POR UMA GEOGRAFIA DO SAGRADO.
GIL FILHO, Sylvio Fausto1
RESUMO
O presente ensaio discute as limitações da Geografia da Religião tradicional
e propõe um redimensionamento de seu objeto de pesquisa. Apresenta o
sagrado como cerne da experiência religiosa. Propõe uma Geografia
baseada na espacialidade do sagrado a partir de um ponto de vista
relacional.
ABSTRACT
The present essay discusses the limitations of the traditional Geography of
Religion and proposes a redimension of its research object. It presents the
sacred as the core of the religious experience. It’s proposes a Geography
based on the spatiality of the sacred starting from a relational point of view.
INTRODUÇÃO
A abordagem geográfica da religião tem como característica marcante o
condicionamento da análise do sagrado aos parâmetros da análise espacial. Esta tendência,
demonstra uma certa resistência dos geógrafos da religião de irem além da análise funcional
do fenômeno religioso. Tal insegurança reside no fato de que o fenômeno religioso, como
tal, está além de suas implicações espaciais imediatas. Contudo, ao restringirmos o fenômeno
religioso a uma rede de distâncias possíveis, o colocamos nos ditames do espaço geométrico
e o cristalizamos em relações puramente locacionais.
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Professor Adjunto do Departamento de Geografia UFPR - Curitiba, PR
Mestre em Geografia UNESP - Rio Claro, SP.
Doutor em História UFPR - Curitiba, PR
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Todavia, a apreensão conceitual de uma geografia da religião emerge de
historiadores da Igreja e não de geógrafos Neste sentido, a geografia da religião seria uma
análise e descrição do fenômeno religioso em termos da ciência geográfica. (Barret 1982).
Esta perspectiva possui certa ambigüidade por ser muito genérica permitindo todo e qualquer
tipo de estudo. Sendo assim, geógrafos como Isaac (1965) e Stump (1986) (apud Park 1994)
distinguiram duas abordagens possíveis:
(i)
Uma geografia religiosa, focada na influência da religião na
percepção do homem sobre o mundo e a humanidade, que
essencialmente concerne ao âmbito teológico e cosmológico.
(ii)
Uma geografia das religiões que remete aos efeitos e relações da
religião com a sociedade, meio-ambiente e cultura. Sob este ponto de
vista a religião é estritamente uma instituição humana. Sendo assim,
o que se evidencia são as suas relações com os vários elementos
humanos e físicos.
A segunda abordagem tende, atualmente, a ser hegemônica. Justamente é neste
cenário que construímos a crítica. Ao reduzir a religião somente a uma instituição humana
cumprimos o papel de qualifica-la per se sob dois pressupostos: como sistema simbólico ou
como ideologia.
(i)
Na primeira hipótese, a religião é projeção simbólica e condição que
permite de forma dissimulada a coerência das relações sociais. Como
definiu Geertz (1989), “um sistema simbólico que atua para
estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma
ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura
de
fatualidade
que
as
disposições
e
motivações
parecem
singularmente realistas” (pp 104-105).
(ii)
Na segunda hipótese a religião é uma projeção distorcida da realidade
que cumpre a função de manutenção da coerência social sob o ponto
de vista daqueles grupos que exercem o poder. Neste sentido “só
existe prática através de e sob uma ideologia e só há ideologia pelo
sujeito e para o sujeito (Althusser 1992)”. Neste sentido a ideologia
religiosa é destinada aos indivíduos e os transforma em sujeitos.
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Sendo assim o discurso religioso os interpela como sujeitos concretos
e os coloca diante da escolha entre aceitar ou não este comando.
Todavia quem profere o comando é um Sujeito Único e
Transcendente, ou seja, a Divindade. Na abordagem althusseriana, a
religião ao transformar os indivíduos em sujeitos concretos diante de
um Sujeito absoluto se faz ideologia pois reproduz uma infinidade de
sujeitos submetidos a esta relação. Tal relação permite o
reconhecimento dos próprios indivíduos enquanto sujeitos, do Sujeito
Absoluto e a perpetuação deste reconhecimento mútuo. No entanto,
esta concepção aplica-se mais às religiões cuja estrutura de fé parte
da existência de um Deus pessoal. A exemplo das religiões
monoteístas semíticas.
