O símbolo insatisfeito de
uma geração insatisfeita
A
década de 1950, nos Estados Unidos,
começou de forma próspera e cheia de
entusiasmo para a sociedade da época.
Os norte-americanos haviam vencido a Segunda Guerra Mundial e se tornado sinônimo de liberdade para as outras nações. A vida
da classe média também havia melhorado.
Churrascos em família aos domingos, Coca-Cola na mesa, dois carros na garagem,
dois filhos... Esse era o exemplo de família
que o governo Einsenhower (1953-1961) esperava de seus cidadãos. Mas alguma coisa
havia mudado entre os adolescentes.
Cada vez mais, o tema “delinquência juvenil” era tratado pelos meios de comunicação,
que citavam gangues de rua – garotos que usavam blue jeans e portavam canivetes. Brigas
nas escolas, desrespeito às ordens da polícia
e dos pais pipocavam. Nos comportados
anos dourados, uma rebelião tomava conta
do país. Garotos e garotas buscavam mais
independência e uma identidade dentro de
uma sociedade que não dava espaço às suas
angústias adolescentes. Nesse turbilhão, destacou-se um jovem que, mais tarde viria
a ser descrito pelo escritor Aljean Meltsir
como “um símbolo insatisfeito de uma geração insatisfeita”.
Hollywood se deu conta de que a delinquência juvenil havia se tornado um problema nacional e, seguindo sua lógica de
mercado, não a deixou de fora das telas. Dos
filmes feitos na época sobre o tema, Juventude Transviada (Rebel Without a Cause),
de 1955, é o longa mais lembrado e cultuado
de James Dean.
Cinema incorporou fenômeno
de comportamento juvenil
No longa, o ator interpreta Jim Stark, um
rapaz que tinha problemas com os pais, que
se sentia solitário e que entrava em conflito
com a gangue da escola. A indústria cinematográfica captou bem o drama adolescente, cuja temática se provou atemporal.
– Hollywood não fugiria da lógica consumista. Por isso, explorava o tema da rebeldia responsabilizando a família, a escola,
a polícia ou o próprio jovem, devolvendo-a
como forma de mercadoria – explica Diorge Konrad, professor do curso de História
da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM).
À época, rapazes que usavam jaqueta de
couro e ficavam perambulando sem rumo pelas ruas se sentiram representados por Dean.
Até então, esses mesmo jovens eram retratados de forma infantilizada nas telas.
– A rebeldia juvenil dos anos 1950 foi muito difusa. Sobretudo nos Estados Unidos,
era a real resistência de uma juventude que
reconhecia o seu potencial de indignação
contra os valores tradicionais de seus pais,
e que não se conformava com o governo e
Atuação em “Juventude Transviada” captou anseios do público adolescente,
até então representado de forma infantilizada pelas produções de Hollywood
MIX
Julie Hams e Dean em cena
de “Vidas Amargas” (1955).
Atuação do ator rendeu a
primeira indicação póstuma
da história do Oscar
Os passos
no cinema
J
ames Dean teve uma passagem
meteórica por Hollywood. O
ator precisou de apenas três
filmes para conquistar o mundo e
se tornar um símbolo da rebeldia
juvenil, mudando a forma de os
adolescentes se comportarem e
se vestirem. O primeiro longa, Vidas Amargas (East of Eden, 1955),
tinha história ambientada na Califórnia, durante a Primeira Guerra
Mundial. Na produção, dirigida
pelo lendário Elia Kazan, Dean
vive Cal. Ele é um jovem que se
sente rejeitado pelo pai, que prefere o irmão mais velho, Aron. Uma
adaptação do romance de mesmo
nome de John Steinbeck, o longa recria a fábula de Caim e Abel.
Dean entrou totalmente no papel.
– Não consegui voltar a ser uma
pessoa normal quando acabei de
interpretar Cal, um herói essencialmente demoníaco – declarou o ator
em entrevista, à época.
James Dean e Cal eram praticamente a mesma pessoa, tamanha
a identificação da história de ambos. Abandonado pela mãe, o
personagem luta pela atenção do
pai, tem ciúme do irmão e que,
em desespero, debocha de trechos
bíblicos. A atuação do ator foi
um choque para as plateias conservadoras – especialmente, para
quem desdenhava do novato. O
filme foi um sucesso tanto entre
os jovens – que se identificaram
com o ídolo, como diante da crítica
especializada.
Hollywood logo o encaixou no
próximo projeto: o lendário Juventude Transviada, também de 1955.
Sob a direção de Nicholas Ray,
Dean reaparece no papel de Jim,
um jovem solitário que se revolta contra sua família desafetuosa.
Para completar, envolve-se com a
gangue da escola.
O longa levantou polêmica ao,
pela primeira vez, apresentar no
cinema cenas de “pega” de carros,
canivetes em brigas, gangues de
rua e cenas de desrespeito do jovem contra seus pais.
O retrato da juventude
Alexandre Maccari, pesquisador de História do Cinema e
professor do curso de História do
Centro Universitário Franciscano
(Unifra), afirma ainda que o filme
favoreceu o surgimento de um
nicho cinematográfico voltado ao
público jovem.
– Considera-se também que foi
na década de 1950 que o cinema
começou a sofrer concorrência da
televisão. Isso resultou na necessidade de abrir temáticas e buscar
novos públicos – complementa.
Para a historiadora e professora
do curso de Moda da Unifra, Nikelen Witter, Juventude Transviada
é uma inegável crítica, que estabelece um diálogo com os jovens
“mudando completamente os costumes da sociedade da época”.
Mal havia terminado de gravar
Juventude Transviada, Dean mergulhou em seu último papel no
cinema – o primeiro adulto. Em
Assim Caminha a Humanidade
(Giant), a nova estrela de Hollywood mostrou toda sua genialidade como ator.
Interpretando Jett Rink, um
cowboy que se torna um barão do
petróleo no Texas dos anos 1920,
Dean atua junto com grandes
nomes do cinema da época, como
Rock Hudson, Elizabeth Taylor e
Carrol Baker. Nikelen Witter analisa o contínuo apelo do ator com
os jovens, apesar da mudança de
imagem:
– É o herói daquela garotada
que cresceu assistindo a filmes de
faroeste, encenado como um cowboy moderno.
Santa Maria, sábado e domingo, 18 e 19 de julho de 2015 – 5
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