A INCONSTITUCIONALIDADE DA TAXA DE LIXO INSTITUÍDA NO
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO PELA LEI N° 13.478, DE 30 DE DEZEMBRO DE
2002.
A Lei Municipal n° 13.478, de 30 de dezembro de 2002,
publicada no Diário Oficial do Município de São Paulo em 31 de dezembro de 2002,
disciplina as atividades de limpeza urbana do Município e, entre outras coisas, institui a
Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares – TRSD, a Taxa de Resíduos Sólidos de
Serviços de Saúde – TRSS e a Taxa de Fiscalização dos Serviços de Limpeza Urbana –
FMLU.
Conforme se demonstrará adiante, a instituição dessas novas
taxas é totalmente inconstitucional e pode onerar mensalmente os contribuintes em
até R$ 22.567,44 (vinte e dois mil quinhentos e sessenta e sete reais e quarenta e quatro
centavos).
Para melhor visualização dos valores a serem recolhidos pelos
contribuintes a título de taxa de lixo, elaboramos duas tabelas baseadas nos absurdos
critérios fixados pela Prefeitura de São Paulo.
Na primeira tabela, é possível verificar os valores mensais a
serem cobrados através das Taxas de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde,
dependendo da geração potencial de cada estabelecimento; enquanto que na segunda
tabela estão inseridos os valores mensais a serem recolhidos através das Taxas de
Resíduos Sólidos Domiciliares, dependendo de cada imóvel tributado.
Abaixo, respectivamente, as tabelas com a discriminação das
taxas de resíduos sólidos de serviços de saúde e com a discriminação das taxas de
resíduos sólidos domiciliares.
Geração Potencial de Resíduos Sólidos de
Serviços de Saúde.
Estabelecimentos com quantidade de geração
potencial de até 20 quilogramas de resíduos
por dia.
Estabelecimentos com quantidade de geração
potencial de mais de 20 e até 50 quilogramas
de resíduos por dia.
Estabelecimentos com quantidade de geração
potencial de mais de 50 e até 160 quilogramas
de resíduos por dia.
Estabelecimentos com quantidade de geração
potencial de mais de 160 e até 300 quilogramas
de resíduos por dia.
Estabelecimentos com quantidade de geração
potencial de mais de 300 e até 650 quilogramas
de resíduos por dia.
Estabelecimentos com quantidade de geração
potencial de mais de 650 quilogramas de
resíduos por dia.
Taxa Mensal de Resíduos Sólidos de
Serviços de Saúde.
R$ 44,30.
R$ 1.410,47.
R$ 4.513,49.
R$ 8.462,79.
R$ 18.336,05.
R$ 22.567,44.
Geração Potencial de Resíduos Sólidos
Domicílios Residenciais.
Domicílios não
Domiciliares por dia.
(taxa mensal).
residenciais. (taxa)
Imóveis com volume de geração potencial de
R$ 6,14
R$ 18,41
até 10 litros de resíduos por dia.
Imóveis com volume de geração potencial de
R$ 12,27
R$ 18,41
mais de 10 e até 20 litros de resíduos por dia.
Imóveis com volume de geração potencial de
R$ 18,41.
R$ 18,41.
20 e até 30 litros de resíduos por dia.
Imóveis com volume de geração potencial de
R$ 36,82.
R$ 36,82.
mais de 30 e até 60 litros de resíduos por dia.
Imóveis com volume de geração potencial de
R$ 61,36
R$ 61,36.
mais de 60 litros de resíduos por dia.
Imóveis com volume de geração potencial de
R$ 61,36.
R$ 122,72.
mais de 100 e até 200 litros de resíduos por
dia.
O problema, como será abordado no decorrer deste texto, é que
a definição da geração potencial de resíduos dos imóveis e dos estabelecimentos será
alcançada pela Prefeitura através de critérios duvidosos, como valor venal e localização
do imóvel, estrutura do estabelecimento etc, e não pela real geração de resíduos de cada
contribuinte.
Os artigos 83 e 84 da Lei n° 13.478/2002 disciplinam a Taxa de
Resíduos Sólidos Domiciliares, como se pode observar, in verbis:
Art. 83 - Fica instituída a Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares - TRSD,
destinada a custear os serviços divisíveis de coleta, transporte, tratamento
e destinação final de resíduos sólidos domiciliares, de fruição obrigatória,
prestados em regime público, nos limites territoriais do Município de São
Paulo.
