Congresso “Escutismo, educar para a vida no século XXI”
Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português
Dimensão Temática
Sociedade
Corpo Nacional de Escutas | Escutismo Católico Português
Estar com… Ser presença… Servir
Matilde Santos
Região do Porto
[email protected]
Esta comunicação versa sobre uma ação regional dirigida aos agrupamentos da Região do Porto, e pelos mesmos aceites, em
resposta a um pedido de cooperação feito pela Capelania do Hospital de São João. Essa ação consiste na disponibilização de
uma manhã de Domingo para levar e acompanhar os doentes internados à celebração da Eucaristia na capela do hospital. Para
além da excelente oportunidade de se prestar serviço, esta ação possibilita confrontar os jovens com a fragilidade humana
inerente a todos nós.
Palavras-chave: Fragilidade – Fé – Fraternidade
A condição do ser humano: fragilidade
E quando Deus juntou pó da terra e lhe insuflou um sopro, assim nasceu a vida humana! A
ciência diz-nos que o processo é bem diferente, que em nada contradiz este relato, mas momento tão belo
precisava da poesia para poder ser dito e guardado na memória e no coração de um povo. Desde o
primeiro segundo da vida humana que a fragilidade está presente, condição que acompanha toda a vida,
nos mais diversos graus de intensidade, e que expira no último sopro. Curioso… todos nascemos frágeis!
A entrada no dicionário para fragilidade define-a, entre outras, como “caráter do que é efémero,
precário ou temporário”1. Tal como a vida que, na fragilidade, faz a experiência da abertura para a
eternidade.
Será que aos 15, aos 18, aos 21, aos 23 anos se pensa nisto? Que tudo em nós é efémero,
precário e temporário? Será que nestas idades temos consciência que a juventude, o vigor, a saúde, a
beleza, a autonomia são bens efémeros, precários e temporários? E, no entanto, estamos rodeados de
sinais que nos falam desta realidade: a fragilidade humana! Realidade tão real que, quando dela tomamos
verdadeira consciência, faz doer!
Aqueles que vemos expostos, hoje, na doença, na velhice, na deficiência, na dependência, na
solidão, são sinais, são expressão viva da fragilidade comum a todos nós, manifestação dessa verdade
real que é a condição humana, desmascarando a autossuficiência e a ilusão de omnipotência em que
vivemos. E são, igualmente, interpelação contínua à nossa responsabilidade para com o outro e para com
os outros, todos os outros.
E nos frágeis de hoje, vemos os frágeis de amanhã, vemo-nos a nós, frágeis, mais frágeis,
amanhã!
Foi-se a juventude, o vigor, a saúde, a beleza, a autonomia… O que lhes resta? O que nos resta?
A alavanca que move montanhas: fé
São inúmeras as passagens na Bíblia que nos falam de fragilidade e de frágeis. Isto é, que falam
de nós. Aquela que aqui importa trazer, dada a contextualidade desta comunicação, fala-nos de “dois
deles [que] iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém”.2
Marcados pela fragilidade da morte de um sonho e do não entendimento, afastavam-se de
Jerusalém, para longe de um Deus que tinha morrido, tomando um caminho sem sentido.
Esta passagem do Evangelho de São Lucas é proposta aos caminheiros do Corpo Nacional de
Escutas por ser “uma das que melhor descreve o Caminheirismo, percurso de revelação, descoberta,
1
2
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, 2001
Caminho de Emaús (Lc. 24, 13-35)
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decisão e alegria, onde se propõe aos caminheiros que experimentem o verdadeiro sentido de fazer
caminho: descobrirem permanentemente o que os rodeia e, principalmente, quem os rodeia.”3
Neste caminho de Emaús encontrámos resposta à pergunta que foi feita atrás: o que lhes resta?
O que nos resta?
O caminho mostra-nos que, a par da nossa fragilidade, temos a fé em Jesus Cristo e a
fraternidade de irmãos que somos como resposta. Fragilidade – Fé – Fraternidade: um tripé, uma
construção sustentável e sustentadora, que nos faz olhar a Pessoa na sua dignidade como critério
primeiro nas nossas ações, que nos faz olhar a Vida como dom, que se vive primeiro de forma efémera,
precária e temporária, como meio e modo de alcançar a Vida eterna.
