do concurso do IPHAN; “o que é muito forte diferenciador, então esses
estudos das questões do IPHAN para mim já tinha a idéia do Lúcio Costa do térreo-livre...”
(MARGOTTO, 2010)4
4
Entrevista cedida pelo Arquiteto Luciano Margotto Soares, a autora em 30 nov.2010.
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 152
5.7- Croqui 7 – CAPES
5.8 - Croqui 8 - CAPES
Relembrando o processo inicial em torno do partido do projeto, Margotto (2010)
afirma ter sido feito através de muitos outros croquis, “com muita alegria, muito café e vários
dias de reunião [...]” e. muito empenho.
Porém, chega uma hora que a gente para de desenhar e começa a
mensurar tudo e, aí, entra o computador. Então já tem o começo de
discussão de níveis, com dimensões mais mensuráveis: 90,7; 92.103, 105,
etc e vamos vendo o que aflora e o que está enterrado. Tem uma cota de
nível e aí, o terreno tem uma inclinação em direção ao lago, de tal forma
que a gente deixou o edifício que aflora nesta parte e a outra parte esse que
é uma espécie de base, uma coisa que está semi-enterrado [...] O térreo é
semi-enterrado, mas é aflorante desse lado e depois, tudo é garagem, 4
andares[...] (Idem)
Em linguagem geometrizada o processo se alterna com o uso do computador e
de desenhos: “existem requintes de desenho, por exemplo, quando comecei a desenhar
este brise que seria uma peça de ferro fundido com o símbolo da CAPES [...] uma
sofisticação, criando um certo módulo inicial que repetidos vão fazendo o desenho do brise”.
“Existe uma partitura nisso que é feita pelo arquiteto”. (Idem).
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 153
No computador, vários estudos vão sendo feitos através do CAD. No início
“começamos a querer lançar a estrutura para ver se as vigas cabiam” num processo que vai
caminhando ainda em desenhos leves – no estudo 2 já iniciam os lançamentos de torres de
circulação, de serviços [...]”. Acompanhando estas declarações, Luciano reconhece aí um
dispêndio de muitas horas de trabalho e uma incorporação de pequenos detalhes já
imaginados em projetos anteriores, “como se a gente tivesse fazendo o estudo de um texto
e aí a gente começa a trazer coisas prontas de alguns lugares[...]”(Idem)..
O estudo 3 desse projeto já contém o lançamento de auditório e serve como
material para longas horas de reuniões de trabalho onde, simultaneamente, ele, Margotto e
Álvaro Puntoni resolvem as decisões cruciais do projeto sem passar ainda para o restante
da equipe.
Considerando, ainda, que se trata de um trabalho cujo produto final é um Projeto
Preliminar, Margotto afirma que, dependendo do caso, os arquitetos (autores) tem condições
de conhecimentos para bancar atrevimentos de concepções e cálculos de estruturas,
elétrica e hidráulica (preliminares) sem ainda conversar com os responsáveis por estes
projetos complementares. “Montamos a estrutura e depois percebemos que era meio
maluca ou atrevida demais: com vãos de 22 metros...”.
No caso deste projeto CAPES, os desenhos, Cad e os croquis de concepção, ao
lado de outros, já formalmente codificados segundo as especificações do edital, foram
evoluindo até o “Estudo 10, onde estava quase tudo pronto, todas as plantas bem
organizadas com as hachuras e tudo o mais[...] muito desenho, 10 plantas e 5 cortes [...]”
(idem). Neste processo, muito material é descartado na medida em que são superados.
Ao lado do desenvolvimento dos estudos, a modelagem eletrônica foi sendo feita
por outro arquiteto da equipe, Jonathas Davis, pelo seu domínio da técnica. O modelo vai
servindo para consolidar os estudos. “Só para completar, paralelamente aos desenhos lá em
2D, estes são os desenhos em 3D [...] os modelos vão sendo feitos e a gente vai dialogando
[...]” (Idem). Mostra muitos arquivos feitos separadamente como testes para os estudos,
contendo, por exemplo, o térreo em 3D, onde pode ser visualizada a profundidade do
buraco do subsolo até outros “gerando algumas vistas”.
Com os elementos apresentados, ainda que dentro da excepcionalidade de um
Estudo Preliminar para Concurso Público, é possível perceber os movimentos de trabalho
no processo de elaboração do projeto arquitetônico como aproximações sucessivas em
torno de uma ideia que aos poucos vai assumindo uma forma mais definida, dimensionada e
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 154
representada em linguagens codificadas. Esclarece-se, também, através dessa memória, o
significado dado por Luciano Margotto em diversas entrevistas ao termo trabalho coletivo.
Ele está se referindo ao processo de trabalho, ou seja, ao conjunto de indivíduos e de
relações sociais envolvidas e portadores de competências e habilidades particulares que se
somam e se integram no projeto final. No entanto, essas competências agregadas, são
coordenadas e constantemente avaliadas através de perícia artesanal, conforme Sennett,
pelo(s) autor(es) da criação.
5.2 PROJETO SEBRAE - BRASÍLIA
5.2.1 O Concurso
O SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas),
juntamente à entidade organizadora IAB/DF (Instituto dos Arquitetos do Brasil,
Departamento do Distrito Federal), oficializou em 14.12.2007 a divulgação do Edital para o
Concurso Público de Anteprojetos de Arquitetura de seu novo Edifício Sede em Brasília.
O objetivo do SEBRAE com este concurso era de dar transparência ao processo
licitatório, além de apresentar melhorias nos espaços públicos pelo somatório de edifícios e
parques escolhidos através de critérios qualitativos e técnicos, conforme observação das
diretrizes da Unesco e da 3º Conferência Nacional das Cidades.
.A área reservada à construção do edifício proveniente do concurso localiza-se
no Setor de Grandes Áreas Sul – SGAS, Quadra 604/605, lotes 30 e 31, em Brasília – DF, é
de fácil acesso e privilegiada em vários aspectos. Possui área de 15.000m², das quais
5.000m² deviam ser obrigatoriamente para subsolo, destinadas exclusivamente a
estacionamento e prumadas de circulação vertical.
O concurso previu um programa de necessidades organizado em setores, por
afinidade e agrupados por: acessos e áreas externas, área administrativa, serviços gerais,
restaurantes, centro de formação e treinamento e áreas técnicas. Devendo os concorrentes
apresentar Memorial Descritivo, acompanhando plantas, cortes, elevações, maquetes e
croquis explicativos, bem como as especificações genéricas dos materiais a empregar e dos
serviços a executar.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 155
Os critérios básicos de avaliação considerados pela Comissão Julgadora nas
duas etapas do Concurso de forma proporcional às escalas avaliadas, tanto em relação aos
trabalhos selecionados quanto àqueles laureados com Menções Honrosas foram:
implantação, programa de necessidades, organização do conjunto, Código de Obras do
Distrito Federal e Normas Gerais, acessibilidade, técnica construtiva, conforto ambiental,
eco eficiência, harmonia e proporção do conjunto arquitetônico e contribuições à tecnologia
e à ecologia.
Definido para se realizar em duas etapas, foi coordenado pelo hoje presidente
do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) arquiteto Haroldo Pinheiro Villar de Queiroz
e teve Carlos Abuchaim Weidle como coordenador adjunto, formou uma comissão julgadora
composta por cinco renomados arquitetos: Andrey Rosenthal Schlee e José Galbinski
indicados pelo SEBRAE e Bruno Ferraz, Sérgio Parada e Tito Livio Frascino indicados pelo
IAB5.
Na primeira etapa os trabalhos deveriam ser entregues entre 01.02.2008 e
06.02.2008, em nível de Estudo Preliminar. 115 concorrentes apresentaram os trabalhos em
6 pranchas formato A3. Após julgamento, o Ato Público com a divulgação dos resultados
deu-se em 11 de fevereiro de 2008 apontando como vencedores respectivamente em 1º, 2º
e 3º lugares, os trabalho dos arquitetos Alvaro Puntoni (009), Claudio Libeskind (050) e
Francisco Spadoni (080), convidados então para continuarem a disputa da 2º Etapa. As
Menções Honrosas do concurso ficaram por conta dos trabalhos dos arquitetos Carlos Dias
Mario Biselli.
Os pareceres em relação aos três vencedores destacam os seguintes
aspectos:
Estudo Preliminar número 009, pela correta implantação do bloco de
edificação no terreno proposto; alta flexibilidade da planta-tipo para o
atendimento das especificidades programáticas; estacionamento em nível
único com clareza dos acessos e facilidade de controle; fluxos internos bem
definidos com marcante implantação dos “castelos de serviços”. O partido
adotado descortina a paisagem para a cidade, com ampla valorização dos
visuais. O sombreamento da área central enriquece a praça de convivência.
5
Com um período de divulgação de um mês e inscrições que deram início em 17 de dezembro de 2007 até 21 de janeiro de
2008, o concurso recebeu 115 trabalhos, 17 unidades da Federação, sendo que cinco foram desclassificados por
inconformidade com o edital restando, portanto 100 concorrentes. O concurso contou com ampla representatividade nacional e
Estado de São Paulo destacou-se pela quantidade de participações (35 trabalhos) seguido do Distrito Federal (23 trabalhos) e
Paraná (14 trabalhos).
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 156
A Comissão Julgadora salienta, ainda, tratar-se de conjunto arquitetônico
com forte apelo institucional. (Ver ata da 1ºEtapa)
Estudo Preliminar número 050, pela implantação diferenciada com criativo
aproveitamento do desnível do terreno. O conteúdo programático foi
resolvido com objetividade permitindo a criação de espaços intermediários
inovadores com qualidades reconhecidas pela Comissão Julgadora. Clareza
do controle de acessos, e potencialidade de criação de estacionamentos
independentes. A valorização dos estacionamentos cobertos sem
transforma-los em espaços secundários é uma reinterpretação programática
de qualidade. Alta valorização dos visuais do Lago do Paranoá. A proposta
contribui para o debate arquitetônico, ao sugerir uma edificação eco
eficiente independente da metáfora verde. (Ver ata da 1ºEtapa)
Estudo Preliminar número 080, pelo partido racional de bloco único com
locação na parte posterior do terreno gerando um grande vazio frontal
definidor do partido, e contribuindo para a sua inserção urbana. Boa solução
programática em atendimento às necessidades funcionais. Acessos de
veículos em níveis corretamente hierarquizados. Acesso público de
pedestre bem definido e transformado em elemento indutor. Sistema
estrutural racional e edificação com caráter institucional bem definido. A
praça central tem escala gregária, adequada ao convívio, e abrigada dos
ventos dominantes. (Ver ata da 1ºEtapa)
Já na segunda etapa, além das 8 pranchas em formato A0 e uma maquete
tridimensional em escala 1:200 os três trabalhos finalistas deveriam fazer uma apresentação
afim de discorrer mais sobre o partido arquitetônico e retirar as dúvidas da comissão
julgadora.
O julgamento para eleger o trabalho finalista deu-se no Salão Buriti do Hotel
Mercure, em Brasília – DF em três dias, sendo que no dia 13 de março de 2008 a comissão
julgadora reuniu-se em uma sessão única para avaliação e classificação dos trabalhos
finalistas. No dia 14 de março de 2008, o julgamento foi dividido em duas sessões: na
primeira analisou-se preliminarmente os projetos, e na segunda ouviu-se através de
apresentações individuais de cerca de 45 minutos as justificativas dos arquitetos. Por fim, no
dia 15 de março de 2008, na primeira sessão para classificação dos trabalhos finalistas,
deu-se o resultado do concurso, servindo a segunda sessão apenas para redação da Ata da
2º Etapa de Julgamento.
A divulgação oficial ocorreu em 17 de março de 2008; o trabalho do arquiteto
Alvaro Puntoni foi classificado em 1º lugar, e para os demais participantes a classificação foi
a mesma da ocorrida na 1ª etapa do concurso. Em relação aos vencedores, a Ata da sessão
de divulgação de resultados destaca os seguintes aspectos:
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 157
Em primeiro lugar, o anteprojeto elaborado sob a responsabilidade do
Arquiteto Álvaro Puntoni, que estabelece com firmeza e elegância a relação
do edifício com o lugar, a correta proporção volumétrica, e reafirma a
presença institucional requerida no programa.