Art. 84 - Constitui fato gerador da Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares
- TRSD a utilização potencial dos serviços divisíveis de coleta, transporte,
tratamento e destinação final de resíduos sólidos domiciliares, de fruição
obrigatória, prestados em regime público.
§ 1º - Para fins desta lei, são considerados resíduos domiciliares:
I - os resíduos sólidos comuns originários de residências;
II - os resíduos sólidos comuns de estabelecimentos públicos,
institucionais, de prestação de serviços, comerciais e industriais,
caracterizados como resíduos da Classe 2, pela NBR 10004, da Associação
Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, com volume de até 200 (duzentos)
litros diários;
III - os resíduos sólidos inertes originários de residências, de
estabelecimentos públicos, institucionais, de prestação de serviços,
comerciais e industriais, caracterizados como resíduos da Classe 3, pela
NBR 10004, da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, com
massa de até 50 (cinqüenta) quilogramas diários.
§ 2º - A utilização potencial dos serviços de que trata este artigo ocorre no
momento de sua colocação, à disposição dos usuários, para fruição.
§ 3º - O fato gerador da Taxa ocorre no último dia de cada mês, sendo o
seu vencimento no quinto dia útil do mês subseqüente.
Mais ou menos nos mesmos moldes que os dispositivos
supracitados, a Lei n° 13.478/2002 disciplina a Taxa de Resíduos Sólidos de Serviços
de Saúde:
Art. 93 - Fica instituída a Taxa de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde TRSS destinada a custear os serviços divisíveis de coleta, transporte,
tratamento e destinação final de resíduos sólidos de serviços de saúde, de
fruição obrigatória, prestados em regime público nos limites territoriais do
Município de São Paulo.
Art. 94 - Constitui fato gerador da Taxa de Resíduos Sólidos de Serviços
de Saúde - TRSS a utilização potencial do serviço público de coleta,
transporte, tratamento e destinação final de resíduos sólidos de serviços de
saúde, de fruição obrigatória, prestados em regime público.
§ 1º - São considerados resíduos sólidos de serviços de saúde todos os
produtos resultantes de atividades médico-assistenciais e de pesquisa na
área de saúde, voltadas às populações humana e animal, compostos por
materiais biológicos, químicos e perfurocortantes, contaminados por
agentes patogênicos, representando risco potencial à saúde e ao meio
ambiente, conforme definidos em resolução do Conselho Nacional do
Meio Ambiente - CONAMA.
§ 2º - São ainda considerados resíduos sólidos de serviços de saúde os
animais mortos provenientes de estabelecimentos geradores de resíduos
sólidos de serviços de saúde.
De acordo com a leitura desses artigos, depreende-se que as
taxas de lixo domiciliar e de serviços de saúde, basicamente serão aplicáveis em casos
em que houver utilização potencial de serviços considerados divisíveis pela Prefeitura,
de coleta, transporte, tratamento e destinação final de resíduos sólidos, de fruição
obrigatória, prestados em regime público.
A própria Lei Municipal n° 13.478/2002 abusivamente define,
em seus artigos 15, 21 e 22, o que considera serviços prestados em regime público e
serviços divisíveis, in verbis:
Art. 15 - No âmbito do Sistema Municipal de Limpeza Urbana, são
serviços prestados em regime público aquelas atividades que, divisíveis ou
indivisíveis, em função de sua essencialidade e relevância para o cidadão,
para o meio ambiente e para a saúde pública, o Poder Público Municipal
obriga-se a assegurar a toda a sociedade, no território do Município, de
modo contínuo e com observância das metas e deveres de qualidade,
generalidade, proteção ambiental e abrangência, respeitadas as definições
desta lei.
Art. 21 - Segundo sua natureza, os serviços de limpeza urbana prestados
em regime público classificam-se em:
I - serviços divisíveis;
II - serviços indivisíveis essenciais; e
III - serviços indivisíveis complementares.
Art. 22 - Integram os serviços divisíveis as atividades de coleta, transporte,
tratamento e destinação final de:
I - resíduos sólidos e materiais de varredura residenciais;
II - resíduos sólidos domiciliares não-residenciais, assim entendidos
aqueles originários de estabelecimentos públicos, institucionais, de
prestação de serviços, comerciais e industriais, entre outros, com
características de Classe 2, conforme NBR 10004 da ABNT - Associação
Brasileira de Normas Técnicas, até 200 (duzentos) litros por dia;
III - resíduos inertes, caracterizados como Classe 3 pela norma técnica
referida no inciso anterior, entre os quais entulhos, terra e sobras de
materiais de construção que não excedam a 50 (cinqüenta) quilogramas
diários, devidamente acondicionados;
IV - resíduos sólidos dos serviços de saúde, conforme definidos nesta lei;
V - restos de móveis, de colchões, de utensílios, de mudanças e outros
similares, em pedaços, até 200 (duzentos) litros;
VI - resíduos sólidos originados de feiras livres e mercados, desde que
corretamente acondicionados;
VII - outros que vierem a ser definidos por regulamento pela Autoridade
Municipal de Limpeza Urbana - AMLURB.
