III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014
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Composição, Resgate, Realocação e Sobrevivência de uma População de Dinoponera
Lucida Emery (Hymenoptera: Formicidae)
R. A. Ferreira1; F. P. Vargas2, S. S. Simon3 & M. C. Teixeira4,*
1,4
Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Centro Universitário Norte do Espírito
Santo, Universidade Federal do Espírito Santo (CEUNES/UFES), São Mateus- ES, Brasil
2
Atta Consultoria Ambiental.
3
Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Federal de Viçosa.
*
Email para correspondência: [email protected]
Introdução
Dinoponera lucida Emery é endêmica do Corredor Central da Mata Atlântica e foi incluída
na lista de espécies ameaçadas do Brasil em maio de 2003 (Campiolo & Delabie, 2008).
Sua ocorrência tem sido registrada apenas nas regiões do Sul da Bahia, Norte do Espírito
Santo e em dois fragmentos de Mata Atlântica do leste de Minas Gerais (Campiolo &
Delabie, 2008).O processo de regressão geográfica de D. lucida está relacionado
principalmente à destruição do seu habitat original com o isolamento das populações
resultando na redução cada vez mais acentuada de suas áreas de ocorrência natural (Paiva
& Brandão, 1995; Mariano et al.2004).
Resende et al. (2010), ao realizar um estudo filogeográfico da espécie, destacou a
importância dos fragmentos florestais para manutenção de sua diversidade genética.Neste
estudo, relatamos os resultados obtidos no programa de resgate, realocação e
monitoramento de uma população de D. lucida de um fragmento de floresta secundária em
função da supressão da vegetação para construção de um empreendimento portuário.
Material e Métodos
O estudo foi realizado em um fragmento de floresta secundária de 6 hectares localizado na
região litorânea do município de Aracruz-ES. Primeiramente, realizou-seo levantamento da
população total de D. lucida (No de ninhos)presente na área destinada para supressão da
vegetação para localização e marcação dos ninhos. A área foi dividida em parcelas nas
quais o solo foi cuidadosamente examinado por meio de procura ativa. Para escavação dos
ninhos seguiu-se a metodologia proposta por Peixoto (2006). Ao final da escavação de
cada ninho, foi realizada a contagem dos indivíduos adultos e imaturos. Foram anotados
190
FERREIRA ET AL: POPULAÇÃO DE DINOPONERA LUCIDA
ainda todos os dados sobre a profundidade, altura e largura das câmaras e número de
entradas do ninho. Foram realizadas análise de correlações entre os dados. As colônias
foram realocadas em duas unidades de conservação: Parque Municipal “David Victor
Farina”, localizado a 7 km da área de resgate, e Parque Municipal Morro do Aricanga, a 21
km.
Antes da realocação todas as formigas tiveram a parte superior do pecíolo marcada com
uso de esmalte comercial á base de água. Esse procedimento visou garantir a visualização
das formigas realocadas na etapa de monitoramento, que teve a seguinte periodicidade: de
fevereiro de 2009 a março de 2012 os ninhos foram monitorados quinzenalmente e de abril
de 2012 a janeiro de 2014 os monitoramentos foram trimestrais. Todas as expedições de
monitoramento foram realizadas entre 7 e 10 horas, período de maior intensidade de
forrageamento indicado para o gênero Dinoponera. Nesse período avaliou-se a
sobrevivência e atividades das colônias realocadas.
Resultados e Discussão
Foram registrados 17 ninhos de D. lucidacontendo um total de 933 formigas operárias
adultas, correspondente a 68% de todos os indivíduos da população. A menor população de
operárias em um ninho foi de 14 formigas e a maior foi de 143. Registrou-se a presença de
17 machos adultos (1% da população), 123 ovos (9 % da população), 94 larvas (7% da
população) e pupas 207 (15 % da população). A análise não apontou correlações entre o
total de adultos e o total de imaturos. A densidade populacional foi de 3,5 ninhos/ha,
resultado abaixo daquele estimado por Peixoto (2006) que variou de 20 a 48 ninhos/ha. A
baixa densidade de ninhos observada na área pode ser devido ao alto grau de degradação
do ecossistema, sobretudo no lado norte, onde os sinais da degradação são mais evidentes
pela presença de restos de construções, estradas e escavações além do grande número de
plantas exóticas que dominam a área, como eucaliptos e acácias.
Neste estudo, o resultado obtido para o total de formigas adultas por colônia ultrapassa o
total máximo encontrado por Peixoto (2006), único estudo realizado até o momento, que
registrou colônias com um máximo de 102 operárias. No entanto, a média encontrada pela
autora (63,5 operárias/ninho) está acima do encontrado neste estudo, que foi de 54,88
operárias/ninho. Peixoto (2006) também verificou que D. lucida constrói ninhos com uma
profundidade que pode variar entre 16 e 65 cm sempre localizado a uma distância média de
III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014
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50 cm do tronco de uma árvore. Neste estudo, a menor profundidade registrada foi de 15
cm e a maior de 73 cm. A análise não apontou correlações entre as variáveis de
composição da população e os parâmetros da arquitetura dos ninhos.
Diante da ausência de correlação entre o número de operárias e a profundidade refuta-se a
hipótese de que colônias maiores constroem ninhos mais profundos. Assim, outros fatores
devem regular esse aspecto da biologia de D. lucida, como por exemplo, a idade da
colônia. É possível que colônias mais velhas construam ninhos mais profundos e não
colônias maiores.
