ANÁLISE DE RISCOS
UMA PERSPECTIVA
SOCIOLÓGICA
Julia S. Guivant
Universidade Federal de Santa Catarina
CURSO DE CAPACITAÇÃO EM BIOSSEGURANÇA
DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS
Florianópolis, 24 de agosto de 2004
Julia S. Guivant UFSC
Estudos técnicos e quantitativos
de risco
• A partir dos anos 60
• Risco: um evento adverso, uma atividade,
um atributo físico, com determinadas
probabilidades objetivas de provocar danos,
e pode ser estimado através de cálculos
quantitativos de níveis de aceitabilidade que
permitem estabelecer standards, através de
diversos métodos (predições estatísticas,
estimação probabilística do risco,
comparações de risco/benefício, análises
psicométricas).
Julia S. Guivant UFSC
Estudos técnicos e quantitativos
de risco
• Risco aceitável:
inicialmente formulado em 1969
representando o nível de risco que pode ser
utilizado como norma para atividades
voluntárias.
a sociedade pode estabelecer este nível de
risco aceitável, como parte de um trade-off
entre os riscos e os benefícios .
Julia S. Guivant UFSC
Estudos técnicos e quantitativos
de risco
• estimação
• avaliação
• administração
Julia S. Guivant UFSC
sr
jo
ne
do
Ma
isc
os
Análise de riscos
os
Av
isc
ali
a
sr
çã
o
do
Estimação dos riscos
Julia S. Guivant UFSC
Estudos técnicos e quantitativos
de risco
• Estimação:
inclui a caracterização das fontes de risco, a
medição da intensidade, freqüência,
duração das exposições aos agentes
produzidos pelas fontes de risco e a
caracterização das relações entre as doses
e as conseqüências para as populações
afetadas
Julia S. Guivant UFSC
Estimação dos riscos
• Tende a se apoiar em freqüências relativas
como uma forma de explicar probabilidades
(não se consideram variações inter-individuais)
• Os efeitos não desejados são confinados a
danos físicos aos seres humanos e aos
ecossistemas (não se consideram impactos
sociais e culturais)
Julia S. Guivant UFSC
Avaliação do risco
processo que determina a
aceitabilidade de um dado
risco
Julia S. Guivant UFSC
Administração dos riscos
Processo de reduzir os riscos a
um nível tolerado pela sociedade e
sobre o qual se assegura controle,
monitoramento e comunicação
pública
Julia S. Guivant UFSC
Administração dos riscos
•
Um dos desafios mais importantes para os técnicos
é o de comunicar os riscos para diminuir as
distâncias entre a percepção dos leigos e a dos
peritos – parâmetro racional a ser atingido pelos
primeiros através de difusão de mais informação.
• Os leigos tendem a ser identificados como
receptores passivos de estímulos independentes,
percebendo os riscos de forma não científica,
pobremente informada e irracional. Estima-se que
os riscos percebidos pelos leigos não
necessariamente correspondem aos riscos reais,
analisados e calculados pela ciência.
• Modelo do déficit de informação
Julia S. Guivant UFSC
Desafios dos riscos I
• Aumento da população e da densidade
populacional
• Aumento dos riscos sociais, diminuição de
riscos tecnológicos
• Necessidade de lidar com interações entre
riscos de fontes independentes (químicos,
tecnológicos, sociais)
• Maior ênfase em ameaças de doenças não
fatais
Julia S. Guivant UFSC
Desafios dos riscos II
• Tecnologias e produtos permeando
todos os aspectos da vida num mercado
globalizado
• Intervenções humanas em ciclos (bio)
geoquímicos
Julia S. Guivant UFSC
Criticas as análises de risco
quantitativas
Nos anos 70 e 80 foram emergindo entre
acadêmicos, ambientalistas e setores
indústrias diversas críticas em relação a
estes métodos , tais como:
• falta de dados científicos quantitativos
suficientes para relacionar a exposição a
substâncias químicas e riscos à saúde;
• divergências graves de opinião dentro da
comunidade científica sobre como
interpretar as evidências e a incerteza dos
resultados
Julia S. Guivant UFSC
As principais críticas desde a
teoria social dos riscos I
1) não consideram os efeitos acumulativos a longo prazo;
2) projetam-se resultados estudados em animais para os
seres humanos de uma forma controvertida ;
3) limitado alcance dos métodos, pois nem todas as
substâncias podem ser avaliadas no seu potencial de
risco, nem podem ser avaliados os efeitos das
combinações nos nossos corpos e no meio ambiente;
4) ignoram-se os fatores sociais que podem influenciar as
peculiaridades da sensibilidade dos indivíduos.
