ISSN 1984-8218
Formulação do Método do Tubo de Trajetórias para a Equação de
Convecção.
Luciana Prado Mouta Pena
Departamento de Matemática Aplicada (GMA), Universidade Federal Fluminense - UFF
24020-140, Niterói-RJ, Brasil
Email: [email protected]
Nelio Henderson
Instituto Politécnico, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
28601-970, Nova Friburgo-RJ, Brasil
E-mail: [email protected]
Resumo. No presente trabalho apresentamos a formulação do método do Tubo de Trajetórias, um
algoritmo semi-Lagrangiano, conservativo, explícito, simples, fisicamente intuitivo e destinado à equação
de convecção.
1.
Introdução
Muitos problemas práticos relacionados com o transporte de uma propriedade física são descritos
por uma equação diferencial parcial hiperbólica denominada de equação de convecção ou de advecção.
Um exemplo é o transporte de sal pelas correntes marinhas; outro exemplo importante é a advecção de
frentes meteorológicas. Conseqüentemente, a modelagem computacional dos fenômenos de convecção é
uma área de grande importância, onde a solução dessa equação tem um papel de destaque na predição de
diversos problemas de interesse das engenharias e das ciências aplicadas.
Nas últimas décadas a busca por soluções numéricas fisicamente coerentes para a equação de
convecção tem envolvido um grande esforço da comunidade científica. Vários algoritmos foram
desenvolvidos em diversas áreas do conhecimento técnico e teórico. Uma vez que esses métodos são
geralmente explícitos, eles estão tipicamente sujeitos às condições de Courant-Friedrichs-Lewy (CFL), a
qual impõe restrições ao passo de tempo usado na resolução numérica. Essa questão pode ser suplantada
com o emprego de esquemas semi-Lagrangianos, os quais são populares na simulação de modelos
atmosféricos, veja [8], [9], [12], [13], por exemplo. Os métodos semi-Lagrangianos têm sua origem na
dinâmica de fluidos computacional dos anos 50 e 60, sendo um legado histórico decorrente das primeiras
técnicas numéricas para a simulação de escoamentos, veja [5], [14] e [15]. A principal desvantagem da
maioria dos esquemas semi-Lagrangianos é o fato deles formalmente não conservarem a massa. Assim,
trabalhos recentes tentam contornar essa questão melhorando as propriedades conservativas de alguns
esquemas semi-Lagrangianos, [1].
Aqui formularemos o método do Tubo de Trajetórias, um algoritmo semi-Lagrangiano construído
utilizando-se os princípios básicos da mecânica dos meios contínuos. Este método foi desenvolvido e
inicialmente testado nas dissertações de doutorado de Sampaio, [10] e Pena, [6], onde também são
apresentadas duas extensões semi-Lagrangianas destinadas à equação de conveçcão-difusão. Mais
detalhes teóricos e numéricos podem ser encontrados em dois artigos que publicamos recentemente, [3] e
[4].
2.
Descrição do Método
A nossa abordagem para o método do Tubo de Trajetórias é formulada com base na teoria da
mecânica dos meios contínuos, à luz da metodologia Lagrangiana. Em vista disso, inicialmente iremos
rever alguns conceitos físicos de interesse, os quais estão relacionados com aspectos cinemáticos da
mecânica do contínuo, conforme [2] e [11], por exemplo.
Na mecânica dos meios contínuos, um corpo material é caracterizado pela possibilidade de
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ocupar diferentes regiões de um espaço Euclidiano em diferentes instantes de tempo. Em geral, dado
t ∈ R , um corpo tridimensional Β (ou uma parte de Β ) é idealizado como sendo um conjunto conexo
~
Ωt ⊂ R 3 , chamado de configuração do corpo no instante t . Assim, em instantes de tempo distintos t e
t , o mesmo corpo é representado por duas (possivelmente diferentes) configurações Ω ~t e Ω t . Essas
regiões, supostamente regulares, podem diferir não apenas pela forma geométrica, mas também pelas
posições ocupadas em R 3 . Durante o movimento do corpo, a localização no espaço de uma dada
configuração, com relação a um sistema de coordenadas, é feita por meio de um vetor posição:
(1)
X = X (ζ , t ) ,
onde ζ denota uma partícula de Β . Na realidade, X (ζ , t ) representa a posição do ponto material
arbitrário ζ na configuração relacionada com o tempo t .