§ 1º - Os serviços divisíveis poderão ser executados pela Prefeitura, direta
ou indiretamente, na forma da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de
1993, ou delegados aos particulares, em regime de concessão ou
permissão.
§ 2º - Quando objeto de concessão, os serviços essenciais divisíveis serão
prestados em conformidade com o disposto no Capítulo I do presente
Título.
§ 3º - Quando objeto de permissão, os serviços essenciais divisíveis serão
prestados em conformidade com o disposto no Capítulo II do presente
Título.
Todavia, a Lei Municipal não poderia ter ampliado a
classificação de serviços passíveis de tributação através de taxas municipais, já
predeterminada pela Constituição Federal e pelo Código Tributário Nacional.
A Constituição Federal, em seu artigo 145, inciso II, possibilita
que os Municípios instituam taxas, desde que em razão do exercício do poder de polícia
ou pela utilização efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.
O Código Tributário Nacional, em seu artigo 79, vem a definir
os serviços públicos específicos e divisíveis sobre os quais a Carta Magna permite a
incidência de tributação de taxas:
“Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:
I – utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam
postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo
funcionamento;
II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de
intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas;
III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte
de cada um de seus usuários”.
Assim, a própria Constituição Federal define as possibilidades
de tributação por meio de taxas, com o auxílio do Código Tributário Nacional, que
especifica os conceitos utilizados. A simples legislação municipal não pode ampliar o
que foi disposto nesses dispositivos supremos.
Destarte, a primeira inconstitucionalidade da Lei Municipal n°
13.478/2002 foi detectada, uma vez que esta ultrapassou os limites previamente
estabelecidos pela Constituição Federal e, alterando o que também dispunha o Código
Tributário Nacional, criou seu próprio conceito de serviços públicos divisíveis.
Partindo-se então da premissa de que o conceito de serviços
públicos divisíveis estabelecido na Lei Municipal n° 13.478/2002 não tem validade no
ordenamento jurídico, necessário se faz analisar, sob o âmbito constitucional, se as
atividades de coleta, transporte, tratamento e destinação final de resíduos sólidos podem
ser tributadas por meio de taxas.
Da leitura conjunta da Carta Magna e do Código Tributário
Nacional, depreende-se que o serviço público, para servir como fato gerador de uma
taxa, deve possuir três características: a) divisibilidade e especificidade; b) ser prestado
ao contribuinte ou colocado à sua disposição; e, por fim, c) utilização efetiva ou
potencial pelo contribuinte.
Ocorre que as atividades de coleta, transporte, tratamento e
destinação final de resíduos sólidos não se referem a serviços específicos e divisíveis.
Impossível mensurar pontualmente o quanto um contribuinte produz de resíduos sólidos
ao mês.
Acatando o argumento de que a Lei n° 13.478/2002 não atende
a todos os dispositivos constitucionais para a cobrança do novo tributo por ela
instituído, já que a Prefeitura de São Paulo não teria como comprovar a divisibilidade
do custo do serviço de coleta de lixo para cada contribuinte, o juiz Guilherme de Souza
Nucci, da 9ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, suspendeu a cobrança da taxa do
lixo cobrada pela Prefeitura de São Paulo de um condomínio da cidade, concedendo a
primeira liminar judicial contrária à tributação instituída pela Lei n° 13.478/2002.
Segundo o juiz, a proposta da Prefeitura em permitir que o
próprio contribuinte indique a quantia de produção de lixo já é um demonstrativo de que
o custo do serviço é indivisível. Se não o fosse, não seria necessário que a Prefeitura
concedesse ao contribuinte tal discricionariedade.
Ademais, no caso da Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares, o
rateamento da base de cálculo entre os contribuintes é calculado conforme a natureza do
domicílio e o volume de geração potencial de resíduos sólidos, estipulado de acordo
com a localização e o valor venal do imóvel. Com relação à Taxa de Resíduos Sólidos
de Serviços de Saúde, a base de cálculo é estipulada de acordo com o “porte” do
estabelecimento gerador, ou seja, de acordo com a localização, valor venal e estrutura
do imóvel.