Em segundo lugar, foi classificado o anteprojeto elaborado sob a
responsabilidade do Arquiteto Cláudio Libeskind, que se destacou pela
originalidade e atitude diferenciada quando propõe uma nova tipologia para
edifícios administrativos, e em especial por sua implantação marcante no
contexto urbano.
Em terceiro lugar, foi classificado o anteprojeto elaborado sob a
responsabilidade do Arquiteto Francisco Spadoni, que se destacou pela
correta setorização das atividades principais constantes no Programa de
Necessidades, sem segregar funções, e pela elegante horizontalidade de
seu edifício principal refletido em amplo espelho d´água. (Disponível em:
<http://www.iabdf.org.br/sebrae /index2.htm>. Acesso em: 13 nov.2011).
O Ato público de premiação e assinatura do contrato com o vencedor do
Concurso para o desenvolvimento do Projeto aconteceu em 28.02.2008 juntamente com a
abertura da exposição dos trabalhos concorrentes. Daí até 11 de abril de 2008 houve
a exposição dos trabalhos concorrentes.
5.2.2 Pontos de partidas e resultados
O processo conceptivo do Projeto SEBRAE foi realizado através da mesma
parceria do Projeto CAPES - os arquitetos Álvaro Puntoni e Luciano Margotto Soares, ao
lado dos arquitetos João Sodré e Jonathan Davies. A equipe de apoio foi sendo ampliada ao
longo do tempo, em função das necessidades de detalhamento da segunda etapa do
concurso em nível de Anteprojeto e, sobretudo pela especificidade deste caso, cujo
vencedor foi responsável posteriormente pelo desenvolvimento do Projeto Executivo e
acompanhamento das obras6. Por exigências institucionais só um participante deveria se
6
Sob a denominação de colaboradores constam os seguintes profissionais: Amanda Spadotto, Cristina Tosta, Camila Obniski,
Daniela Pocheto, Fabiana Cyon, Flavio Castro, João Carlos Yamamoto, José Paulo Gouveia, Juliana Braga, Luis Claudio Dias,
Roberta Cevada, André Nunes, Julia Valiengo, Julia Caio, Isabel Nassif, Rafael Murolo, Rafael Neves e Rafael Souza. Os
projetos complementares estiveram à cargo de especialistas conceituados – Jorge Zaven Kurkdijian e Julio Fruchtengarten
responsáveis pela engenharia estrutural; Wang Mou Suong, Ulisses Tavano e Roberto Chendes pelas instalações elétrica e
hidráulica; e diversos outros relacionados aos projetos de Paisagismo, de Eco-Eficência, Circulação Vertical, Automação e
Segurança, além das fotografias de responsabilidade de Leonardo Finotti e Nelson Kon.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 158
inscrever como arquiteto responsável - no caso Álvaro Puntoni -
escondendo assim a
presença de uma parceria que se consolidou com este projeto e tem continuado em outros
trabalhos. Foi um processo de trabalho de longo prazo que se entendeu até a inauguração
da obra e envolveu praticamente dois anos e oito meses.
Desde as primeiras premiações até o termino da obra, foi um projeto bastante
referenciado pela imprensa especializada nos últimos anos, nacional e internacional. Por
exemplo, em matéria específica, assinada por (F.S.), a Revista Projeto/Design (2011, p. 5657, grifos do autor) se refere ao projeto:
A sede do Sebrae em Brasília é um edifício atípico por várias razões. Em
primeiro lugar, mesmo sendo a entidade privada, foi selecionado através de
concurso público realizado em duas fases [...] Se isto não bastasse, o
prédio foi construído com rapidez, a ponto de ser finalizado na mesma
gestão que o encomendou. ‘Quando fomos receber o premio, levamos um
susto: já havia um contrato para o desenvolvimento do projeto’, lembra
Puntoni. Por outro lado, como sinal de potência que os concursos podem
ter, antes mesmo de ser publicado o trabalho teve um reconhecimento
quase instantâneo da crítica especializada: foi um dos vencedores do
prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e escolhido por
André Corrêa do Lago como o mais significativo da década em sua
categoria [...]. De fato, o projeto é intrigante. Como se fizesse uma
homenagem à gênese da capital federal, o desenho parte de elementos
francamente modernos, como pilotis, brise soleil e fachadas abertas x
7
empenas [...] . (Ibidem, 2011, p. 57).
Na mesma ocasião, Rosso (2011), através da revista AU – Arquitetura e
Urbanismo, salienta o fato de que a presença de um térreo multiplicado e a valorização de
uma área pública aberta em continuação a cidade, “como referência aos conceitos de
superquadras brasilienses”, torna Sebrae um edifício instigante “na cidade projetada por
Lucio Costa e Oscar Niemeyer há 51 anos”. Além de mencionar a generosidade do terreno
com vista para o Lago Paranoá, a autora se refere à incorporação do vazio através de praça
integradora como o coração do conjunto arquitetônico.
Como o pátio que, nas palavras do escritor argentino Jorge Luis Borges em
seu poema O Pátio, ‘derrama o céu na casa’. É aqui que se organiza a
distribuição do programa, pátio que traz a luz e canaliza o ar. Enquanto isso,
os espelhos d’água no térreo superior amenizam o clima seco, mantém o
pavimento oxigenado e contribuem para a refrigeração do edifício [...] Entre
brise e vidro, um grande avarandado acessado por portas, garante a
formação de um colchão de ar que refresca os escritórios [...] A área dos
7
Esta matéria faz referências diretas e complementa opiniões já veiculadas na mesma revista Projeto Design,n. 339, maio de
2008 e Projeto Design, n, 371, janeiro de 2011.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 159
escritórios é livre, sem pilares no meio dos pavimentos, admitindo
alterações de arranjos para os espaços quanto para os componentes de
instalações prediais e de infraestrutura, como piso elevado e forro. (Idem, p.
43-45).
A sede do SEBRAE aparece também como um dos projetos de destaque na
Revista En Blanco em seu número recente (2012, n.9) dedicado à arquitetura brasileira
contemporânea, trazendo à luz fragmentos do texto dos autores, constante do memorial do
concurso.
O trecho da poesia de Jorge Luis Borges, mencionada por Rosso (2011), consta
como epígrafe do Memorial da 1ª fase do concurso, sinalizando um partido de projeto que se
define não por um edifício, mas por um conjunto arquitetônico articulado em torno das
seguintes características: “1) ênfase na espacialidade interna, objetivando a integração dos
usuários assim como da paisagem construída e natural; 2) máxima flexibilidade para a
organização dos escritórios; 3) preocupação em se obter ótimo desempenho ambiental e
econômico”. O pátio concebido como espacialidade interior é o vazio de onde brota o
conjunto recebendo as atividades mais públicas:- “ao redor desta praça interna, no térreo
inferior encontra-se o espaço de formação e treinamento, salas multiuso, auditório,
biblioteca e cafeteria, enquanto no térreo superior estão os principais acessos do conjunto,
com varandas abertas à cidade de ao lago” (Idem). As considerações sobre a distribuição do
programa, feitas pelos autores, destacam justamente o caráter articulador da chamada
Praça de Estar, “marcada pela presença do auditório, uma vez que define as espacialidades
das peças edificadas: além do térreo inferior e térreo superioras funções administrativas e o
corpo diretivo estão concentrados nos pavimentos superiores”, enquanto nos pavimentos
inferiores localizam-se a garagem
e atividades administrativas de apoio e manutenção
predial (Idem). Os chamados dois castelos, como uma estrutura periférica, serve para
conectar todos os setores, contendo circulação vertical, infraestruturas e apoios diversos,
propiciando múltiplos acessos e percursos: “escadas, varandas e elevadores coletivos ou
privativos promovem a comunicação entre os diversos espaços. A “circulação incorpora no
desenho do percurso cotidiano o vazio central acentuando sua presença”. (Revista en
Blanco, 2012, n.09 p.-)
Para os autores, a expressão arquitetônica do projeto é definida “por uma obra
organizada e eficiente com redução estratégica das ações construtivas.” Destacam-se o
tratamento das estruturas aparentes “evidenciando-se a plasticidade do aço e concreto” e a
presença dos painéis metálicos quebra-sóis “que garantem a integridade do conjunto”. E,
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 160
ainda, como se apresenta “[...] o edifício contrastará a cor natural dos materiais utilizados, o
branco da estrutura metálica, o azul do céu e o verde da paisagem envoltória” (Idem).
Caracterizam, finalmente, a integração urbana do projeto arquitetônico, nas seguintes
palavras:
O conjunto edificado, com o térreo aberto permitirá visuais alongadas,
sublinhando a possibilidade de extensão do chão público sem comprometer
o gabarito que resguarda o céu de Brasília e que estará presente no grande
espaço central conformado. Finalmente, a delicada curva do castelo de
serviços na face norte, além de ceder parte do terreno para cidade marca a
singularidade desta construção, nem pretensamente palácio nem isolada,
mas superfície convergente e multiplicadora da urbe, sua história, sua vida.
(Idem).
Considerando as características de desenvolvimento em etapas através de
procedimento seletivo progressivo, o processo de trabalho, no caso SEBRAE, possui todos
os elementos que caracterizam o fazer arquitetônico: um conjunto amplo de relações sociais
envolvendo saberes especializados, cujos produtos específicos são incorporados à obra
criada; agentes externos, no caso os componentes da comissão julgadora, que não
participam do trabalho, mas possuem autoridade de interferência em aspectos parciais do
projeto. Os arquitetos autores são responsáveis não só pela concepção criativa,cabendoa
eles a articulação e integração de todos os saberes voltados para um resultado do projeto
que em sua justeza deve conter tudo o que é exigido e imaginado.
A compressão de tempo para a realização deste concurso exigiu um
aguçamento de perícia artesanal em ajustes pontuais de todo o processo, sobretudo no
atendimento dos comentários e exigências dessa Comissão na passagem da primeira para
a segunda fase do concurso.
A Comissão Julgadora, como um interlocutor externo e representante dos
contratantes do projeto arquitetônico, se insere no processo de projeto, ao exigir
aperfeiçoamentos e correções na obra apresentada. No caso, as exigências que constavam
na ata, para a segunda etapa do concurso, foram as seguintes:
•
Atentar para a eficiência das circulações horizontais e verticais;
•
Prever hall de controle do acesso público para os elevadores localizados no
quadrante sudoeste do edifício, no nível 93,50.;
•
Atentar para as normas de segurança dos ambientes, particularmente no
auditório;
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 161
•
Re-estudar a ligação vertical entre os níveis 93,50 e 97,00 , da Praça de Estar,
considerada ineficiente;
•
Integrar de forma adequada e abrigada os diversos ambientes da praça de
estar no nível 93,50
•
Reavaliar a modulação estrutural visando a redução dos vãos livres;
•
Aprofundar as especificações dos materiais aplicados;
•
Definir o sistema de condicionamento de ar e seus ambientes;
•
Justificar a estrutura sobreposta à cobertura vegetal superior;
•
Definir o controle de acesso ao estacionamento no subsolo;
•
Rever tecnicamente os taludes propostos para envolvimento do auditório;
•
Apresentar cálculo de fluxo dos elevadores.
Relembra Margotto (2010) que dos três selecionados, o deles é o que continha
mais itens para serem trabalhados, ou seja, 12 críticas, enquanto em relação aos outros
este número era bem menor. Não entanto, em seu olhar, “consideramos todas as críticas
pertinenentes” por virem de profissionais da área, o que garantia a legitimidade da
Comissão.
Em resposta específica à comissão, os autores detalharam as transformações
do projeto em atendimento as recomendações, agrupando questões e soluções.
