HIPÓTESES DE CRIANÇAS DE UMA TURMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
SOBRE LUZ E SOMBRA
Camille Cristina Witsmiszyn de Souza1
Dulce Stela Schramme2
Neila Tonin Agranionih 3
Resumo
O trabalho relata uma situação didática realizada em uma turma de Educação Infantil
com dezenove crianças de quatro e cinco anos, do CMEI Nice Braga – Curitiba, PR,
com o objetivo de investigar hipóteses das crianças sobre luz e sombras, bem como
proporcionar o desenvolvimento de noções relativas a esses aspectos. A atividade fez
parte do Projeto Matemática na Educação Infantil, do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à Docência (PIBID), curso de Pedagogia, da Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Baseou-se nos estudos de De Vries, Sales (2013) e Kamii (1985) e nas
ideias defendidas por elas de que crianças na Educação Infantil podem formular
hipóteses sobre fenômenos físicos. A sequência didática foi realizada em cinco
encontros com as crianças envolvendo contação de história, roda de conversa, desenhos,
experiências de projeção de sombras e produção de teatro de sombras. A pesquisa das
hipóteses manifestadas pelas crianças foi realizada pelo registro das bolsistas. As
hipóteses sobre luz, inicialmente manifestadas pelas crianças foram: “luz é sol”, “a
sombra é uma coisa escura”, “a sombra é preta”, “sombras são feitas com as mãos”. No
decorrer da sequência didática novas hipóteses foram construídas pelas crianças: “no
escuro não tem sombra porque não tem luz”, “quanto mais forte a luz, mais forte a
sombra”, “não existe só sombra preta”, “o sol é um tipo de luz”, “mais perto da luz, a
sombra fica maior e mais longe, fica menor” e “todas as coisas têm sombra”. Percebeuse ao longo da sequência didática, que as hipóteses foram manifestadas pelas crianças
na medida em que elas participavam das atividades propostas. Estimuladas e
convidadas a observar, indagar e debater em grupo sobre o assunto proposto as crianças
participantes da sequencia didática construíram novas noções sobre luz e projeção de
sombra a partir de suas hipóteses iniciais.
Palavras-chave: Conhecimentos físicos. Luz e sombra. Educação Infantil.
1
Acadêmica do 1˚ ano do curso de Pedagogia da UFPR. Bolsista do Projeto PIBID – Pedagogia 3 –
Matemática na Educação Infantil
2
Acadêmica do 1˚ ano do curso de Pedagogia da UFPR. Bolsista do Projeto PIBID – Pedagogia 3 –
Matemática na Educação Infantil
3
Coordenadora de área do Projeto PIBID – Pedagogia 3 – Matemática na Educação Infantil – UFPR-PR
1
Introdução
O tema deste artigo está relacionado aos conhecimentos físicos na Educação
Infantil, mais especificamente, aos conhecimentos relativos à luz e sombra. Relata uma
sequência didática realizada com o objetivo de investigar e promover o
desenvolvimento de hipóteses sobre
luz e formação de sombras por crianças da
Educação Infantil, uma vez que nesta idade já se inicia a percepção e a formulação de
noções sobre fenômenos físicos (Kamii e De Vries, 1985; De Vries e Sales, 2013).
De Vries e Sales (2013) defendem a ideia de que as crianças na Educação
Infantil conseguem construir conhecimentos sobre o mundo físico, uma vez permitido
que sejam livres para experimentar e observar os fenômenos, além de serem livres para
expressar suas ideias sobre os mesmos. As autoras fundamentam-se na teoria
construtivista de Piaget. Neste contexto, a construção do conhecimento não é entendida
como um processo estático, mas ativo. É necessário possibilitar às crianças expressarem
suas hipóteses, mesmo que errôneas, sobre o que observa e experimenta. Quando
permitidas a fazer isso, constroem conhecimentos. O papel do professor, conforme as
autoras, é de orientador que valoriza o raciocínio da criança e as incentiva a pensar
sobre fenômenos físicos.
O artigo está organizado da seguinte forma: inicialmente apresenta o referencial
teórico sobre conhecimentos físicos na Educação Infantil e a importância da formulação
de hipóteses sobre os mesmos pelas crianças. Posteriormente,
relata a sequência
didática e a investigação das hipóteses das crianças sobre luz e sombra. Por fim
apresenta as considerações finais do trabalho.
A sequência didática desenvolvida
A sequência didática: “Percepção de luz e sombra na Educação Infantil” foi
realizada em cinco encontros, no CMEI Nice Braga, Curitiba-PR, com vinte alunos de
uma turma de pré-escola, de idades entre quatro e cinco anos. Teve a preocupação,
desde o início, que as atividades voltadas para as noções de luz e projeção de sombras
fossem desenvolvidas respeitando as características essencialmente lúdicas do universo
infantil.
