Caracterização multiparamétrica da saúde oral de uma amostra de crianças portuguesas diabéticas tipo I - potenciais determinantes de intervenção preventiva e terapêutica
IV – Resumo
Introdução: A diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença crónica, tendencialmente debilitante, de
incidência crescente, que afeta essencialmente crianças e jovens adultos. Fatores genéticos e ambientais
parecem constituir a sua base etiológica multifactorial, igualmente caracterizada pela destruição
autoimune das células β pancreáticas produtoras de insulina permanecendo, no entanto, muitos dos
mecanismos envolvidos por esclarecer. A DM1 e a saúde oral relacionam-se estrita e reciprocamente,
reconhecendo-se nos pacientes diabéticos uma maior susceptibilidade a patologias orais de natureza
inflamatória, catabólica e crónica, com hipotético impacto particularmente a nível salivar, ainda que sem
consenso generalizado. Este trabalho teve como objetivo a identificação de potenciais determinantes da
DM1 na saúde oral das crianças, particularmente relacionados com parâmetros salivares microbiológicos,
imunológicos, metabolómicos e comportamentais/ambientais.
Materiais e métodos: Foi efetuado um estudo clínico observacional do tipo analítico e transversal
(seccional cruzado) cumprindo os requisitos éticos e legais exigidos. A amostra compôs-se de 133
crianças com DM1 e 72 não diabéticas saudáveis, dos 5 aos 15 anos, seguidas nas consultas da Unidade
de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Pediátrico de Coimbra e Odontopediatria do Mestrado
Integrado em Medicina Dentária da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. As crianças
diabéticas foram agrupadas de acordo com os níveis de HbA1c. A avaliação clínica oral foi desempenhada
por uma Médica Dentista experiente, sujeita a calibração prévia, contemplando o registo de aspectos
comportamentais e relacionados com a higiene oral, patologia oral, taxa de fluxo estimulado, capacidade
tampão e carga bacteriana (S.mutans e Lactobacillus) salivares. Foi igualmente caracterizada a carga e
biodiversidade de leveduras na saliva e mucosa, perfis metabolómico salivar por
1
H-NMR e
imunoinflamatório parcial por citometria de fluxo. Após organização de resultados e categorização de
variáveis procedeu-se a análise estatística através do SPSS 19® com aplicação dos testes Kruskal-Wallis, χ2,
Mann-Whitney, t de Student, exato de Fisher, coeficiente de Spearman e odds ratio; valores de p <0,05
foram considerados significativos para um IC de 95%.
Resultados: As crianças diabéticas apresentaram valores médios percentuais de HbA1c de 8,19±1,42 e
duração média da doença de 5,2±3,4 anos. Um controlo metabólico mais favorável foi significativamente
associado a um nível de formação superior dos progenitores e à menor idade. Na avaliação sumária da
condição periodontal cerca de 50% das crianças não diabéticas e 70% das diabéticas apresentaram
hemorragia à sondagem/cálculos, associada ainda a valores salivares médios mais elevados de CD3+ e
aumento da idade. 40,3% dos não diabéticos e 13,5% dos diabéticos revelaram experiência de cárie em
ambas as dentições. Os valores dos índices cpo/CPO foram, global e respectivamente: a) amostra total:
2,70±2,42/1,54±1,99; b) não diabéticos: 3,52±2,53/1,91±2,23; c) diabéticos: 1,79±1,90/1,25±1,70. Por
idades-índice obteve-se um CPO aos 6/12 e 15 anos, respetivamente, de: a) amostra total:
0,00/4,20±1,92 e 4,00±1,00; b) não diabéticos: 0,00/6,00±1,41 e 5,00±4,00; c) diabéticos:
0,00/3,00±1,00 e 5,74±4,48. O valor do índice SiC aos 12 anos foi de 5,80±1,72. O índice CPO foi
significativamente influenciado pelos valores de HbA1c, idade, frequência de escovagem dentária, presença
de má oclusão e carga bacteriana salivar, enquanto no cpo a presença de DM, o género, a idade, a carga
bacteriana salivar e o número de refeições diárias foram determinantes. Na taxa de secreção e
capacidade tampão salivares não houve diferenças estatisticamente significativas entre grupos. Os
Ana Luísa Moreira Costa
Universidade de Coimbra, 2013
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diabéticos metabolicamente controlados apresentaram menor carga salivar de S. mutans e Lactobacillus,
