A equipe e o estudo de caso
Para abordar sobre os efeitos do estudo de caso em uma
equipe de saúde mental, é importante considerar o trabalho de
equipe. Essa consideração revela-se central nos novos serviços
que estão se constituindo, em especial, nos Centros de Atenção
Psicossocial-CAPS.
Nesses lugares o tema “equipe” é muito citado, de forma
que sua constituição é tida como instituída e natural. Muitos
entendem que agrupar certo número de profissionais de
diferentes áreas, por si só, constitui uma equipe. No entanto, para
a sua formação se requer uma pré-disposição de todos os
profissionais.
No campo da saúde mental o trabalho em rede no território
de atuação não deve se restringir à saúde, mas estar inserido na
comunidade, pois um dos vieses dos serviços públicos é produzir
um lugar para aqueles que não o possuem. É na comunidade que
a contribuição do campo da saúde mental pode se efetivar, pois
um dos dispositivos dos serviços públicos é acolher as demandas
de um coletivo sem acesso aos pressupostos que dão estatuto ao
simbólico. Encontrando, assim, no serviço público suas
referências, suas possibilidades de fala, para produzir efeitos nos
ordenadores das políticas públicas.
O trabalho em um CAPS é marcadamente coletivo. A partir
da convivência entre pares, técnicos, usuários, familiares e
outros, esses serviços da saúde na rede pública se constituem
“em equipe”.
Segundo Ana Cristina Figueiredo (2005), é possível destacar
duas formações típicas de equipes: a hierárquica e a igualitária. A
hierárquica preserva a hierarquia das profissões, tendo como
modelo as intervenções verticalizadas, onde prevalece a
autoridade do médico, seguida do enfermeiro ou psicólogo, etc....
Esse é o reino das especialidades, numa espécie de
demonstração de poder, onde opiniões controversas devem
contar o menos possível, pois, caso contrário, a hierarquia fica
ameaçada. O efeito disso é a produção de posições paranóicas
no laço de trabalho.
Por outro lado, nesse serviço também existem equipes
igualitárias, nas quais ocorre uma implosão dos especialistas,
pois todos os participantes fazem uso da palavra e em todos os
momentos. As discussões são intermináveis e a cada argumento
novo surge uma nova situação ou uma nova dúvida. Neste
modelo, o risco de desconsiderar as especialidades é
permanente. Certas ações no trabalho clínico, - em nome do agir
em equipe, para não entrar em confronto e tentando, deste modo,
abolir o mal-estar da instituição, -, em muitas ocasiões, pode
determinar a inércia que incide sobre os profissionais impedindoos do fazer clínico.
Na prática, geralmente o que observamos é uma mistura, ou
seja, uma composição híbrida dos dois modos de funcionamento
de equipes. De acordo com as situações que emergem, surge um
ou outro, da mesma forma que as armadilhas, posições
paranóicas e a inércia do grupo ali se manifestam. Como sair
delas? Em que a psicologia pode contribuir?
Para falar disso, utilizaremos exemplos do cotidiano dessa
clínica. Iniciando por um primeiro atendimento quando uma
demanda desestabiliza a equipe, seja pela fala delirante ou por
um comportamento destrutivo do paciente, do familiar, da escola,
da clínica médica ou quem quer que seja, as falhas desta
aparecem. Nesse momento é tocada a posição narcísica do
grupo, que fica vulnerável frente às ameaças de perda dessa
posição. De um modo geral, nestes momentos a instituição
utiliza sua inteligência e segue alguns passos protocolares de
intervenção que funcionam como uma espécie de anteparo ao
real da clínica, dando suporte para as ações, o que não é o
suficiente para o enfrentamento das situações cotidianas e para
uma abordagem em cada caso. É desta forma que os estudos de
caso vão singularizar as demandas de intervenção.
Sabe-se que nessa instituição não se pode trabalhar sozinho
ou isoladamente. Mesmo que cada um seja responsável pelos
seus atos, é no coletivo do espaço institucional que ele deve
surgir. Acaso isso não ocorra, as acusações recíprocas a cada
dificuldade, a cada obstáculo, se sucederão. Então, há que se
perguntar: partilha-se a experiência? A resposta pode ser tanto
afirmativa quanto negativa. A primeira, pelo fato de que cada um
é responsável pelo que faz e como faz. Deste modo, se transmite
um saber fazer clínico que se trata de um conhecimento
acumulado de todos que trabalham neste ofício e de testemunhos
dos trabalhos realizados na equipe, isso possibilita a atitude
clínica para cada caso. Já a segunda, porque a experiência não é
um bem e pode ser uma armadilha do trabalho em equipe e,
quando vista desta forma, provoca fenômenos grupais.
O que organiza uma equipe são os seus dispositivos de
trabalho. O estudo de caso é um deles, pois no estudo a equipe
se reúne para examinar a condução do tratamento. Podemos
pensar que, a partir daí, quem determina o trabalho e quem
organiza a equipe é o caso.
Então, como se dá a construção do caso?
O caso não é o sujeito, é uma construção com base nos
elementos que recolhemos do seu discurso. A finalidade da
construção deve ser de partilhar determinados elementos de cada
caso em um trabalho conjunto. Desta forma, o que se recolhe são
os elementos fornecidos pelo sujeito como pista para a direção do
tratamento do chamado “projeto terapêutico”. Essa tessitura é que
aponta o caminho a seguir em cada caso, a cada momento, pois
há necessidade de retificações a se fazer de tempos em tempos,
dependendo do rumo que o caso tome, a partir de novas
indicações do sujeito. Para que isso ocorra, uma boa dose de
tolerância se faz necessária por parte dos profissionais e o
movimento é de cada um da equipe em direção ao trabalho,
tomando seus pares como parceiros de clínica para constituir as
bases de um trabalho institucional.
Referências Bibliográficas:
FIGUEIREDO. Ana Cristina Costa, Uma proposta da
pscicanálise para o trabalho em equipe na atenção psicossocial.
Revista de saúde mental e subjetividade da UNIPAC, vol. 3,
Fascículo 5º. Rio de Janeiro, 2005.
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