No primeiro encontro, o disparador do tema foi o livro infantil “Brincado de
Sombra” de Ana Maria Machado em que a protagonista da história faz indagações para
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o seu avô sobre a formação de sombras, levantando certas questões como, por exemplo:
- Por que não se pode trocar de sombra? - Por qual razão sua sombra é menor do que a
do seu avô? A história culmina com o entendimento de que a sombra pode ficar maior,
uma vez que isto se baseia na relação entre a luz e o objeto. Com a contação da história,
foi realizada uma roda de conversa em que as crianças indagaram e levantaram
hipóteses sobre o tema proposto. Foi feito o registro das hipóteses em um cartaz e um
desenho livre sobre o que foi discutido.
No segundo encontro, foram realizadas
experimentações com projeção de
sombras na parede. Foi utilizado um projetor de luz para as crianças produzirem
sombras com as mãos, corpo, brinquedos e foram produzidas sombras coloridas
também. Foi possibilitado que experimentassem e observassem as relações entre luz e
sombra, bem como pensassem sobre as hipóteses manifestadas no primeiro encontro,
verificando-as. Tal processo possibilitou a construção de novas noções e também o
levantamento de novas hipóteses sobre o tema.
No terceiro encontro foi proposta uma improvisação cênica. As crianças foram
questionadas sobre o que seria necessário para um teatro de sombras. Elas explicitaram
alguns elementos, registrados em um cartaz, que estavam relacionados com
conhecimentos físicos: lanterna (luz), lençol, personagens. O enredo do teatro foi
baseado na história “Onde vivem os monstros” do autor Maurice Sendak.
O quarto encontro foi destinado à produção de fantoches. Cada criança produziu
o seu próprio monstro que foi transformado em fantoches. Como o teatro era a atividade
final da sequência didática, no quinto encontro foi realizada uma espécie de
improvisação teatral, em que cada criança apresentou, livremente, o seu monstro para a
turma, sendo esta uma forma mais simples e mais dinâmica para as crianças.
As hipóteses das crianças sobre luz e sombra
No decorrer das atividades realizadas na sequência didática, foi possível
identificar hipóteses sobre luz e sombra nos diálogos realizados em rodas de conversa,
nos desenhos livres e na improvisação cênica realizada pelas crianças.
Quando questionadas nas rodas de conversa sobre o que é sombra, as crianças
explicitaram que sombra é “coisa escura” e “coisa que segue a gente”. Depois, quando
questionadas sobre como se forma a sombra, as crianças explicitaram que tal fenômeno
é formado “só pelas mãos”, “o sol faz a sombra”. Por último, expressaram a ideia de
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tamanho de sombra com relação entre objeto e luz, em que elas afirmaram que “quando
fica perto da luz, fica maior e quando fica longe, a sombra fica menor”.
Nos diálogos a seguir, fica evidente as hipóteses que elas desenvolveram entre
si na roda de conversa:
- Dá pra trocar de sombra?
- Não...
- Por quê?
- Porque ela segue a gente
(Diálogo realizado entre educador e criança)
- Como a Luíza fez para ficar com a sombra grande?
- Ficou mais perto da luz e ficou mais grande.
- E quando ficou mais longe da luz, o que aconteceu?
- Ficou pequena.
(Diálogo realizado entre educador e L.)
- Aqui na sala tem sombra?
- Sim...
- Mas é forte como a do livro?
- Não!
- Por quê?
- Porque não tem sol e porque não tá escuro...
(Diálogo entre educador e crianças)
As crianças foram desafiadas a pensar e seus conhecimentos prévios sobre o
tema foram explorados nas situações vivenciadas. Os questionamentos e a orientação do
educador para permitir a
expressão
e ressignificação desses conhecimentos são
importantes no contexto construtivista como explicitado por De Vries e Sales (2013) e
confirmado na sequência didática. É evidente o desenvolvimento das noções das
crianças quando desafiadas a pensar e expressar o que pensam.
Nos desenhos ficaram explícitos alguns entendimentos construídos pelas
crianças. Em todos os desenhos havia o sol, como elemento importante para a formação
de sombras. Além disso, muitas delas fizeram a projeção das sombras dos personagens
que desenharam como, por exemplo, na Figura 3, em que L. fez a incidência de raios
solares nas pessoas, repercutindo em sombra menor que o personagem representado e a
relação entre a distância e a luz, em que a sombra do personagem está menor.
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Já na Figura 2 nota-se a projeção de sombras, lado a lado com os personagens,
sendo que a sombra é representada na cor preta.
Na figura 3, produzida por E., nota-se a reprodução da projeção de sombra
inclinada e maior (devido a relação que E faz entre a distância do objeto em relação à
luz).
Vale atentar ao fato de que em todos os desenhos, o sol foi representado como
principal fonte de luz, evidenciando reconheceram a relação entre luz e sombra a partir
da atividade proposta.
No segundo encontro, com a experimentação, novas hipóteses foram expressas e
outras descartadas ou mantidas. A questão sobre o tamanho da sombra e a relação entre
luz e objeto permaneceu, uma vez que puderam constatar que, se ao colocarem um
objeto qualquer muito próximo da fonte de luz, a sombra desse objeto ficava maior. A
hipótese “sombra segue a gente” também foi confirmada por eles.
