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LINGUAGEM E IDENTIDADE CULTURAL: UMA ABORDAGEM
SOCIOLINGUÍSTICA
LANGUAGE AND CULTURAL IDENTITY: AN APPROACH
SOCIOLINGUISTICS
Marcilene de Assis Alves Araújo1
RESUMO
Nesse trabalho, pretende-se estudar textos de músicas regionais para identificar as marcas culturais do povo
tocantinense, evidenciadas pelos mecanismos linguísticos utilizados nesses textos. Dessa maneira, busca-se
analisar as variações linguísticas, demonstradas nos processos de metaplasmos quanto à supressão, acréscimo e
substituição de fonemas ou sílabas. Nesse sentido, esse estudo desenvolve-se de acordo com a Teoria
Sociolinguística, a partir de uma análise quantitativa e qualitativa dos processos apresentados. É demonstrado,
também, o contexto histórico, geográfico e sociocultural, mostrando suas diversidades e as mudanças,
responsáveis pela constante evolução da comunicação. Portanto, o corpus de análise dessa pesquisa consta das
letras de canções interpretadas por representantes da cultura tocantinense. Dessa forma, o trabalho com as
variações linguísticas, por meio de textos musicais, torna-se uma estratégia de reconstrução teórica, seja de
aspectos linguísticos, seja da cultura como um todo. A linguagem e tema presentes na letra selecionada para
análise aproximam o sujeito leitor do meio vivencial da comunidade tocantinense, caracterizando sujeitos da
cultura sertaneja. Desse modo, esse trabalho visa contribuir para adequação do uso da língua de forma
espontânea numa perspectiva intercultural como uma estratégia de valorização dos usos e costumes do
Tocantins.
Palavras-Chave : Sociolinguística, Cultura, Identidade.
ABSTRACT
In this work, it’s intended to study texts of regional songs to identify the cultural standard of tocantinense folk,
evidenced by the linguistic mechanisms utilized in these texts. This way, it’s searched to analyze the linguistic
variations showed in the metaplasms processes about the suppression, increasement and substitution of
phonemes or syllables. In this way, this study is developed according to the Sociolinguistic Theory, from a
quantitative and qualitative analysis of the presented processes. It’s shown, also, the historic context, geographic,
and sociocultural, showing its diversities and the changes, responsible for the constant evolution of
communication. Therefore, the corpus of analysis of this search consists of the lyrics of songs interpreted by
tocantinense culture. This away, the work with the linguistic variations , through the musical texts, it becomes an
theoric reconstruction strategy, either the linguistic aspects, or the culture as itself. The language and the theme
present in the selected lyric for analysis approach the reader subject from the living environment of the
tocantinense culture, characterizing subjects of the country culture. This way, this work aims at contributing to
the adaptation of the use of the language in an spontaneous way in an intercultural perspective as an strategy of
valorization of uses and habits from Tocantins.
Keywords: Sociolinguistic, Culture, Identity
INTRODUÇÃO
O homem, desde os tempos mais remotos, comunica-se com seus semelhantes,
por meio de desenhos, gestos, sinais e sons, diferenciando-se dos outros seres. Sendo assim, o
ser humano esteve e continua em constante evolução social, mental, psicológica, espiritual e
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Mestre em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP. Professora do Centro Universitário
UNIRG-TO e Diretora Acadêmcia do Instituto Específico de Ensino Pesquisa e Pós-Graduação – IEP.
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outras. Nesse sentido, torna-se imprescindível que a educação também evolua nas suas
propostas pedagógicas e reconheça que a evolução do homem e suas mudanças sociais
merecem estudos e aprofundamentos.
Nesse contexto, pretende-se com esse artigo demonstrar aos leitores que a língua
portuguesa tem um papel de extrema relevância para a formação dos indivíduos brasileiros,
tanto na vida profissional como no aspecto social, mostrando-lhes a importância e a
necessidade de se compreender o significado da variação linguística e as possibilidades de
usos delas para o ensino da língua portuguesa, bem como as responsabilidades da escola, com
essa aprendizagem.