Julia S. Guivant UFSC
As principais críticas desde a
teoria social dos riscos II
• as sociedades altamente industrializadas, à diferença da
sociedade industrial e de classes, própria do início da
modernidade, enfrentam riscos ambientais e tecnológicos
que não são meros efeitos colaterais do progresso, mas
centrais e constitutivos destas sociedades, ameaçando
toda forma de vida no planeta e, por isto, estruturalmente
diferentes no que diz respeito a suas fontes e abrangência.
• Exemplos: aquecimento global, poluição dos recursos
hídricos, contaminação dos alimentos, AIDS, buraco da
camada de ozônio, desertificação, ecotoxicidade, a
radioatividade, biotecnologias.
Julia S. Guivant UFSC
Os efeitos colaterais
• como se determinam os “efeitos colaterais” de
uma substância química?. Já o próprio conceito
de “efeitos colaterais” seria uma das formas
que a ciência tem encontrado para manifestar a
sua falta de conhecimento, os seus limites para
estabelecer relações de causalidade entre
fenômenos, sem impedir a comercialização dos
produtos químicos em questão.
Julia S. Guivant UFSC
Níveis de aceitabilidade
• A ciência, ao estipular estes níveis
aceitáveis de contaminação, estaria
outorgando uma espécie de cheque em
branco para poluir e envenenar a natureza
“um pouquinho”, deixando como utópico o
parâmetro de não contaminação.
• Os critérios de aceitabilidade de resíduos e
exposição não são fixos ou definitivos.
Muitas vezes, o que se afirmava como não
prejudicial à saúde humana, passa a ser
descoberto como prejudicial através de
novas evidências, a longo prazo.
Julia S. Guivant UFSC
Tipos de riscos
• Riscos aceitáveis
• Riscos problemáticos (incertos)
• Riscos inaceitáveis
Julia S. Guivant UFSC
Reconhecimento das incertezas I
• Riscos com extrema baixa probabilidade,
alto potencial de dano e pouca incerteza
(tecnologia nuclear)
• Riscos com alta incerteza sobre sua
probabilidade, mas claro entendimento
de seu dano potencial (desastres
naturais)
Julia S. Guivant UFSC
Reconhecimento das incertezas II
• Riscos de alta incerteza sobre probabilidades,
alta variabilidade sobre o dano potencial, mas
há provas das conexões causais entre o
agente e os danos
• Riscos com alto nível de estar presentes em
todos lados, alto nível de persistência e
dificuldades de establecer relações causais
Julia S. Guivant UFSC
Reconhecimento das incertezas III
• Riscos de alta probabilidade, alto nível
de dano e longo período entre o agente
causal e o dano (mudança climática
global)
• Riscos de baixa probabilidade, alto nível
de exposição mas pequeno dano
potencial e alta mobilização potencial
(campos eletromagnéticos)
Julia S. Guivant UFSC
Riscos incertos
Manipulação genética das plantas
Microondas
Manipulaçao genética animais)
Toxinas naturais
Adoçantes artificiais
Resíduos de drogas veterinárias
Aditivos alimentares
Food Colorings
Irradiação
alimentos
Cafeina
Resíduos de pesticidas
Riscos severos
Riscos não severos
Contaminação Ambiental
Contaminação bacterial
Deficiências nutricionais
Listeria
Calorias excessivas
Dieta alta em açucar
Salmonella
Dieta alta em Gorduras
Sparks & Shepherd (1994)
Julia S. Guivant UFSC
Riscos
Estratégias para a administração
dos riscos I
• 1) apoiadas na análise convencional de
riscos: conhecimentos suficientes sobre
os parâmetros chave (riscos aceitáveis e
inaceitáveis)
• 2) apoiadas no princípio de precaução:
alta incerteza ou ignorância.
