O Processo de Aprisionamento Tecnológico: um Estudo sob o Enfoque da Gestão das
Tecnologias da Informação
Autoria: Ernani Marques dos Santos
Resumo
O objetivo deste trabalho é abordar uma perspectiva ainda pouco explorada dentro do
estudo dos impactos do uso das tecnologias, notadamente as da informação: o processo de
aprisionamento tecnológico. Esse processo, que representa um grande impacto na gestão
estratégica das organizações, é decorrente da adoção de determinadas tecnologias, que podem
estabelecer uma dependência de padrões por vezes proprietários ou de baixa compatibilidade
com os de outros fornecedores existentes no mercado. Como resultado, essa situação pode
implicar altos custos de troca, ao se efetuar a substituição dessa tecnologia já implantada por
uma outra num momento posterior. Analisando este processo, procura-se aqui demonstrar
como ele se instaura e se desenvolve, e também apresentar algumas considerações sobre
certos fatores inerentes à gestão das tecnologias que atuam como condicionantes e/ou
limitadores das opções de troca no momento de suas escolhas. Com essa finalidade, foi
realizada uma pesquisa exploratória e empírica em doze empresas que passaram pelo menos
uma vez por esse processo, cujos resultados são aqui apresentados.
1. Introdução
As transformações pelas quais a sociedade vem passando, principalmente nas últimas
três décadas, devido ao impacto da chamada nova economia da informação, têm estabelecido
um cenário extremamente competitivo, ao qual todas as organizações, privadas ou não, têm de
enfrentar. Essa nova realidade, marcada pela automação dos processos produtivos, pelo
acirramento da competição global e pela difusão de padrões tecnológicos também globais,
depende, cada vez mais, das tecnologias da informação (TI) como recurso estratégico para
obtenção de vantagem competitiva. Para Tapscott (1997) a base de toda essa transformação
será a tradução da informação em conhecimento.
Nesse contexto, a informação é um recurso primordial dentro das organizações.
Através dela, pode-se gerar as condições necessárias para alcance dos seus objetivos e
aumento da sua competitividade. Sendo assim, o que se vê é cada vez mais a adoção das TI
como suporte de negócios, desde a concepção de um produto/serviço, passando pela sua
comercialização e indo até a logística de sua distribuição. Isso porque sua efetiva utilização
tornou-se imperativa para a estratégia e até mesmo a sobrevivência das organizações
(PORTER, 1999). Para Marcovitch (1999), as estratégias empresarial, tecnológica e de
informação constituem sistemas indissociáveis e interdependentes. Mas tal dependência não
se limita apenas ao âmbito das organizações: segundo Castells (1999), como a informação é
uma parte integrante de toda a atividade humana, todos os processos de nossa existência
individual (e não apenas coletiva) são diretamente moldados pelo novo meio tecnológico.
Outro destaque dessa atual revolução é que uma de suas características não é a
centralidade de conhecimentos e informação, mas as suas aplicações para a geração de novos
conhecimentos e de dispositivos de processamento / comunicação da informação, em um ciclo
de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso (CASTELLS, 1999).
Castells (1999) ainda estabelece que o processo atual de transformação tecnológica
expande-se exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre
1
campos tecnológicos mediante uma linguagem digital comum, na qual a informação é gerada,
armazenada, recuperada, processada e transmitida.
Uma outra característica dessa revolução é a crescente convergência de tecnologias
específicas para um sistema altamente integrado, no qual trajetórias tecnológicas antigas
ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado. Assim, a microeletrônica, as
telecomunicações, a optoeletrônica (transmissão por fibra ótica e laser) e os computadores são
todos integrados nos sistemas de informação (Castells, 1999).
Para Drucker (1999) essa atual revolução de informação é a quarta na história da
humanidade. A primeira foi a invenção da escrita; a segunda, a invenção do livro; e a terceira,
a invenção da impressora e dos tipos móveis. Ocorre que, embora a imprensa tenha
transformado de modo significativo as sociedades européias na Era Moderna e também um
pouco a China medieval, seus efeitos foram limitados em razão do analfabetismo da
população e também pelo pouco impacto da informação na estrutura produtiva daquela época,
situação completamente diversa da nossa realidade atual.