Sendo assim, é importante que alunos e professores tenham maior acesso aos
conhecimentos da abordagem Sociolinguística, de modo a possibilitar aos jovens uma
aprendizagem mais efetiva da língua, falada e escrita, sem desvalorizar sua linguagem
espontânea, justificando-se, uma vez que a linguagem constitui um dos mais poderosos
instrumentos de ação e transformação social. Desse modo, esse trabalho visa contribuir para
adequação do uso da língua de forma natural, estudando, identificando e descrevendo as
variações linguísticas em um texto regional, do gênero canção.
Propõe-se com base na Sociolinguística e suas variações apresentar uma estratégia de
aula, utlizando a música como metodologia nas aulas de língua portuguesa, tornando-as mais
atrativas, envolventes e, consequentemente, propiciando aos participantes do processo de
ensino/aprendizagem integração e interesse nas atividades desenvolvidas. Dessa forma, a
Sociolinguística contribui para o desenvolvimento e reflexões desses jovens, tornando-os
capazes de compreender que são responsáveis pelas mudanças sócio-política, ideológica e
cultural, despertando a importância do ensinar e aprender, estimulando a participação e
permanência em sala de aula.
Desse modo, por meio do estudo de textos musicais, espera-se propiciar a construção
de um ambiente dialógico, cujos estímulos facilitam a aprendizagem. Nesse sentido, esse
trabalho utiliza a música como linguagem que se comunica e expressa à diversidade sóciocultural dos indivíduos, além de ser uma estratégia que permite o estudo das variedades
geográficas, históricas, sociocultural, concentrando-se nos aspectos fonológicos, buscando a
compreensão das formas escritas e rítmicas do texto.
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DESENVOLVIMENTO
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Esse trabalho desenvolve-se, por meio de pesquisa bibliográfica, na qual são
estudados os autores que fundamentam e possibilitam a interpretação do significado dos
dados e fatos levantados. O método utilizado será o da pesquisa Sociolinguística, tendo como
corpus de análise a letra musical “Nóis é Jeca Mais é Jóia” interpretada por Genésio
Tocantins.
2.1 SOCIOLINGUÍSTICA
A Sociolinguística estuda as conexões entre linguagem e sociedade e o modo como
usamos a linguagem em diferentes situações sociais. Ela geralmente reflete a realidade do
discurso humano e mostra como um dialeto pode descrever a idade, o sexo, e a classe social
do falante, sendo uma codificação da função social da linguagem. Desse modo, a
Sociolinguística abrange desde o estudo comparativo entre a variedade de dialetos através de
uma região até análise entre os modos de falar de homens e mulheres, jovens, ricos e pobres,
letrados e iletrados. Para os sociolinguistas, nas comunidades de fala, frequentemente,
existirão formas linguísticas em variação.
Em toda comunidade de fala são frequentes as formas linguísticas em variação. A
essas formas em variação dá-se o nome de variantes. Variantes linguísticas são
diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o
mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes dá-se o nome de variável
linguística. (TARALLO, 1997, p.8).
A fala é baseada em convivências social e cultural, levando em consideração esse
fato observa-se que as regras que foram atribuídas na comunicação tornaram o ensino de
português diferenciado. As formas diferentes de falar nunca foram tão notadas e apreciadas
como atualmente, visto que o domínio pode ser à base de projetos de vida bem sucedidos e no
campo profissional pode fazer a diferença entre emprego e desemprego, pois socialmente um
indivíduo que expressa bem, é visto como culto.
A Sociolinguística aplicada ao ensino de língua portuguesa reflete as variações no
convívio social, suas alterações e as diferenciações de cada grupo social, mais de forma
objetiva clara. De acordo com Calvet, (2002, p.140) A Sociolinguística [...] esclarece as
diferentes convicções e os diferentes comportamentos no que se refere à língua de grupos
inteiros ou de classes inteiras da sociedade.
