Quando as emoções comandam a fome
Diana Balaias
Psicóloga
É clara a importância que a comida tem para qualquer ser vivo, nomeadamente para o ser humano.
“Fome”, do latim faminem, é o nome que se dá à sensação fisiológica pela qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter as actividades inerentes à vida. Na falta de alimento, qualquer ser vivo leva as
suas capacidades ao extremo para tentar conseguir alimentar-se; o ser humano pode mesmo envolver-se
em actos primitivos e inconcebíveis quando busca desesperadamente a sua sobrevivência.
No entanto, para o ser humano, a comida adquire, durante o fenómeno de socialização, um significado para além do fisiológico, verificando-se que o desejo de comer surge mesmo na ausência de necessidades energéticas e nutricionais. É neste sentido que surgiu o conceito de fome emocional, para expressar
a vontade de comer em função do estado emocional da pessoa e não das suas necessidades fisiológicas.
As emoções negativas aumentam natural e substancialmente os níveis de glucose no organismo. A
glucose é um supressor natural do apetite. Quando as pessoas comem por razões psicológicas, tendem a
fazê-lo em situações depressivas ou de maior stress (contrariamente às que seguem a resposta fisiológica
natural). Assim, enquanto a fome física é gradual e paciente, receptiva a vários alimentos e acaba quando o
organismo está saciado, a emocional é súbita e urgente, exige um alimento específico e não acaba. Por outras palavras, usamos os alimentos e os doces para compensar tristezas, decepções, perdas, inquietações e
ansiedade.
Tendo em conta estes aspectos, a indústria alimentar procura aumentar o desejo de consumo de
determinados alimentos, através de uma confecção estrategicamente programada. Os alimentos são confeccionados de forma a serem fáceis de mastigar e saborosos, baratos e acessíveis. Para além disso, são
constituídos por substâncias-chave como o açúcar, a gordura e o sal, que ajudam a melhorar o humor e,
até, a combater a depressão.
Num estudo realizado por Hoebel (2009), verificou-se que ratos alimentados com 25% em açúcar
ficavam ansiosos quando o açúcar era removido da alimentação (apresentando sintomas idênticos aos das
pessoas com síndromes de abstinência).
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Os nutrientes presentes nalguns alimentos (por exemplo, chocolate, castanhas, nozes, amêndoas,
cereais integrais, banana, leguminosas), tal como os fármacos eficazes no tratamento da depressão, estimulam a produção e a libertação de neurotransmissores (mensageiros químicos que transmitem impulsos
nervosos ao cérebro e são responsáveis pelas sensações de bem-estar e prazer).
Os três principais neurotransmissores relacionados com o humor são a serotonina (mediador inibitório do núcleo hipotalâmico ventro-medial - "centro da fome" - responsável pela sensação de bem-estar,
acção sedativa e calmante), a dopamina e a noradrenalina (proporcionam energia e disposição).
A ingestão de carbohidratos, presentes nos alimentos apetitosos, leva ao aumento dos níveis de insulina, que auxiliam na "limpeza" dos aminoácidos circulantes no sangue e facilitam a passagem do triptofano para o cérebro. O triptofano, uma vez no cérebro, induz a produção de serotonina, que reduz a sensação de dor, relaxa e até induz e melhora o sono. Assim, uma alimentação pobre em carbohidratos ou uma
alimentação com excesso de proteínas, por vários dias, pode levar a alterações de humor e depressão. Os
neurocientistas também informam repetitivamente que a combinação gordura/açúcar tem a capacidade de
estimular o neurotransmissor cerebral dopamina, levando a uma sensação de bem-estar.
Contudo, o consumo excessivo de doces também pode agravar um quadro de tristeza. Quando comemos açúcar, o nível de glicose no sangue aumenta rapidamente e, com isso, o pâncreas produz mais insulina do que o normal. Em excesso, a insulina acaba por retirar açúcar do sangue, provocando um estado
de hipoglicémia, que reduz a tolerância do organismo aos factores geradores de stress. Uma alimentação
pobre em nutrientes e cheia de açúcar, a longo prazo, tende a deixar a pessoa deprimida e cansada, pois o
organismo desgasta-se para metabolizar os alimentos e não tem reposição de nutrientes. Por outro lado, a
produção e a libertação destes neurotransmissores também pode ser comprometida por factores como distúrbios fisiológicos.
