FOLHA DE S.PAULO MAIO 2008
DESENHO Por FLAVIO LOBO
MORITO EBINE
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Longe dos reluzentes holofotes do design
atual, o japonês Morito trabalha peças
de madeira em silêncio, inspirando
CIA DE FOTO
profissionais da nova geração
profundidade incrível, e o ateliê dele
entrada principal, mas, quando falei
é um sonho para quem gosta de
que era marceneiro, o porteiro me
marcenaria... Só que é meio difícil
disse para subir pela de serviço.”
de chegar.”
O choque de culturas evidencia-
Para quem não conhece os ca-
do pelo episódio da portaria não
minhos de Santo Antônio do Pinhal,
Anfitrião simpático, com sota-
adaptasse aos meus projetos, ago-
surpreende outro admirador de Mo-
na serra da Mantiqueira, “meio di-
que carregado e café fresco no bu-
ra faço projetos para a madeira.”
rito. “A tecnologia e o artesanato
fícil” é eufemismo. Mesmo com a
le, Morito Ebine conduz as visitas,
A única característica que as pes-
tradicionais são o espírito de um
ajuda de um mapa, informações de
repórter e fotógrafo, a um galpão
soas esperam de um mestre e não
povo”, define o artista plástico Ru-
moradores e contatos por celular
onde a luz da tarde ilumina banca-
encontram em Morito, segundo Ju-
bens Matuck. “No Brasil, nós não li-
com o próprio Morito, foram ne-
das, ferramentas, serragem e uma
lia, é a idade avançada.
gamos para isso, mas ele, que teve
cessárias duas meias-voltas para
infinidade de objetos de madeira
Nascido há 41 anos em Tochigi,
a sorte de nascer num país que va-
que o carro da reportagem che-
pendurados nas vigas de sustenta-
130 km ao norte de Tóquio, ele des-
loriza essas coisas, tem uma forma-
gasse ao ateliê.
ção do telhado. “Aquelas peças são
cende de uma linhagem de alfaiates,
ção de altíssima qualidade”, avalia
A semirreclusão, a falta de pen-
guias”, esclarece Morito, que chega
e viu o negócio da família definhar
Rubens, que, além de desenhista e
dor para a autopromoção e o raro
a fazer mais de vinte gabaritos pa-
à medida que aumentava o domínio
pintor, é escultor de madeira e es-
apuro artesanal de Morito remetem
ra a fabricação de uma cadeira, e
da indústria do vestuário. Bom de
tudioso da marcenaria.
a um outro espaço-tempo, que com-
guarda todos ali, suspensos.
matemática, cogitou a carreira de
bina com os móveis ali produzidos.
RECLUSO
Não é preciso ser amante da mar-
cientista, mas acabou optando pela
cenaria para entrar no ateliê e es-
marcenaria e design de móveis. No
Designer que também já foi en-
aprendiz Marcelo, diante dos olhos
quecer as duas horas passadas na
Japão, conta Morito, essas duas ati-
caminhado ao elevador de serviço
curiosos dos visitantes, aplicava óleo
estrada desde São Paulo. Distância
vidades integram um só ofício. No
por preferir se apresentar como mar-
com o auxílio de uma lixa –técnica
que não impediu a arquiteta e de-
mesmo curso, ele aprendeu desde
ceneiro, Fernando Mendes de Almei-
que deixa a peça nova um tanto fos-
signer de móveis Julia Krantz de re-
as técnicas básicas do trabalho com
da é mais um integrante do seleto
ca, mas lhe confere um brilho espe-
petir a viagem praticamente toda
madeira até a utilização de softwa-
grupo dos que conhecem o trabalho
cial ao longo dos anos de uso. “O
segunda-feira, por quase dois anos,
res para projetar as peças.
de Morito e identificam seu valor.
ideal é que o móvel dure tanto quan-
Em 1995, mudou-se para o Bra-
No lançamento da exposição da úl-
to viveria a árvore”, explica Morito,
para aprender com Morito.
UM MESTRE à sombra
nha encomendado. Estava indo pela
Como a Cadeira Folha na qual o
“Ele é uma espécie de mestre
sil, já casado com Rosana, uma bra-
tima edição do Prêmio Design Mu-
que, entre marceneiro e designer,
zen da madeira”, define Julia. “É pre-
sileira descendente de japoneses.
seu da Casa Brasileira, em dezem-
prefere se definir como “artífice”.
ciso muita coragem e integridade
Logo descobriu que as facetas com-
bro, Fernando, que ganhou o princi-
Com linhas elegantes e sinuosas,
para nadar contra a maré do des-
plementares de seu trabalho em ge-
pal prêmio do evento –o mais im-
encaixes e acabamento impecáveis,
cartável e do superficial como ele
ral são vistas pelos brasileiros como
portante do design brasileiro–, refe-
adequação entre matéria-prima, for-
faz. Desde que o conheci, há dois
ramos separados. “Fui ao aparta-
ria-se ao colega de profissão como
ma e função, seus móveis dão tes-
anos, ele mudou a minha vida. An-
mento de um cliente para ver o lu-
a um mestre.
temunho da integração de saberes
tes eu queria que a madeira se
gar onde ficaria o móvel que ele ti-
“O trabalho do Morito tem uma
que ele quer preservar.
Madeira modelada
A Cadeira Folha, de pau-marfim
e freijó, tem esse nome por causa
do desenho do assento.
Os encaixes são do tipo ganzape,
sem parafusos nem cola, que
permitem algum movimento à
madeira e evita empenamento
Como a Cadeira Folha e o
Banquinho Parafuso, esta Poltrona
de Varanda, feita de freijó, recebe
um acabamento a óleo que expõe
a textura natural da madeira e faz
com que a peça ganhe brilho e
beleza ao longo dos anos de uso
Divulgação
A rosca de eixo deste Banquinho
Parafuso é feita à mão, sem
ferramentas elétricas, com uma
madeira amazônica chamada
muiracatiara, própria para a
função por ser lisa e oleosa.
As outras partes do banquinho
são de freijó e cumaru
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- Ateliê Julia Krantz