Segundo Porter (1998a, 1998b) a estrutura de um setor produtivo está incorporada em
cinco forças competitivas que determinam, em conjunto, a rentabilidade deste setor: o poder
de negociação dos compradores, o poder de negociação dos fornecedores, a ameaça do
surgimento de novos concorrentes, a ameaça de produtos substitutos e a rivalidade entre os
atuais concorrentes. A TI é capaz de alterar cada uma dessa cinco forças e, consequentemente,
também a lucratividade do setor.
Porter (1998a, 1998b) também introduziu o conceito de estratégias genéricas liderança no custo, diferenciação e enfoque - para representar as alternativas de posição
estratégica num setor. A TI exerce efeitos poderosos sobre a vantagem competitiva, em
qualquer destas estratégias, principalmente no custo e na diferenciação. A tecnologia afeta o
próprio valor das atividades ou permite que as empresas conquistem a vantagem competitiva
através da exploração das mudanças no escopo da competição.
E é neste cenário, em constante transformação por conta da revolução da informação,
exatamente no momento de fazer a opção pelas tecnologias de suporte às suas estratégias e
suas vantagens competitivas, que as organizações entram em contato com o processo de
dependência que chamamos de aprisionamento tecnológico.
2. O processo de aprisionamento
Aprisionamento tecnológico (lock-in) é o processo de dependência ao qual as
organizações são submetidas ao fazer a opção de uso de uma determinada tecnologia. A
dependência decorre da dificuldade associada a uma troca dessa tecnologia por uma outra,
devido aos altos custos (switching costs) envolvidos.
Os usuários de TI estão notoriamente sujeitos a custos de trocas e aprisionamento:
uma vez escolhida uma tecnologia para armazenar a informação, a troca para outra, implica
na geração de custos. Estes custos são significativos, e os responsáveis pelo gerenciamento da
informação dentro das empresas precisam analisá-los cuidadosamente antes de fazer uma
mudança para uma nova tecnologia1. O aprisionamento ao parque de sistemas já instalados,
por exemplo, é lugar comum.
Nas décadas de 70 e 80 existia uma tendência das empresas concentrarem seus
investimentos em TI em produtos de um único fornecedor, objetivando compatibilidade.
Esses procedimentos terminaram por gerar situações ambíguas de parceria e dependência, das
quais muitas empresas não conseguiram desvencilhar-se até hoje: o custo de abandonar todos
os investimentos realizados em tecnologias proprietárias é muitas vezes maior que o benefício
2
de substituir sistemas que ainda estão funcionando e suportando muitas das operações da
empresa.
Na maioria das vezes, enfrentar o processo de aprisionamento é uma decorrência da
reestruturação estratégica da empresa. Em outros casos, é necessário que novas tecnologias
realmente substituam as antigas visto que sempre existem algumas limitações inerentes, e para
superá-las é preciso mudar para uma outra. Mas os custos de troca podem limitar de forma
significativa as estratégias e opções das empresas no momento de efetuar a substituição. E
embora os custos de troca sejam levados em maior consideração quando são altos, mesmo
quando parecem baixos, eles podem ser críticos.
Para Shapiro e Varian (1999), na economia da informação os custos de troca são a
regra, não a exceção. E um dos aspectos distintivos do aprisionamento baseado na informação
é que ele tende a ser muito durável: um equipamento se desgasta, reduzindo os custos de
troca, mas os bancos de dados persistem e crescem, intensificando o aprisionamento ao longo
do tempo.
3. As fontes de aprisionamento
Para compreender o aprisionamento e lidar com ele de modo eficaz, o primeiro passo é
reconhecer o que constituem verdadeiros custos de troca. Estes custos são o que medem a
extensão do aprisionamento do consumidor em relação ao fornecedor da tecnologia.
Tipo de aprisionamento
Custos de troca
Compromissos contratuais
Indenizações compensatórias – as indenizações por quebra de
contrato podem ser grandes e levar a altos custos de troca.