ainda que a presença de DM per se não se tenha revelado fundamental. Cerca de 60% das crianças
(diabéticas/não diabéticas) apresentaram colonização por leveduras positiva, mas apenas 3 destas com
manifestações clínicas, estando a ausência de leveduras (na saliva/mucosa) mais marcada (42,4/73,3%) nas
crianças com menor HbA1c. A espécie mais frequentemente isolada foi a C. albicans. A presença de DM
traduziu-se numa maior frequência salivar relativa de C. albicans (vs outras espécies) associando-se ainda
a presença de leveduras na saliva a maiores concentrações de propionato, alanina, etanol, butirato,
acetato e formato. Nas crianças com maior prevalência de C. albicans houve acentuação salivar
significativa de CD45+, enquanto nas com maior prevalência de “outras espécies” foram mais relevantes
os CD14+ e CD8+. A presença de leveduras na mucosa relacionou-se com a subpopulação salivar de
CD8+ e aumento da concentração salivar de propionato, etanol, acetato e formato, revelando-se aqui a
biodiversidade significativamente superior. Na análise do perfil metabolómico salivar destacaram-se as
concentrações significativamente acrescidas, nas crianças não diabéticas, de alanina, etanol e malato,
enquanto as diabéticas apresentaram níveis mais elevados de butirato. Na caracterização
imunoinflamatória constatou-se que as crianças diabéticas apresentaram níveis salivares mais elevados de
CD45+, granulócitos, CD3+ e CD4+, constituindo a duração da DM um factor determinante na
subpopulação salivar de CD3+, tal como a idade em relação aos CD14+.
Conclusões: Respeitando o âmbito e limitações inerentes à metodologia deste trabalho pode concluirse que a presença de DM1 nas crianças está associada a alterações de alguns dos parâmetros de saúde
oral, metabolómicos e imunoinflamatórios da saliva, bem como de alguns fatores de risco
ambientais/comportamentais para o desenvolvimento de patologia oral.
Ana Luísa Moreira Costa
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V – Abstract
Introduction: Type 1 diabetes mellitus (T1DM) is a chronic and debilitating increasing disorder that
mostly affects children and young adults. Genetic and environmental factors embodies its etiologic basis,
also characterized by autoimmune destruction of insulin producing β-cells of the pancreatic islets of
Langerhans, although many of its mechanisms still remain unclear. T1DM and oral diseases are closely and
bidirectionally related. Diabetic patients are known to express a high predisposition to oral diseases of
inflammatory, catabolic and chronic nature with potential impact on salivary status; however there is no
consensus regarding these associations. The aim of this work was to assess potential T1DM determinants
related to children´s oral health status, namely those concerning to salivary, microbiological, immuneinflammatory and behavioural profiles.
Material and methods: A clinical analytical cross-sectional study involving 133, 5 to 15-yr-old, T1DM
and 72, age- and gender- matched non-diabetic children, respectively monitored in the Paediatric
Endocrinology Unit (Paediatric Hospital of Coimbra) and Paediatric Dentistry (Faculty of Medicine,
University of Coimbra), fulfilling the inclusion criteria, was performed. All ethical and legal requirements
were fully met. Diabetic children were grouped according to the level of HbA1c. Diabetes-related data
were collected from medical records and completed with the lab data on HbAlc. The clinical and
analytical evaluation was performed by a calibrated and experienced dentist regarding oral hygiene, oral
pathology, stimulated salivary flow rate, salivary buffer capacity, mutans streptococci and lactobacilli salivary
counts. In addition, it was characterized the oral yeast carriage and biodiversity (saliva/mucosa) and also
determined both salivary metabolomic profile (by
1
H-NMR) and patterns of salivary immune-
inflammatory cellular subpopulations (by flow cytometry). The results were organized and variables
properly categorized to be analysed with SPSS 19®. Statistical analysis was performed applying the
following tests: Kruskal-Wallis, χ2, Mann-Whitney, Student´s t, Fisher's exact, Spearman coefficient and
odds ratio. Differences were considered to be statistically significant at p <0.05.
