LITERATURA
INFANTIL
— ETERNO CAVALO DE BATALHA
p o r
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I
cluir que, apesar de pregarmos
Ainda não há muito que se
Inovações e revoluções e modebateu em «Sol Nascente» o
dernismos e espíritos do séproblema insolúvel até agora
culo, em matéria
de contos
da literatura infantil. Será,
; ara crianças marchamos na
portanto, ocioso, vir mais uma
cauda do progresso. Lá fora
vez batalhar no mesmo camtem-se feito qualquer coisa de
po, exibir uma chaga tantisnovo neste sentido. Mas o que
slmas outras vezes posta a nú,
se tem feito lá fora não pode
armar em Magriço de uma
entre nós aplicar-se sem uma
causa estafada mas que, mesadaptação cuidada em função
m o assim, parece ter fôlego
das condições de existência da
para eternizar-se?
nossa cniança, condições essas
Pensamos que não. E' certo
que implicam a situação ecoque aqui e além há (entre
nómica e o grau de instrução
este e o artigo a que indirece de educação, a posição da
tamente se alude) ldentpdade
nossa infância apegada
por
no modo de encarar a questão
tradição às quatro paredes do
—o que, até certo ponto, será
lar familiar. Portanto, até
uma parcela de justificação
mesmo a utilização de literada verdade de alguns dos nostura importada não pode deisos pontos de vista. Pelo mexar de merecer dos contistas
nos julgamos ter a certeza de
infantis um critério escrupuque a maioria do público—do
losamente orientado.
público interessado, bem entendido—concordará com nos Tem-se usado o maravilhoso
co em que é necessário estua cada passo; melhor—tem-se
dar cuidadosamente
o proabusado dele. Mas do maraviblema da literatura infantil
lhoso que é somente maraviMas—preguntar-nos-ão — não
lhoso. Daquele que faz erguetemos nós de sobra literatura
rem-se cidades e castelos ou
infantil?
De facto, temo-la
sumlrem-se dragões e génios
de sobra. O pior é que, por
mauls pelas simples interfemais paradoxal que Isso nos
rência e omnipotência de um
pareça, não temos literatura
pauzinho mágico. Quere isto
infantil absolutamente
nedizer (esta condenação do exnhuma (convimos em que isto
cesso) que deva pôr-se de
parecerá a muita gente senparte o factor maravilhoso na
sata afirmação leviana de meliteratura infantil? De modo
nino em busca de evidência).
nenhum. O maravilhoso é
Procuremos entende~-nos. A
sempTe uma projecção do huliteratura infantil pprece ter
mano; mas uma projecção
merecido de muitos o melhor
ampliada. Um diabo, p o r
de seu esforço, de sua boa vonexemplo, generalizando, um
tade. Abundam, em proporção
ser maléfico é-nos represencom o acanhado do nosso meio
tado por um homem, uma
tradicionalmente
refractário,
planta ou uma pedra, homem,
as publicações infantis, os 11planta ou pedra com atributos
vrinhos de histórias
azuis
de maldade característicos.
(histórias amenas de multas
Evidentemente que um diaVelhas Totónias). No entanto
bo só deveria ser apresentado
é acanhado
(será preferível
sob a forma de um homem.
ler-se o superlativo) o horiTodavia o autor pode permizonte desses contos. Acanhado
tir-se—todo aquele que se suse atendermos—e como se
põe autor acha-se no direito
compreende que haja quem
de permitir-se todos os absurnão atenda?—às condições de
dos—colocar a acção da hisvida de hoje tão diversas das
tória num mundo que não
condições de vida de ontem
seja humano (exteriormente
(há quem diga que não; que
humano), quere dizer, no
o homem de 1938 é igual ao
mundo vegetal, no mundo mide 1908, como este era Igual
neral ou, ainda, nesse massaao de mil oitocentos e qualcrado ambiente do reino aniquer coisa; de mais há quem
mal—que é como quem diz no
tenha notado que ainda há
seio dos animais irracionais.
adeptos dos faraós...). Porque,
Qual é o resultado da expese persistimos na adaptação
riência? Surgirem pinheiros,
de velhos contos hindus (por
calhaus ou simplesmente burvezes esse seria o mais peros pensando e agindo como
queno dos males), na deturhomens maus (ou bons; mas
pação de aventuras mais ou
maus porque falamos de diamenos cavalheirescas de uma
bos). A variedade de ambienidade média toda convenções
tes para localização de intrie mentiras
(convenções e
gas fáceis de histórias para
mentiras em nome de uma
meninos não compensa dos
maior compreensão por parte
erros em que possivelmente
da criança), na renovação
induzirá os pequeninos leitoconstante das edições moira
res, erros que teremos de desencantada e fadas e varinhas
bravar porquanto, se tal se
—então somos forçados a connão fizer, corremos o risco de
sot nascente
C
O
A
L
V
os ver recear um seixo ou um
lagarto inofensivo.