Exemplificando algumas destas respostas, em relação à Sala de Estar, conforme Margotto:
Houve acréscimo de um elevador especial para a Praça de Estar,
permitindo acesso desde o subsolo, e as duas escadas anteriores foram
alargadas e reposicionadas para aumentar a eficiência da ligação referida.
A primeira foi desenhada como um recorte na rua de acesso, próxima ao
elevador, de tal modo a permitir que o usuário sempre possa escolher entre
uma opção ou outra. A segunda foi definida junto ao foyer, após circulaçãopasseio sobre o espelho d’água, no eixo de ligação com a cafeteria.
Em relação a estrutura,
A parte da estrutura sobreposta à cobertura vegetal superior foi
simplesmente eliminada. Reconheceu-se que era um exagero do estudo
preliminar. Quanto à modulação estrutural, foi mantida. Na base do conjunto
(subsolo e térreos) não há dúvidas, pois a modulação é usualmente
eficiente e econômica com 9 x 7,5 metros. Nos pavimentos superiores a
solução foi aprimorada para viabilizar vãos de 18 metros livres e permitir
flexibilidade total aos escritórios. Em linhas gerais, adotaram-se treliças em
aço com um pavimento de altura nas faces maiores e pórticos no sentido
transversal. (Idem).
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 162
Em relação ao Talude do Auditório,
Os taludes foram retirados e a solução adotada prevê que o volume do
auditório apareça suavemente sobre o perfil natural do terreno, espécie de
afloramento rochoso, uma pedra que vem à tona e oferece ligeiro
contraponto a curva do “castelo” de serviço marcando o caráter final da
composição. Os esforços para contenção do empuxo de terra foram
eliminados. Ao final, houve aprimoramento da solução técnica, que se
tornou mais simples, e maior clareza na plástica, com forma mais direta e
consoante com o conjunto proposto. (idem).
As oito pranchas apresentadas a seguir, representam o Anteprojeto, já contendo
os projetos complementares e as correções em decorrência das observações críticas da
fase anterior. Constituem o produto final da segunda etapa da seleção, através das quais,
saíram vencedores.
A ênfase na estrutura, como Prancha 1 sinaliza as posturas conceituais,
revelando-se o elemento organizador das espacialidade contidas. Para Margotto, foi de
certa forma, uma subversão na organização exigida de conteúdo. O posicionamento autoral
era justamente considerar a estrutura como arquitetura e, portanto, não tinha porque
aparecer como projeto complementar.
Sob o peso do capital simbólico de profissionais como Jorge Zaven Kurkdjian e
Julio Fruchtengarten, o projeto estrutural é estrategicamente detalhado em textos, cálculos e
ilustrado através de maquetes eletrônicas.
O primeiro elemento de organização do sistema construtivo é a própria
estrutura periférica dupla. As duas empenas estruturais que conformam os
“castelos de serviços” - com circulação vertical, infra-estruturas e apoios
diversos - serão em concreto moldado in loco.
Demais elementos da estrutura seguem modulação de 9.00 x 7.50 metros,
que rege e organiza todos os espaços. Para o subsolo, térreo inferior e
térreo superior optou-se por concreto moldado in loco com lajes protendidas
de 25 cm apoiadas diretamente nos pilares providos de capitéis. Para as
lajes do pavimento térreo superior serão adotadas vigas de 80 cm de altura.
O auditório tem estruturação independente com vigas protendidas
espaçadas 2.50 metros, com 16.50 metros de vão e apoiadas nas paredes
laterais, sem qualquer interferência com a estrutura do subsolo.
Para os dois pavimentos de escritórios optou-se por um sistema de
estrutura em aço. Trata-se de duas treliças longitudinais espaçadas 18
metros entre si e solidarizadas por pórticos transversais com modulação de
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 163
7.5 metros. As treliças são apoiadas a cada 15 metros sobre pilares de
concreto que advém dos níveis inferiores e são vinculadas às empenas. Os
panos de piso foram executados com pré-laje apoiadas em vigas
secundárias e nos pórticos principais distanciados 2.5 metros entre si,
complementadas por laje moldada sobre pré-lajes, formando sistema misto
e solidário.
A interligação entre os dois blocos em nível se faz através de passarelas de
concreto vinculadas às vigas superiores dos castelos por meio de
pendurais.
A estrutura da nuvem é resolvida com duas vigas vagão e vigamento
secundário em aço. As vigas vagão possuem 3.60 metros de altura que
vencem o vão principal de 36 metros e travadas entre si no plano dos
montantes. (MARGOTTO, L., 2010. Mimeo).
As demais pranchas vão apresentando a obra em fachadas e elevações de
modo que o produto final possa ser visto em todas as suas dimensões.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 172
5.2.3 Memórias dos processos de trabalho
Na busca dos registros das memórias do projeto SEBRAE muitos cadernos de
croquis são revisitados e deles emergem desenhos de outros trabalhos como estudos do
projeto da ONG de Paraisópolis e do Teatro de Londrina que foi feito logo após o concurso
CAPES, além de “rabiscos” que o próprio Margotto considera irreconhecíveis, mas que vão
situando espacialidades convergentes em torno de certas posições arquitetônicas que o
lembram um pouco o corte e os espaços da FAUUSP. Reafirma o fato de que suas próprias
concepções arquitetônicas (ou a matriz conceitual, de acordo com a interpelação) já se
manifestam no primeiro passo de qualquer projeto – a leitura interpretativa do programa de
necessidades, ainda que todos os arquitetos tenham que percorrer os mesmos caminhos
para chegar às ações conceptivas constantes do Projeto Preliminar: “não vejo muito a
arquitetura como problemas a serem resolvidos [...] É uma proposta cultural e a própria
proposta é uma provocação, uma contribuição no sentido cultural [...]”. (MARGOTTO, 2010).
No caso desse concurso, por exemplo, existiam solicitações de uma guarita com gradil e
salinhas fechadas para os escritórios e nada disso foi considerado no projeto.
Se, em várias ocasiões existe em Margotto um reconhecimento declarado sobre
a importância do peso da própria experiência e de pesquisa que se tornam conhecimentos
incorporados ao arquiteto, o processo conceptivo do SEBRAE pode ser considerado um
caso exemplar: “estou sempre pesquisando, olhando outros projetos, os projetos que a
gente gosta, ou dos mestres [...] e, de qualquer maneira o projeto sai como algo novo
porque nunca ninguém fez [...]” (Idem). No entanto, esse concurso se torna inusitado pelas
diversas
circunstâncias,
inclusive
locacionais
e
geográficas,
principalmente
pelas
possibilidades de transposições de ideias provenientes de outra experiência própria de
trabalho. Considerando ainda a análise do Programa de Necessidades e do Organograma
Institucional do SEBRAE, as aproximações eram muitas em relação ao projeto CAPES. Já
no estudo 1, antevendo estas relações, os autores reuniram um conjunto de croquis do
projeto anterior e os cotejaram frente às condições do terreno e outras especificidades do
projeto atual. Apesar de pequenas diferenças nas condições do entorno próximo, Margotto
relembra a alegria de Puntoni: “já temos o projeto pronto!” E, começaram a trabalhar a partir
dos diferenciais – o SEBRAE só tinha uma ocupação vizinha e três frentes livres.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 173
Nesse caso, o processo conceptivo já estava, nos aspectos centrais, definido:
Então a gente já tinha o partido, porque era muito semelhante em termos de
programa: tem uma parte do programa que é publico e uma parte do
programa que é administração, escritórios – a empresa. A parte pública,
imaginamos colocar na parte do terreno que inclusive tem o mesmo
caimento, a mesma geografia. Tudo era muito próximo, e ficamos ajustando
apenas as proporções. (Idem, 2010).
5.9 Croqui 1 – SEBRAE
Neste croqui aparece um estudo em corte do terreno com a idéia de se organizar
uma praça elevada. Os seguintes são croquis de perspectivas de estudo de implantação,
dos volumes, croquis para discutir a chegada e recepção do edifício na cidade.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 174
5.10 - Croqui 2– SEBRAE
5.11. Croqui 3– SEBRAE
5.12. Croqui 4 – SEBRAE
É importante destacar que o conjunto dos croquis aqui apresentados representa
o acervo particular de Luciano Margotto. Considerando-se o processo conceptivo em
parceria e uma série de outros elaborados por Álvaro Puntoni eram trazidos às reuniões de
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 175
trabalho. Os croquis de ambos eram balizados à luz das melhores expressões de idéias,
decisões e acordos.
5.13. Croqui 5– SEBRAE
O croqui 5 já representa um estudo para estrutura e perspectiva, sempre
considerando o partido do projeto da CAPES: “O que a gente chama de castelo de serviços,
também tinha naquele projeto só que os dois eram retos. Nele se concentram todos os
serviços e a circulação vertical”(Idem). O que o edital denominava de central de treinamento,
aparece no térreo rebaixado, imaginando-se os auditórios, salas multiuso, espacialidades
articuladas à estruturas aparentes. A ideia do térreo multiplicado “era como se a gente
pudesse fazer a cidade se multiplicar”. “Queríamos que tivesse acesso para os dois lados,
mas a Comissão Julgadora colocou a existência de empecilhos de legislação urbana e,
posteriormente na 2ª fase, excluímos o acesso por baixo e deixamos só o acesso por cima”
(idem).
Menciona, ainda, que os croquis do Alvaro Puntoni buscam equacionar os
escritórios a partir de vãos de 18 metros livres, pensados para serem feitos em aço por ser
um processo construtivo mais rápido e racional e outros croquis que trabalham o pátio
aberto.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 176
5.14. Croqui 6– SEBRAE
5.15. Croqui 7– SEBRAE
5.16. Croqui 8– SEBRAE
Os três croquis anteriores mostram estudos de implantação mais próximo do
final, demostrando preocupação com a implantação e visuais assim como com a estrutura
principal, definidas pelos castelos laterais. Os croquis sempre pedem outros, como
aparecem a seguir.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 177
5.17. Croqui 9– SEBRAE
5.18. Croqui 10– SEBRAE
Finalmente, o último croqui mostra o estudo da perspectiva do projeto e entorno,
evidenciando as relações com a cidade. Como menciona Margotto “existe uma inspiração
talvez da ponte [...]”. (idem)
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 178
5.19 Croqui 11– SEBRAE
No
processo
de
trabalho
para
a
elaboração
do
Estudo
Preliminar,
correspondente à primeira fase do concurso ocorreram principalmente no espaço do
escritório do arquiteto Álvaro Puntoni. Ainda que as principais decisões que acompanharam
o desenvolvimento conceptivo estivessem centralizadas nas mãos de Margotto e Puntoni, a
presença dos outros dois arquitetos foi fundamental enquanto somatória de competências.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 179
Como menciona Margotto, tanto ele quanto Puntoni dominam apenas o desenho em
computador em 2D.
No caso, o Jonathan Davis ficou encarregado pelo desenvolvimento de outras
linguagens digitais, de maquete eletrônica e renderização, o que exige conhecimento
especializado e bastante experiência. Estas transições e sobreposições de croquis e
desenhos feitos no computador envolvem muitas horas de dedicação, sobretudo nos
momentos em que as peças do projeto estão sendo dimensionadas e os estudos de
implantação avaliados.
Nesta primeira etapa do concurso foram entregues 6 pranchas A3, tudo em
branco, conforme especificações formais. Pode-se considerar esta tarefa de elaboração das
pranchas como um momento crucial do trabalho porque devem conter a obra criada em
todas as dimensões de sua expressão (planta, corte, fachada, elevação e especificações
construtivas, perspectivas, etc). Mesmo que a elaboração das pranchas tenha sido feita
apenas por um dos componentes da equipe (no caso o Jonathan Davis), a articulação
compositiva de cada uma delas dependeu de decisões conjuntas. Nas memórias desta
última fase do processo de trabalho, considerando o projeto em nível de Estudo Preliminar,
assim se refere Luciano Margoto: “O concurso era muito organizado, ele já pedia
perspectivas interna e externa, elaboradas à mão ou através de qualquer software - que é a
maquete eletrônica- mas não definiu quantas. Então resolvemos fazer quatro – duas
internas e duas externas”.