Compras de bens duráveis
Substituição de equipamento - tende a cair à medida que o bem
durável envelhece (depreciação)
Treinamento em marca específica
Aprender sobre um novo sistema, implica tanto em custos diretos
(os custos do treinamento em si), quanto indiretos (perda de
produtividade) - tendem a aumentar com o tempo
Informação e banco de dados
Conversão de dados para o novo formato - tende a aumentar ao
longo do tempo à medida que a coleção de dados aumenta
Fornecedores especializados
Financiamento de novo fornecedor - pode aumentar se as aptidões
forem difíceis de encontrar / manter
Custos de busca
Custos combinados do comprador e do fornecedor - incluem o
aprendizado sobre a qualidade de alternativas
Programas de lealdade
Quaisquer benefícios perdidos do fornecedor (descontos para
aquisição de novas licenças ou para atualizações de versões de
software, por exemplo), mais a possível necessidade de
reconstruir o uso cumulativo
Tabela 1 - Tipos de aprisionamento e custos de trocas associados
Shapiro e Varian (1999) especificaram os tipos de aprisionamento em função das
fontes dos custos de troca e suas implicações na estratégia da empresa: compromissos
contratuais, aquisição de equipamentos duráveis, treinamento específico para uma marca,
armazenamento de informações em bancos de dados, necessidade de fornecedores
especializados, custo de busca de um outro fornecedor e os programas de fidelidade. O
3
conhecimento destes padrões ajuda a identificar e antecipar o aprisionamento, avaliar os
custos de troca envolvidos e planejar uma estratégia para os efeitos do processo.
4. O ciclo do aprisionamento
O aprisionamento é essencialmente um conceito dinâmico, originando-se nos
investimentos feitos e nas necessidades realizadas, em diferentes momentos ao longo do
tempo. Os custos de troca podem aumentar ou diminuir com o tempo, mas não permanecem
os mesmos (SHAPIRO e VARIAN, 1999).
A situação mais típica de envolver-se no ciclo do aprisionamento é no ponto de
seleção da marca - ou seja, quando se escolhe uma nova marca. Da primeira vez que se faz
essa escolha, não se tem preferência por qualquer marca com base no aprisionamento. Na
próxima volta pelo ciclo, porém, o grau de independência não será mais o mesmo.
Após a seleção, surge a fase de experimentação, durante a qual usa-se a nova marca e
usufrui-se da vantagem de todos os incentivos que se tem para dar uma oportunidade para
essa marca.
Seleção da marca
Aprisionamento
Experimentação
Entrincheiramento
Figura 1 - O ciclo do aprisionamento
Em seguida temos a fase de entrincheiramento. Isso ocorre a partir do momento em
que nos acostumamos à nova marca. Desenvolve-se uma preferência por ela em detrimento
das outras e talvez fique-se retido a essa marca ao serem feitos investimentos na aquisição de
produtos complementares. Normalmente o fornecedor tenta prolongar essa fase por mais
tempo que puder, objetivando aumentar mais ainda os custos de troca. A fase de
entrincheiramento culmina com o aprisionamento quando estes custos tornam-se altos demais.
Volta-se ao ponto de seleção quando muda-se de marca ou considera-se ativamente
marcas alternativas, mesmo sem selecioná-las. Naturalmente, as circunstâncias terão mudado
em comparação com a última vez em que o ciclo foi percorrido. Certamente os custos de troca
são maiores do que na vez anterior. Para produtos especializados alguns fornecedores
alternativos podem, nesse espaço de tempo, ter desaparecido ou perdido capacitação. Por
outro lado, novas tecnologias podem ter surgido.
O princípio mais básico para se aprender a lidar com o aprisionamento é antecipar
todo o ciclo desde o início. De fato, é necessário ir além de uma volta no ciclo e antecipar
múltiplos ciclos no futuro ao se traçar estratégias desde o princípio. Isso é especialmente
4
verdadeiro se os custos de troca aumentarem ao longo do tempo (como ocorre com o
armazenamento de informações e com o treinamento para marca específica), em vez de
caírem ao longo do tempo (como com equipamentos duráveis que se depreciam e serão
substituídos por modelos novos e superiores).
