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Introdução
A cidade do Rio de Janeiro é conhecida mundialmente por suas belezas
naturais e pelo clima tropical, sendo o destino turístico de pessoas de diversos
lugares do mundo. Outra característica da cidade que tem sido destacada em
escala internacional é a desigualdade social, expressa no espaço e ressaltada
por produções cinematográficas norte americanas bastante famosas: Velozes e
Furiosos 5: Operação Rio (2011); Rio (2011) e O Incrível Hulk (2008), por
exemplo. Esses filmes destacam o papel das favelas na dimensão social da
cidade, transmitindo a imagem de que esses ambientes são formados por
pessoas pobres, por vezes desonestas, em oposição ao "asfalto". No caso dos
filmes, predominantemente a Zona Sul da cidade.
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De fato, esta cidade, na conjuntura do modo de produção capitalista, tem
em si um grau diferenciado de valorização imobiliária, o que seleciona seus
moradores pelo preço dos imóveis. Essa seleção também é transformada em
mais um item de valorização imobiliária, pois representa exclusividade no acesso
a esses imóveis. Somam-se a ele detalhes fundamentais, tais como: a imagem
de segurança transmitida pelo bairro; o tamanho do imóvel, evidentemente; a
beleza e o bem estar proporcionados pelo ambiente, chamada pela geografia
urbana tradicionalmente de amenidades, um item de julgamento bastante
subjetivo, que varia conforme os valores da sociedade em questão (atualmente
no Rio de Janeiro, a proximidade à praia, à floresta, etc); o acesso a meios de
transporte coletivos; a oferta de serviços pela iniciativa privada, como cinemas,
comércio de modo geral, serviços médicos, serviços de profissionais liberais, etc.
Assim, a cidade do Rio de Janeiro tem seu padrão de valorização
imobiliária definido, a partir do eixo rodoviário da Avenida Brasil, na década de
1950, como um degradê que parte da Zona Sul e do Centro como as áreas mais
escuras (e valorizadas), passando pela Zona Norte e alcançando, por fim, a
Zona Oeste. No entanto, o novo eixo de urbanização desenvolvido com o projeto
de ocupação da Barra da Tijuca na década de 1980 tem indicado uma mudança
considerável no antigo padrão: sendo adjacente à Zona Sul, era uma Zona
Oeste muito mais próxima e, por isso, passível de dar certa continuidade ao
modelo de mercado imobiliário desenvolvido na parte mais nobre da cidade.
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Tais mudanças podem ser encaradas como um convite à pesquisa numa
tentativa de análise dos fatores que direcionam a valorização desigual do espaço
urbano dessa cidade e as consequentes dificuldades encontradas pelos
trabalhadores na busca pela moradia. Para o desenvolvimento deste trabalho
serão de grande importância as categorias analíticas: espaço geográfico,
compreendido como a materialidade vivida e produzida pelo ser humano e as
ações a partir e sobre ele desenvolvidas, repleto de intencionalidades,
determinadas conforme os interesses dos grupos que disputam o poder; o
desenvolvimento geográfico desigual, partindo do princípio de que o modo
capitalista de produção demanda uma constante diferenciação de áreas para
manter a geração de lucro no espaço geográfico, que é limitado em área, mas
infinitamente
influências
passível
sobre
de
transformações;
os processos
espaciais;
representações
a
ideia
de
sociais,
suas
representações
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desenvolvida por Pierre Boudieu e Henri Lefebvre.
Nessa perspectiva, o objeto do presente trabalho é o processo de
transformação de Campo Grande no início do século XXI e sua relação com a
produção espacial da Barra da Tijuca, bairros da Zona Oeste da cidade do Rio
de Janeiro - RJ. Tem-se como objetivo geral analisar os pontos de convergência
entre as transformações espaciais recentes vividas por Campo Grande e o
modelo de produção do espaço desenvolvido na Barra da Tijuca, num processo
de fragmentação, dado o isolamento que esse modelo sugere; homogeneização
no contexto da sua expansão por partes diversas das cidade e do país; e
hierarquização, pois os valores dos imóveis e, consequentemente, os grupos
sociais que os ocupam são desiguais.A questão norteadora deste trabalho pode
ser assim descrita: que referências espaciais são adotadas para dirigir as
transformações vividas em Campo Grande e como as mesmas se realizam no
bairro?