5.20 – Maquete SEBRAE
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 180
Tal como ocorre aqui, PERRONE (2005) confirma em sua pesquisa sobre a
importância dos croquis nos processos de projeto de numerosos arquitetos em São Paulo,
que as praticas de trabalho vão sedimentando habilidades ao longo do tempo e que, nesses
arquitetos pesquisados,
[...] houve mudança no modo de se relacionar com o papel. O entendimento
dos dados representados de forma codificada e abstrata foi sendo
trabalhado como um diálogo com o papel, isto é, o desenho registrado volta
à mente que processa a informação e devolve para o papel. Enfim, com a
pratica do desenho, o arquiteto ganha mais liberdade no pensar.
Com a mudança na forma de pensar, os arquitetos começaram a desenhar
menos, mas com maior qualidade. Com o tempo, a agilidade de
pensamento e a habilidade no desenho foram gradativamente
desenvolvidas. Os desenhos foram sendo realizados com maior facilidade e
espontaneidade, tornando-se menores e mais sintéticos e, segundo os
entrevistados passaram a ser realizados com maior nível de controle e
segurança. (Ibidem, p. 622)
Nos desenrolar dos projeto analisados em sua pesquisa, foi verificado o caráter
não linear das aproximações sucessivas na criação do objeto. Os arquitetos em seus
testemunhos e em seus desenhos confirmam essa peculiaridade. Nas palavras de Biselli:
‘eu começo a estudar a mão, depois vou para o computador, num zig-zag [...] eu tenho um
desenho conversando com a máquina’. Ou ainda como explica Telles: ‘Para mim, cada
projeto não tem uma seqüência lógica, ele pula e de repente, pelo fato de você encontrar um
determinado elemento, uma parte do projeto você vai buscar outras, e fazer a ligação’.
(Ibidem, p. 625-626)
Os ajustes ou aproximações sucessivas não ocorrem apenas nas concepções
iniciais, mas está presente de forma constante no decorrer de todo o processo de projeto.
Como já se evidenciou, no caso SEBRAE, a passagem do Projeto Preliminar para o
Anteprojeto, exigiu ajustes de concepção em decorrência das observações críticas da
Comissão Julgadora e a incorporação dos projetos complementares necessários ao produto
desta etapa. As exigências do próprio concurso em termos de padronização dos resultados
constituía, segundo Margotto, um esquema mais rígido de trabalho ao qual tinham que se
submeter. Nas fases seguintes, com o contrato de execução da obra já estabelecido então
diretamente com o SEBRAE, as relações externas foram mais brandas e negociadas,
“algumas coisas eles aceitaram, outras não”. (MARGOTTO, L. 2010).
Na fase do Anteprojeto, foram inseridos nos processos de trabalho os projetos
complementares realizados por especialistas em cada aspecto técnico do projeto. No caso
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 181
do projeto estrutural, os autores discutiram diretamente com Jorge Zaven “a possibilidade de
reduzir o vão de 18 metros para um vão central e dois balanços laterais em razão de 1/5 [...]
no interior do escritório haveria uma economia na ordem de 20% do valor desse trecho da
estrutura [...]” até encontrarem algumas soluções satisfatórias e assim foi sendo incorporado
o trabalho deste calculista (Idem). Muitos outros especialistas foram agregados
sob a
coordenação dos autores, trabalhando no paisagismo, nos modelos e sistemas de
ecoeficiência, nas consultorias de hidráulica e elétrica, etc. ainda que os maiores
detalhamentos tenham ocorrido através dos projetos executivos.
5.3 PROJETO PORTO OLÍMPICO
5.3.1 O concurso
O Município do Rio de Janeiro em conjunto com a entidade organizadora IPP
(Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos), apoiado pelo Comitê Organizador dos
Jogos Olímpicos de 2016, divulgou o Edital para o Concurso Porto Olímpico, visando
selecionar a melhor proposta arquitetônica e de urbanização para as instalações olímpicas e
de seu respectivo entorno localizadas na Região Portuária da cidade do Rio de Janeiro.
O concurso objetiva simultaneamente orientar o legado do evento esportivo dos
Jogos Olímpicos 2016 para o conjunto da cidade, favorecendo a área central da metrópole,
e fortalecer a região suburbano-metropolitana, da qual o centro é o núcleo. Inserido no
Projeto Porto Maravilha, iniciativa que pretende a reconstrução da antiga Área Portuária
carioca, o Porto Olímpico passa a ser importante agente do processo de requalificação
urbana.
O desenvolvimento do projeto na etapa de Estudo Preliminar constitui o objeto
do concurso. O edital prevê que a proposta vencedora terá assegurado contrato para o
desenvolvimento das demais etapas do projeto, previstas com as seguintes denominações:
Anteprojeto, Projeto Legal, Projeto Executivo de Arquitetura, Urbanização e Paisagismo,
bem como a coordenação dos Projetos Complementares.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 182
Para a implantação do Concurso Porto Olímpico foram indicadas duas áreas
designadas por sua posição em relação à Avenida Francisco Bicalho, Terreno Leste e
Terreno Oeste, o primeiro formado por um único lote e conhecido por Praia Formosa e o
segundo formado pelos imóveis que compõem uma quadra entre as Avenidas Francisco
Bicalho e Pedro II.
Preve-se um programa de necessidades considerando instalações de interesse
olímpico como: - Vilas da Mídia onde abrigará jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas de todo
o mundo que virão cobrir o evento; - Vila dos Árbitros: residências para árbitros, oficiais
técnicos e organizadores do evento, grupo também multinacional responsável pela
realização e validação dos resultados das competições e - setores operacionais. Será
planejado para, após o compromisso inicial, moradias, comércio e serviços, áreas verdes e
de lazer atraírem visitantes e novos habitantes para a Área Central. Reforçará o plano um
conjunto turístico com Hotel e Centro de Exposições/ Convenções que deverão abrigar
atividades temporárias, tais como setores operacionais e administrativos das entidades
organizadoras,
o
Centro
de
Mídia
Não
Cadastrada;
o
Centro Operacional
de
Tecnologia/TOC; o Centro Principal de Operações/ MOC; o Centro principal de
Credenciamento / MAC; o Centro de Credenciamento e Distribuição de Uniformes/ UAC.
O concurso foi coordenado pela arquiteta Norma Maron Taulois que foi indicada
pelo IAB-RJ e teve nove arquitetos como membros da comissão julgadora, sendo quatro
deles indicados pela Promotora: Gisele Raymundo, indicação da CDURP; Miriam D’Avila
Cavalcanti, indicação do MRJ/IPP; Washington Fajardo, indicação do MRJ/SUB-PC e
Gustavo Nascimento, indicação do Comitê Organizador Rio 2016. Além de outros cinco
indicados pela entidade Organizadora: Ivan Mizoguchi, Alder Catunda, Marcio Tomassini,
Ricardo Villar e Sergio Magalhães.
Na Ata de Julgamento do concurso as seleções foram justificadas pela adoção dos
seguintes parâmetros: busca pelas melhores qualidades espaciais, avaliando-se a inserção
dos projetos no contexto urbanístico e sua capacidade de influenciar a criação de novas
referências para a ocupação urbana, entendendo também que tais qualidades precisam
estar em simbiose com a viabilidade construtiva e econômica do conjunto do
empreendimento. Especial atenção foi dada à análise dos fundamentos técnicos envolvidos
bem como ao atendimento dos requisitos de aproveitamento da área, tais como requeridos
pelo Projeto Porto Maravilha. O período de julgamento ocorreu entre 29 de janeiro à 06 de
fevereiro de 2010 e a divulgação dos resultados só ocorreu praticamente 4 meses e meio
depois em 28.06.2010. Os resultados contemplaram a seguinte classificação: em primeiro
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 183
lugar, a proposta 219, de autoria do arquiteto João Pedro Backheuser, portanto, vencedora
do concurso. As propostas de Roberto C. dos Santos Filho (239), Francisco Spadoni (222) e
Jorge Jauregui (204) ficaram em 2º, 3º e 4º lugares respectivamente. A comissão julgadora
decidiu ainda dar duas menções honrosas aos trabalhos dos arquitetos Daniel de Barros
Gusmão e Eduardo Campos da Paz Mondolfo. Conforme Ata disponívem em:
http://concursoportoolimpico.com.br/>:
1º Lugar: A proposta estimula o desenvolvimento de novas possibilidades para a
área, apresentando alta qualidade nas articulações intra locais e delas com o
contexto, contribuindo para a contaminação positiva do ambiente urbano e a
promoção de novos elementos espaciais arquitetônicos. O projeto estabelece um
marco referencial forte na paisagem em sintonia com a criação de espaço público
de grande interesse paisagístico e ambiental. Tem bom aproveitamento do
potencial construtivo proposto para o setor. Apresenta grande elegância e beleza
plástica, integrando os espaços públicos, à torre do Hotel e aos edifícios
corporativos. Destaca-se, também, a boa articulação entre esses elementos e o
Centro de Convenções. O setor leste apresenta um conjunto de volumes bem
equilibrados, um bom mix de usos, respeito ao traçado viário proposto pelo projeto
de alinhamento, e grande facilidade de se ajustar às necessidades do
empreendimento.
2º Lugar: O projeto é dotado de grande força espacial no seu lado leste. Destacase a tipologia urbana representada pelas torres sobre malha contínua conferindo
grande qualidade aos espaços públicos projetados, além da criação de uma
centralidade própria. Boa solução para os fundos dos lotes da Rua Pedro Alves
evitando áreas de insegurança, e interessante proposta de reutilização de galpão
existente. A malha viária proposta apresenta dificuldade de conexão com o
entorno, provocando certo isolamento da área. No lado oeste, boa resolução do
programa do Centro de Convenções, Hotel e edifícios corporativos criando
diversidade de acesso por meio das vias circundantes, embora não apresente
elemento marcante que sirva de referência para o conjunto edificado.
3º Lugar: O projeto apresenta solução bastante equilibrada e elegante nos dois
setores, contemplando todo o programa. O conjunto Centro de Convenções, Hotel
e Torre Corporativa apresenta elemento que funciona como marco significativo na
paisagem. A praça de acesso ao conjunto faz cm que ele se afaste do eixo viário
da Av. Francisco Bicalho e permite sua melhor fruição por quem atravessa a área.
No lado leste, a manutenção da ligação norte sul, confere permeabilidade ao lote,
criando uma extensa área verde central de uso público, onde lazer, comércio e
habitação interagem, elemento pouco explorado nos outros projetos. Destaca-se
a boa solução para as garagens no embasamento, com aproveitamento da área
da laje de cobertura como pavimento de uso comum das edificações .
4 Lugar: O trabalho apresenta boa solução de desenho urbano para o terreno
Leste, cujas quadras destacam-se pelo equilíbrioharmônico entre continuum
edificado, torres de habitação, espaços públicos e espaços intra-quadra.
Apresenta interessante eixo visual que evidencia a torre do hotel no terreno Oeste
e a praça n interior do terreno. A solução apresentada para o terreno Oeste
destaca-se pela força arquitetônica da torre hoteleira, cuja corpo tripartido é boa
resposta à inserção na paisagem de edificações em altura, e pela boa distribuição
espacial desta com o centro de convenções, configurando o encontro da Francisco
Bicalho com a Pedro II como praça pública e área de amortecimento e de
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 184
acolhimento. Destaca-se no centro de convenções o tratamento do auditório como
teatro, ampliando possibilidade de usos culturais no conjunto. As soluções das
unidades habitacionais são criativas, necessitando, entretando ao uso olímpico e
À economicidade.
No entanto, o Ato Público de premiação e assinatura do contrato com o vencedor
do Concurso, ainda não pode ser realizado pois os concorrentes entraram com um recurso
jurídico questionando a idoneidade ética dos resultados. Assim, aguardam-se as decisões
judiciais para continuidade do processo.