Reconhecer a religião apenas como sistema simbólico ou como ideologia é
subestima-la no seu aspecto mais legítimo e essencial: a sua sacralidade. Concordamos que
nas circunstâncias mais abrangentes de análise para as ciências humanas “Religião é a
experiência do Sagrado” (Otto 1992). Como comenta Wach (1990) este conceito concede
uma objetividade à experiência religiosa que contrapõem-se a teorias psicológicas de caráter
mais subjetivo e individual abrindo-se para a dimensão social do sagrado.
O SAGRADO ENQUANTO CATEGORIA
O sagrado, para Otto (1992), é uma categoria de interpretação e avaliação a priori,
e como tal, somente podemos remetê-la ao contexto religioso. A teoria do sagrado de Otto
nos permite resguardar um atributo essencial para o fenômeno religioso ao mesmo tempo
que o torna operacional. Nesta abordagem, o sagrado reserva aspectos dito racionais, ou seja,
passíveis de uma apreensão conceitual através de seus predicados, e aspectos não racionais,
que escapam à primeira apreensão, sendo estes exclusivamente captados enquanto
sentimento religioso. O não racional é o que foge ao pensamento conceitual por ser de
característica explicitamente sintética e só é assimilado enquanto atributo. Neste patamar
reflexivo está o âmago da oposição entre o racionalismo e a religião.
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A característica própria do pensamento tradicional diante do fenômeno religioso é
de reconhecer aquilo que, por um momento, não obedece às leis da natureza. Esta
intervenção no andamento natural das coisas feita pelo Transcendente, que é o autor destas
leis, apresenta-se como uma tese apriorística. Ou seja, resta saber se a própria ortodoxia não
foi responsável em velar o elemento não racional da religião ao enfatizar em demasia o
estudo de aspectos doutrinários e rituais e menosprezar os aspectos mais espirituais e
essenciais da experiência religiosa. Otto concorda com esta assertiva. O contexto cultural
religioso do seu trabalho justifica esta premissa. Tornando a idéia de Deus como racional, a
ortodoxia aponta para estudos da experiência religiosa enquanto representação humana, e
como tal toma a religião em seu aspecto racional.
Para Otto (1992) “...a religião não se esgota nos seus enunciados racionais e
esclarecer a relação entre os seus elementos, de tal modo que claramente ganha consciência
de si própria.” (p.12) Esta motivação nos envolve especialmente com a categoria do sagrado,
o que garante de forma peculiar uma análise abrangente do fenômeno religioso.
O exame da experiência do sagrado nos remete a um atributo imanente do
sentimento religioso. Através do sentimento religioso qualificamos e reconhecemos o
sagrado em sua exteriorização.
Entretanto, se o sagrado é único enquanto categoria, paradoxalmente ele é plural
em sua realidade fenomênica. O sagrado per se é exclusivamente explicado em sua própria
escala, ou seja, a escala religiosa. Todavia, no plano fenomênico ele se apresenta em uma
diversidade de relações que nos possibilita estuda-lo à escala das ciências humanas.
Podemos conceber quatro instâncias analíticas possíveis do sagrado:
(i)
A primeira refere-se a sua materialidade fenomênica a qual é apreendida
através dos nossos instrumentos preceptivos imediatos. Refere-se a
exterioridade do sagrado e sua concretude.
(ii)
A segunda é a apreensão conceitual através da razão pela qual concebemos
o sagrado pelos seus predicados e reconhecemos a sua lógica simbólica.
Sendo assim, o entendemos enquanto sistema simbólico e projeção cultural.
Trata-se de uma possibilidade muito presente na análise filosófica e
antropológica.
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(iii)
A terceira possibilidade nos remete à tradição e à natureza arquetípica do
sagrado enquanto fenômeno. Neste sentido o reconhecemos através das
Escrituras Sagradas, das Tradições Orais Sagradas e dos Mitos. Sendo este
o enfoque teológico e dos especialistas da religião.
(iv)
A quarta possibilidade de reconhecimento do sagrado nos remete ao
sentimento religioso, seu caráter transcendente e não racional. É uma
dimensão de inspiração muito presente na experiência religiosa. É a
experiência do sagrado per se. Esta dimensão, que escapa a razão
conceitual em sua essência, é reconhecida através de seus efeitos. Trata-se
daquilo que qualifica uma sintonia entre o sentimento religioso e o
fenômeno sagrado.