As hipóteses descartadas pelas próprias crianças através da experimentação
foram sombra como “coisa escura”, uma vez que observaram que nem toda sombra será
escura e intensa e que sombras não se fazem somente com a mão, uma vez que todo
objeto ou corpo possui uma sombra (Figura 4).
Sobre luz, explicitaram que o sol é um tipo de luz e que, em lugares escuros
não é possível ter sombra, porque não tem luz, conforme evidenciado diálogo abaixo:
- Para fazer luz... quer dizer... sombra, precisa de luz... ou fogo
- Por que o fogo?
- Porque também faz sombra.
(Diálogo entre as crianças J. e J.)
A improvisação cênica, com a utilização de sombras, foi a atividade final da
sequência didática, em que as crianças produziram, com orientação, uma encenação
com as sombras dos fantoches de palitos produzidos por eles. Primeiramente, as
crianças foram questionadas sobre o que era preciso para produzir um teatro de
sombras. Elas elencaram vários pontos como, por exemplo, “luz”, “brinquedos”,
“mãos”, “história”, “alguma coisa para fazer sombra”. Pode-se concluir, nesta etapa
final, que as crianças já tinham noções sobre o tema proposto, ficando evidente no dia
da improvisação cênica que sabiam projetar as sombras no que se refere ao tamanho
(distância objeto-luz), como observado na Figura 5.
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Em síntese, buscamos investigar hipóteses das crianças e verificar se a partir
destas, noções das crianças sobre luz e sombra. O primeiro grupo de dados que
obtivemos foram hipóteses levantadas nas rodas de conversa e transcritas em um cartaz.
Essas hipóteses, já mencionadas acima, nos mostraram que as crianças têm
conhecimentos prévios e que se trabalhados, podem ser ressignificados por meio de
atividades de experimentação e observação. O segundo grupo de dados que obtivemos
nos desenhos livres, revelaram a percepção particular de cada criança sobre o tema
proposto. Neles, cada criança pôde evidenciar sua percepção sobre o fenômeno,
destacando inúmeras características como a projeção da sombra, a cor, a intensidade e a
relação entre sombra e objeto. Analisando - os em uma perspectiva coletiva, pode-se
perceber alguns elementos que todos elencaram como necessário em seus desenhos
como, por exemplo, o sol como principal fonte de luz e os personagens/objetos, pois
“para se fazer sombra, é necessário algum objeto”.
Por fim, na produção cênica, pode-se observar que as crianças já tinham maiores
conhecimentos sobre o tema, ao demonstrarem, na prática, relações entre o tamanho da
sombra e a distância da fonte de luz.
As crianças construíram noções sobre luz e formação de sombras uma vez que
suas hipóteses foram se desenvolvendo durante as atividades propostas na sequência
didática, o que vem ao encontro do entendimento de de Kamii e De Vries (1985) e De
Vries e Sales (2013).
Geralmente, conforme as autoras, conhecimentos físicos não são explorados no
contexto da Educação Infantil. Muitas vezes o educador não explora conteúdos que
poderiam ser benéficos para o desenvolvimento da criança (KAMII; DE VRIES ,1985).
Não se trata, no entanto, de ensiná-los formalmente, mas de permitir que as crianças
tenham contato com os mesmos e possam construir noções sobre eles em contextos
lúdicos. Ao propor situações de interação das crianças com tais temas em brincadeiras,
jogos, improvisações cênicas, por exemplo, cabe agir como orientador das crianças,
questionando-as, ouvindo suas hipóteses e as considerando, desenvolvendo atividades
que as desafiem e instiguem o seu interesse.
Considerações Finais
Com a sequência didática proposta na Educação Infantil e os dados obtidos em
relação ao que as crianças pensam sobre luz e sombra, ficou evidente que, mesmo que
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pequenas, podem formular hipóteses simples sobre conhecimentos físicos e que, em um
contexto construtivista, é possível realizar atividades que englobem observação e
experimentação de fenômenos ou objetos, permitindo que a criança ao brincar, ouvir
histórias, jogar,
possa, também, questionar-se e pensar sobre elas. Assim,
conhecimentos físicos podem ser explorados desde que instiguem o pensamento das
crianças, estimulem a criatividade e respeitem a natureza lúdica das atividades e as
características da criança na Educação Infantil.
Referências
DEVRIES, R; SALES, C. O ensino de física para crianças de 3 a 8 anos: uma
abordagem construtivista. São Paulo: Penso, 2011.
KAMII, C; DEVRIES, R. O Conhecimento Físico na Educação Pré-escolar:
implicações da Teoria de Piaget. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
Anexos
Figura 1 – Produzida por L.
Figura 2 – Produzida por J.
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Figura 3 - Produzida por E
Figura 4 – fonte: CMEI Nice Braga
Figura 5 – fonte: CMEI Nice Braga
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