5.3.2 Pontos de partidas e resultados
Reafirmando que as associações específicas entre arquitetos constitui uma
prática usual nos concursos públicos, os escritórios de arquitetura de Luciano Margotto,
Álvaro Puntoni, Marcos Acayaba e Claudio Libeskind8 se associaram para realizar o Estudo
Preliminar proposto em edital para o Porto Olímpico no Rio de Janeiro e trouxeram consigo
para compor a equipe alguns outros profissionais desses escritórios. O conjunto de
profissionais assim reunidos ajustam competências técnicas que se complementam,
circulando nos primeiros passos, em torno de Acayaba, Margotto e Puntoni, ainda que
somente este último apareça oficialmente como autor responsável pela proposta9. O
escritório Libeskind contribui em aspectos técnicos fundamentais como a elaboração de
diagramas de eficiência e algumas soluções integradas de estacionamentos e outras
competências específicas que incorporadas se destacam: consultoria estrutural de Zaven
Kurkdjian; perspectivas de André Procópio e maquete física de Gustavo Delonero e
Henrique Tewinkel.
Visualiza-se uma configuração coletiva de trabalho ou um conjunto de relações
sociais coordenada pela figura do(s) arquiteto(s), aí ajustada às exigências temporais de um
concurso público de ideias. A obra concebida e expressa nas linguagens legitimadas e
8
O arquiteto Claudio Libeskind havia sido concorrente de Luciano Margotto e Álvaro Puntoni no Concurso Nacional do
SEBRAE. Este fato é um exemplo expressivo da volatilidade das parcerias alargadas, mencionadas no capítulo 4.
9
A equipe composta de 15 elementos reuniu alguns profissionais já afinados como o arquiteto João Sodré e inclusive, um
estagiário atualmente funcionário no escritório República e na época, estudante da FAUMACKENZIE - Gustavo Delonero.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 185
apresentadas em seis pranchas atende às exigências programáticas do concurso e
corporificam um discurso arquitetônico sinteticamente reiterado no Memorial da Prancha 1.
Segundo este memorial, a proposta considera o duplo desafio lançado pelo
concurso: a proposição de uma “solução urbanística adequada a um programa de caráter
internacional” e, concomitantemente, “a estruturação da vida urbana após o evento,
privilegiando a população da cidade”. Na conciliação destas duas escalas consideradas
pelos autores do projeto como problemas distintos e que se entrosam, propõe-se como ideia
principal, ofertar no local onde se implantará o Porto Olímpico, “um espaço generoso e
aberto à urbe, facilmente usufruído, articulado tanto com a nova estrutura urbana como com
os elementos pré-existentes”. Ou seja, projetar um conjunto não de objetos autônomos, mas
articulados entre sí e pensados como elementos que se agregam a uma experiência urbana
que por sua natureza é coletiva. Outro fundamento da proposta é que o conjunto projetado
não deve fragmentar o tecido urbano. Pelo contrário, “agrega e regenera o espaço da
existência coletiva e da urbanidade”, pois que pensado como a construção de uma parte da
cidade representa “uma ação fundamental para edificação da sociedade e de sua cultura
como um fazer coletivo”. Assim dizendo, a articulação entre o conjunto de edifícios
projetados e o tecido da cidade contém a ideia precípua de que existe um elo indissociável
“entre a dimensão arquitetônica e o papel social e urbano do patrimônio edificado” ou uma
“trama capaz de urdir a urbanidade”. Por isso, ao contrário de se apropriar de lotes
dissociados que foram oferecidos e da distribuição sugerida de programa, a proposta se
articula em uma área única e inteira, entremeada pelo Canal Mangue:- “os acontecimentos
deverão ser homogêneos em ambos os lados – habitação e serviços em toda superfície,
como um conjunto íntegro, como uma cidade desejada”. A apreensão do conjunto pelos
usuários se abre pelas possibilidades que se oferecem a ele de construir livremente seus
percursos, entre espaços e atividades. (Vide Memorial Prancha 1)
Outro preceito aí presente é aquele ao qual Margotto se refere como –
generosidade urbana – no caso, a centralidade da habitação circundada de amplos espaços
públicos e interligada às atividades e eventos urbanos diversos. Articulado aos edifícios
residenciais propõe-se um sistema térreo autônomo de lojas e toda sorte de utilidades, “com
passeio coberto em seguimento, [...] mas quebrado por sucessivas mudanças de rumo,
criando-se assim pátios, praças, pontos de encontro e áreas de recreio para crianças com o
objetivo de proporcionar a confluência em vez da dispersão”. O edifício híbrido oferece
destaque para a vida cotidiana; “trata-se de um elemento que marca a paisagem urbana,
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 186
organiza o território, confere caráter ao conjunto, mas que se desfaz pela serenidade que
marca sua existência”. (Idem)
Apoiada na opção por estacionamentos subterrâneos, a força do projeto
converge para as torres habitacionais que proporcionam uma ocupação adensada, pela
permissividade de altos gabaritos na maior parte da área.
Existe a oferta de “9 828
unidades de dormitórios em nove torres a serem agregadas às outras 965 unidades do hotel
3 estrelas, do apart-hotel e do hotel temporário”. “A estrutura do edifício é extremamente
simples e geométrica, definida pelas paredes estruturais que conformam os módulos
espaciais das unidades habitacionais”. Incorpora a ideia de unidades de vizinhança,
articuladas verticalmente em cada edificação, com praças intermediárias a cada seis
pavimentos contendo amenidades urbanas de cotidiano. “Trata-se de uma construção
austera, marcada pelas ações construtivas que se adicionam e permitem uma execução
ágil, e que conferem no final um caráter único e expressivo aos edifícios”.
Como outro elemento articulador do tecido urbano, a proposta contempla
alterações nas hierarquias de circulação de tal modo que se possam criar relações mais
nítidas com a Quinta da Boa Vista e Cidade do Samba - “por meio de um novo eixo viário
a ser agregado ao traçado original do Porto Maravilha” e, ao mesmo tempo, a retirada do
viaduto no cruzamento do canal do mangue. “Um novo traçado viário em nível da cidade
absorve o trânsito local e resolve sua distribuição sem o esforço de viadutos, promovendo
uma espécie de revascularização do tecido envelhecido” (Idem).
Nas seis pranchas do concurso, apresentadas à seguir, revela-se o produto final
e fragmentos ou sinais de etapas parciais do processo de trabalho. A Prancha 1, por
exemplo, contém um croqui de caráter demonstrativo, feito por Marcos Acayaba a partir de
maquete eletrônica, sinalizando a incorporação do desenho, como uma saber fazer e como
habitus valorizado no campo da arquitetura. A prancha 3 apresenta fotos em diversos
ângulos da maquete física final do projeto, elaborada através de um longo processo. No
conjunto, todas elas deixam antever produtos específicos feitos com instrumentos diferentes
e combinados. Se as características da obra em todos os seus aspectos estão aí
representadas, os movimentos de criação da ideia arquitetônica permanecem ocultos.
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 193
5.3.3 Memórias dos percursos de trabalho
Os momentos iniciais da criação são sempre difíceis de virem na memória. A
primeira lembrança de Margotto a respeito do fazer o projeto Porto Olímpico remete mais a
um contexto de relação entre os autores ou com o conjunto da equipe do que propriamente
a uma ideia: “é um momento muito estimulante, todo mundo junto, ouvindo música,
bebendo, ficando aqui no escritório até 10 horas da noite ou até 1 ou 2 horas da
madrugada”. (MARGOTTO, 2011)
Ao mesmo tempo, se refere ao fato comum em todos os projetos arquitetônicos,
inclusive os projetos anteriores apresentados neste capítulo, de que as primeiras ideias vão
ganhando forma através de relações concomitantes entre croquis e desenhos no
computador. “A gente não desenha mais nada sozinho, você não faz mais a perspectiva à
mão com um ponto de fuga. O sujeito que modela está junto com a gente, é ainda aluno e é
ele que vai por assim dizer sendo o veiculo daquela concepção” (Idem). E, ainda, “tem que
haver uma comunhão muito grande porque você está pensando e alguém está produzindo o
que você está pensando, como se fosse você [...] então no fundo você não está sozinho – a
pessoa que manipula a máquina também está pensando”. (Idem)
No âmbito de outro trabalho encaminhado pelos mesmos autores no espaço do
escritório República, de Luciano Margotto, despontam inesperadamente as primeiras ideias
para o concurso do Porto Olímpico, entremeadas por várias referências de projetos
anteriores próprios ou de arquitetos por eles valorizados10: “começamos a imaginar um
edifício Vila e umas torres que o Oscar Niemayer já fez; o próprio Acayaba já fez [...]”. E,
neste processo se lançam mão de recursos improvisados e materiais diversos: “a gente
começou a imaginar uma planta circular e as moedinhas que serviram para a gente medir,
começar a aproximar a escala do que seriam os edifícios residenciais em relação ao
contento urbano” (Idem). As ideias, surgem assim, primeiro na cabeça, antes de serem
postas no papel. Falar aqui sobre os projetos referenciais
A foto 1 deixa em evidência, pelos instrumentos de trabalho distribuídos na
mesa, o trânsito das ideias iniciais entre desenhos e croquis e, neste caso, o experimento
inicial de implantação com uma forma de simulação de maquete improvisada. A foto 3 é um
exemplo de diversos croquis iniciais que vão dialogando com as aproximações em maquete.
10
Várias referencias arquitetônicas trouxeram sugestões criativas:
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 194
5.21 – Arquitetos Álvaro Puntoni, Marcos Acayaba e João Sodré:
primeiros estudos de implantação na escala 1:5000.
5.22 –Detalhe das experimentações.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 195
5.23 –Exemplo de croquis iniciais ( Luciano Margotto)
Muitos outros croquis também foram feitos por Álvaro Puntoni, Marcos Acayaba
e discutidos em conjunto. Eram tantas ideias e croquis que, em determinado momento,
usaram um projetor de slides para que pudessem ser visualizados na parede por todos, em
sequencias ou em conjunto de forma a ordenar as discussões e decisões.
Na sequencia do trabalho, a maquete de papel surge como uma evolução quase
que obrigatória e é articulada com muita habilidade por Acayaba, denotando um saber fazer
acumulado e muita experiência profissional. Revela provavelmente uma forma de expressão
de uma geração mais antiga de arquitetos e hoje, praticamente pouco usada nos trabalhos
profissionais. Como lembra Paulo Mendes da Rocha (2007, p. 58), a maquete pode ser
simples “mas está realizando uma coisa que você quer ver. O diâmetro certo, a altura certa,
a escala humana”. E, ainda,
Esses modelinhos tem um sentido muito importante, o de conter uma
sabedoria. Tem um sabor extraordinário, essa é a palavra justa. Porque eles
prescindem de uma cenografia: arvorezinha, bonequinho, carrinho, uma
verdadeira esparrela. O que queremos aqui é a maquete límpida, nua e
crua. Aquela que você faz sozinho, como quem toma nota das coisas
pensadas. Na confecção dessas maquetes, você vê o tamanho das coisas,
a sua proporção, vê as transparências. (Idem, p. 59, grifos do autor)
Margotto relembra o entusiasmo deste momento - “olhando para as moedas a
gente pensou: que altura vai ter isto? E no dia seguinte já estávamos cortando papelzinho
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 196
sulfite e o Marcos incentivando: olha, este aqui está bom... aquele alí vai ficar ótimo!”
(Margotto, 2011).
Acayaba talvez seja o arquiteto que tenha pontuado de forma mais precisa o
significado das maquetes usadas nos processos conceptivos com ideias que se concretizam
nas práticas de trabalho, como pode ser visto no projeto em questão. Na entrevista
concedida em 2008 à Revista Fresta, ao estabelecer a distinção entre modelo - maquete
feita nas fases conceptivas do projeto e maquete de ilustração, adiciona uma reflexão
importante. No primeiro sentido, a maquete surge como um instrumento de trabalho que é
construído pelo arquiteto no próprio processo de trabalho ou dependendo de sua
complexidade, encomendado a outrem. Como afirma, é um modelo que permite avaliar e
ajustar o projeto que está na mente ou já em croquis, durante o próprio processo de sua
elaboração.