• 3) apoiadas no princípio do diálogo e da
negociação: além das incertezas, há
ambigüidades
Julia S. Guivant UFSC
Estratégias para a administração
dos riscos II
Princípio de precaução
2) Ênfase em mais pesquisa
3) Monitoramento constante
4) Suspensão da aplicação
(tempo/espaço)
5) “Melhor seguros que arrependidos”
Julia S. Guivant UFSC
Estratégias para a
administração dos riscos III
Princípio do diálogo e da negociação
2) Ênfase no debate público
3) Importância da transparência
4) Estabelecimento de instituições que
gerem confiança
5) Investimento na comunicação do risco
Julia S. Guivant UFSC
Os debates em torno dos riscos
dos transgênicos
• 1) introduzido um questionamento público do
sistema alimentar como um todo;
• 2) apresentado a peculiaridade de extrapolar as
fronteiras da rede agroalimentar para ocasionar
conflitos sociais, políticos, econômicos e
científicos, descrédito de cientistas, ameaça de
relações de comércio internacional,
• 3) gerado demanda por mais debates sobre que
tipo de riscos as sociedades querem correr e
sobre como e quem deve decidir sobre isto.
Julia S. Guivant UFSC
Não se trata só de um conflito entre leigos e peritos, dado que
também envolve:
•influências políticas,
•poder das corporações,
•velocidade da mudança tecnológica,
•problemas éticos,
•efeitos econômicos diversos,
•Trata-se do cenário de um conflito global em torno dos riscos.
Julia S. Guivant UFSC
Que há por trás das crenças?
Pro OGMs:
•Progresso econômico e tecnológico
•Ciência como árbitro dos riscos
•Quantificação dos riscos
•Riscos como um recurso para políticas públicas
Críticos aos OGMs:
•Dúvidas sobre que a tecnologia é igual a progresso
•Definição mais ampla de risco refletindo como as “sociedades pensam”
•Em diferentes culturas/comunidades há diferentes visões sobre a ordem
moral (humanidade, sociedade e natureza) levando para a identificação de
diferentes riscos e diferentes tendências para a aceitabilidade
•Os riscos podem ser científicos mas outras dimensões devem ser
consideradas (moral, democrática, etc)
Julia S. Guivant UFSC
Modelos de governança dos
riscos e da inovação
a partir do cruzamento de dois eixos:
concepção sobre o público
concepção de ciência.
Julia S. Guivant UFSC
1) Modelo standard
• considera que as diferenças de apreciação
dos riscos entre peritos e leigos devem-se a
atitudes irracionais destes últimos,
atribuídas a desvios cognitivos, a
dificuldade de raciocinar de acordo com
probabilidades, a aversão à inovação e ao
risco, etc.
• separação clara entre fatos e valores
Julia S. Guivant UFSC
2) Modelo consulta
• há diferentes e igualmente legítimas racionalidades em
jogo e por isto não podem ser comparadas.
• ainda permanece dentro do paradigma positivista ao
manter uma clara dicotomia entre leigos e peritos,
entre a opinião pública e a ciência, que seria ainda um
domínio de neutralidade valorativa e objetividade.
• Assim, a participação dos leigos na gestão acaba
reduzida a uma forma de legitimar a aceitabilidade
pública das medidas a serem tomadas pelos peritos.
Julia S. Guivant UFSC
3) Modelo de negociação I
•
impossibilidade de separar fatos e valores, estando
localizada historicamente a distinção entre a ciência e a
não ciência. A ciência está impregnada de valores.
•
a qual problema responde esta solução técnica?, há
alternativas? Quem se favorece com esta tecnologia?
•
As controvérsias sócio-técnicas não são vistas como
obstáculos mas como oportunidades para explorar
alternativas possíveis
•
O interesse coletivo não é assumido como algo óbvio,
mas como produto de negociações, alianças e conflitos
sociais.
•
A técnica não é uma fatalidade nem uma fonte de
progresso exclusivamente, mas um instrumento para a
construção de um mundo comum.