A fragilidade, nas suas dimensões mais agravadas como a doença, a velhice, a deficiência, a
dependência, a solidão, não nos pode transformar de sujeitos em objetos, meros objetos a quem se
prestam cuidados, às vezes, mas não se dá amor.
Escreveu Heirich Böll (1917-1985, escritor alemão):
Mesmo o pior dos mundos cristãos preferiria eu ao melhor dos pagãos, porque num mundo cristão há
lugar para aqueles a quem nenhum mundo pagão deu lugar: para desfigurados e doentes, idosos e fracos;
e para eles há algo mais que lugar: amor para os que pareciam e parecem inúteis aos olhos do mundo
pagão e irreligioso.
No Caminho de Emaús tomamos consciência da solicitude e da comunhão como primeiros
garantes da dignidade humana. Pois na comunhão as diferenças causadas pela fragilidade não são tão
notórias nem tão duras.
A missão que se faz ação: fraternidade
A maturação espiritual e crente acontece no agir dos cristãos. Em linguagem escutista dizemos
«aprender fazendo». E, por isso, em Escutismo, mais do que dizer… agimos.
Como tornar presente a realidade da fragilidade aos nossos jovens?
Como fazê-los experimentar a necessidade de solicitude e de comunhão de que todos
carecemos?
Como?
Em 2007, ano da celebração do centenário do Escutismo, fomos todos convidados a oferecer
gestos de paz, através de uma proposta denominada “Ofertas para a Paz”. A expressão “Ofertas para a
Paz” abriu, e abre, inúmeras possibilidades; pode dar continuidade a um trabalho prévio, ou iniciar algo
totalmente novo de acordo com as necessidades locais. A proposta insistia que, qualquer que fosse a ação
a empreender neste âmbito, era fundamental que desse resposta, de facto, a necessidades locais.
Quis a providência que a Capelania do Hospital de São João no Porto interpelasse o CNE da
Região do Porto com uma proposta de colaboração. E a Junta Regional viu nesta proposta não só uma
oportunidade concreta de vivenciarmos a nossa Promessa, como também um desafio à Região de, mais
uma vez, se unir em torno de um objetivo comum e de interagir como comunidade que se sente e vive
como tal. Essa proposta de colaboração consistiu, simplesmente, em cada manhã de Domingo
acompanhar os doentes internados que o desejassem à Eucaristia na Capela do Hospital.
Tão simples e, no entanto, tão importante – para os doentes e para nós. Se não nos
dispuséssemos a fazer este serviço, muitos dos doentes não participariam na Eucaristia. Depois de
tomarmos conhecimento desta situação a questão que se nos colocava já não era o que podíamos fazer,
mas como podíamos não fazer nada.
E na abertura do ano escutista 2007/2008 a proposta foi feita e aceite. Inicialmente foi dirigida
aos caminheiros e aos dirigentes; logo depois os pioneiros entraram também no “jogo”.
3
Mística e Simbologia no Clã, Manual do Dirigente, CNE, 2011
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A essência desta ação está espelhada nos “Passos do Acompanhante”: aquilo que é pedido a
cada um que se disponha a dar uma manhã de Domingo aos doentes.
1º Passo
1.1 – Prepara o teu interior para o serviço que vais prestar. Desde casa, no transporte, no
Hospital de São João, ao subir nos elevadores ou nas escadas, na Capela (9º Piso), vai dispondo o teu
coração para acolher todos os acontecimentos da manhã que vais viver.
1.2 – Chegar atempadamente à Capela (8.45h - Uniformizado), é condição fundamental para a
tua missão. Ajudar-te-á a estar dirigido e corresponder ao que te vai ser pedido:
Estar com… Ser presença… Servir.
1.3 – No átrio da Capela, deves ouvir as instruções que te vão dar sobre a forma como acolher
os Doentes, como os transportar até à Capela, estar junto deles na Eucaristia e como promover o regresso
destes aos serviços onde estão internados.
2º Passo
2.1 – Participar na Oração de Laudes que se inicia na Capela pelas 9.00h.
