PROPOSTAS DE PROTOFORMAS FONOLÓGICAS E LEXICAIS PARA AS
LÌNGUAS YAMINAWA, YAWANAWA E YORANAWA∗
Agmar Alves Cruvinel¹; Gláucia Vieira Cândido²; Lincoln Almir Amarante Ribeiro3
¹ Bolsista PBIC/CNPq/UEG, graduanda do Curso de Letras, UnU CSEH Anápolis – UEG.
² Orientadora, docente do Curso de Letras, UnU CSEH Anápolis – UEG.
3
Coorientador, professor-aposentado da UFMG.
RESUMO
Este artigo tem por principal objetivo propor protoformas fonológicas e lexicais para as
línguas indígenas Yaminawa, Yawanawa e Yoranawa da família Pano, visando contribuir
para com um estudo mais amplo, o qual visa à reconstrução da língua-mãe da família Pano,
ou seja, o Protopano. Para tanto, coletamos palavras cognatas das línguas pesquisadas que
constam dentro dos cem primeiros itens de uma lista de léxicos básicos desenvolvida por
Morris Swadesh, os quais são menos suscetíveis a mudanças ou empréstimos. Assim, por
meio da comparação de palavras cognatas sob a luz de princípios teóricos concernentes à
transformação fonético-fonológica, definimos as referidas protoformas fonológicas e lexicais.
PALAVRAS-CHAVE: Linguística Histórica-Comparativa. Protoformas. Línguas Pano.
INTRODUÇÃO
Até a década de 70, somente existia referência na literatura às línguas Pano faladas no
Peru e na Bolívia e pouco se conhecia acerca das línguas faladas no Brasil. Isso dificultava
consideravelmente a tarefa de classificar tais línguas e tornava praticamente impossível a
reconstrução da família agrupada. Ainda assim, Shell (1975), de posse apenas de dados de
línguas peruanas e bolivianas, realizou um trabalho de reconstrução do Protopano, advertindo,
contudo, quanto ao fato de tal reconstrução estar incompleta devido à ausência de línguas do
território brasileiro.
∗
Este artigo é dedicado à memória do Prof. Lincoln Almir Amarante Ribeiro, um dos idealizadores desta
pesquisa. Infelizmente, o Prof. Lincoln não pode concluir a pesquisa. Entretanto, seu entusiasmo e dedicação nos
ajudaram a concluir este trabalho.
Este resumo Referi-se, ainda, ao trabalho de conclusão de curso de Letras.
1
A partir dos anos 80, com o aumento no número de estudos acerca das línguas
brasileiras, surgiram novas tentativas de classificar as línguas Pano, dentre as quais, a
proposta por Ribeiro (2006), que foi pautada em critérios estritamente linguísticos, dividindo
tais línguas em quatro grandes grupos, sendo alguns deles subdivididos em subgrupos
menores. Graças a esta e outras classificações, agora é possível reconstruir o passado histórico
dessa família Linguística, determinando-lhe sua protolíngua, ou seja, o Protopano.
Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo apresentar propostas de protoformas
fonológicas e lexicais para as línguas Yaminawa, Yawanawa e Yoranawa, as quais fazem
parte do Subgrupo III-2-2-2 da classificação de Ribeiro (2006), em que consta, divididas em
grupos e subgrupos, um total de 34 línguas. Com essas propostas, visamos contribuir para o
desenvolvimento da primeira etapa de um projeto de pesquisa realizado pelo Grupo de
Investigação Científica de Línguas Indígenas (GICLI), da Universidade Estadual de Goiás,
que pretende reconstruir o Protopano.
MATERIAL E MÉTODOS
Para o trabalho de reconstrução das protoformas das línguas referidas neste texto,
foram utilizados pressupostos teóricos apresentados em Campbell (1998), Gabas Jr. (2007),
Lyons (1981), entre outros. Para a execução do trabalho, foi aplicada metodologia geralmente
utilizada em pesquisas no âmbito da Linguística Histórico-Comparativa. Assim, fizemos,
primeiramente, a coleta dos dados constituídos de quadros fonológicos e listas de léxicos das
línguas Yaminawa, Yawanawa e Yoranawa, os quais foram obtidos em estudos descritivos já
realizados para cada uma dessas línguas, a saber: d’Ans (1972), Instituto Linguístico de
Verano (1981), Faust (1984), Eakin (1991), Paula (2004) e Loos (2006).