A ausência de correlações entre o número de operárias e a profundidade bem como com o
número de câmaras,obtidas neste estudo, reforça a hipótese de que as colônias investem
maiores esforços no forrageamento do que na prole.O investimento no forrageamento de
cada colônia depende entre outros fatores, da densidade demográfica (Gordon, 1999, Silva
& Noda, 2000). Peixotoet al. (2008) verificaram que nas colônias de D. lucida estudadas a
proporção de operárias que forrageavam em relação as que cuidavam da prole era maior
nas colônias com maior quantidade de operárias. Da mesma forma, a ausência de
correlações entre a quantidade de machos e o número de formas imaturas corrobora com a
tese de Peixotoet al. (2008) de que D. lucida é uma espécie monogínica e indica que,
mesmo com disponibilidade de machos e outras operárias férteis, apenas uma formiga
desempenha o papel de reprodutora, o que impede a geração de maior número de imaturos
nas colônias maiores.
Tabela 1. Situação final dos ninhos de Dinoponera lucida resgatados da área do Terminal
Aquaviário de Barra do Rio e realocados no Parque Municipal “David Victor Farina”
conforme monitoramento em janeiro de 2014.
No
Ninho
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Identificação
Coordenad. geográficas
Situação dos ninhos
Permanece
Não
Usa o
ativo
encontrado artificial
S 195554.6 - W 400741.4
X
__
_
_____
__
X
__
S 195550.4 - W 400742.3
X
__
__
S 038842.1 - W 780579.0
X
__
__
S 038847.2 - W 780583.5
X
__
__
S 038852.4 - W 780586.0
X
__
X
S 0388534 - W 7805845
X
__
__
_____
__
X
__
S 194925.7 - W 401944.3
X
_
__
Ninho foi
reconstruído
X
__
X
X
X
__
X
__
X
192
FERREIRA ET AL: POPULAÇÃO DE DINOPONERA LUCIDA
Tabela 2 - Situação final dos ninhos de Dinoponera lucida resgatados do Terminal
Aquaviário de Barra do Riacho e realocados no Parque Natural Municipal Morro do
Aricanga, conforme monitoramento em janeiro de 2014.
Identificação
Situação dos ninhos
No
Coordenadas
Permanece
Não
Usa o
Ninho
Ninho
Geográficas
ativo
encontrado
artificial
reconstruído
1
_____
__
X
__
__
2
_____
__
X
__
__
3
S 194904.9 X
__
__
X
W402004.1
4
S 194909.3 X
__
__
X
W402002.7
5
S 194907.8 – W
X
__
X
__
402004.4
6
S 194930.4 - W 40154.2
X
__
__
X
7
_____
__
X
__
__
8
S 038864.9 - W
X
__
__
X
780577.2
Conclusão
Colônias deD. lucida com maior número de adultos não possuem mais imaturos;
Colônias de D. lucida com maior número de adultos não são mais profundos nem possuem
maior número de câmaras;
A realocação de ninhos pode ser uma opção viável para o manejo da espécie em casos de
perda de cobertura vegetal.
Agradecimentos
Este estudo é parte do Programa de monitoramento das populações de D. lucida na área do
Terminal Aquaviário de Barra do Riacho, Aracruz-ES e contou com apoio financeiro da
Petrobrás/Transpetro. Os trabalhos de campo foram apoiados por Antonio Carlos Teixeira
e Joelson Imbert.
Literatura Citada
Campiolo, S. & J. C. H. Delabie. 2008. Dinoponera lucida Emery 1901. In: Machado, A.
B. M, Drumond, G. M, Paglia, A. P|, eds. Livro Vermelho da Fauna Brasileira
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III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014
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Gordon, D. M. 1999. Ants at work: How an insect society is organized. New York, The
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Mariano, C. S. F.; Delabie, J. H. C.; Ramos, L. S.; Lacau, S. & Pompolo, S. G. 2004
Dinoponera
lucida
Emery
(Formicidae:
Ponerinae):
largest
number
of
chromosomes known in Hymenoptera.Naturwissenschaften 91: 182–185.
Paiva, R. V. S. & C. R. F. Brandão. 1995. Nests, worker population, and reproductive
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Peixoto, A. V.; Campiolo, S. ; Lemes, T. N.; Delabie, J. C. H. & Hora, R. R.
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Peixoto, A. V.; Campiolo, S.; Delabie, J. H. C. 2010. Basic ecological information about
the
threatened
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Dinoponera
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Formicidae:Ponerinae), aiming effective long-term conservation. Species diversity
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Resende, H. C.; Yotoko, K. S. C; Delabie, J. H. C.; Costa, M. C.; Campiolo, S. C; Tavares,
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Silva, E. R. & Noda, S. C. M. 2000. Aspectos da atividade forrageadora de Mischocyttarus
cerberus styx Richards, 1940. (Hymenoptera, Vespidae): Duração das viagens,
especialização individual e ritmos diário e sazonal. Rev. Bras. Zoociências 2: 720.
Teixeira, M. C; Dáttilo, W.; Simon, S. S. 2011. Modelagem preditiva para a distribuição
geográfica original de Dinoponera lucida Emery (Hymenopterea: Formicidae). XX
Simpósio de Mirmecologia. Petrópolis, RJ, Brasil.
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