5. Fatores condicionantes da substituição das tecnologias
No processo de substituição uma nova tecnologia é escolhida para desempenhar a
mesma ou mesmas funções de uma outra já implantada anteriormente. Na sua forma mais
simples, uma tecnologia substitui a outra na execução da mesma função, sem no entanto
alterar processos ou o fluxo operacional do usuário. Nas suas formas mais complexas, a nova
tecnologia desempenha uma variedade de funções diferentes daquelas desempenhadas pela
anterior, o que afeta as atividades do usuário de alguma forma, podendo ocasionar problemas
de desempenho e/ou produtividade.
Para ser considerada como uma opção para substituição de outra, uma tecnologia deve
oferecer aos usuários uma indução à mudança que exceda os custos de troca e/ou supere a
resistência de fazer isso. Essa indução ocorre quando a troca oferece ao usuário mais valor em
relação ao seu custo do que a tecnologia usada no momento da avaliação.
Não se pode deixar em conta, por outro lado, que frente a vantagens econômicas
equivalentes para fazer uma substituição, em geral usuários diferentes irão avaliá-la de
maneiras distintas. Essa avaliação diferenciada decorre do nível de impacto de diversos
fatores:
ƒ recursos disponíveis: em geral, a substituição envolve investimentos imediatos de
capital e de outros recursos. O acesso à esses recursos é diferente de um usuário para
outro;
ƒ tolerância ao risco: normalmente, os usuários possuem perfis de posicionamento em
relação a correr riscos muito diferentes entre si, decorrentes de suas histórias passadas,
suas maturidades e experiências profissionais e a natureza da concorrência onde suas
empresas estão inseridas. Usuários menos temerosos estarão mais propensos a fazer a
substituição do que aqueles contrários ao risco;
ƒ histórico de substituições anteriores: a segunda substituição tende a ser mais fácil para
um usuário do que a primeira, exceto nos casos em que esta tenha sido um fracasso.
As incertezas de um usuário sobre quando e se deve fazer uma substituição, tendem a
diminuir, se a anterior foi um sucesso, ou aumentar se resultou em dificuldades;
ƒ necessidade da substituição: usuários sobre intensa pressão para aumentar sua
produtividade ou que estejam usando tecnologias já superadas ou inadequadas, irão
substituir com mais rapidez do que aqueles que não se encontram nessas situações;
ƒ estratégia da empresa: o usuário tenderá a fazer a substituição caso a tecnologia que
está sendo avaliada esteja em concordância com a estratégia competitiva definida pela
empresa. Uma tecnologia substituta que ofereça uma economia de custo costuma ser
de maior interesse para empresas com objetivos de liderança do mercado por custo, do
que para aqueles que querem se destacar no mercado por oferecer produtos e/ou
serviços diferenciados da concorrência, mesmo com um custo um pouco superior.
Os custos de troca para uma nova tecnologia podem ser diretos ou indiretos. Em
relação aos diretos, o impacto não é só função do seu custo de aquisição inicial, mas também
engloba todos os gastos da sua utilização ao longo do tempo em que for usada, como por
exemplo treinamento dos usuários e despesas com manutenção. Como custos indiretos, a
substituição pode gerar perda de produtividade durante a readaptação dos usuários à nova
5
tecnologia ou por resistência em usá-la, necessitar a aquisição de mais produtos ou serviços
para executar as mesmas funções ou até mesmo implicar na aquisição de tecnologias
complementares. Além desses efeitos, pode ainda impor alterações no processo produtivo e na
estrutura organizacional da empresa.
Em suma, a substituição sempre resulta em custos de troca para o usuário que, quanto
mais altos em termos relativos, mais difícil será a substituição.
6. Fatores condicionantes das escolhas das tecnologias adotadas
Os custos de troca podem estar condicionados a diversos fatores externos e em vários
níveis de intensidade. No processo de aprisionamento, esses fatores combinados podem fazer
crescer em muito os custos envolvidos, ao restringir as alternativas de trocas disponíveis.
