«Vocês são meus irmãos e minhas irmãs»
Discurso do monge budista Luz Ardente na cerimônia de entrega
do Prêmio Internacional Civilização do Amor
Rieti, 26 de outubro de 2008
Excelentíssimos senhores e senhoras, caros irmãos e irmãs,
Antes de tudo agradeço, com todo o coração, aos dirigentes do Fórum por terem conferido a
mim o prêmio “Civilização do Amor”. O tema da edição deste ano é “Em memória de Chiara
Lubich: os desafios do diálogo inter-religioso”. Se hoje encontro-me aqui é graças a Chiara
Lubich, que chamo Mamãe Chiara, pelo novo estilo de diálogo que me transmitiu.
Eu era um monge simples. Depois de ter conhecido Chiara Lubich continuo a ser um monge
simples como antes, mas duplamente feliz. Sou um monge feliz não porque venho da Tailândia,
terra dos sorrisos, mas pela alegria que sinto, que é aquela de ter encontrado o modo para fazer
do mundo uma única família, segundo os ensinamentos de Chiara, o seu carisma da unidade, a
herança que deixou a todos nós.
Eu era um monge itinerante, passava de um templo a outro na busca de entender, com os vários
Mestres, o verdadeiro sentido do meu ser monge no budismo.
Hoje, depois de ter conhecido Mamãe Chiara e de acordo com o meu superior, continuo a ser um
monge itinerante, porque quero difundir a mensagem da fraternidade universal ao maior número
de pessoas possível.
O meu templo é uma van, que me leva de uma pregação a outra,
nos lugares mais diferentes: uma escola, um escritório do
governo ou particular, ou uma penitenciária; falo seja a adultos
que a crianças. De noite corro para uma emissora para o meu
programa na rádio.
Lugares diferentes, público diferente, mas a mensagem é
sempre a mesma: somos irmãos e irmãs, mesmo se somos
extremamente diferentes sob muitos pontos de vista: raça,
nacionalidade, cultura, e não por último pela religião; somos
membros de uma única família.
A Tailândia é uma nação com a maioria da população budista. Graças ao nosso muito amado Rei,
que é protetor de todas as religiões, existe a presença de muitas religiões, cada cidadão
tailandês é livre para exercitar a própria fé. Historicamente houve um período no qual um
pequeno grupo de budistas era contrário aos cristãos. Mas é algo que já faz parte do passado.
Em geral os tailandeses admiram o que a Igreja católica realiza no campo da educação, na
realidade social e da saúde. Houve inclusive alguma tentativa de diálogo. Mas foram tentativas
formais ou intercâmbios superficiais. Sim, há uma co-existência pacífica, superficial, mas não
uma forte e clara ligação fraterna e de amizade, como deveria existir. No sul do país existem
regiões onde vivem muçulmanos. Por motivos políticos nasceu, nestes tempos, um conflito
sangrento, apresentado como uma guerra entre religiões.
Diante de um cenário como este nasce em mim uma pergunta espontânea: o que fazer para que
não existam conflitos entre budistas e muçulmanos no sul? O que fazer para que não nos
contentemos somente com uma co-existência pacífica, mas superficial, entre budistas e cristãos?
Essas perguntas inserem-se em uma pergunta muito maior e mundial: o que fazer para que
possamos viver em um mundo unido e construir um mundo onde exista a paz?
Eu encontrei a resposta quando conheci o Movimento dos Focolares, na Tailândia, e depois
Mamãe Chiara, na Itália. Eu a conheci há cerca de 13 anos. Foi um jovem budista, que estava
em contato com os jovens do Movimento dos Focolares, que me falou dela. Vou lhes contar como
a conheci.
Quando eu vi uma foto de Chiara pela primeira vez percebi nela
uma forte luz que vinha na minha direção. E tive então o desejo
de conhecê-la pessoalmente. Neste período conheci os membros
do Movimento dos Focolare na Tailândia. Posso dizer que
comecei a conhecer Chiara através do testemunho dos seus
filhos na Tailândia.
Tive a oportunidade de passar um período em Loppiano, a
Mariápolis permanente do Movimento, nas proximidades de
Florença. Foi uma experiência maravilhosa para mim. Cito
apenas um pequeno fato, que para mim é particularmente
significativo: uma manhã encontrei, muito bem engraxadas, as
minhas sandálias que tinha deixado sujas, ao lado da porta, fora do quarto, na noite anterior.
Quando perguntei o porquê daquele gesto me responderam: “Porque lhe queremos bem”.
Entendi que cada ato, grande ou pequeno, pode ser um ato de amor pelos outros. Para mim este
foi o início de uma descoberta que continua até agora, sobre o significado do amor verdadeiro;
entendi alguma coisa sobre a Ágape, que muitas vezes associo ao ensinamento budista sobre a
“Metta Karuna”.
Finalmente chegou o momento, tão esperado: o meu primeiro encontro, face a face, com Chiara
Lubich. Não saberia, ainda hoje, descrever bem aquele evento. Fiquei muito tocado pela sua
pessoa, uma atmosfera que nunca antes tinha encontrado.