Main results: Diabetic children had an HbA1c mean percentage of 8,19±1,42 and disease duration of
5,2±3,4 years. The degree of metabolic control was significantly associated with educational level of
parents and children´s lower age. From the assessment of periodontal conditions it can be concluded that
approximately 50% of non-diabetic and 70% of diabetic children showed signs of bleeding on
probing/calculus, with trend and significant increase in diabetic children, nevertheless the associated
salivary higher average values of CD3+ and increased age. 40,3% of non-diabetic and 13,5% of diabetics
revealed dental caries in both dentitions. The average dmft/DMFT were respectively: a) total sample:
2,70±2,42/1,54±1,99; b) non-diabetic: 3,52±2,53/1,91±2,23; c) diabetic: 1,79±1,90/1,25±1,70. The
results for DMFT at 6/12 years were: a) total sample: 0,00/4,20±1,92; b) non-diabetics: 0,00/6,00±1,41; c)
diabetics: 0,00/3,00±1,00; at 15 year –old: 4,00±1,00 (total sample); 5,00±4,00 (non-diabetic) and
5,74±4,48 (diabetic). The SiC index was 5,80±1,72 at 12 years. The DMFT index was significantly
influenced by higher values of HbA1c, age, frequency of tooth brushing, malocclusion and mutans
streptococci and lactobacilli salivary counts while in dmft the presence of DM, gender, age, higher mutans
streptococci and lactobacilli salivary counts and daily meals frequency were decisive. No statistically
significant differences were found in secretion rates and salivary buffer capacity between groups.
Metabolically controlled diabetics had lower mutans streptococci and lactobacilli salivary counts, although
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Universidade de Coimbra, 2013
Caracterização multiparamétrica da saúde oral de uma amostra de crianças portuguesas diabéticas tipo I - potenciais determinantes de intervenção preventiva e terapêutica
the presence of T1DM itself has not proved to be critical. About 60% of children (diabetic/non-diabetic)
showed positive colonization by yeasts although only 3 of these had clinical manifestations, with an
accentuated absence of yeast (42,4% saliva/73,3% mucosa) in children with lower values of HbA1c. The
most frequently isolated specie was C. albicans, The presence of T1DM resulted in a greater prevalence
of salivary C. albicans (vs. other species), still the presence of yeasts in saliva connected to higher
concentrations of propionate, alanine, ethanol, butyrate, acetate and format. Children with higher
prevalence of salivary C. albicans showed significant accentuation of CD45+ whereas in cases of greater
prevalence of "other species" CD14+ and CD8+ were more relevant. The presence of yeasts in oral
mucosa was related to CD8+ salivary subpopulation and an increased salivary concentration of
propionate, ethanol, acetate and formate, with biodiversity significantly higher in non-diabetics and male
gender. By analysis of salivary metabolomics profiles can be noted a significant increase in the
concentrations of alanine, ethanol and malate in non-diabetic children, while diabetics exhibited higher
levels of butyrate. The immune-inflammatory characterization found that diabetic children also showed
higher salivary levels of CD45+, granulocytes, CD3+ and CD4+, with DM´s duration being a relevant
factor in CD3+ salivary subpopulation, such as age referred to CD14+ cells.
Conclusions: Bearing in mind the goals and limitations of this study´s methodology it can be concluded
that the presence of T1DM in children is associated with changes in some parameters of oral health,
salivary metabolomic and immune-inflammatory profiles, as well as certain environmental and/or
behavioural risk factors for oral pathology.
Ana Luísa Moreira Costa
Universidade de Coimbra, 2013
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IV – Resumo - Clínica de Medicina Dentária de Esgueira