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2.2 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
A variação linguística é herança sociocultural e segundo Murrie, (2004, p.15), “[...] é
a seiva que mantém a língua viva e de que é impossível impedi-la, por mais que tente
fossilizar a língua, ditando regras a serem seguidas, ela sempre surpreende com sua
diversidade”. Para Leite e Callou (2002), a variação linguística é um retrato da vivencia social
dos indivíduos, e a sua comunicação depende do meio em que ela vive. Tornando a linguagem
como centro da evolução humana. Dessa forma a linguagem abrange todo contexto de
evolução do ser, tornando-a representação e diferenciação do povos. Para Bentes e Mussalim
(2005, p. 60)
A diversidade linguística não se restringe a determinações motivadas por origem
sociocultural e geográfica. Um mesmo individuo pode alterar entre diferentes
formas linguísticas de acordo com a variação das circunstâncias que cercam a
interação verbal, incluindo-se o contexto social, propriamente dito, o assunto
tratado, a identidade social do interlocutor etc.
Segundo Murrie, (2004), pode-se analisar o fenômeno da variação linguística de
diversos modos, dentre eles o cultural e o comunicativo. Culturalmente, a língua representa a
experiência humana de modo específico, sendo atualizada pela linguagem como um recorte
comum da realidade interiorizada pelos falantes, que precisam da língua para construir seus
referenciais mínimos de convivências; a relação entre língua e cultura. No aspecto
comunicativo, a língua representa a instituição de regras que determinam e demonstram as
possibilidades comunicativas, pois cada ato verbal resulta de um processo intencional de ação,
visando transformar pensamentos e ações. Murrie, (2004) classifica as variações linguísticas:
2.2.1 Estilística
Não há falantes/escritor que fale/escreva da mesma forma. Inicialmente, temos, um
estilo próprio que expressa nosso ponto de vista sobre o mundo e a sociedade; ele é a
bagagem que acumulamos com nossas experiências pessoais e únicas. Essas experiências se
manifestam no nosso vestuário, andar, comportamentos e, lógico, na nossa fala e escrita. São
nossas escolhas pessoais da estrutura geral da língua: a gramática.
A gramática é entendida aqui como um conjunto de regras, uma determinada
combinação de elementos que se articulam em um sistema comum a todos os falantes. Por
exemplo, o determinante a em “A menina saiu” tem um sentido e um lugar determinado
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gramaticalmente, não podendo ser deslocado (para depois do substantivo, por exemplo).
Pode-se alterar o sentido ao escrever “A senhora saiu”, mas não a ordem estrutural do
determinante, apresentando, nesse caso, uma alteração semântica. Ao articular a fala e a
escrita, o sujeito faz mais escolhas da ordem do significado (semântica) que escolhas
morfológicas e sintáticas. Portanto, as seleções pessoais estão interligadas, normalmente, com
as situações de uso da língua. Um médico em uma conferência fará escolhas linguísticas
diferentes daquelas que usa quando conversa com os filhos.
2.2.2 Sociocultural
Extremamente interligada à variação estilística está à variação social cultural.
Destacam-se os usos diferentes por faixa etária, principalmente os das crianças, dos jovens (a
gíria) e dos idosos (esses com termos e formas que vão caindo em desuso). Exemplo Os
jovens em busca de sua identidade, costumam criar formas próprias de expressão,
transformando o significado dos termos ou criando uma sintaxe própria. Assim, entre os
jovens, temos as tribos dos surfistas, dos skatistas, dos rappers, dos mauricinhos, das
patricinhas, dos punks, e assim por diante.