A ESPACIALIDADE DO SAGRADO
Na lembrança de Merleau-Ponty (1993)
“... o espaço não é um meio contextual (real e lógico) sobre o qual as coisas
estão colocadas, mas sim o meio pelo qual é possível a disposição das
coisas. No lugar de pensarmos, o espaço, como uma espécie de éter onde
todas as coisas estariam imersas devemos concebê-lo como o poder
universal de suas conexões” (p. 258).
Nesta perspectiva o espaço é de caráter relacional e sob este aspecto é de natureza
dinâmica.
Guardadas as devidas proporções o qualitativo de sagrado na tipologia de
determinados espaços nos coloca diante de uma questão importante, a saber: o espaço
sagrado é uma categoria analítica autônoma particular ou é parte de um sistema
classificatório do exame espacial e como tal é universal enquanto categoria analítica?
O par antípoda particular e universal não é uma razão de escala mas sim uma razão
de natureza. Quando discutimos sobre o sagrado apontamos a sua natureza singular e ao
mesmo tempo plural. Singular na medida em que é específica e única em sua gênese, no
entanto é plural e diversa em sua experiência.
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Eliade (1995) refere-se ao espaço sagrado como poderoso e significativo e como
tal é estruturado e consistente em contrapartida, o espaço não sagrado é amorfo e vazio. No
que tange ao homem religioso o espaço é pleno de rupturas qualitativas. Mais precisamente,
é na experiência do sagrado que o homem descobre a realidade do mundo dos significados e
a ambigüidade de todo o resto.
Para o autor, a experiência religiosa do espaço se apresenta como primordial e,
deste modo, é o marco referencial da própria origem do mundo. Quando o sagrado
manifesta-se ele expressa o absoluto em meio à completa relatividade da extensão que o
envolve.
Na mesma discussão, a dualidade sagrado e profano perfaz o entendimento da
realidade. Se não conseguimos afirmar o que é o sagrado em sua plenitude nós podemos
caracterizar o que não é. Quando a reflexão parte da negação do que seja o sagrado passamos
a reconhecer o não-sagrado.
Nesta teorização, não reservamos uma autonomia ao profano, pois confirmando a
plena significação do sagrado o profano seria apenas transição (do latim profanu onde pro é
o que antecede e fanu o lugar consagrado), e o não-sagrado é inteligível porque existe o
sagrado. O mundo pode ser regionalizado em três instâncias: sagrado, não-sagrado e o
profano como transição.
Os fenômenos podem ser percebidos pela sua materialidade através dos sentidos,
entretanto, quando concebemos uma realidade a esta, conferimos uma existência puramente
intelectual. A realidade intelectual não é sensível per se. Sendo assim, os qualitativos e
adjetivos de um fenômeno fazem parte deste âmbito, o mundo dos atributos e da nomeação.
Do mesmo modo, as realidades do mundo da existência não são intrinsecamente nãosagradas. Em muitas culturas religiosas a realidade sensível é inerentemente sagrada, na
medida em que faz parte do mundo da natureza. Por exemplo na cultura religiosa
zoroastriana, desde do V século a.C. até sua expressão tardia na Pérsia e Índia, os elementos
da natureza, a terra, a água e o fogo são inerentemente sagrados. Nas culturas religiosas
africanas, como a cultura Iorubá, os elementos da natureza possuem uma sacralidade
indissociável.
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Contudo na cultura judaico-cristã houve uma ruptura. Nesta perspectiva,
condicionou-se a sacralidade a uma ação externa de consagração do mundo. A realidade do
mundo a priori é de natureza profana. Este ato de poder na consagração do mundo reveste-se
de uma áurea institucional reservada ao clero. Somente o clero teria a unção reconhecida
para estabelecer e reconhecer o sagrado. Sendo assim, um monopólio institucional do
sagrado se estabelece pois a não-sacralidade imanente do mundo na tradição judaico-cristã
transforma-se em um capital simbólico indisponível para o leigo.
Retornando a nossa tese da não autonomia do não-sagrado e do profano, enquanto
categoria da Geografia do Sagrado, aludimos que o sagrado seria a realidade primeira da
análise. A esta realidade atribuímos a plena autonomia submetendo o não-sagrado e o
profano a uma existência apenas na relação. Por conseguinte, o não-sagrado e o profano só
existem em relação ao sagrado e sem esta referência estão condenados a não existência.
