EDITORIAL
Autonomia,
uma forma de vida
INFÂNCIA NA EUROPA 28
Há a tendência de pensar que as crianças são mais autónomas quando atingem e ultrapassam
capacidades e competência físicas. Pretendemos distanciar-nos dessa compreensão meramente
física de autonomia ou, como refere a editora deste número, Marta Guzman, consideramos que
a autonomia está intimamente relacionada com a liberdade e responsabilidade de cada indivíduo,
liberdade de fazer e pensar, de manifestar opiniões, de se exprimir e de tomar iniciativas. Por vezes, como aponta Beatriz Trueba, há muita pressa para que as crianças desenvolvam essas competências o mais cedo possível… E com que finalidade? Será ser criança e tudo o que isso implica
algo que deve ser esquecido o mais cedo possível para ser substituído por uma imagem em que
quanto mais semelhante ao adulto, melhor? A infância não é meramente uma fase preparatória
do futuro, mas um período de vida com os seus valores e culturas próprios. É construída tanto
pelas crianças como pelos adultos.
O que queremos dizer com atividade autónoma é reconhecer que a criança, desde a mais tenra
idade, é o sujeito da ação (Chokler) o que implica que as crianças vivem e agem, em todos os
momentos da sua vida, com os instrumentos desenvolvimentais, percetuais, motores, emocionais, afetivos e cognitivos que já possuem e não com os que irão adquirir mais tarde. Mas as
crianças podem participar não apenas tomando determinadas decisões, mas também sendo
envolvidas nos processos de decisão, como refere Barbara Roehrborn.
Lill e Prott chamam a atenção para um questionamento dos elementos básicos do conceito
de autonomia, ao procurar perceber qual a responsabilidade que as crianças podem ter, isto é,
qual o grau de liberdade que têm na tomada de decisões, quais as ações pelas quais podem
ser responsáveis.
Trata-se do poder sobre as pessoas. Ou será apenas uma preocupação dos adultos para com
as crianças? Em qualquer dos casos, tem a ver com o grau de responsabilidade que as crianças
podem assumir. As crianças são agentes ativos, pessoas reais com opiniões e desejos e não
apenas os adultos de amanhã; as crianças são pessoas agora, como refere Barbara Roehrborn
Helena Buric e Areta
Wasilewska-Gregorowicz
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no seu artigo que publicamos nesta edição.
Se os adultos observarem atentamente, poderão dar-se conta de como as crianças são
ativas nas suas iniciativas para se descobrirem a si próprias e ao seu ambiente. Estimular a sua autonomia relaciona-se de várias
maneiras com a legitimação dos direitos da
criança. A qualidade da educação de infância
e a Convenção sobre os Direitos da Criança
(CDC) estão intimamente ligadas, como sublinha Ankie Vandekerckhove. No Em foco,
Madalena Marçal Grilo descreve o ponto de
vista da Comissão Portuguesa da UNICEF
sobre a CDC.
Slavica Bašic debate os limites do conceito
do desenvolvimento da autonomia da criança e defende que as normas da socialização
não se opõem às da autonomia, por isso
apela para “uma nova autoridade”, um adulto que está presente na vida das crianças
com a função de dar orientação relativamente a valores e de ser um modelo de estilos de
vida adequados. Marion Tielemann também
se refere a que a mudança de uma sociedade
autocrática para uma sociedade democrática
mudou as relações entre adultos e crianças
e a importância da família, deixando crianças e famílias inseguras. Descreve a experiência alemã de ateliês em que as crianças
aprendem de forma autónoma e autodeterminada. A transformação do papel dos educadores, que se tornam orientadores, companheiros de desenvolvimento, parceiros de
aprendizagem, num ambiente que dá resposta às necessidades de desenvolvimento
das crianças, confere-lhes um outro tipo de
responsabilidade e permite às crianças aceder à autonomia, à atividade da sua iniciativa
e à criatividade. Para saber como este novo
papel pode ser descrito em termos concretos
e quais as suas características fundamentais
a nível do pensamento e das práticas diárias,
leia-se o artigo de Gino Ferri.
Julita Wojciechowska explica como os processos de autocontrolo e autorregulação são
os temas fundamentais, usados cada vez
com mais frequência, no contexto da saúde
e da formação de hábitos alimentares. Introduzir as crianças no mundo da autonomia da
saúde em termos de nutrição exige que as
necessidades específicas da alimentação e
da cognição sejam reconhecidas nos diversos estádios evolutivos do desenvolvimento
da criança, como afirma Wojciechowska.
O artigo de Hara Kortessi-Dafermous descreve um programa de intervenção com a
finalidade de ensinar o grego como segunda
língua, que tem em conta o contexto social
e cultural específico das crianças de minoria
muçulmana e promove a sua participação na
aprendizagem.
Os educadores da Ikastola Zubi Zaharra, em
Balmaseda, e Alexander Barandiaran, um
investigador da Faculdade de Humanidades
e Ciências da Educação da Universidade de
Mondragon, contam a história das mudanças que realizaram quando decidiram repen-
sar o seu projeto educativo. A formação e
reflexão conjunta de toda a equipa educativa
da Ikastola Zubi Zaharra originaram mudanças na organização da escola, em termos da
perceção dos processos educativos, bem
como da capacidade inata de autonomia das
crianças.
Pilar González Rof introduz o trabalho com
famílias no âmbito dos Espais Familiars (Centros de Apoio à Família), realizado de modo a
respeitar a história e cultura familiares e dar
apoio às famílias com compreensão e sem
julgar as suas práticas, respeitando o círculo
familiar de cada uma.
Utilizamos as palavras de Agnès Szanto para
explicitar a nossa visão de autonomia: a atividade autónoma não é um método, não
consiste em momentos em que esta é mais
ou menos concedida à criança. É uma forma
de vida.
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Autonomia, uma forma de vida