Após determinarmos os possíveis congnatos existentes entre as línguas, a partir de
uma comparação entre as formas fonológicas e lexicais e uma análise regida pelos princípios
teóricos concernentes à trasnformação fonético-fonológica de cada item lexical e seu
respectivo significado, determinamos os possíveis cognatos existentes entre as línguas, a fim
de apresentar nossa proposta de protoformas fonológicas e lexicais para as línguas Yaminawa,
Yawanawa e Yoranawa. Para realizar o estudo histórico-comparativo, procuramos coletar
palavras das línguas pesquisadas que estivessem dentro dos cem primeiros itens do
vocabulário básico de Swadesh (1950), os quais são menos suscetíveis a mudanças ou
empréstimos linguísticos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
2
Por meio dos métodos acima referidos, reconstruímos as protoformas fonológicas e
morfológicas para as referidas línguas, expostas, respectivamente a seguir: *p,*t , *k, *m, *n,
*, * , *s, *Ѐ, *‫״‬, *h, *ts , *tЀ, *w, *j , *i , *,*o, *a.
26. tapo (raiz)
1. n (eu)
2. min (você)
51. ‫״‬oma (seio)
52.
oiti (coração)
27. saka ou ‫״‬aka
(casca de árvore)
28. hitЀi ou itЀi 53. taka (fígado)
(pele)
29. nami (carne)
54. aja (bebida)
30. imi (sangue)
55. pi (comer)
56. 31. ‫״‬ao (osso)
3. no (nós)
4.
5.
6. tsoa (quem)
7. awa ou
(que/qual)
8. ma (não)
awi 32.
-
57. owi (ver)
33. Ѐini ou ‫״‬ni 58. nika (ouvir)
(ovo)
9.
59. tapi (saber)
34. ma‫״‬o (chifre)
35. ina (rabo)
10. itЀapa (muitos)
60. o‫״‬a (dormir)
61. na (morrer)
11. wisti ou wsti 36. pi (pena)
(um)
37. ho (cabelo)
12. aw (dois)
62. t (matar)
38. mapo (cabeça)
63. topi (nadar)
13. wapa (grande)
64. joja ou noja
14. tЀaini (longo)
39. patЀo (orelha)
(voar)
15.
40. ho ou io ou 65.
wo (olho)
16. ko (mulher)
41. tЀoko (nariz)
17.nokohn
ou 42.
nokn
(homem)
18.
43. ‫״‬t (dente)
19. joma (peixe)
20. pij ou pja
(pássaro)
21.
-
66. o (vir)
67.
-
68. tsao (sentar)
22. ia (cachorro)
44. ana (língua)
69.
45.utЀis ou tis 70.
(garra/pata)
71. tsai (falar)
46. ta (pé)
72.
47. atoko (joelho)
23. iwi (árvore)
48. mkn (mão)
73. o‫״‬i ou o‫( ״‬lua)
24.
25. pi (folha)
49. posto (barriga)
74. iЀti (estrela)
75.
-
50.t‫״‬o (pescoço)
76. oi (chuva)
77.
-
78. maЀi (areia)
79. mai (terra)
80.
81.koi
(fumaça/fumo)
82. tЀi (fogo)
83. mapo
[pó] )
(cinza
84. ko (queimar)
85.
-
86. maki ou matЀi
(montanha)
87. oЀi (vermelho)
88.
89.
90. o‫״‬o (branco)
91.
-
92. jam (noite)
93.‫״‬ana
(quente/morno)
94. matsi (frio)
95. hospia (cheio)
96. ‫״‬na (novo)
97. ‫״‬aa (bom)
98. toko ou too
(redondo)
99.
100. an (nome)
Tabela 1: Proposta de protoformas lexicais para as línguas Yaminawa, Yawanawa e Yoranawa.