Para o desenvolvimento do trabalho será de fundamental importância
refletir a respeito do espaço geográfico em suas conceituações mais gerais, sem
deixar de valorizar as dinâmicas mais abstratas presentes na constituição
material da realidade. Nenhum local é escolhido a esmo para exercer uma dada
função. Na sociedade capitalista, onde a lógica do lucro e da renda perpassam
muitas, senão todas as experiências humanas, ter domínio sobre o espaço é
possuir poder. O espaço é fundamental a toda esfera da vida, mas seu controle
se dá conforme a capacidade de comprá-lo e de controlá-lo, estabelecendo,
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assim, regras de comportamento e de uso que tangenciam, inclusive, a vida
privada.
Para Milton Santos (2008), o espaço geográfico pode ser definido como
um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. A
conjugação dos objetos espaciais, encarados aqui como toda a materialidade
passível de ser observada no espaço, acontece conforme intenções, pois os
atores da produção e das transformações espaciais estão repletos de
intencionalidades. É possível identificar algumas diretrizes para definir os rumos
dados ao espaço na sociedade capitalista: a necessidade de reprodução
biológica da força de trabalho e a reprodução das relações sociais de produção,
conforme indica Henri Lefebvre (1991). Portanto, o espaço precisa ser capaz de
garantir minimamente abrigo e descanso aos trabalhadores em suas relações
familiares.
Ao
mesmo
tempo,
estará
transformando-se
conforme
as
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necessidades de reprodução do capital.
Os bairros da cidade do Rio de Janeiro são bastante diversos, tratando-se
de uma cidade que abriga o que há de mais luxuoso e mais miserável: os metros
quadrados mais caros do Brasil no Leblon e guetos de insalubridade como a
Rocinha, um exemplo de concentração de casos de tuberculose na cidade
(MIZRAHI, 2010). Existe uma conjuntura de valorização imobiliária, que não
pode ser comprada por todos, e um grande subúrbio conectado às áreas de
relações econômicas mais desenvolvidas através de rodovias expressas,
ferrovias e metrovias. A conexão entre os bairros é sofrivelmente efetivada no
cotidiano dos trabalhadores da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, a
renovação do contrato de prestação de serviços ferroviários entre a Supervia e o
Governo do Estado do Rio de Janeiro mostra que a qualidade desse transporte
no quesito conforto é enxergado como uma futilidade. Os governos recentes não
tem demonstrado interesse em por à disposição tempo ou dinheiro para esse
tipo de investimento, já que a circulação e a exploração do trabalho continuam a
ocorrer eficazmente. Esse é o limite dos projetos urbanos da cidade do Rio de
Janeiro: a possibilidade de ir e vir do trabalho. O Mapa 1 mostra a localização
dos bairros em destaque neste trabalho na cidade do Rio de Janeiro.
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Mapa 01 - Localização de Campo Grande e Barra da Tijuca na cidade do Rio de
Janeiro
Fonte: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/mapa_digital_rio/?config=config/ipp/cadlog.xml
No mapa acima observa-se destacados em vermelho os bairros Campo Grande, na Área de Planejamento 5
(AP 5), a tradicional Zona Oeste da cidade. A Barra da Tijuca, na AP 4, onde se identifica toda a Baixada de
Jacarepaguá. Na AP 1 localiza-se a área central da cidade, enquanto a AP2 abrange os bairros da Zona Sul e
a Grande Tijuca: Tijuca, Andaraí, Grajaú, Vila Isabel, Maracanã e Alto da Boa Vista. Na AP 3 estão localizados
os bairros da chamada Zona Norte da cidade.
Nesse contexto, o projeto dos corredores para ônibus articulados
conectando a Barra da Tijuca, um importante polo de oferta de trabalho na
cidade, aos bairros da classe de trabalhadores mais empobrecida, como Pedra
de Guaratiba, Guaratiba, Santa Cruz, Bangu e Campo Grande, parecia um
investimento na qualidade de vida dos trabalhadores, que fariam o trajeto em
tempo bastante menor. A inauguração do Túnel Vice-Presidente José Alencar foi
esperada ansiosamente, porém a inauguração do BRT (Bus Rapid Transport)
trouxe junto de si uma outra realidade: a quase extinção das linhas que faziam o
trajeto anteriormente, partindo de cada bairro. Consequências? As conduções
circulam lotadas; os passageiros precisam fazer diversas baldeações até
alcançarem seus destinos, prejudicando assim o principal objetivo divulgado da
obra, a redução do tempo de viagem entre Guaratiba e Barra da Tijuca, ao
contrário do que ocorria anteriormente. Observam-se assim os interesses
econômicos e de privilégios a grupos de classe muito específicos direcionando
os investimentos públicos na cidade.
O espaço não é transformado aleatoriamente, pois representa grande
possibilidade de direcionar investimentos, valorização imobiliária, beneficiamento
de negócios específicos, etc. Cada obra executada pela prefeitura do Rio de
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Janeiro evidencia o peso do capital: desde a primazia do veículo individual pela
cidade estimulada pela péssima oferta de transporte público, até o favorecimento
de espaços desejosos de serem valorizados através de obras públicas, como
indica Lago (2001). Lefebvre diz que "o crescimento quantitativo da economia e
das forças produtivas não provocou um desenvolvimento social, mas, ao
contrário, uma deterioração da vida social" (LEFEBVRE, 2008, p 149). A vida
social é desprezada, sua qualidade é tornada uma futilidade, descartável e
ignorável. A população é desfavorecida em seus direitos e interesses, sem se
dar conta da racionalidade que orienta tal realidade.
Falando de sistemas de objetos (SANTOS, 2008), pode-se dizer que a
conjugação dos objetos espaciais, encarados aqui como toda a materialidade
passível de ser observada no espaço, acontece conforme intenções, pois os
agentes da produção e das transformações espaciais estão repletos de
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intencionalidades. É possível identificar algumas diretrizes para definirem-se os
rumos dados ao espaço na sociedade capitalista: a necessidade de reprodução
biológica da força de trabalho e a reprodução das relações sociais de produção,
conforme indica Henri Lefebvre (1991). Portanto, é necessário que o espaço
garanta minimamente abrigo e descanso aos trabalhadores em suas relações
familiares. Ao mesmo tempo, espaço estará transformando-se conforme as
necessidades de reprodução do capital.
"Em primeiro lugar, o capitalismo está sempre movido pelo ímpeto de acelerar o
tempo de giro de capital, apressar o ritmo de circulação do capital e, em
consequência, de revolucionar os horizontes temporais do desenvolvimento. Mas
só lhe é possível fazê-lo por meio de investimentos de longo prazo (por exemplo,
no ambiente construído, bem como em infraestruturas elaboradas e estáveis de
produção, consumo, troca, comunicações e coisas desse tipo)"(Harvey, 2009, p.
86).
O espaço geográfico representa, simultaneamente, uma necessidade e
um limite à reprodução do capital. São necessárias estruturas materiais, como
arcos, pontos e nós na rede que estrutura parte do cotidiano das relações
econômicas e sociais hoje (autoestradas, aeroportos, estações ferroviárias,
agências bancárias, lojas, servidores de sítios eletrônicos, dentre outros),
responsáveis pela circulação de mercadorias, capitais e pessoas na economia
globalizada. Entretanto, tal fixidez é também um empecilho à mobilidade do
capital, tão necessária ao aumento da velocidade de sua reprodução. Nesse
contexto, investimentos destinados à materialidade do espaço estarão, sempre
que possível nas sociedades capitalistas, destinados aos interesses de
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empresas e grupos específicos, muitas vezes de atuação que extrapola o lugar,
mesmo que tais investimentos sejam necessariamente localizados.
Os discursos criados em torno dos investimentos ocorridos na cidade do
Rio de Janeiro estão, por muitas vezes, distantes da realidade. É possível dizer
que um certo imaginário é construído com muita destreza; não deixa arestas a
serem aparadas, nem questionamentos a serem feitos: convence a todos, ou
quase, de que o espaço deve possuir apenas uma face, ser produzido e vivido
de acordo com parâmetros bem definidos: os da propriedade privada, que levam
a experiência do espaço e a vida cotidiana a um matiz cada vez mais
individualizado e individualista. O lazer no shopping, a moradia em condomínio
fechado e o aumento de serviços oferecidos em casa, conhecidos como delivery,
são uma evidência dessa realidade.
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Assim, os objetivos específicos serão perseguidos da seguinte maneira: no
Capítulo 1, identificar os signos reproduzidos no processo de transformação
espacial de Campo Grande a partir do bairro da Barra da Tijuca; no Capítulo 2,
buscando analisar as principais marcas da produção espacial da Barra da Tijuca
e seus significados, tanto no âmbito da forma quanto no do conteúdo; no
Capítulo 3, analisar as consequências das tentativas dos agentes do mercado
imobiliário e do Estado de transformar Campo Grande conforme a lógica de
produção espacial da Barra da Tijuca e sua influência sobre o cotidiano e a
vivência espacial do bairro.
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Capítulo 1