Outrossim, se classificamos o espaço sagrado como centro do “sistema mundo”,
como na abordagem de Eliade, conferimos ao mesmo a noção de “ponto fixo” lugar de
mediação entre a terra e o céu. Neste contexto fornecemos ao espaço um atributo de rigidez,
como algo já dado, já posto, palco da trama humana inclusive em sua dimensão religiosa.
Todavia, se o espaço é relacional, ele é parte indissociável do processo de sacralização do
mundo e não apenas seu receptáculo. O espaço não é a cristalização do fenômeno, mas parte
das possibilidades relacionais do mesmo. Assim, construímos imagens do espaço e
atribuímos a elas as representações de nossa existência.
Lembrando a análise de Bachelard (1989) do poema de Henri Michaux:
“o espaço, mas você não o pode conceber, esse horrível interior-exterior que
é o verdadeiro espaço.
Algumas (sombras), retesando-se pela última vez, fazem um esforço
desesperado para estarem em sua única unidade.
(...) “destruída pelo castigo, ela não era mais que um ruído, mas enorme.
Um mundo imenso ainda a ouvia, mas ela já não existia, transformada
apenas e unicamente num ruído, que ia rolar séculos ainda, mas fadada a
extinguir-se completamente, como se nunca tivesse existido.”(p.220)
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O grito o rumor de quem perdeu sua espacialidade, no desespero da dispersão do
ser do que resta apenas uma faina que ecoa no espaço e no tempo. O espaço do interior se
dissolve e o espaço do exterior deixa de ser o vazio. A reflexão fenomenológica de
Bachelard (1989) expressa a imagem e sua efemeridade.
“O que se evidencia aqui é que o aspecto metafísico nasce no próprio nível
da imagem, no nível de uma imagem que perturba as noções de uma
espacialidade comumente considerada capaz de reduzir as perturbações e de
devolver o espírito à sua posição de indiferença diante de um espaço que
não tem dramas a localizar” (pp.221-222)
No dualismo interior/exterior esta o dilema da imagem do espaço. Onde termina o
íntimo e interno e aflora a amplitude do externo. O poeta citado justapôs a claustrofobia e a
agorafobia. A agonia das incertezas do íntimo e a opressão ampliatiforme do espaço.
A nossa intenção de resgatar a reflexão da “Poética do Espaço” é ligá-la ao
qualitativo sagrado que impregna de significados as imagens do espaço. Projeta uma ordem
simbólica do mundo e possibilita o contraponto entre angústia e serenidade do interior e
entre a opressão e a liberdade do exterior. A dinâmica do espaço sagrado reitera a
transcendência própria da experiência religiosa. O espaço sagrado é a imagem da experiência
religiosa cotidiana assim como sua própria referência.
Na intenção de demonstrar a dinâmica relacional do espaço sagrado nos
lembramos da obra de Domenicos Theotokopoulos (1541-1614) apelidado de "El Greco”,
especialmente o afresco conhecido como “O Enterro do Conde de Orgaz” de 1586, que está
na Igreja de São Tomé em Toledo, Espanha. Nesta obra, “El Greco” demonstra o seu
misticismo da contra-reforma de raiz neoplatônica, trata-se de uma expressão de dinâmica
religiosa permeada de representações devidamente articuladas horizontalmente (a imanência
do sagrado) no mundo fenomênico porém impregnados de significados próprios do mundo
transcendente demonstrando sua articulação vertical (a transcendência do sagrado). (figura
01)
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FIGURA 01
“O ENTERRO DO CONDE DE ORGAZ”
FONTE: Mark Harden's Artchive 2000
O que observamos no afresco é um dinâmica relacional que pode ser analisada na
seguinte decomposição:
(i)
No plano inferior reconhecemos o corpo do Conde de Orgaz sendo
colocado em sua tumba. O primeiro plano é do corpo que expressa a
efemeridade da matéria que agora esta sem vida. Representa, em
nossa perspectiva, a primeira relação própria da espacialidade. A
dimensão do corpo que na condição de morte transforma as relações
do cotidiano. Representa uma nova rede de relações não justificáveis
quando em vida e o colocando no patamar das relações religiosas. A
morte representa a base radical da espacialidade do sagrado. Ela nos
demonstra a plena consciência do transitório, do material, do
contingente. A concretude da morte do homem edifica as relações de
transcendência próprias da religião. Um aspecto determinante da
representação social da religião é a superação da morte sendo suas
expressões presentes na espacialidade do sagrado.