Criar os instrumentos. No nosso caso, a maquete da estrutura de madeira
da casa protótipo que fizemos para a Bienal de São Paulo foi muito
importante como modelo. O instrumento que nós usamos para aferir e
corrigir o projeto é o modelo. É diferente de maquete. Artigas fazia questão
de não falar em maquete jamais, de falar sempre modelo. Maquete tem a
ver com a aparência externa, é alguma coisa que você vai apresentar para
o cliente ver como vai se parecer o edifício. Modelo é um instrumento
necessário para ajudar você na concepção e na aferição do projeto.
O processo de produção do modelo teve a ver com o sistema de produção
11
da obra, foi uma primeira aferição . Então quando fazemos modelos como
instrumento de aferição de projeto eles nem sempre vão ser os mesmos.
Você vai adequa-los ao caso que está enfrentando.
Acho que é isto que Renzo Piano está querendo dizer. Eu vejo imagens nos
livros e publicações de grandes peças feitas no próprio escritório dele, de
ensaios de peças pre-moldadas. Elas vão testar as questões para as quais
são concebidas, como aqueles brises para galerias de arte em museus que
ele tem feito, onde a questão é da reflexão e do controle da luz. Você só faz
isso com modelo. Isso é um instrumento que nós temos que ter para a
criação. (ACAYABA, 2008, p.5, grifos do autor)
Com sobreposição de representações – o mapa da escala urbana, e a maquete de
papel sobre croqui em papel manteiga – as ideias iniciais vão ganhando corpo. A
Figura 5.23 ilustra uma primeira possibilidade de aproximação entre volumes e
programas. O estudo realizado com as edificações residenciais em apenas uma
metade da área apresenta o pavilhão de exposições e o hotel com entrada frontal
11
Refere-se aqui o modelo da Bienal que encomendou para o engenheiro Helio Olga porque exigia instrumentos de corte
gabaritados para cortar perfis hexagonais.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 197
livre de edificações. Pode-se visualizar aí a intenção que acompanha toda a
elaboração do projeto, de se conectar os lotes por uma passarela a fim de integrar
os programas e usos. As fotos seguintes mostram outras possibilidades de
implantação sendo experimentadas:
5.23 – Primeiro estudo -maquete de papel sobre croqui. Escala 1:5000.
5.24 – Outro ângulo do mesmo estudo
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 198
5.25 – Estudo 2 -torre residencial em frente ao pavilhão
5.26 –Estudo 3 - duas torres em frente ao pavilhão e mais área residencial.
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 199
5.27 –Outro ângulo do mesmo estudo
A consolidação paulatina da ideia das torres habitacionais vai exigindo uma
sequencia inumerável de estudos com geometrização e cálculos: “então as torres
habitacionais que para a gente era a coisa mais importante, ganharam aqui um destaque –
são 15º metros de altura e 10.000 unidades, tem a altura do Parque Guinle, tem a altura da
superquadra de Brasília a cada seis andares” (MARGOTTO, 2011). Como proposta esta
ideia parecia ser bastante inusitada, porém Margotto lembra o fato de que não era nenhuma
novidade pois o Oscar Niemayer, o Marcos Acayaba e, mesmo, Álvaro Puntoni, já haviam
feito.
Ao lado das modelagens no computador, se articulam novos croquis, com estudo
e geometrização da implantação (croqui 2) e, o seguinte (croqui 3) com experimentação
entre os volumes e programa, já com cálculo de taxa de ocupação e aproximação das
exigências do edital.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 200
5.28 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.28 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Os croquis 5.27
e 5.28 mostram,
respectivamente uma experimentação,
geometrização e organização das áreas livres em estudo e, aproximação da planta
do edifício residencial em forma de “C” com diferentes orientações para a cidade do
Rio de Janeiro. Pode-se notar o hotel e o pavilhão trabalhados em diferentes alturas.
O croqui 6 destaca o centro do pavilhão de exposições e edifícios residenciais em
escala e medidas.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 201
5.29 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.30 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.31 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 202
O processo conceptivo avança de forma não linear, exigindo instrumentos
diversos, inumeráveis croquis, desenhos digitais, etc. e muitas horas de esforço e
dedicação. Em certas circunstâncias, o trabalho continua fora do escritório e algumas ideias
criativas surgem de forma inesperada, como no evento relatado divertidamente por Margotto
(Idem): E aí, um belo dia, a gente foi tomar café, caiu um pé d’água e ficamos presos horas
no boteco embaixo do Edifício Itália com o projeto na cabeça e discutindo [...] Na volta ao
escritório sentamos em volta da maquete e mudamos a base – é a 3ª fase da maquete e ela
foi assumindo mais corpo”. É importante observar, tal como aparece na Figura 5.32, que a
maquete avança para o estudo de um volume conector que interliga os dois lotes e abriga
diferentes programas e usos ao longo de sua implantação. Embora com a base mudada,
pode-se perceber que os mesmos volumes utilizados na maquete anterior continuam a ser
utilizados para as experimentações desse momento.
o
5.32 – Maquete de estudo PORTO OLÍMPICO
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 203
Em relação ao detalhamento de estudos da peça que funciona como conector,
os croquis 5.32 e 5.33 apresentam este elemento que se estrutura para abrigar programas e
organizar a implantação entre os edifícios e áreas verdes. Observa-se a aproximação com o
programa e estudos em corte. Para se chegar neste ponto um processo intenso de
discussões se realizou. Algumas falas do Luciano, mencionando a equipe, relembram estes
momentos: “pintei muito à mão [...] , o Sodré trouxe muitos projetos para a gente ver [...] o
Álvaro argumentando e o Acayaba falando sobre a proporção, já estava feliz porque estava
saindo uma coisa boa [...]” (MARGOTTO, idem) A ideia de uma plataforma de integração
surge a partir das reflexões sobre diversos projetos de Steven Holl trazidos por Alvaro
Puntoni “no momento em que estávamos muito angustiados com a resolução do chão”
(Idem). Por isto mesmo, como sempre enfatiza Margotto, “eu não gosto do novo, da palavra
‘novo’, porque na verdade existe uma revisitação, resgates de memórias próprias e dos
outros”. (idem) A revisitação de projetos referenciais pinça, segundo Puntoni, elementos que
fazem parte da identidade profissional do próprio arquiteto. Indagado recentemente sobre o
peso da escola paulista em sua formação, assim responde:
Sim, no início vinha mais da obra do Artigas, mas depois fomos conhecendo
também outras manifestações, como Reidy, Lelé e o Oscar Niemeyer, que
perpassa tudo isso. Queríamos saber como era possível fazer aquele tipo
de arquitetura com tão poucos recursos. E entendemos que, para realizar
uma obra correta, seria preciso caminhar dentro de um regime de
austeridade, usar corretamente os materiais e obter a precisão na
construção. Costumamos dizer que nossa arquitetura pressupõe poucas
ações construtivas, mas que têm de ser muito precisas. Não podemos errar
porque um passo errado - e isso já aconteceu algumas vezes, é óbvio -,
pode comprometer toda a obra. Então, esse negócio de sucesso
profissional é mais decorrente de um trabalho duro e criterioso do que de
um talento excepcional. (PUNTONI, 2012)
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 204
5.32 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.33 – Croqui PORTO OLÍMPICO
De uma numerosa sequência, 13 croquis são apresentados a seguir.
Configuram-se diferentes estudos em relação à peça conectora e posicionamento de
implantação. Servem para ilustrar, não apenas as possibilidades de transformação de
ideias, mas, sobretudo, a quantidade de incorporação de trabalho no sentido de energia
posta em movimento, envolvendo aplicações de conhecimentos técnicos incorporados que
vão se materializando, às vezes, aceleradamente no processo conceptivo do projeto, como
bem situa DAHER (1987, p. 95).
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 205
Sabemos que na cumplicidade da imaginação com a mão que corre no
papel manteiga há um momento específico do pensamento. As formas
iniciais surgem tateantes, o esboço fica mais forte quando o arquiteto
escreve pequenos números, imprime no desenho indicações sobre a
escala, as proporções daqueles rabiscos misteriosos. Minto: misteriosos
para o leigo, porque para o autor são sinais que estavam apenas
adormecidos à espera da sua hora. Assim parece quando o arquiteto
consegue retira-los do silêncio, num processo tranquilo, ou sofrido ou
prazeroso.
Nas lembranças de Margotto, estes momentos do projeto exigiram esforços
concentrados e combinação, num processo de simultaneidade e convergência, de uma
enorme quantidade de tarefas diferentes realizadas pelos vários elementos da equipe: “[...] e
e aí tem um menino modelando no computador e, ao mesmo tempo, o Acayaba
enlouquecendo de resolver a estrutura, que ficou linda, com a questão de como vencer o
vão enorme da praça [...]”. (Margotto, Idem).
5.34 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.35 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 206
5.36 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.37 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.38 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.39 – Croqui PORTO OLÍMPICO
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5.40 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.41 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.42 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.43 – Croqui PORTO OLÍMPICO
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 208
5.44 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.45 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.46 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Mesmo no âmbito de Projeto Preliminar, vários saberes externos são
incorporados ao trabalho, como consultorias específicas. No caso do Projeto Porto Olímpico,
como informa Margotto, Jorge Zaven Kurkdjian, foi o único consultor externo. Refere-se às
relações satisfatórias entre os três e Zaven sobre questões cruciais de estrutura, cujos
posicionamentos mais relevantes e estratégicos foram levados em conta e agregados ao
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 209
projeto. Por exemplo, cada andar das torres habitacionais possui 11 apartamentos de 2 e 3
dormitórios e aberturas com guarda-corpo de 1.30m. “Então ele falava que em relação às
esquadrias, era muito importante que ficassem muito íntegras, que elas viessem até o chão
e aí ele chamou uns caras de elevadores para calcular os fluxos e quantos elevadores
seriam precisos” (Margotto, Idem). A imagem seguinte, uma perspectiva feita por André
Procópio, mostra a visualização final destas aberturas.
5.47 – Maquete eletrônica PORTO OLÍMPICO
Na continuidade dos estudos, os croquis e desenhos digitais se mantêm como instrumentos
de trabalho principais. Através deles são feitas aproximações em escala para resolver a
circulação e as dimensões internas – organizar estrutura, circulação vertical e programa.
Como pode ser visto abaixo, foram feitos ainda diversos estudos através de croqui sobre
impressão: em relação ao gabarito máximo permitido; implantação dos edifícios residenciais,
já com o eixo viário definido e com a peça-conector definitiva e marinas, transportes
hidroviários e espelhos d´água.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 210
5.48 – Corte 2D PORTO OLÍMPICO
5.49 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.50– Croqui PORTO OLÍMPICO
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 211
Na última desta sequencia observa-se a imagem escaneada e redesenho em
autocad para aproximação com a estrutura.
5.51 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.52 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Os croquis seguintes de Marcos Acayaba, são exemplares enquanto estudos das questões
estruturais e de circulação das torres, contendo: planta do edifício de alojamento (e posterior
habitação), avaliações da proposta de praça elevada e posicionamento da circulação vertical
(Figura 5.48); croqui sobre impressão na escala 1:200 (Figura 5.49); estudo da praça
elevada, sem escala (Figura 5.50); desenho da praça elevada e sua relação com os
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 212
programas comuns e estrutura, assim como a circulação vertical, ambos já trabalhados em
fase final, ou seja, já não mais alterados (Figura 5.53 a 5.55);
5.53 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.54 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 213
5.55 – Croqui PORTO OLÍMPICO
As preocupações com os elementos técnicos e construtivos são bastante visíveis nos seus
croquis12. Respondem como um conhecimento tácito que se manifesta e afora na medida
das solicitações de encaminhamento do próprio trabalho. Nesse processo contínuo, porém
não linear, as ideias criativas são sedimentadas e consolidadas nas linguagens e
materialidades próprias do projeto arquitetônico.