Como se vê, os critérios utilizados para mensurar a base de
cálculo da taxa do lixo não correspondem ao custo efetivo dos serviços prestados pelo
ente público. O fato de um imóvel localizar-se em região nobre ou ser de grande porte
não significa que os proprietários deste produzem grandes quantidades de resíduos
sólidos. O imóvel pode ser ocupado por uma pessoa só, que passa quase todo o dia fora,
só o utilizando como dormitório. Em compensação, um casebre na periferia pode ser
ocupado por 20 pessoas, que produzem uma quantidade muito superior de resíduos
sólidos ao dia.
O Município de São Paulo claramente não conseguiu criar um
padrão lógico e razoável para medir a quantidade de lixo que cada imóvel ou residência
produz por mês. Então, impossível afirmar que o serviço de coleta de lixo é divisível.
Outro gravame real é o fato de que a Constituição Federal, em
seu artigo 145, § 2°, expressamente veda que as taxas tenham base de cálculo própria de
impostos. A base de cálculo da Taxa do Lixo, tanto domiciliar quanto para serviços de
saúde, utiliza-se de critérios idênticos aos da base de cálculo do Imposto sobre
Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). Sendo assim, também por esse motivo,
a taxa do lixo instituída pela Lei Municipal n° 13.478/2002 é inconstitucional.
Não se pode esquecer também que, com a instituição da Lei
Municipal n° 13.478/2002 e a conseqüente cobrança da taxa do lixo, o contribuinte
passou a sofrer o inconstitucional fenômeno da bitributação. Afinal, a taxa do lixo vem
sendo cobrada no IPTU desde o governo Celso Pitta. Não pode a Municipalidade criar
uma nova taxa para cobrar a mesma coisa.
Para completar a lista de inconstitucionalidades verificadas na
nova taxa do lixo, basta lembrar que a Constituição estabelece como obrigação do
Município prestar os serviços de coleta, transporte, tratamento e destinação final de
resíduos sólidos, já que estes constituem serviços públicos essenciais e devem ser
suportados pelos impostos já pagos pelos contribuintes.
O que há de mais agravante na instituição dessa nova taxa de
lixo é o fato de que, sendo repleta de ofensas a dispositivos constitucionais, impõe aos
contribuintes o pagamento de valores que podem variar de R$ 6,14 a R$ 22.567,44.
Os contribuintes da chamada Taxa de Resíduos Sólidos de
Serviços de Saúde são os mais prejudicados pela inconstitucional tributação. Enquanto o
valor mensal máximo a ser cobrado de taxa de lixo domiciliar é de R$ 122,72; no caso
da taxa de lixo de serviços de saúde o valor mensal máximo é de R$ 22.567,44.
O artigo 97 da Lei n° 13.478/2002 define quem são os
contribuintes da Taxa de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde, in verbis:
Art. 97 - O contribuinte da Taxa de Resíduos Sólidos de Serviços de Saúde é
o gerador de resíduos sólidos de saúde, entendido como o proprietário,
possuidor ou titular de estabelecimento gerador de resíduos sólidos de
serviços de saúde no Município de São Paulo.
Parágrafo único - Estabelecimento gerador de resíduos sólidos de serviços
de saúde é aquele que, em função de suas atividades médico-assistenciais
ou de ensino e pesquisa na área da saúde, voltadas às populações humana
ou animal, produz os resíduos definidos no parágrafo anterior, entre os
quais, necessariamente, os hospitais, farmácias, clínicas médicas,
odontológicas e veterinárias, centros de saúde, laboratórios, ambulatórios,
centros de zoonoses, prontos-socorros e casas de saúde.
O rol de estabelecimentos considerados geradores de resíduos
sólidos constante do parágrafo único do artigo 97 da Lei Municipal não é taxativo, mas
meramente exemplificativo.
O Supremo Tribunal Federal já tem se inclinado a declarar a
inconstitucionalidade da taxa do lixo, instituída anteriormente em outros Municípios.
Resta aos contribuintes do Município de São Paulo ingressar com a medida judicial
cabível a fim de afastar essa taxa inconstitucional e se ver ressarcido dos valores
indevidamente pagos a título de taxa de lixo.
São Paulo, 09 de maio de 2003.
Rodrigo Alberto Correia da Silva.
Gabriela Shizue Soares de Araujo.
OAB/SP n° 166.611.
OAB/SP n° 206.742.
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