Mas voltemos propriamente
ao conceito de maravilhoso.
Ficámos em que o maravilhoso
é sempre uma projecção da
reauoaoe. Temos que ver agora quando é que essa projecção sai dos limites da possibilidade de realizações humanas, mesmo aceitando uma
certa amplitude que seja exagero, mas exagero humano.
Concretizando. Um determinado mancebo (o tema é idiota;
no entanto servimo-nos
dele porque é dos mais generalizados) pretende ir salvar a
donzela amada de um perigo
iminente. Para isso com toda
a força da suo vontade, mas
unicamente da sua vontade
(sem auxílio de passarinhos
mensageiros, de princesas encantadas que se transformam
em cavalos alados), êle logra
vencer contratempos e riscos
sem fim, que outro qualquer,
de vontade fraca ou, até, de
vontade média, em circunstancias análogas não conseguiria ultrapassar. Aqui — e
desde que os obstáculos vencidos sejam de facto obstáculos
possíveis—mesmo que
haja
ampliação da força humana,
o maravilhoso não é de deitar
fora porque dessa luta titânica do mancebo que chega,
enfim, aos braços da sua amada, pode resultar a conclusão
de que «somos nós quem traça
o nosso próprio caminho, somos nós que fazemos o destino».
Demais, o público miúdo de
hoje prefere as aventuras i n trépidas de cavaleiros do Oeste
americano, de aeronautas arrojados que se lançam na conquista de mundos desconhecidos, de marinheiros audazes
em briga constante com os
elementos furiosos. O público
m i ú d o prefere justamente
aquelas histórias que são menos histórias e um pouco mais
de vida, relegando para o
canto das inutilidades a fada
e a varinha. Diga-se de passagem que o gosto das crianças
é amplamente satisfeito. O que
não quere dizer que o problema da literatura infantil se
resolva com capitais Morgan
ou Texas Jack.
Claro que Morgan, Jack ou
Holmes são exemplos flagrantes de tenacidade e força de
vontade. Mas na criança não
nos Interessa
estimular, exclusivamente, a força de vontade.
Outros problemas, e muitos,
nos devem prender a atenção.
A higiene, a solidariedade, a
gradual aquisição de conhecimentos, e tantos, tantos outros, são aspectos a considerar
E
S
e ponderar na literatura infantil.
E não esquecer, sobretudo,
que se Impõe uma literatura
humana, uma literatura em
que o mundo seja mundo com
suas grandezas e misérias
(para quê teimar em mostrá-lo cõr de rosa?), com suas
cobardias e altruísmos, tudo
adentro dos muros da possibilidade humana, e não uma l i teratura em que o mundo seja
apenas um baile de máscaras,
ura teatro de feira, um antro
de fantasmas.
Apontar às crianças o caminho da vida, ensaiar-lhes os
primeiros passos; nunca afastá-las dele, entravar-lhes o
andar—eis a missão principal
da literatura infantil.
A influência do tempo
na crítica literária
(continuação da página anterior)
A crítica faz-se de conhecimento e de comparação. Ora
ninguém menos indicado para
fazer crítica do que o literato
especializado noutro sector, a
não ser que excepcionalmente
dotado. Não é ao poeta, ao
romancista, ao dramaturgo,
mas ao crítico, que deve pedir-se crítica. O elemento de
que essencialmente vivem as
diversas manifestações literárias, a emoção, prejudica o
exercício da critica, de sua natureza anti-emotlva. Esse facto, junto aos preconceitos de
escola e de grupo, que leva a
aceitar-se como bons apenas
os processos literários seguidos
e mais nenhum outro, dá
como resultado a insensibilidade critica com que se anulam reputações lite árias, ainda há pouco consideradas sólidas, levando a desorientação
às gerações que se preparam,
ou privando-as de conhecerem
e admirarem valores que só
diminuíram porque escreveram noutro t°mpo, com outro
estilo e enfren*ando assuntos
de outra época. Essa Insensibilidade critica é ainda, paradoxalmente, de natureza emotiva. E' a pajxão pelos seus
processos literários que leva
esses literatos a condenarem
todos os processos alheios.
Julgo interessante coartar
os efeitos dessa tentativa de
desagregação literária. E', no
fundo, uma obra de inteligência, porque de maior consciência crítica. E seria sumamente
interessante que o crítico, especiallzando-se, renunciasse a
outro género literário que não
fosse o ensaio, e que o literato,
seguindo irresistível vocação,
desistisse de exercer toda e
qualquer acitvidade crítica.
sete
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