Entre outras participações na elaboração deste trabalho, verificam-se a seguir, croqui sobre
plantas-tipo e layouts e circulação horizontal e vertical definitiva e croqui da praça elevada e
sua amarração estrutural (Figura 5.56); um estudo em planta das estruturas metálicas para
as praças elevadas (Figura 5.57), estudos em perspectiva das estruturas metálicas para as
praças elevadas (Figuras 5.58 e 5.59) e finalmente um croqui de estudo para definir a
estrutura do hotel (Figura 5.60).
12
O arquiteto relembra quando fez concurso para reingresso na FAUUSP, em 1994 e, em resposta às arguições de Joaquim
Guedes sobre a geometria muito diferente de dois projetos seus, respondeu da seguinte forma: “Guedes, essa casa que você
acha tão solta, é uma coisa modulada: ela tem vãos estruturais que se repetem, [...] ela está numa certa geografia, numa certa
implantação que possibilita o resultado mais livre e solto. A outra casa é o que é porque tinha uma condicionante de terreno
mais rigorosa, muito estrita. Em cada caso, procuro analisar todas as condicionantes: a geografia, os programas, as técnicas
disponíveis. Antes de iniciar o projeto procuro identificar qual é a melhor estratégia para resolver a obra, qual a tecnologia ou
técnica construtiva, que vem a ser uma espécie de bússula” . (ACAYABA, 2008, p. 6)
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 214
5.56 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.57 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.58 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 215
5.59 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.60 – Croqui PORTO OLÍMPICO
O acervo de materiais disponibilizados, em sua quantidade e qualidade, permite
caracterizar de maneira bem completa o processo de trabalho até a elaboração do produto
final. Ainda que se mantenha dentro das características de um Projeto Preliminar, é possível
identificar os movimentos de criação que se estendem até a elaboração da maquete final e
das pranchas – onde o objeto, a obra criada pode ser vista em sua versão acabada.
Grande parte do trabalho que estava articulado a alguns programas digitais
específicos foram feitos no escritório do Claudio Libeskind: “eu tenho ferramentas melhores
do que as de vocês três” (MARGOTTO, 2011). Para a elaboração da maquete física, cujas
fotos de Nelson Kon são apresentadas a seguir, e etapas finais do processo, todos da
equipe se transportaram para o escritório do Cláudio porque dependiam dos recursos
instrumentais lá disponíveis. A própria elaboração da maquete final, pelas especificidades
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 216
técnicas de confecção em acrílico, exigiu estudos de concepção e dimensionamento das
partes, através de croquis, como pode ser visto logo a seguir, inclusive para organizar as
peças em acrílico a serem cortadas por máquinas a lazer.
Por isto mesmo, além da articulação do trabalho em diferentes locais, a
necessidade crescente de incorporação de tarefas específicas se repercute na quantidade
de pessoas envolvidas no projeto. Conforme Margotto, “os colaboradores deste projeto são
todos novos arquitetos. O Claudio trouxe o time dele, uns quatro ou cinco; eu, trouxe dois ou
três; o Álvaro dois ou três; e a gente naquele entendimento, Acayaba, Sandra e eu tentando
articular os entendimentos [...] (Idem)
5.61 – Croqui PORTO OLÍMPICO
5.62 – Croqui PORTO OLÍMPICO
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 217
5.62 – Maquete física PORTO OLÍMPICO
Foto de Nelson Kon
5.63 – Maquete física PORTO OLÍMPICO
Foto de Nelson Kon
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5.64 – Maquete física PORTO OLÍMPICO
Foto de Nelson Kon
5.65 – Maquete física PORTO OLÍMPICO
Foto de Nelson Kon
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5.66 – Maquete física PORTO OLÍMPICO
Foto de Nelson Kon
Os desenhos e instrumentos digitais estão ainda presentes até a finalização do
Projeto Preliminar, incluindo os estudos de articulação dos conteúdos de cada pranchas
que devem conter as representações da obra projetada, em linguagens técnicas conforme
especificações (memorial, cortes, plantas, fachadas, perspectivas, diagramação de usos das
edificações, etc.). A finalização do projeto exige envolvimento simultâneo de trabalho de
toda a equipe e uma série de ajustes, como revelação dos movimentos de perícia artesanal
dos autores.
As imagens à seguir mostram, respectivamente, um estudo da perspectiva da
maquete eletrônica ainda sendo trabalhada; o estudo para a organização das pranchas
finais contendo desenhos técnicos, imagens, textos e memoriais e estudo de diagramação
das pranchas finais.
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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 220
5.67 – Perspectiva computacional de André Procópio
5.68 – Croqui esquema de organização pranchas concurso
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5.69 – Croqui
Finalmente, a perspectiva à mão feita por Acayaba para ser incluídas nas
pranchas do concurso, fala de um elemento demonstrativo de um saber fazer arquitetônico,
considerado erudito e respeitado.
5.70 – Perspectiva artística
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 222
5.4 CONVERGÊNCIAS
Os processos de trabalho aqui analisados demonstram, parafraseando Schenk
(2010: 25), que o fazer arquitetônico não é um atributo de genialidade ou heroísmo. Mesmo
reconhecendo, por exemplo,
tal como analisa Telles (1994) que os croquis iniciais de
Niemeyer já mostram a forma final de seus projetos, refuta a idealização de que por trás
deles não existam processos de reflexão, escolhas e caminhos e, portanto, de trabalho.
Como afirma,
Se observarmos com um pouco mais de cuidado os croquis de concepção de
Niemeyer, por exemplo, [...] referentes ao Centro Musical do Rio de Janeiro (1974),
poderemos flagrar que o projeto em sua concepção passa por um processo que denota
incertezas e, tais incertezas, antes de conferir demérito ao arquiteto autor, demostram a
riqueza do processo conceptivo, seu envolvimento com o trabalho arquitetônico, seu
raciocínio espacial. A qualidade de Niemeyer reside em sua obra e no arquiteto que é,
dispensando pressupor qualquer tipo de mistificação de sua produção.
Da mesma forma, os projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico expressam a
qualidade de seus autores, a riqueza de conhecimentos teóricos e instrumentais, e,
principalmente, o seu envolvimento com o fazer arquitetônico. A ideia de envolvimento,
como expressão aqui denominada de ação engajada, possui dimensões subjetivas de valor
sobre o próprio trabalho e seus resultados que, ao expressarem os autores, contendo um
discurso, ao mesmo tempo, gratificam e incrementam conhecimentos e habilidades. Nas
diversas experiências profissionais, como se refere Puntoni e como aparece nos relatos de
Margotto sobre os trânsitos entre os projetos do IPHAN, CAPES e SEBRAE, os erros e
acertos fazem parte de uma aprendizagem e levam o arquiteto a aperfeiçoar a precisão do
seu trabalho.
Ainda que representem processos condensados e, muitas vezes, parciais pelo
fato de serem trabalhos específicos relacionados as demandas de concursos públicos,
exprimem as características de materialidade do trabalho arquitetônico através do qual se
organizam relações sociais, instrumentos e conhecimentos diferenciados.
Embora cada projeto seja único e irreproduzível por suas próprias dimensões
artesanais, o resgate dos processos de criação dos três projetos demonstra convergências
essenciais: o pensar é simultâneo ao fazer, as habilidades expressam conhecimento tácito,
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 223
as concepções e soluções criativas surgem e se consolidam através de muito esforço,
disciplina e muitas horas de dedicação. Os croquis e desenhos digitais (e as maquetes de
concepção), além de aperfeiçoarem as habilidades do arquiteto, são instrumentos de
reflexão e de produção do projeto. O arquiteto ou arquitetos em parceria articulam as
relações sociais e os saberes envolvidos e são os responsáveis pela criação. Este último
aspecto traz à tona o fato de que o processo de trabalho é coletivo, mas a criação é
atribuição específica de um ou poucos agentes, mas não da totalidade dos indivíduos. Esta
hierarquização interna do processo de trabalho é sempre fonte de conflitos que podem ser
amenizados pelo compartilhamento de identidades já comprovadas nas parcerias e ou em
parcerias alargadas.
Considerando estas características, os três projetos analisados revelam um fazer
que é geral a todos os arquitetos e, ao mesmo tempo, um modo particular de organizar o
processo de trabalho. Além das afinidades entre os profissionais mais experientes, no caso
Luciano Margotto Soares, Álvaro Puntoni e, também Marcos Acayaba no Projeto Porto
Olímpico, a legitimidade da autoridade destes arquitetos, por suas experiências,
posicionamentos arquitetônicos e prestígio garantem que a hierarquia possa ser organizada
de maneira mais frouxa e colaborativa e as interlocuções internas sejam respeitosas e
menos conflituosas. Esta maneira de organizar o processo de trabalho ou a ideia de
parcerias alargadas fazem com que os jovens arquitetos participantes se sintam inclusive
privilegiados pela aproximação com profissionais experientes e, ainda, por estarem
integrados a um contexto onde é possível visualizar todo o processo e a inserção do seu
trabalho individual no projeto arquitetônico concebido.
A expressão de engajamento colaborativo ou engajamento significativo no
trabalho exige na etapa final, tal como exemplificado neste capítulo, o envolvimento
simultâneo de toda a equipe e uma série de ajustes, de forma que os autores reconheçam a
justeza do trabalho, como se refere Leila Blass (anteriormente citada), ou seja, se nada falta.
E, nesse sentido, que a obra contida no projeto arquitetônico possa ser exposta aos olhares
e avaliações externos. No entanto este é, como diz a autora, outro momento do seu fazer.
Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 225
As colocações apresentadas neste trabalho de tese trazem algumas reflexões
sobre o fazer arquitetônico, sob um olhar sociológico, e se inserem como resultado de
pesquisa acadêmica, no âmbito das aberturas multidisciplinares de análise que hoje se
desenvolvem em torno de questões cruciais do mundo contemporâneo.
Enfrentando simultaneamente as mistificações da noção de trabalho que se
disseminaram socialmente à partir da forma histórica capitalista – o trabalho assalariado - e
as temáticas de pesquisas consolidadas pelos estudos sociológicos que predominantemente
sempre privilegiaram as discussões sobre do emprego, este trabalho traz algumas
contribuições importantes, tanto para os sociólogos quanto para os arquitetos no sentido de
ampliar a compreensão sobre as dimensões criativas do fazer arquitetônico considerando
sua materialidade própria e o espectro maior de relações sociais nelas envolvidos.
Inserido também no âmbito das transições paradigmáticas da ciência, não se
apoia em uma teoria fechada, mas recorre a conceitos e contribuições analíticas da
Sociologia, da Arquitetura e de outras áreas de conhecimento. Utilizam-se estes conceitos
como apoio interpretativo sobre o fazer arquitetônico, partindo-se do pressuposto de que ele
é uma forma de trabalho de características artesanais forjada historicamente antes da
constituição da sociedade moderna e que nela penetra e se ajusta, mantendo seus traços
predominantes. Ainda que a inserção da arquitetura na modernidade resulte em alterações
em algumas formas operacionais do fazer, através de uma separação ambígua e nunca
totalmente completa entre a concepção do artefato e sua construção material ou, entre o
projeto e a obra, o fazer arquitetônico é uma forma de trabalho que por característica que
não se enquadram nos moldes desta forma paradigmática e predominante – o trabalho
assalariado fabril.
Considerações Finais
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 226
Portanto, como muitos outros trabalhos de cunho artesanal e criativo
coexistentes na sociedade moderna, o fazer arquitetônico não se ajusta aos cânones
presentes no imaginário social, ou seja, a uma atividade submetida a um esforço alienado,
repetitivo e disciplinar, separado das relações sociais mais amplas e dos espaços de vida e
que se impõe aos indivíduos como necessidade de sobrevivência. Nesta imagem social
baseada no modelo fabril, o fazer se coloca à parte da vida, das subjetividades e da criação
e se confunde com emprego. Reforçadas por estas noções todas as outras atividades que
não se enquadram neste modelo, são vistas como não sendo trabalho. Além disso, a
criatividade inerente as atividades artísticas e artesanais como é o caso do trabalho
arquitetônico, se revestem no imaginário social de uma aura de genialidade que também
mistificam e ocultam o que é o trabalho.
