: VAMOS FALAR DE...
Reuniões de pais e trabalho com famílias
Manuela Matos . Educadora de Infância, diretora do Centro de formação da APEI
Os pais ou encarregados de educação são
os responsáveis pela criança e também os
seus primeiros e principais educadores (…).
Sendo a educação pré-escolar complementar da ação educativa da família, haverá que
assegurar a articulação entre o estabelecimento educativo e as famílias, no sentido de
encontrar, num determinado contexto social,
a respostas mais adequadas para crianças e
famílias (…).
(OCEPE, 1997)
A relação e trabalho com famílias é uma
dimensão fundamental da construção do
currículo em Educação de Infância, situação
que os educadores conhecem, defendem e
promovem, como condição imprescindível
para um desenvolvimento (mais) integrado
e sustentado das crianças que diariamente
lhes são confiadas. Todos conhecemos experiências interessantes e inovadoras de
comunicação e relação com as famílias em
creches e jardins de infância, dando corpo ao
antigo provérbio chinês “É necessário toda
uma aldeia para educar uma criança.”
De entre os profissionais de educação, os
educadores de infância sempre desenvolveram uma prática de maior envolvimento com
as famílias, facto confirmado pelo primeiro
estudo realizado sobre esta matéria em 1989,
por Don Davies, junto de professores e educadores de diferentes regiões do país. O pioneirismo destas práticas mais sistémicas e ecológicas, digamos assim, deve-se por um lado à
história da profissão, à sua profissionalidade
específica e sobretudo à idade das crianças e
às suas necessidades e características. Como
podemos cuidar, educar e ensinar crianças tão
pequenas, se não comunicarmos eficazmente
com as suas primeiras figuras de referência, os
seus primeiros e principais educadores, pais e/
ou substitutos, que conhecem de forma profunda e única, os(as) seus filhos(as), que são
depois as “nossas” crianças e alunos?
Na sua intervenção diária, os educadores
desenvolvem diferentes modalidades de
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Cadernos de Educação de Infância n.º 97 Set/Dez 12
De famílias para famílias - ensaiar uma peça de teatro para apresentar no dia da mãe EB1/J.I. da Trafaria
trabalho e relação com as famílias, sendo as
reuniões de pais uma delas. Consideradas
como uma estratégia fundamental para a
divulgação e avaliação do trabalho pedagógico junto das famílias, muitas vezes a sua
realização não alcança o sucesso pretendido,
deixando um sentimento de inutilidade, repetição, nervosismo, indiferença, conforme
nos coloquemos do ponto de vista das famílias e/ou dos profissionais.
Sem pretender de forma alguma esgotar um
assunto tão complexo, extenso e particular
como são as reuniões de pais, onde cada
caso é um caso, aqui ficam alguns apontamentos para ajudar a pensar a sua conceção,
desenvolvimento e avaliação. Comecemos
assim pelo princípio:
1. Antes da reunião: planificação
Prepare antecipada e cuidadosamente a
reunião (data, hora, local, conteúdos a apresentar/explorar).
Envolva a equipa (auxiliares, estagiárias…) e
famílias neste processo. Tome em consideração as suas disponibilidades e interesses.
Para isso, informalmente, pergunte, observe,
esteja atento aos hábitos, preocupações,
dificuldades, comentários das famílias. O sucesso de uma reunião está (também) dependente da implicação, direta ou indireta, de
todos os que nela participam. A calendarização das reuniões deve respeitar as sugestões
indicadas pela maioria dos pais.
Discuta com os seus pares os objetivos da
reunião e selecione as melhores estratégias,
de acordo com os conteúdos a abordar, a
altura do ano letivo e o público-alvo (características das famílias, adesão, número provável de presenças…)
Pense nas formas de divulgação, passe a
palavra e “cative”. Não chega uma informação colocada na porta e outra enviada para
casa, num caderno, na mochila das crianças.
É pouco e é pobre e em algumas comunidades nem chega a ser lido.
Dependendo da idade das crianças (e a partir de bem pequenas já o pode fazer) envolva-as nesta organização, através de cartas,
dos convites – desafiadores e pouco formais
–, de mensagens escritas na entrada, de
surpresas para as famílias: confeção de uns
bolinhos, por exemplo.
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Pense no local e lembre-se de que, com algumas exceções, o melhor local é a sala onde as
crianças passam a maior parte do seu tempo. É uma estratégia in locu para observação e contacto com o desenvolvimento do
currículo, caso os espaços (e as paredes) se
apresentem como espaço de documentação
pedagógica. Se não for possível realizar na
sala, por exiguidade de espaço ou outros aspetos logísticos, não se esqueça de convidar
as famílias a irem até lá.
Pense ainda na possibilidade de poder acolher
algumas crianças que possam vir à reunião
com as famílias, na ausência de outros familiares que com elas possam ficar em casa. Esta
situação deve ser uma exceção, mas a acontecer não poderá nem deverá ser ignorada.
2. Durante a reunião: dinamização
Organize o espaço para bem acolher e faça-o com as crianças, se possível. Transmita
e viva a importância de cuidar do ambiente
para receber os nossos convidados e aproveite para mostrar o seu trabalho em comunidade (a vida das crianças e dos adultos na
sala – textos, fotografias, registos...). Coloque as cadeiras de forma que todos se possam ver e assegure-se de que os pais ficam
confortáveis e conseguem comunicar consigo e entre si.
Famílias e crianças em conjunto (aula de música) - as modalidades de participação são diversas EB1/J.I. da Trafaria
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Educadores e famílias a assistirem a um teatro preparado por um grupo de famílias - EB1/J.I. da Trafaria
Reserve um tempo para o acolhimento. Sirva
um sumo e/ou bolinhos feitos com as crianças. Organize o espaço para que os pais
possam circular. Vá conversando e fazendo
as honras da casa. Se se tratar de uma primeira reunião, apresente os pais entre si,
“ligando-os” através das crianças e das suas
amizades. Esteja atento aos mais inibidos
(os pais também se sentem constrangidos
e receosos). Insira-os na sala, aproxime-se
e sorria. Quebre algum gelo que se possa
instalar, mas não prolongue este tempo em
demasia.
Não se esqueça de apresentar a forma como
irá decorrer a reunião, solicitando a inclusão
de algum aspeto que os pais queiram ver
tratado. Deixe um tempo livre para promover debate e troca de diferentes pontos de
vista e opiniões. A possibilidade de dar a
vez e a voz às famílias é uma mais-valia das
reuniões e a efetivação do direito à participação. Neste caso, como noutros, faça uma
gestão adequada do tempo.
Utilize pouco tempo para assuntos de natureza organizativa e burocrática, que cansam e afastam os presentes de uma próxima
reunião. Quando houver necessidade de dar
informações, utilize estratégias mais eficazes e económicas (uma síntese escrita, por
exemplo), selecionando apenas e só o essencial para explicitar em conjunto.
Na sua intervenção, utilize suportes gráficos simples e atrativos. Diga o essencial e
de uma forma acessível. Introduza exemplos
significativos e ligados ao quotidiano da sala
(por exemplo, a importância do espaço; rotinas; função do educador...). As linguagens
herméticas são pouco apelativas e não proporcionam uma adesão significativa e compreensiva do que se quer transmitir.
Sempre que venha a propósito, insista em
momentos de animação e troca de ideias.
Seja criativo e arrojado, resista ao formal e
seja fortemente comunicativo e interativo.
No entanto, seja também prudente e sensato e não prolongue em demasia as reuniões.
Não fale de assuntos privados das crianças e
famílias em grande grupo. Seja eficaz a dinamizar a reunião, não seja aborrecido.
Aproveite as propostas das famílias para
organizar reuniões temáticas que sejam do
interesse de todos.
Faça uma avaliação com os que estiveram
presentes. De preferência no final da reunião, se houver tempo, ou posteriormente,
quer através de conversas informais, quer
de pequenos questionários, com sugestões
para próximos encontros.
3. Conteúdos a explorar
Esta é uma dimensão muito particular das
reuniões, fortemente relacionada com as
características dos contextos de trabalho,
motivo pelo qual pode não ter sentido ou
não ser oportuno a sugestão de temáticas a
abordar. De qualquer forma e tendo por base
as orientações dadas pelos órgãos de tutela
(ME e ISS), sabemos que a avaliação é um
aspeto que deve estar presente, revelando a
dimensão do desenvolvimento e aprendizagem das crianças e o trabalho desenvolvido
e o currículo implementado. Para além das
informações e divulgação dos projetos curricular e/ou pedagógico – nomeadamente
através da partilha de exemplos concretos
da intervenção do educador, da equipa e das
crianças –, os educadores sabem que há um
conjunto de questões que as famílias sem-
pre desejam ver abordados e explicitados e
que se prendem de uma maneira geral com
as suas ansiedades e preocupações face ao
desenvolvimento e aprendizagem dos seus
filhos.
Assim, faça um levantamento de aspetos
que as famílias gostariam de ver abordados.
Identifique também alguns dos que gostaria
de poder desenvolver. Prepare-os de uma
forma não escolar, académica ou transmissiva. Proporcione às famílias experiências ativas nas reuniões, como por exemplo:
- Ouvirem histórias que abordem aspetos do
desenvolvimento e crescimento dos filhos (a
adaptação, birras, objetos transacionais, o
ciúme, os medos…).
- Experimentarem algumas das atividades
que os filhos realizam na escola (pintura, recorte e colagem) e outras (jogos tradicionais,
brincar).
- Viverem as rotinas e metodologias de trabalho – implicar as crianças mais crescidas
(4/5 anos) na dinamização da reunião.
- Visionarem pequenos vídeos do estar das
crianças na sala; discutirem os objetivos e as
aprendizagens das crianças.