Uma das idéias centrais da chamada Nova Economia é o argumento que certos novos
produtos que estão sendo produzidos aumentam seu valor à medida que mais pessoas os
usam. Este é o conceito básico da adoção cumulativa da tecnologia. E os impactos desse
efeito acentuam-se mais ainda quando o tamanho da base instalada de produtos compatíveis
também aumenta (KATZ e SHAPIRO, 1986).
A compatibilidade de um produto, mantida pela aderência a um padrão tecnológico já
estabelecido, é um aspecto importante em muitas indústrias fornecedoras de tecnologia,
principalmente as de TI (HILL,1995). Baseado nesse aspecto, mais usuários se tornam
propensos a adotar determinada tecnologia, ampliando sua base instalada e,
consequentemente, aumentado sua influência no momento de se efetuar uma escolha. Além
disso, outros fatores como as políticas de preços e as estratégias de licenciamento exercidas
pelo fornecedor podem desempenhar um importante papel na disseminação dessa tecnologia e
contribuir de forma determinante para o crescimento da base instalada.
Deve-se observar, no entanto, que a opção por uma tecnologia em função de
compatibilidade, não necessariamente implica que esse padrão seja o mais adequado para a
maximização da produtividade da organização. Isso porque, não há forma de garantir que a
tecnologia mais eficiente prevaleça, ao concorrer com outras (GRAEML, 1999). Se um
produto consegue estabelecer uma grande base instalada de usuários, então ele passa a ser
preferido em vez de outros, mesmo que possua qualidade inferior. Os fornecedores que
entram no mercado mais tarde (latecomers), mesmo oferecendo melhor tecnologia, não
conseguem superar os efeitos da rede gerados pela quantidade de usuários já acostumados
com a tecnologia anterior (LIEBOWITZ e MARGOLIS, 1999).
A idéia de adoção cumulativa está intimamente ligada a um outro conceito: a
dependência da trajetória histórica da tecnologia. A primeira referência a esse conceito é
creditada a Brian Arthur (1989), onde ele alerta para os perigos de aprisionamento em
decorrência de eventos históricos que atuam como determinantes da difusão dessa tecnologia
e que, a primeira vista, são considerados insignificantes. Krugman (1994), outro defensor do
conceito, afirma que a trajetória da difusão de uma tecnologia resulta do poderoso papel
desempenhado pelos acidentes históricos em determinar o contexto econômico onde ela se
difunde.
O exemplo mais conhecido para ilustrar a dependência de trajetória é o padrão
QWERT usado nos teclados de máquinas de escrever e computadores. Desenvolvido como
um esforço para resolver um problema de montagem dos martelos nas primeiras máquinas de
escrever, esse padrão tem sido usado até os dias atuais, muito embora as razões que levaram a
esse arranjo das teclas não existam mais. Outros padrões, particularmente o teclado
simplificado apresentado por Dvorak em 1936, são considerados mais adequados e permitem
uma velocidade maior na escrita, mas não conseguiram suplantar o velho padrão QWERT.
6
Tal fato decorre dos usuários não se disporem a usar um novo teclado que não é considerado
padrão (LIEBOWITZ e MARGOLIS, 1999).
Em suas análises sobre a dependência da trajetória, Liebowitz e Margolis (1999)
estabeleceram que no seu nível de maior intensidade, a informação sobre a ineficiência existe,
mais a tecnologia é adotada porque não existe uma maneira de coordenar com os outros
usuários uma escolha de uma alternativa mais eficiente.
7. Metodologia da Pesquisa Realizada
A pesquisa realizada foi de natureza exploratória e descritiva2, e teve por objetivo
aprofundar o entendimento de aspectos-chave relativos ao processo de aprisionamento
tecnológico em decorrência da adoção de TI. Também procurou identificar os fatores que se
apresentam como determinantes da troca de uma tecnologia implantada por outra e os
condicionadores das escolhas da tecnologia substituta.
Considera-se a pesquisa como exploratória porque, embora o uso das TI e seus
impactos já tenha sido alvo de análises em diversas áreas de investigação, não se verificou a
existência de estudos que abordassem o processo de dependência dessas tecnologias sob o
ponto de vista pelo qual essa pesquisa abordou. E descritiva, porque visou descrever o
processo, suas fases, suas fontes, suas causas e seus efeitos.