O domínio espaço-tempo clássico é identificado com o produto Cartesiano R 3 × R do espaço
Euclidiano R 3 com o eixo de tempo R . Aqui, a curva no espaço-tempo ao longo da qual uma partícula
material arbitrária se desloca será referida como a trajetória da partícula material ζ . No sentido da
mecânica dos meios contínuos, existe outro conceito Lagrangiano que determina a localização (apenas)
no espaço da partícula a partir da deformação do corpo. Este caminho em R 3 é denominado na literatura
em língua inglesa de “path line”. No presente trabalho, chamaremos esse tal caminho no espaço de linha
de trajetória. Enfatizamos que, neste contexto, existe uma diferença substancial entre trajetória e linha de
trajetória: a primeira é uma curva no espaço ( R 3 ) parametrizada pelo tempo e a segunda encontra-se
efetivamente no espaço-tempo ( R 4 ).
Assim, de acordo com a definição dada na página 59 do texto clássico de Gurtin, [2], a trajetória
de ζ será definida aqui matematicamente como sendo o seguinte conjunto em R 3 × R :
ℑζ = { ( X , t ) ∈ R 3 × R; X = X (ζ , t )∈ Ω, t ∈ R} .
(2)
Visto que o tempo t é o parâmetro ao longo da linha de trajetória que corresponde às posições
ocupadas por ζ , então a equação paramétrica da linha de trajetória de uma partícula que se move com
velocidade V é uma solução particular do seguinte sistema de equações diferenciais ordinárias:
dX
=V ,
dt
(3)
A condição adicional necessária para determinar uma solução particular do sistema na Eq. (3) é
obtida pela escolha de uma determinada configuração de referência, a qual informa a posição da partícula
~
material ζ em um determinado tempo t :
~
(4)
X (ζ , ~
t)=X
Dado um intervalo I = [t1 , t2 ] , é claro que a determinação de X (ζ , t ) , para todo t ∈ I , define
não apenas a linha de trajetória como também a própria trajetória de ζ ao longo do intervalo de tempo
considerado. Por esta razão algumas vezes chamaremos de trajetória o conjunto solução de Eq. (3), em
um certo intervalo I = [t1 , t2 ] .
Um tubo de trajetórias Σ é uma região no espaço-tempo formada pela união das trajetórias
relativas às partículas ζ de um dado corpo material Β , veja Figura 1.
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Figura 1. Tubo de trajetórias.
Assim, podemos escrever o conjunto Σ na seguinte forma:
Σ = ∪ ℑζ .
(5)
ζ ∈Β
A equação de convecção de interesse neste trabalho é uma EDP linear que pode ser escrita na
forma
∂C
(6)
+ ∇ ⋅ (CV ) = 0 ,
∂t
onde a função incógnita C = C ( X , t ) é um escalar representando a concentração de uma substância, um
traçador, por exemplo.
Integrando a equação de convecção, Eq. (6), ao longo do tubo de trajetórias Σt mostrado na
Figura 1 obtemos:
∂C
∫ [ ∂t
+ ∇ ⋅ (CV )] dX dt = 0 ,
(7)
Σt
ou seja,
t + ∆t
∂C
∫ ∫ [ ∂t
t
+ ∇ ⋅ (CV )] dX dt = 0 ,
(8)
Ωt
onde o domínio material Ω t representa uma configuração do fluido em um instante arbitrário t . Por
outro lado, o teorema do transporte de Reynolds nos fornece a identidade integral dada por
∂C
d
+ ∇ ⋅ (CV )] dX , [10]. Essa identidade permite-nos escrever a expressão em Eq.
C dX = ∫ [
∫
dt Ωt
∂t
Ωt
(8) como segue:
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t + ∆t
∫
(
t
d
C dX ) dt = 0 .
dt Ω∫t
(9)
Como por definição
 CdX − CdX 
∫t
 t +∫∆t

d
C
dX
lim
=

,
∆t → 0
dt Ω∫t
∆t




(10)
então, pelo teorema fundamental do cálculo, obtemos
t + ∆t
∫
(
t
d
CdX ) dt = ∫ CdX − ∫ CdX .
dt Ω∫t
Ω t + ∆t
Ωt
(11)
Assim, em vista da Eq. (11), podemos expressar a relação em Eq. (9) na seguinte forma
equivalente:
(12)
C ( X , t + ∆t ) dX = C ( X , t ) dX .
∫
∫
Ω t + ∆t
Ωt
A igualdade na Eq. (12) mostra que formalmente a massa é conservada ao longo do tubo de
trajetórias Σt .
Para gerarmos um esquema de discretização a partir da expressão integral (e conservativa)
mostrada na Eq (12), consideraremos uma malha num instante t + ∆t como indicada na Figura 2.
Figura 2. Tubo de trajetória no domínio discretizado.
Aqui, deve-se entender que Ω t + ∆t representa um elemento retangular arbitrário da malha, sendo
Dt a sua imagem mapeada para o instante anterior t . Enfatizamos que na presente metodologia esse
mapeamento é feito seguindo-se as trajetórias do traçador no sentido reverso do tempo. Assim, o
elemento Dt não é necessariamente um quadrilátero e também se encontra, possivelmente, deformado
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com relação à Ω t + ∆t .
Os processos de discretização e o mapeamento reverso de cada célula da grade ao longo das
trajetórias determinam tubos de trajetórias, semelhantes aquele mostrado na Figura 2. Assim, podemos
escrever a formulação Lagrangiana em Eq. (12), para cada um desses tubos, como segue:
(13)
C ( X , t + ∆t ) dX = C ( X , t ) dX .
∫
∫
Ω t + ∆t
Dt
Seja C (n +1) o valor médio da concentração C na célula arbitrária Ω t + ∆t , definido por:
C ( n +1) ≡
onde Ω t + ∆t ≡
∫ dX
1
∫ C ( X , t + ∆t ) dX ,
Ω t + ∆t
(14)
Ω t + ∆t
é a medida de Ω t + ∆t . Combinando as relações em Eq. (13) e (14), obtemos:
Ω t + ∆t
∫ C ( X , t ) dX
C
( n +1)
=
Dt
Ω t + ∆t
.
(15)
A dedução acima fornece um esquema Lagrangiano para a equação de convecção. Note que o
esquema em Eq. (15) é totalmente explícito, uma vez que determina valores médios de concentração no
nível de tempo t + ∆t em função de valores de C no nível de tempo t . Além disso, esse esquema é
conservativo, pois é uma conseqüência imediata da relação conservativa descrita em Eq. (12).
Para escoamentos de fluidos incompressíveis ( ∇ .V = 0 ), podemos mostrar que
dX = dX ,
∫
∫
Ω t + ∆t
Dt
para todo t , ou seja,
Ωt +∆t =
∫ dX .
(16)
Dt
Assim, se ∇ .V = 0 , das Eqs. (15) e (16), obtemos:
C ( n +1) =
onde Dt =
1
Dt
∫ C ( X , t ) dX ,
(17)
Dt
∫ dX . Portanto, a expressão em Eq. (17) mostra que, sempre que o fluido for incompressível,
Dt
o presente esquema define C (n +1) como sendo igual ao valor médio da concentração no domínio mapeado
Dt , o qual não é necessariamente uma célula da grade no nível de tempo t .
De uma forma geral, para determinar o valor de C no nível de tempo (n + 1) , o esquema em Eq.
(15) necessita do valor da integral
∫ C ( X , t )dX
e demanda o cálculo de Ω t + ∆t . Se a malha no instante
Dt
t + ∆t é retangular, a medida do elemento Ω t + ∆t é facilmente calculada. De fato, na malha considerada
na Figura 2, Ω t + ∆t é a área de um retângulo.
Para finalizar, enfatizamos que a metodologia escolhida para o cálculo de
∫ C ( X , t )dX
irá
Dt
definir os aspectos práticos do método proposto. Assim, pode-se obter diferentes algoritmos para o
método do tubo de trajetórias.
Algumas implementações eficientes podem ser encontradas em [10] e [6], veja também a
implementação numérica referente a este artigo em [7].
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3.
Conclusões
Neste trabalho lidamos com a formulação do método do Tubo de Trajetórias, uma abordagem
semi-Lagrangiana conservativa para a resolução da equação de convecção, formulada à luz da mecânica
dos meios contínuos, onde os aspectos básicos da cinemática do contínuo são as ferramentas
essencialmente usadas para a concepção da formulação proposta.
O método do Tubo de Trajetórias é explícito e tem, entre outros aspectos, o mérito se ser simples
e fisicamente intuitivo.
4.
Referências
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[14]
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