Famílias assistem ao teatro de fantoches apresentado por um pequeno grupo (mães, prima, avó…) - EB1/J.I. da Trafaria
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As crianças a prepararem salame de chocolate para a reunião
EB1/J.I. da Trafaria
4. Após a reunião: devolução e avaliação
Registe, num espaço visível, a síntese da
reunião, destacando a presença e participação das famílias (fotografias, produtos realizados, surpresa para os filhos...). Esta devolução
dinâmica do processo vivido é uma forma de
revelar a importância atribuída às reuniões e à
participação das famílias.
Faça uma síntese do que aconteceu e envie para os que não estiveram presentes ou
tenha uma pequena conversa no momento
do acolhimento ou saída. Mais uma vez se
pretende envolver quem faltou, reforçar os
canais de comunicação, não penalizar a ausência, aguçar a curiosidade e o apetite para a
próxima reunião.
Avalie com a sua equipa a reunião, identificando os aspetos mais e menos positivos, no
sentido da melhoria dos próximos encontros
ou da descoberta de novas estratégias para
uma participação cada vez mais ativa por parte das famílias.
Caso as reuniões sejam pouco concorridas,
pode (e deve) ainda:
Aproveitar os momentos informais do dia a
dia (acolhimento, saídas, festas). Apesar da
constante pressa e pressão a que as famílias
(e os profissionais!) estão sujeitas de acordo
com os seus contextos e hábitos de vida, a
relação diária não deve ser descurada, antes
: ARTIGO
Famílias e crianças em conjunto (dia do pai) - as modalidades de participação são diversas EB1/J.I. da Trafaria
Famílias e crianças em conjunto (aula de musica) - as modalidades de participação são diversas EB1/J.I. da Trafaria
rentabilizada para trocas de opiniões, pequenas partilhas, estabelecimento de laços e
comunicação significativa (não está em causa a quantidade dos contactos, mas a sua
qualidade).
Telefonar, convidando para uma curta reunião individual. Estes espaços, alimentados
com regularidade, permitem um maior conhecimento de cada criança, da sua história pes-
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soal e familiar, e não devem apenas ser agendados quando existem problemas ou queixas.
Conversar com as famílias individualmente é
proporcionar momentos de estreitamento
de relações e proximidade, tão importantes
quando “no meio” dos profissionais e das famílias está uma criança.
Organize um caderno relação escola-família,
caso tenha sentido para o contexto cultural
em causa, que se apresente como um desafio
inovador de partilha dos acontecimentos da
sala e onde as crianças deverão, desde cedo
e de acordo com as suas potencialidades, participar ativamente. Este caderno não deverá
ser utilizado para dar recados triviais ou para
exigir das famílias uma colaboração que seja
muito desadequada face às suas ocupações
pessoais e profissionais (não imponha obrigatoriedade de resposta).
Faça circular pela casa das famílias livros
construídos pelas crianças, integrando o seu
olhar e a sua voz sobre as suas famílias, por
exemplo, ou outros conteúdos resultantes do
currículo e de projetos desenvolvidos.
Organize permanências na sala, desafiando
os pais ou outros elementos da família (ir-
mãos, avós, primos) a passarem uma manhã
ou tarde na sala, de acordo com as suas disponibilidades. Incentive-os a dar o testemunho sobre o que viveram e a partilhar com as
outras famílias (organizando um placard com
fotografias, escritos…).
Como todos sabemos, as reuniões de pais
são apenas uma das modalidades de trabalho
e relação com as famílias, que deve ser rica,
regular, diversificada e decorrer de uma forma
equilibrada e harmoniosa em espaços formais
e informais, nunca esquecendo que cada
contexto é único, sendo fundamental agir de
acordo com as características de cada espaço, equipa, crianças, famílias e comunidade,
no respeito pelas suas perspetivas, hábitos,
costumes, crenças, tradições. Importa ainda
refletir sobre o impacto da cultura organizacional, que muitas vezes condiciona práticas
de envolvimento e participação das famílias,
quer ao nível das reuniões conjuntas, quer ao
nível da maior ou menor liberdade para a presença das famílias nos contextos educativos.
O maior ou menor sucesso das reuniões de
pais resulta muito da forma de organização
e condução das mesmas pelos profissionais,
mas resulta sobretudo do clima institucional
e da conceção dominante sobre a sua participação, como sujeitos de direito e dever. Julgo que mais do que ter conhecimento sobre
como dinamizar reuniões de pais, será talvez
importante que cada profissional pense em
algumas questões fundamentais para o trabalho e para a relação com as famílias, entendidas como parceiras no processo educativo.
Referências bibliográficas
Blatchford, Iram-Siraj (2004), Manual de Desenvolvimento Curricular para a Educação de Infância. Texto Editora.
Ministério da Educação (1997), Orientações Curriculares
para a Educação Pré-escolar. Lisboa.
Rigolet, Sylviane A. (2006), Organizar e Gerir Reuniões de
Pais. Porto Editora. Porto
Matos, Manuela (2004) Algumas ideias para animar a
reflexão sobre o trabalho com as famílias. Texto policopiado. ESE de Setúbal.
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