Assim, procura-se compensar os sentimentos negativos com o poder de determinados alimentos ou
com uma grande quantidade de alimentos. Normalmente, estes alimentos são ricos em açúcar, gordura e
sal e, portanto, os mais calóricos. Consequentemente, come-se exagerada e inapropriadamente na tentativa de saciar a fome emocional. O padrão emocional de alimentação passa a ocorrer automaticamente, sem
existir sequer consciência da presença ou não de fome. Para além deste comportamento automático, devido ao poder momentâneo em estimular a produção de certos neurotransmissores, os alimentos também ficam associados na nossa memória a recordações de infância ou a outros momentos agradáveis, fazendonos desejar voltar a comer “aquilo” como meio de voltar a experienciar esses sentimentos positivos.
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O problema surge quando o hábito de comer, de forma emotiva, deixa de ser um consumo saudável, para resultar num ganho de peso excessivo. O excesso de peso, que é uma realidade crescente em Portugal, é influenciado quer por factores biológicos (hereditariedade, metabolismo basal) quer por factores
psicológicos (dificuldades afectivas, perdas, lutos, sentimentos negativos e o stress) que podem levar à ingestão compulsiva de alimentos. A comida proporciona apenas uma satisfação passageira, não resolvendo
os problemas inerentes à alteração de humor, pelo que se recorre reiteradamente à ingestão compulsiva
como estratégia inadaptativa para lidar com os sentimentos negativos. Esta situação agrava-se, ainda mais,
quando o aumento de peso precipita sentimentos de baixa auto-estima, desvalorização pessoal e/ou culpa
por ter comido exageradamente Por sua vez, estes sentimentos podem aumentar, ainda mais, a fome emocional, criando um ciclo vicioso entre ingestão compulsiva de alimentos calóricos e sentimentos negativos,
semelhante às situações de dependência ou abuso de substâncias.
A família constitui o primeiro agente de socialização de comportamentos e atitudes, pelo que a associação entre comida e emoção pode ter origem nos comportamentos modelados na infância. A criança
observa que os pais, quando estão tristes ou sob situações de stress, comem para se sentirem melhor.
Consequentemente, a criança interpreta a comida como a forma eleita para lidar com os sentimentos negativos, isto é, como uma espécie de anti-depressivo ou ansiolítico, aprendendo este comportamento como
uma estratégia para regular as suas emoções. Por outro lado, é muito comum os pais tentarem acalmar, satisfazer ou consolar a criança, oferecendo-lhe alimentos saborosos como os doces, mesmo quando esta
chora por outros motivos. A criança aprende a associar o bem-estar à ingestão de comida e os alimentos
passam a adquirir um significado emotivo. A comida torna-se na primeira estratégia para lidar com as sensações desagradáveis, que se vai perpetuando no tempo, pelo que as dificuldades afectivas vão despertar
invariavelmente a fome emocional. Alguns psicólogos defendem, inclusivamente, que a amamentação já é
por si uma sensação física agradável, pelo que a criança interioriza que a comida diminui a ansiedade.
Por outro lado, ao longo da História, os alimentos também sempre foram usados como uma forma
de celebração ou de conforto. Os valores socioculturais tendem a perpetuar a associação entre alegria e
grandes festejos com comida, sendo um sinal de boa educação aceitar e comer tudo.
Tento em conta o que foi referido, reconhece-se actualmente que, para solucionar o problema de
excesso peso da grande maioria dos indivíduos, não basta fazer dieta e um plano de exercícios. Muitos especialistas destacam a importância da utilização de técnicas de modificação comportamental, como abordagem para reduzir e manter um peso equilibrado. Assim, quando as emoções comandam a fome, é preciso aprender a distinguir entre a fome física e a fome emocional e identificar o que desencadeia a última.
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Para além disto, a desconexão entre emoção-comida exige a aprendizagem de estratégias adaptativas de
resolução de problemas, de estratégias para lidar com as emoções negativas e a promoção da auto-estima
diminuindo, desta forma, a fome emocional.
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