Julia S. Guivant UFSC
Modelo de negociação II
• crítica à dicotomia entre um conhecimento
perito que ‘determina os riscos e uma
população leiga que os ‘percebe’.
• A não aceitação de uma determinada definição
científica de um risco por um setor da
população não implica irracionalidade mas o
contrário: indica que as premissas culturais
sobre a aceitabilidade de riscos contidas nas
fórmulas científicas são as que devem ser
discutidas/assumidas
Julia S. Guivant UFSC
Modelo de negociação III
• fóruns de negociação, envolvendo autoridades
e empresas, assim como sindicatos,
representantes políticos, etc. Estes fóruns não,
necessariamente, procurariam o consenso,
mas possibilitariam tomar medidas de
precaução e prevenção, integrando as
ambivalências, mostrando quem são os
ganhadores e perdedores, fazendo isto assunto
público, e finalmente, desta forma, melhorando
as pré-condições para a ação política.
Julia S. Guivant UFSC
Alguns parâmetros para nortear o
processo de negociação
• 1)estabelecer correlações de standards como
fundamento para o reconhecimento legal do dano, em
lugar de uma estrita prova de causa, que muito
dificilmente pode ser atingida, dada a
interdependência global da produção de riscos;.
• 2)mudar a responsabilidade da prova, de forma que
os agentes industriais e os peritos devam passar a
estar obrigados a se justificar em público.
• 3)responder às reclamações por segurança técnica
com responsabilidade (liability) pelos danos;
• 4) instaurar comitês e grupos de peritos nas áreas
cinzas da política, ciência e indústria, incorporando
Julia S. Guivant UFSC
representantes de diferentes
disciplinas, de grupos
alternativos de peritos e de leigos.
Pesquisa de percepção pública da ciência
•Realizada no Brasil pela equipe do
Laboratório de Jornalismo da Unicamp
(Labjor), coordenado por Vogt, caráter
pioneiro no país, com 90 questões, e
eminentemente qualitativa.
•no Brasil, foram consultadas 162 pessoas
em Campinas, entre fevereiro e março de
2003. Posteriormente em São Paulo foram
aplicados 776 questionários, e em Ribeirão
Preto, 125.
•A pesquisa elegeu situações de controvérsia
- como a questão dos resíduos nucleares,
organismos geneticamente modificados,
contaminação industrial,
entre
outros - para
Julia S. Guivant
UFSC
identificar experiências de participação
um domínio exclusivo de mentes iluminadas. A maior parte
dos brasileiros (64,8%), uruguaios (56%) e espanhóis
(54%) entrevistados discorda da afirmação de que "o
mundo da ciência não pode ser compreendido pelas
pessoas comuns".
•Constatou-se que a maioria absoluta dos entrevistados
não tem dúvidas de que é "importante" participar desses
debates, preferencialmente em grupos. Mas grande parte
revelou ter participado apenas de manifestações públicas
em relação a esses temas ou de coleta de assinaturas.
•uma fração importante dos entrevistados não pensa que
essas qualidades lhes garanta idoneidade para orientar a
ciência como instrumento do desenvolvimento. E mais:
apesar de apoiar a autonomia na investigação, para os
entrevistados, a função política de decidir o que investigar
ultrapassa a competência
dos pesquisadores.
Julia S. Guivant
UFSC
ETAPAS DO CONFLITO NO
BRASIL
1) a proliferação do social
2) a proliferação da clandestinidade
3) a proliferação das medidas provisórias e a
lógica do “fato consumado”
4) conflitos de interesses na aprovação do PL
sobre Biossegurança
Julia S. Guivant UFSC
Sugestões
Criação de espaços diferentes de debate
público sobre a gestão dos riscos incertos de
inovações tecnológicas para fugir da
consolidação do modelo de ciência Standard
Estes espaços deveriam ser complementados
com sistemas de informação não
unidirecionados, mais transparentes e abertos,
de maneira que a informação que os
consumidores recebam ajude a fazer escolhas e
tomar decisões.
Julia S. Guivant UFSC
Download

ANÁLISE DE RISCOS UMA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA