2005/07/10
OS
ATENTADOS EM
LONDRES
Alexandre Reis Rodrigues
Uma hora antes dos atentados de Londres, na passada
quinta-feira, 7 de Julho, o Comissário da Polícia
Metropolitana, Sir Ian Blair, em entrevista à BBC, afirmava
que parte do crédito da escolha de Londres para os Jogos
Olímpicos de 2012 ficava a dever-se ao nível de segurança
que as forças policiais garantiam à cidade. Reinava um
espírito de confiança, apoiado por uma redução da
criminalidade e a ausência de qualquer atentado terrorista
desde Fevereiro de 1996.
Estava instalado um momento de maior distensão, mau grado, há muito tempo, todos os serviços
de informações admitirem que, mais tarde ou mais cedo, acabaria por ocorrer um atentado, só não
se sabendo o “quando” e o “onde”. No início de Junho, a avaliação da ameaça terrorista do Joint
Terrorism Analysis Center tinha sido baixada de “severe general” para “sub stancial”, a melhor
situação desde o 11 de Setembro de 2001. Agora, depois dos atentados, subiu dois níveis, para
“severe specific”, o mais alto nível de sempre.[1]
Nada obstava que o foco das atenções dos serviços de segurança se passasse a centrar na
realização da Cimeira do G-8 em Gleneagles, Escócia, para onde foram enviados cerca de 12000
agentes, parte substancial dos quais tinha sido retirada do dispositivo da zona de Londres,
nomeadamente a capital.[2]
Londres ainda vivia a euforia da escolha para as Olimpíadas, para o que nem sequer era geralmente
considerada como capital favorita; o 1º Ministro estava fora, no Norte, envolvido na Cimeira do G-8 e o
Mayor de Londres encontrava-se ainda em Singapura, onde o Comité Olímpico Internacional se tinha
reunido para a decisão final sobre os Jogos de 2012. Que mais poderiam desejar os terroristas para
se movimentarem com mais alguma liberdade da que em circunstâncias normais teriam?
Faz, de facto, sentido que tenham aproveitado a ocasião, mais favorável do que o habitual. Aliás, já
se sabia do seu agudo sentido de oportunidade e de procura de simbolismos na escolha do
momento e local para desferirem os seus ataques; o 11 de Março em Madrid já o tinha evidenciado.
Agora, também vários factores se conjugavam para uma nova boa oportunidade, quer em termos de
maior facilidade quer em termos de simbolismo internacional.
Porém, os serviços de informações alegam que não tiveram qualquer sinal que lhes permitisse
antecipar, de forma útil, a possibilidade de atentados. O problema é que provavelmente, nunca terão,
mesmo sendo os mais eficientes do Mundo. Por isso é essencial que, para além do contínuo
esforço de pesquisa de informações, se procure identificar, paralelamente, situações de maior
vulnerabilidade. Isto também nada garante mas serve, pelo menos, para aumentar o nível de
vigilância em períodos de maior probabilidade de atentados. Obviamente, os serviços ingleses
fazem esse tipo de trabalho mas, não obstante o prestígio de que usufruem e que subscrevo,
escapa ao meu entendimento a redução do nível de alerta que fizeram no início de Junho, no
aproximar de uma altura tão crítica (Cimeira G-8, decisão sobre os Jogos e época alta no turismo).
Estranho também, neste caso particular, é a notícia veiculada pela Associated Press referindo que o
Ministro das Finanças de Israel, Benjamin Netanyahu, então em Londres, foi alertado pela
Embaixada para não sair do Hotel, poucos minutos antes dos atentados. Ainda segundo a agência,
a Embaixada de Israel em Londres terá recebido o alerta das autoridades inglesas. Tudo foi
imediatamente desmentido. Em qualquer caso, não seria um alerta de alguns minutos que poderia
alterar o desfecho da situação.
É essencial que os serviços de informações funcionem bem e que as forças de segurança e demais
apoios (hospitalar, evacuação de feridos, combate a incêndios, etc.) sejam eficazes; os do Reino
Unido são tidos como dos melhores do Mundo mas a verdade é que houve um atentado; por isso,
em termos objectivos, houve uma falha dos serviços de informações. Não se conte, porém, que seja
possível garantir que não há falhas; a outra parte também evolui, evitando comportamentos padrão,
sofisticando a sua actuação e não deixando vestígios. Não é possível, também, estar
permanentemente a levantar os níveis de alerta nem será isso que garantidamente vai impedir
atentados. Por isso, não deve ser apenas nesta vertente que os governos devem ser julgados;
devem-no ser, também, pela resposta dada quando a emergência surge e pela forma, em geral,
como enfrentam a situação.
Nesta última, dificilmente podia ser melhor, quer em termos de serviços, quer em termos
comportamentais da população. Vieram ao de cima, de imediato, os frutos de quatro anos de
contínuos preparativos, exercícios, divulgação de instruções sobre a eventualidade deste tipo de
ocorrência. Não foi preciso improvisar. Tudo apareceu de forma profissional e competente,
certamente graças também aos 30 anos de experiência a lidar com atentados do IRA.
Um recente estudo mostrava que 70 a 80% das empresas em Londres tinha planos de contingência
para situações de emergência, desenvolvidos em função dos contactos institucionalizados com os
serviços de informações, o que permitiu passarem a receber avaliações periódicas do nível de
ameaça e clarificar áreas de responsabilidade e formas de coordenação. Nada disto existia há cerca
de 5 anos atrás. Cerca de 1,47 milhões de libras foram investidos por empresas, em 2004, para
melhorar a sua segurança. Algumas – poucas – ordenaram de imediato a evacuação das suas
instalações; muitas contrataram serviços de transportes privados para ajudar os empregados a
voltar a casa; outras reservaram alojamentos em unidades hoteleiras para os que não pudessem
regressar. Tudo sem pânico, evidenciando uma população amadurecida e determinada em não se
deixar afectar pelos acontecimentos. Exemplar.
Presume-se que os terroristas tinham três objectivos imediatos principais: provocar a perda de
vidas; afectar uma infra-estrutura vital para o funcionamento da cidade (3 milhões de passageiros
por dia) e instalar medo nas pessoas, levando-as a mudar os seus comportamentos. O último não
foi atingido e o mérito disso deve ir directamente para a população de Londres. Os outros foram
alcançados a um nível modesto, quer em número de vítimas quer em danos causados, o que se
estranha. Várias coisas podem explicar a situação: dificuldade em conseguir mais explosivos; receio
de detecção se portadores de uma carga maior; intenção deliberada de limitar as consequências?
Não se sabe ainda.
Levará algum tempo a encontrar respostas para estas questões, reconstituir o sucedido e detectar
indícios que possam levar até junto dos autores dos atentados. Ninguém poderá dizer quanto
tempo; vai ser precisa extrema paciência e sorte.
As autoridades já não estão a lidar com uma organização sobre quem possam retaliar; a al-Qaeda
já talvez nem sequer seja um movimento; provavelmente, é apenas uma referência, uma
mensagem, uma orientação. Bin Laden até pode não estar vivo mas isso deixou de ser relevante;
está vivo no espírito de muitos simpatizantes; só em Londres são 10 a 15000, com passaporte
britânico.[3]
Como descobrir os criminosos numa cidade que se orgulha da sua tolerância, da sua diversidade
cultural, do seu cosmopolitismo (170 nacionalidades, 2 milhões de residentes não brancos), do seu
exemplo de verdadeira cidade global do futuro, mau grado o apertado sistema de vigilância?[4]
Vamos ter que esperar.
Blair pode ter levado os ingleses a pagarem o preço do apoio dado aos EUA na Guerra do Iraque
mas não fará com certeza, o mesmo que fez Zapatero, não obstante pressões que possa receber
para isso. Blair sabe que isso só agravaria a nossa actual vulnerabilidade e que a luta tem que
continuar por todos os meios ao nosso alcance, políticos, económicos, diplomáticos e, quando
inevitável, pela força. É para isso que todos devem estar preparados.
[1] Há quatro níveis de alerta no sistema inglês: “Imminent” quando há conhecimento concreto sobre
a localização e hora de um ataque planeado; “Severe Specific”, quando há conhecimento de uma
conspiração terrorista; “Severe general” quando há uma forte possibilidade de haver um ataque
embora sendo desconhecido o local e hora; “Sub stancial” quando é recomendado um alerta elevado
embora não hajam sinais de um possível atentado.
[2] Logo após os atentados, 1500 foram enviados de volta a Londres.
[3] Roger Cohen, IHT, 9 Julho 2005.
[4] A grande maioria dos 4,2 milhões de câmaras em circuito fechado existentes em todo o Reino
Unido encontra-se instalada em Londres: 1800 em estações do Metro, 6000 em toda a rede de
transportes subterrânea, algumas em transportes de superfície, etc.
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