(ii)
O segundo plano representado no afresco demonstra a ação
institucional da religião através dos sacerdotes dentro de uma
hierarquia visível. Lembrando Bourdieu (1998), os sacerdotes
representam aqueles que são consagrados ao ofício religioso,
detentores do capital simbólico que legitima a ação. Enquanto um
ampara o corpo do Conde outro pede pela sua alma. O sacerdote
assume o papel para o qual foi consagrado, ou seja, a intermediação
entre a terra e o céu..
(iii)
O terceiro plano refere-se àqueles que observam a ação dos sacerdotes
e expressam o pesar pelo morto. Diante dos leigos que fazem parte
como observadores da trama é a investidura do sacerdócio que
legitima a ação. Nesta situação, o corpo sacerdotal exerce o poder
final da teia de relações, pois aos olhos dos leigos eles podem garantir
ao falecido a sua transcendência. A relação dos amigos e familiares do
Conde com o contexto da ação sacerdotal reitera a supremacia
simbólica da instituição Igreja. De outro modo uma relação mais
banal se apresenta, que é a espacialidade social que o contexto do
enterro estabelece.
12
Toda uma representação do cotidiano se realiza, no entanto a despeito
destas relações não-sagradas do entorno estabelecem-se relações
próprias de transcendência, portanto sagradas. Neste ponto aparece o
quarto plano.
(iv)
O quarto plano é a parte superior do afresco que representa a certeza
da transcendência própria do espírito da fé despertada pelo sentimento
religioso. Assim o artista expressa a representação do céu com todos
os componentes do imaginário cristão. Neste plano o sagrado é
representado a partir da tradição religiosa a qual toda a trama se
desenvolve. Toda esta rede de relações permitem identificar uma
espacialidade específica própria da experiência do sagrado.
O afresco expressa uma teia de relações específicas que simbolicamente permeiam
a experiência do sagrado mais propriamente na cultura ocidental. Entretanto, as categorias da
trama podem ser consideradas universais.
DIMENSÕES DA GEOGRAFIA DO SAGRADO
A Geografia do Sagrado não é a consideração pura e simples das espacialidades
dos objetos e fenômenos sagrados e por conseguinte de seu aspecto funcional e locacional;
mas sim, sua matiz relacional. A Geografia do Sagrado está muito mais afeta à rede de
relações em torno da experiência do sagrado do que propriamente às molduras perenes de
um espaço sagrado coisificado.
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A partir destas premissas propomos as seguintes dimensões de análise:
(i)
A dimensão do homem em sua natureza individual, como primeira dimensão da
prática espacial, correspondente à phisis social realizada no âmbito religioso.
Nesta dimensão, a expressão dos atores sociais no momento da trama são as
respostas diretas de uma dinâmica espacial e temporal. A coincidência da trama
dos atores sociais com a expressão da religião em determinada temporalidade é
um dado histórico, porém sempre em transição. A prática e o discurso que se
configuram e o contexto em que eles aparecem só é inteligível dentro dos limites
da experiência institucional da religião.
(ii)
A dimensão social ou da organização apresenta-se nesta rede de relações na
medida em que a integração entre o discurso e o contexto assume um plano de
correlações análogas. A mediação dos consagrados a proferirem o discurso
representa, nesta dimensão, os responsáveis pela comparação autorizada, pela
classificação competente e pela construção da imagem de mundo pela qual se
pretende dizer alguma coisa. Nesta dimensão se observa um sistema de relações
que põe em relevo as divisões, as classes, as subordinações e o julgamento
diferenciado.
(iii)
A terceira dimensão é o da instituição propriamente dita, a qual se realiza como
ator da própria história por excelência, submete as pluralidades da dimensão
anterior e expressa-se na fluidez vertical do poder hierárquico. O espaço de
representação constituído ao nível das relações sociais e de organização é diverso
e plural em sua gênese. É subvertido pelas relações de poder e dos atores que a
exercem. A instituição é o reino do controle do grupo, do indivíduo e do dizer.
Constitui assim uma territorialidade onde o agente principal é a própria
instituição religiosa. A ação institucional configura a apropriação do sagrado
tanto nos limites das relações sociais como nas fronteiras objetivas de sua
espacialidade.
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