O método de pesquisa selecionado foi o de estudo de caso, baseado em coleta e análise
de dados qualitativos, principalmente, com um foco no “como” o aprisionamento ocorre nas
organizações.
O propósito fundamental do estudo de caso é analisar uma unidade social, que pode
ser um indivíduo, um grupo deles, uma organização, uma instituição ou até mesmo uma
comunidade (GODOY, 1995).
Para Yin (1994) o estudo de caso é uma forma de pesquisa empírica que investiga os
fenômenos contemporâneos dentro do seu contexto de vida real, em situações em que as
fronteiras entre o fenômeno e o contexto não estão claramente estabelecidas, ou se utiliza de
múltiplas fontes de evidência.
Godoy (1995) ainda afirma que os estudos de caso têm se tornado uma estratégia de
pesquisa preferida pelos pesquisadores quando eles procuram responder “por que e como”
certos fenômenos ocorrem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os eventos
estudados e quando o foco de interesse é sobre fenômenos atuais, que só poderão ser
analisados dentro de um contexto de vida real. Os estudos de caso permitem também uma
interação mais direta entre o objeto e o sujeito da pesquisa, possibilitando a busca específica
de significados que particularizam a realidade em questão.
Para Roesch (1999) o estudo de caso permite a análise de fenômenos em profundidade
dentro de seu contexto, é especialmente adequado ao estudo de processos e explora
fenômenos com base em vários ângulos.
Para a pesquisa foram selecionadas 12 (doze) empresas (três do setor de comércio, três
da indústria, uma de serviço público e cinco que atuam tanto em serviço privado como
comércio) localizadas em Salvador, Bahia. O princípio básico para escolha das empresas foi
ter passado, pelo menos uma vez, pelo processo de substituição de TI, quer de programas,
quer de equipamentos.
A coleta dos dados foi feita através de entrevistas semi-estruturadas com o(s)
decisor(es) da substituição e com usuários que foram diretamente afetados pela troca.
7
8. Resultados
A pesquisa de campo procurou identificar os motivos que levam os usuários a querer
efetuar a substituição da TI já implantada e também os fatores condicionantes da escolha
desses usuários no momento de definir a nova tecnologia. Não se procurou na análise dos
dados fazer nenhum tratamento quantitativo, apenas qualitativo, tendo em vista que o
propósito principal da pesquisa era compreender como o processo de aprisionamento se
instaura dentro das organizações. Dentro dessa perspectiva, foram observados os seguintes
resultados:
a) motivos que levam os usuários a objetivar a troca de uma tecnologia:
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
obsolescência da tecnologia atual
implementação de inovações tecnológicas ou gerenciais baseadas em uma nova
tecnologia
alto custo de manutenção da tecnologia atual
insatisfação com o atendimento do fornecedor (único da tecnologia)
“desaparecimento” do fornecedor
alto custo de atualização do parque tecnológico atual
necessidade de alinhamento à novas estratégias de negócios da empresa
necessidade de “seguir” as escolhas dos concorrentes
pequeno número de profissionais qualificados que conheçam a tecnologia
pressão dos usuários
necessidade de implementação de novos processos de negócios
necessidade de implementação de novas rotinas/funções nos sistemas atuais
baixo nível de produtividade obtido pela empresa em decorrência do uso de
tecnologia inadequada
a imagem que a empresa quer mostrar para o mercado
adesão a “modismos”
o conceito que a nova tecnologia goza no mercado
atendimento a legislação governamental
outros fatores: “bug do milênio”, regularização de propriedade de programas
b) fatores condicionantes da escolha de uma nova tecnologia
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
ƒ
os custos de aquisição e de manutenção da nova tecnologia
o nível de compatibilidade com os padrões já utilizados
a base instalada (número de usuários) da nova tecnologia
“nome” (imagem) do fabricante da tecnologia
a quantidade de fornecedores da tecnologia
a facilidade de migração da tecnologia anterior para a nova
9. Discussão dos Resultados
A partir do referencial teórico e das entrevistas realizadas, pode-se concluir alguns
aspectos significativos sobre o processo de aprisionamento tecnológico. Ressalva-se aqui que
como foi uma pesquisa exploratória, com um universo de casos reduzido, não se pode
generalizar esses resultados encontrados. No entanto, eles demonstram claramente a
relevância desse estudo preliminar, uma vez que em todas as empresas pesquisadas ocorreu
8
alguma forma de prejuízo, quer pela queda de produtividade, quer pela perda de dados
armazenados em um formato proprietário da tecnologia anterior, quer pela ausência de
funções anteriormente disponíveis ao usuário final, etc.