Alinhado com as abordagens sociológicas em especial as de Leila Blass que tem
orientado algumas pesquisas recentes dedicadas à caracterização de fazeres criativos
diversos, como o trabalho do artista, do escritor, do carnavalesco, do ator, do professor e
muitos outros, a perspectiva metodológica adotada, na investigação sobre o fazer
arquitetônico não se orientou pela comprovação prévia de hipóteses, mas pela lógica da
descoberta e por procedimentos qualitativos de análise.
Com o objetivo centrado na compreensão do fazer arquitetônico em suas
características singulares, destaca-se nas análises que este fazer representa um trabalho
que envolve criatividade, possui uma materialidade própria e se insere num processo de
trabalho cujo objeto é a criação da obra arquitetônica através do desenvolvimento do seu
projetar, ou seja, do projeto arquitetônico. Neste sentido, o fazer arquitetônico organiza um
conjunto
de
relações
sociais,
reunindo
indivíduos
portadores
de
habilidades
e
conhecimentos que se completam e se convergem para a consecução do produto final.
A concepção de trabalho ajustada ao fazer arquitetônico se espelha na
concepção de homo faber, desenvolvida por Hannah Arendt e também é entendida como
uma capacidade transformadora do homem que, posta em ação se transforma numa
energia intencional que responde às diversas necessidades humanas em qualquer formação
social. Esta ação pode ser repetida e utilizada de formas diferentes de acordo com a
configuração histórica na qual se insere.
A noção de homo faber ilustra alguns componentes qualitativos do trabalho
arquitetônico uma vez que no processo de fabricação, o pensar é simultâneo ao fazer, e
revela o intercâmbio manual e sensorial do homem com os materiais e instrumentos com os
quais realiza o seu artefato. Em outro nível, esta noção também se aproxima do fazer
Considerações Finais
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 227
arquitetônico na medida em que seu trabalho, realizado com suas mãos está voltado para a
produção de bens, de objetos de uso que possuem durabilidade no mundo e, como
expressão de criação humana, responde ao mesmo tempo às necessidades históricas do
homem e imprime sua marca e sua interpretação do mundo.
Além de conhecimentos e habilidades incorporadas que vão se expressando no
próprio fazer, o trabalho enquanto obra exige uma entrega, ou engajamento, e se reveste de
significados subjetivos de identificação pessoal, pois requer dele a capacidade de
transcender e alienar-se da própria vida acreditando na importância da permanência das
coisas criadas no mundo. Nesta perspectiva analítica, os objetivos finais organizam o
processo de fabricação característico do homo faber e, só termina quando o algo novo
criado pode ser colocado no mundo para ser submetido aos olhares e às críticas dos
indivíduos.
Por isto mesmo, a criação do arquiteto condensada na obra e concebida através
do projeto arquitetônico, em suas diversas etapas de desenvolvimento e de detalhamento,
contém além de um saber-fazer concreto, um discurso e concepções teóricas. O arquiteto
se confunde com a obra criada, pois ela contém sua visão de mundo, suas opções técnicas
e estéticas e também sua experiência situada em sua trajetória profissional.
Entretanto, como um artesão engajado, o seu fazer não é para ele, objeto de
reflexão, uma vez que se encontra envolvido com os desafios da criação e realiza o seu
fazer através de conhecimentos e instrumentalidades e habilidades próprias que se
manifestam como conhecimentos tácitos. Nesse sentido, o fazer se encontra incorporado e,
portanto, oculto na própria obra. Por isto é tão difícil aos arquitetos falarem sobre o seu
processo de trabalho. Esta idéia aqui defendida é confirmada por diversos investigadores e,
mais especificamente por Segnini (2002) quando constatou através da análise dos discursos
dos arquitetos que eles falam muito sobre os resultados do seu trabalho e muito pouco
como o trabalho é feito. No geral, os arquitetos falam sobre sua obra revelam concepções
divergentes sobre o que é arquitetura e suas expressões concretas. Estes discursos se
colocam no campo contencioso da esfera pública específica da arquitetura, consolidando
alianças e fomentado divergências.
Somente em situações muito específicas quando são incitados a falar sobre o
seu fazer, os discursos contém reflexões que ajudam a pontuar algumas dimensões
qualitativas e singulares da criação arquitetônica. Considerando os referenciais teóricos aqui
utilizados, alguns trabalhos produzidos na área da arquitetura e alguns depoimentos
Considerações Finais
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 228
publicados por arquitetos voltados para estas questões específicas, foi possível refletir sobre
a materialidade do fazer arquitetônico, expressas nas reflexões contidas no capítulo três.
Conforme declaram diversos arquitetos, no fazer arquitetônico, a ideia inicial
surge primeiro na mente e já contém a imaginação de possibilidades espaciais e
construtivas e, num movimento simultâneo, se expressa no papel em busca de
experimentação e concretude. O desenho através de croquis e as maquetes conceptivas
representam os instrumentos fundamentais do fazer onde se pressupõem necessidades de
contato sensorial com o objeto de criação e com o local onde a obra criada será implantada..
De acordo com os diversos autores analisados, os croquis assumem na fase
conceptiva duplas funções – como um instrumento de diálogo do arquiteto consigo mesmo
ou com os arquitetos que repartem a autoria do trabalho, e como instrumento de
interlocução externa com os clientes ou representantes das demandas de arquitetura. De
forma semelhante a maquete se apresenta em sua dupla expressão – física e eletrônica,
possui múltiplas funções e se insere no processo criativo como instrumento de trabalho
(modelagem) e como elemento de intermediação nas relações externas.
Este pesquisa de doutorado também se alinha com ideias defendidas por muitos
arquitetos que investigam metodologia dos processos de projeto ou analisam as obras de
alguns arquitetos renomados, que questionam a concepção do projeto arquitetônico como
sendo uma simples resolução de problemas demandados socialmente. Conceber e realizar
o projeto arquitetônico são atividades atravessadas por muitas circunstancias e fatores
externos e, ao mesmo tempo representa uma interpretação e uma visão pessoal de mundo
do próprio autor.
Nesse sentido,
longe de dicotomias, trabalho e vida estão
indissoluvelmente interconectados.
O fazer arquitetônico desenvolvido através dos processos de elaboração do
projeto arquitetônico, segue uma sistematização racional e uma linguagem codificada,
através de etapas institucionalizadas – definição do partido do projeto, estudo preliminar,
anteprojeto e projeto executivo – que podem variar dependendo das solicitações externas e
das complexidades do próprio projeto. O fazer criar, inserido neste processo, ao contrario do
que formalmente possa parecer, não segue uma dinâmica linear. Envolve esforços
repetitivos nos atos de fazer, experimentar e refazer o trabalho em desenvolvimento,
ampliando as ideias concebidas inicialmente e ajustando a ela todos os saberes técnicos
necessários para que a obra imaginada possa ser viabilizada e construída.
Considerações Finais
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 229
Considerado na perspectiva sociológica de análise, o fazer arquitetônico é
dispêndio de energia física e nesse sentido também é labor, onde se entrelaçam numerosos
atos criativos. A característica artesanal do fazer arquitetônico e, semelhante a muitos
outros artesãos contemporâneos, se expressa também por sua capacidade de realizar a
perícia artesanal, avaliando constantemente os resultados parciais do trabalho que exigem
do arquiteto correções e ajustes frequentes até que a obra concebida seja considerada
pronta. Esta decisão sobre o término do trabalho, ou seja sobre a justeza do trabalho é um
traço de todo fazer criativo e supõe a avaliação subjetiva do próprio criador. Esta decisão
deve se ajustar em muitas circunstâncias às exigências de prazos impostas externamente.
Ainda de uma perspectiva sociológica, o trabalho arquitetônico inserido no
processo do fazer, organiza um conjunto de relações sociais onde se inserem outros
saberes técnicos e habilidades instrumentais e, portanto um conjunto de indivíduos e, é
nesta perspectiva o processo de projeto assume uma feição coletiva. Nesta composição, o
arquiteto ou arquitetos responsáveis pela criação da obra, uma vez que as parcerias sempre
foram frequentes na arquitetura, articulam um conjunto de atividades específicas
convergentes e mantém um domínio sobre o desenvolvimento do trabalho. Tendo em vista
estes aspectos, o processo trabalho se define pela autoria individual ou em parceria e pela
produção coletiva. Este caráter coletivo sofre também interferências de outros agentes que
se colocam externamente ao processo do fazer, é fonte de tensões e conflitos. Neste
sentido, os arquitetos tendem a se antecipar ou amenizar a ocorrência de conflitos,
consolidando parcerias por afinidades de concepções arquitetônicas e de bom
relacionamento, e, ainda, agregando outros profissionais envolvidos com a execução do
projeto sob critérios de competência de afinidades.
Ao mesmo tempo, no seu papel de articulação de múltiplos trabalhos singulares,
a autoridade do arquiteto é legitimada por sua experiência comprovada e pela notoriedade
de sua produção, na esfera pública do seu campo profissional.
Por todos aspectos salientados na pesquisa, o fazer arquitetônico é perpassado
por múltiplas atividades, que de todo modo são cercadas pelas características artesanais da
criação.
Estas
reflexões
baseadas
em
bibliografias
e
documentos
disponíveis
fundamentaram e ao mesmo tempo foram referendas pela aproximação com o fazer
concreto do arquiteto de Luciano Margotto Soares que revelou habilidades e saberes que
são comuns a todos os arquitetos e ao mesmo tempo sinalizam uma forma particular de
organizar o arranjo de trabalho baseado na valorização do engajamento significativo e numa
Considerações Finais
REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 230
maneira própria de sustentar a legitimidade de sua autoridade. Cabe lembrar que os três
projetos aqui analisados – CAPES, SEBRAE E PORTO OLÍMPICO - foram feitos em
parcerias e o resgate intencional sobre os seus processos de realização permitiu visualizar
quem faz e como o trabalho é feito.
Reafirmam-se
aí
algumas
constatações
parciais
de
outras
pesquisas
importantes, por exemplo, sobre o papel dos croquis e das interlocuções no processo
conceptivo;
sobre
o
uso
combinado
dos
instrumentos
consagrados
e
outros
tecnologicamente desenvolvidos mais recentemente, agregando, com isto contribuições nos
estudos qualitativos sobre o fazer arquitetônico.
A contextualização do arquiteto no âmbito do local e tempo histórico de sua
formação acadêmica, identificando-se num segmento geracional de arquitetos formados na
FAU, permitiu penetrar no universo de valores arquitetônicos e em concepções que se
expressam nos projetos criados, e que consolidam as bases das parcerias e as formas de
envolvimento dos indivíduos nos processos de trabalho.
Esta aproximação empírica permitiu ainda observar a manifestação do talento
artístico na arquitetura. Observa-se nos relatos concedidos, como o talento se apresenta
num movimento indissociável entre o pensar e o fazer e, ao mobilizar os conhecimentos
sistemáticos e específicos para a elaboração arquitetônica, afloram nas práticas de trabalho
como habilidades incorporadas e incrementadas pelo próprio trabalho e exigem do arquiteto,
um enorme esforço dirigido e engajado, envolvendo muita disciplina, dedicação que
demandam tempo e energia física e intelectual.
Como pode ser observado na descrição dos três projetos arquitetônicos através
do seu desenrolar, ficam evidentes as características artesanais do fazer arquitetônico onde
se rompem as dicotomias construídas em relação ao trabalho na sociedade moderna. A
busca de soluções criativas e singulares a cada projeto extravasa os locais específicos de
trabalho, captura movimentos reflexivos de aproximação e afastamento do arquiteto em
relação aos desafios do projeto e ocupa os seus espaços de vida e de lazer.
Considerações Finais
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Bibliografia
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