Ela me falou da sua experiência como cristã, e me falou da unidade, do Carisma que recebeu de
Deus. Quis também conhecer o budismo e o que podemos ter em comum. Diria que foi uma
comunhão de alma, jamais experimentada na minha vida. Ela me transmitiu algo de novo. De
fato, desde então eu a chamei “Mamãe Chiara”. Sinto que eu também sou seu filho. E talvez
pela luz que recebi, ou pelo desejo de difundir esta sua paixão pela unidade ao maior número de
pessoas, Mamãe Chiara me chamou, desde aquele dia, com um nome que me agrada muito: Luz
Ardente.
Durante a minha permanência na Itália tive outras duas
experiências muito significativas. A primeira foi o encontro com
o Papa João Paulo II e sentir o seu grande amor por todos. A
segunda foi uma visita a Assis, para conhecer a vida de São
Francisco. Tocou-me muito a sua simplicidade e o seu amor por
todas as criaturas, que é uma característica muito cara a nós
budistas.
Quando retornei à Tailândia o meu Mestre Ajahn Thong, um
monge muito famoso pela sua espiritualidade e especialista na
técnica de meditação vipassana de Chiang Mai, no norte da
Tailândia, ficou maravilhado de como me encontrou
transformado depois do meu encontro com Mamãe Chiara. Então o Mestre Thong, apesar da sua
idade, quis fazer uma viagem à Itália para conhecer Mamãe Chiara pessoalmente e visitar
Loppiano.
Quando voltou, em 1997, o Mestre Thong quis convidar Mamãe Chiara (ele também a chama
assim) para ir à Tailândia, em Chiang Mai, para que encontrasse um grande número de budistas,
monges estudantes na universidade budista, e também outros monges e monjas, e leigos. Foi
assim que o Grande Mestre Ajahn Thong a apresentou a muitos fiéis budistas: “Quando estamos
na escuridão e alguém nos trás a luz não nos perguntamos se é um homem ou uma mulher, um
jovem ou um ancião. Mamãe Chiara nos falará da luz que ela descobriu”. Mamãe Chiara falou da
sua experiência cristã, de como viver as palavras de Jesus na vida cotidiana.
Mamãe Chiara fundou o Movimento dos Focolares baseado no amor. Ela usou o arco-íris como
símbolo deste amor que se exprime em mil maneiras, como as cores do arco-íris que não tem
divisões e são sempre uma única coisa. Em contato com a vida do Focolare descobri muitos
pontos que temos em comum. Por exemplo, o budismo nos ensina a “esquecer o passado, não
pensar no futuro, estar no momento presente”, isto é, estar sempre conscientes em cada
instante. O Buda nos ensina a “afastar, deixar, fazer um vazio, sem ligações mundanas, para nos
tornar livres”.
Eu diria que a vida de Mamãe Chiara é como aquela de um monge budista; cito apenas alguns
pontos:
1. Chiara vive a virgindade, como os monges;
2. O pensamento de Chiara é impregnado de amor; o que recebe ela distribui aos necessitados;
forma as pessoas segundo a sabedoria; afasta os conflitos e as disputas;
3. Chiara é amável, forte, conhece o modo de rezar, difunde os ensinamentos, controla bem
cada passo, é eloqüente e profunda, arrasta as almas para o alto.
Por meio de tudo o que experimentei da vida de Chiara Lubich
eu aprendi muitas coisas, entre elas: amar a todos, amar
sempre, amar logo, amar com alegria e de modo silencioso,
simples e humilde. Cancelar a palavra “inimigo” do nosso modo
de pensar. Não olhar para o outro procurando ver o negativo.
Você é bom, eu sou bom e unimos o nosso positivo. Se fizermos
assim, todos nós, no mundo inteiro, faremos parte da mesma
família.
Na comunidade do Movimento dos Focolares na Tailândia
existem muitos colaboradores budistas, que dão a sua
contribuição para construir a unidade no amor, a fim de que
exista no mundo mais unidade, para construir a paz. Muitas vezes digo aos meus irmãos e irmãs
cristãs do Movimento: “Mamãe Chiara não é só de vocês, mas é nossa também, dos budistas. E
mais, ela pertence ao mundo inteiro”.
Quando estou entre os membros do Movimento dos Focolares não me sinto diferente deles. Eu
sinto que há alguma coisa que nos une, somos como irmãos, mesmo se temos uma religião
diferente. Notamos, todos nós que estamos nesta sala, que temos a pele de cores diferentes:
alguns são brancos, alguns são negros; eu venho da Ásia e a minha pele é amarela. Mas na
realidade nós temos o sangue da mesma cor, vermelho. Isso significa que a cor da pele é
somente uma cor externa, enquanto a cor do sangue é algo mais profundo.
Todos nós buscamos a felicidade e sofremos da mesma maneira. Vocês são meus irmãos e irmãs.
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«Vocês são meus irmãos e minhas irmãs» Discurso do monge