As principais conclusões da pesquisa são as seguintes:
ƒ
Embora quando perguntados sobre os motivos que os levaram a querer trocar de
tecnologia, os decisores terem apresentado uma ampla gama de itens (19), em
relação aos fatores que foram condicionantes para suas escolhas, o número foi
muito reduzido (06).
ƒ
No momento de decisão pela substituição não foi identificada nenhuma
preocupação com seu efeito sobre os usuários finais da tecnologia. A preocupação
dos decisores concentrou-se nas questões de custos e mercado, embora alguns
deles tenham reconhecido a pressão dos usuários como motivo para efetuar a troca.
ƒ
Quase a totalidade dos casos estudados restringiram-se a aprisionamentos
decorrentes da adoção de sistemas (programas) e armazenamento de dados. Em
apenas um caso foi observado o fator equipamento como fonte do aprisionamento.
ƒ
Os gestores não possuem consciência efetiva do processo de aprisionamento a que
estão sendo submetidos à medida que adquirem cada vez mais produtos do mesmo
padrão tecnológico já implantado. Normalmente, suas preocupações levam em
consideração a compatibilidade com o padrão atual apenas como forma de
minimizar problemas de interconexão de equipamentos ou intercâmbio de dados.
ƒ
As estratégias usadas por alguns fornecedores (oferta de uso de equipamentos em
comodato, por exemplo) parecem indicar uma percepção do uso intencional do
aprisionamento tecnológico como forma de captar e/ou manter os clientes.
ƒ
Existe uma queda na produtividade do trabalho dos usuários finais em função da
troca da tecnologia. Observou-se que essa queda decorre da necessidade de
reaprendizagem da interação usuário x tecnologia. Em alguns casos, constatou-se
também que essa queda foi motivada pela resistência do usuário à mudança no seu
ambiente de trabalho.
ƒ
Existe uma tendência de substituir a TI objetivando apenas redução de custos
diretos com a tecnologia, em detrimento do uso estratégico da TI como suporte à
vantagem competitiva da empresa.
10. Conclusão
O estudo aqui apresentado mostra como as organizações estão expostas e vulneráveis
ao processo de aprisionamento tecnológico. Dependentes cada vez mais do uso da informação
para consolidação da sua competitividade e sem outras alternativas viáveis, elas optam por
tecnologias das quais passam a depender, por diversos fatores, em função dos custos de troca.
Esses custos, que são a norma na era da informação, podem ser imensos ou reduzidos,
mas não se pode competir eficazmente nessa nova economia a menos que se saiba identificar,
medir e compreender esses custos, e planejar estrategicamente a minimização dos efeitos do
aprisionamento deles decorrente.
No seu processo de instauração e desenvolvimento, o aprisionamento surge
gradativamente, segundo certos padrões identificáveis. Esses padrões caracterizam o ciclo de
aprisionamento a partir do ponto de seleção da marca, passando pelas fases de
9
experimentação e entrincheiramento, e retornando ao ponto de seleção. E para se traçar uma
estratégia eficiente para se lidar com o processo a partir de uma dessas fases são necessárias a
total compreensão e a antecipação do ciclo.
A essência do aprisionamento é que as escolhas no futuro são limitadas pelos
investimentos de hoje. Essas interdependências diferem de uma tecnologia para outra, mas
são identificáveis, previsíveis e até certo ponto, controláveis.