2.2 – No final da Oração de Laudes receberás indicações, para te dirigires para os serviços do
hospital, acompanhado por Voluntários da Capelania, a quem deves recorrer para esclarecer todas as
dúvidas que tiveres.
2.3 – Se ao chegares às enfermarias, nestas estiverem a decorrer tratamentos aos Doentes,
higiene pessoal, etc., não deverás entrar. Nestes casos, deverás voltar mais tarde a essas enfermarias.
2.4 – Ao entrares num serviço, deves fazer um cumprimento geral e saudar pessoalmente cada
Doente tratando-o, se possível, pelo seu nome (afixado num pequeno dístico junto da cama). O carinho
com que tratamos o Doente nunca será esquecido e terá efeitos surpreendentes neste e em nós.
2.5 – Deves respeitar todos os Doentes, nas suas diferenças, bem como o trabalho dos
profissionais de saúde que encontrares.
2.6 – Mantém o máximo de cuidado no transporte dos Doentes, perguntando-lhes
frequentemente se estão bem e confortáveis. Sê delicado e respeitador.
2.7 – Ao chegar à Capela, dirige o Doente para o local que te for indicado.
3º Passo
3.1 – Durante a celebração da Eucaristia, como Acompanhante, deves permanecer junto dos
Doentes que foste buscar.
3.2 – Participa ativamente na Celebração Eucarística, transmitindo confiança e conforto aos
Doentes.
3.3 – Se algum Doente não se estiver a sentir bem durante a Celebração, deves pedir auxílio ao
pessoal hospitalar presente.
3.4 – Terminada a celebração, deves acompanhar os Doentes até aos serviços onde estão
internados, mantendo sempre uma postura de acolhimento sincero. No acesso aos elevadores, tenta
manter uma permanente serenidade, mesmo que possas ter que esperar um pouco pela tua vez de aceder
a estes.
3.5 – No final, não esqueças de te despedir dos Doentes, preferencialmente repetindo,
novamente, o seu nome.
4º Passo
4.1 - Se tiveres ainda tempo, e o teu coração assim o desejar, volta à Capela e agradece a Deus a
oportunidade que Ele te deu, através dos irmãos, para seres “Suas Mãos” no mundo…
Passado um ano a Capelania do Hospital de São João renova o pedido desta colaboração.4
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Carta de 17 de julho de 2008 do Capelão do Hospital de São João, Pe. José Nuno Ferreira da Silva
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Ao concluir este ano pastoral, tão marcantemente assinalado, nesta Capelania, pelo constante serviço de
muitos Agrupamentos do CNE, venho manifestar a profunda gratidão que sentimos pela vossa presença.
É uma aliança fecunda, a desta Escola de Serviço que é o Hospital com essa Pedagogia do Serviço, que é
o Escutismo e, de um modo singular o há de ser, o Escutismo Católico. (…) O serviço dos membros do
Corpo Nacional de Escutas permite, como verificámos, que muitos mais Doentes, em cada manhã de
Domingo, possam celebrar o Dia do Senhor. Também esta razão, primeira entre todas, nos leva a
solicitar a continuidade da parceria.
Esta é uma prática regional que teve início em outubro de 2007 e ainda hoje subsiste, embora
com menor frequência. Foram muitos os agrupamentos e os escuteiros que por lá passaram. Quantos
exatamente? Não importa, pois o serviço não se quantifica e o bem feito não se mede. Não porque não
saibamos contar ou medir, mas porque os verdadeiros efeitos de qualquer boa ação estão para lá do nosso
conhecimento. Pode-nos parecer pouco; no entanto, pouco é sempre mais do que nada!
Recordemos o que nos diz Baden-Powell a propósito da solicitude para com os outros: “Utiliza
os teus talentos em benefício dos outros mais do que em benefício próprio, e estarás a continuar o
trabalho do Senhor e a descobrir o que é a verdadeira felicidade.”
Apresento esta ação de cooperação regional com a Capelania do Hospital de São João no Porto
como exemplo de interação com a sociedade, potenciadora de oportunidades educativas que tocam no
mais íntimo da pessoa. E igualmente como uma prática inovadora pois bebe na fonte da Boa Nova e
dirige-se aos mais novos.
Estar com (os mais frágeis) … Ser presença (amorosa de Deus) … Servir!
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