3
Na linha 43 optamos por /‫״‬/ em vez do /s/ para a protoforma lexical devido ao fato de
/s/, ao contrário de /‫״‬/, não ocorrer antes de // em nenhuma outra situação. Além disso, o
fonema /‫״‬/ ocorre antes de // em outras línguas Pano.
Nas linhas 4, 5, 18, 65, 67, 69 e 70, não apresentamos proposta de protoforma lexical,
devido ao fato de existirem dados de apenas uma língua, o que impediu a realização de
comparações.
Nas linhas 9, 15, 21, 24, 32, 42, 56, 69, 75, 77, 80, 85, 88, 89, 91 e 99, não foi possível
propor protoformas, devido ao fato de haver grandes diferenças formais entre os itens de cada
uma dessas linhas. Isso nos faz levantar a hipótese de ter ocorrido empréstimo lexical de
outras línguas, mas, na medida em que forem realizadas novas comparações com as demais
línguas Pano, será possível detectar quais entre aqueles itens lexicais estão na referida
situação.
Com relação às linhas 72 e 99, também não realizamos propostas de protoformas
devido a diferenças formais sobre as quais só será possível levantar hipóteses na medida em
que forem sendo realizadas comparações com as demais línguas Pano.
Ressaltamos que nas linhas 2, 3, 20, 25, 39 e 52, embora tenha sido possível chegar a
propostas de protoformas lexicais, estas foram realizadas por prevalecerem os dados de duas
das línguas pesquisadas, haja vista que, em uma delas, havia formas lexicais bastante
diversas. Assim, suspeitamos ter havido ocorrência de empréstimo linguístico. Contudo,
embora acreditemos ser pouco provável de acontecer, sugerimos que, caso haja grande
diferenças formais na comparação entre os resultados referentes às linhas citadas e os
resultados que venham a ser obtidos na comparação entre as demais línguas, se verifique os
léxicos por hora desconsiderados, que são: “no” (Yoranawa), “boaa” (Yoranawa), “?iwina”
(Yawanawa), “badi” (Yoranawa), “pahinki” (Yawanawa) e “p” (Yoranawa).
Ademais, chama-nos a atenção o fato de, nas linhas 17, 28 e 37, durante o trabalho de
comparação, a língua Yawanawa apresentar o fonema bilabial //, enquanto a língua
Yaminawa e/ou a Yoranawa apresentam o fonema glotal /h/. Afinal, lembrando a discussão
de Ribeiro e Cândido (2007) sobre a possibilidade de h* ser reflexo das sibilantes /s/, //, /‫״‬/ e
de outras segmentos, não seria plausível levantar a de h* também ser um reflexo de //?
Entretanto, pela escassez de dados disponíveis no momento, sugerimos que esse fato seja
4
verificado nas comparações que serão realizadas entre todas as línguas Pano do Subgrupo III
2-2-2 e as demais línguas Pano.
CONCLUSÃO
Por meio do método comparativo, que consistiu em dispor as palavras relacionadas
das línguas Yaminawa, Yawanawa e Yoranawa em correspondência sistemática em termos de
sua estrutura fonológica e morfológica, e sob a luz de princípios teóricos concernentes à
trasnformação fonético-fonológica, reconstruímos, para as referidas línguas, 19 protoformas
fonológica e, também, protoformas lexicais que correspondem a 77 itens da lista de palavras
de Swadesh (1975). Ademais, levando em consideração a discussão de Ribeiro e Cândido
(2007), acerca da possibilidade de h* ser reflexo das sibilantes /s/, //, /‫״‬/ e de outros
segmentos, observamos que dados das línguas Yaminawa, Yawanawa e Yoranawa apontam
para a possibilidade de h* > //. Destarte, sugerimos que, nas comparações que serão
realizadas com as demais línguas Pano, seja verificada a possibilidade de h* ser reflexo das
fricativas acima referidas. Apontamos ainda algumas hipóteses de ocorrência de empréstimos
linguísticos, os quais serão possíveis de comprovar de modo mais preciso à medida que forem
sendo realizadas as comparações entre todas as línguas Pano.
Por meio dos resultados
alcançados e hipóteses levantadas neste trabalho, esperamos oferecer subsídios que possam
contribuir para o desenvolvimento da reconstrução do Protopano.
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