As principais fontes de custos de troca são os compromissos contratuais, aquisição de
equipamentos duráveis, treinamentos específicos de marca, informação e bancos de dados,
fornecedores especializados, custos de busca e programas de lealdade. Esses custos de troca
dependem diretamente das escolhas realizadas, que por sua vez, possuem diversos fatores
condicionantes, dentre eles a dependência da trajetória histórica e os efeitos da adoção
cumulativa das tecnologias envolvidas.
Uma avaliação dos investimentos que serão necessários ao longo do tempo em cada
área fonte de custos de troca, as alternativas de escolhas disponíveis e seus respectivos fatores
condicionantes, poderá identificar claramente como o aprisionamento afetará a organização. E
através dessa análise, pode-se estabelecer um plano estratégico de gestão das tecnologias de
informação que serão adotadas, possibilitando a minimização dos efeitos do processo.
Bibliografia
ARTHUR, Brian. Competing technologies, increasing returns, and lock-in by historical
events. The Economic Journal, n. 99, March 1989, pp. 116–131.
______. Positive feedbacks in the economy. Scientific American, February 1990.
______. Increasing returns and the new world of business. Harvard Business Review,
Boston: Harvard Business School Press, july-august, 1996.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação. São Paulo: Paz e Terra,
1999.
DRUCKER, Peter. Desafios gerenciais para o século XXI. São Paulo: Pioneira, 1999.
GODOY, A. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de
Empresas, São Paulo: FGV, p.20-38, mai/jun/1995
GRAEML, Alexandre. Sistemas de Informação: o alinhamento da estratégia de TI com a
estratégia corporativa. São Paulo: Atlas, 2000.
LASTRES, Helena; ALBAGI, Sarita. (Orgs.) Informação e globalização na era do
conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
LIEBOWITZ, Stan; MARGOLIS, Stephen. Winners, Losers, and Microsoft: competition
and antitrust in high technology. Califórnia: The Independent Institute, 1999.
MARCOVITCH, Jacques. (Org.). Tecnologia da informação e estratégia empresarial. São
Paulo: USP/Futura, 1999.
MCFARLAN, Warren. Information technology changes the way you compete. Harvard
Business Review, Boston: Harvard Business School Press, v. 62, n. 3, p. 98-110, 1984.
MCGOWAN, William. Revolução em tempo real: gerenciando a tecnologia da
informação. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
10
MONTGOMERY, Cynthia; PORTER, Michael. (Orgs.). Estratégia: a busca da vantagem
competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
PORTER, Michael. Competição = On competition: estratégias competitivas essenciais.
Rio de Janeiro: Campus, 1999.
______. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência.
Rio de Janeiro: Campus, 1998.
______. Vantagem competitiva: criando e sustentando o desempenho superior. Rio de
Janeiro: Campus, 1998.
______ e MILLAR, Victor. How information gives you competitive advantage?. Harvard
Business Review, Boston: Harvard Business School Press, July-August 1985.
ROESCH, Sylvia. Projetos de estágio e de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas,
1999.
SANTOS, Ernani. Aprisionamento tecnológico: novos desafios da gestão das estratégias
organizacionais na era da informação. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo:
USP, v. 08, n. 01, p. 60-67, janeiro/março 2001,
SHAPIRO,Carl; VARIAN, Hal. A economia da informação: como os princípios
econômicos se aplicam à era da Internet. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
TAPSCOTT, Don. Economia digital. São Paulo: Makron Books, 1997.
VERGARA, Sylvia. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. São Paulo:
Atlas, 1998.
YIN, Robert. Case study research: design and methods. Londres: Sage, 1994.
Notas
1
Para uma discussão dos métodos para minimização do processo de aprisionamento, veja Ernani M. dos Santos,
“Aprisionamento tecnológico: novos desafios da gestão das estratégias organizacionais na era da informação”,
Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo: USP, v. 08, n. 01, janeiro/março 2001, p. 60-67.
2
A investigação exploratória é realizada em área na qual há pouco conhecimento acumulado e sistematizado; a
pesquisa descritiva expõe características de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlações entre
variáveis e definir sua natureza. Vergara (1997)
11
Download

O Processo de Aprisionamento Tecnológico: um Estudo