2.2.3 Geográfica
Além da mudança de língua de uma região para outra do planeta, temos as variações
dentro de um mesmo país que fala uma mesma língua. A língua portuguesa mostra diferenças
de fala e escrita em Portugal e no Brasil temos região que apresentam marcas especificas
principalmente na fala. Essas variações também são denominadas regionalismo, dialetos ou
falares locais.
Essas diferenças se mostram mais claramente na pronúncia das palavras, nas
construções sintáticas, nos significados de determinadas expressões e no léxico. A pronúncia
é claramente identificada pelos falantes. Na região nordestina, nota-se a abertura sistemática
da vogal pretônica, ocorrência, regularmente, fechada em outras regiões.
Na região gaúcha a realização do /e/ e do /o/ átonos finais, produzidos com grau
médio de abertura, não acontece como em São Paulo, em que a forma é reduzida. No sertão
nordestino, as consoantes /t/ e /d/, quando antes de /i/ vogal ou semivogal, palatalizam-se, em
transcrição fonética [ts] e [dz]: [noitsi] “noite”, [odzu] “ódio”.
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As ocorrências morfossintáticas também marcam as regiões, como em Rio Branco
(Acre), em que o substantivo greve assume a função do verbo grevar. As especificidades
vocabulares das regiões têm seus registros nos dicionários e, também, na literatura. Dessa
forma, a palavra dama pode significar meretriz em uma região, e mulher da alta sociedade em
outra região.
A variação geográfica representa fatos sociais de uma determinada região e é
interiorizada por todos os falantes e sua aprendizagem ocorre basicamente no ambiente
familiar como marca de identidade do grupo social. Entretanto, os limites de uma comunidade
linguística não devem ser confundidos com os limites políticos de um Estado, região ou país.
2.2.4 Histórica
A língua não se diversifica apenas no espaço social, pessoal ou interpessoal; ela se
diversifica também no tempo. Nesse contexto, um processo amplamente estudado são os
metaplasmos que para Ilari (2002) são alterações fonéticas que ocorrem nas palavras devido à
evolução da língua. Essas mudanças são apenas mudanças fonéticas, conservando a mesma
significação da palavra. Os metaplasmos podem ocorrer por acréscimo; por supressão ou por
transposição e substituição de fonemas.
No portugues atual percebe-se, bastante, a modificação de /e/ em /i/ que o torna
foneticamente parecido ou igual a ele como em leite > leiti. De acordo com Bassetto (2001)
no português brasileiro contemporâneo, ocorre uma particularização da epêntese, denominada
anaptixe, que consiste em se desfazer um encontro consonantal pela intercalação de vogal:
pneu, advogado > p(i)neu ou p(e)neu, ad(i)vogado ou ad(e)vogado.
Uma variante divulgada por um grupo social, em determinada época, pode ser
abandonada no transcorrer do tempo, ficando sua marca somente no registro escrito. Palavras,
expressões ou construções não mais usadas são denominadas arcaísmos. Neologismos são
adotados e propagados por grupos sociais de prestígios e acabam se juntando à língua como
variantes aceitas e reconhecidas. Em tempos de tecnologia, palavras vão sendo assimiladas,
como os termos específicos da informática; e outras vão adquirindo novos significados, como
o verbo digitar.
2.2.5 Modalidades
Um dos processos mais discutidos é o da variação entre as modalidades da
linguagem verbal: a fala e a escrita, as quais devem ajustar-se às intenções de seu uso
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informal e formal. A segunda, por sua natureza de registro permanente, tem regras menos
flexíveis que a primeira, mas nem por isso deixa de apresentar seus gêneros discursivos, os
tipos de textos, que impõem certa ordem à relação linguística.
2.3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM SALA DE AULA
Muitos professores, atualmente, não se atentam para as formas de correção quando
os alunos falam ou escrevem “errados”, ou ainda o faz coibindo-os, em muitos casos por não
terem acesso a uma formação adequada, continuada, ou por não saber a forma e o momento
correto. Nesse sentido, a Sociolinguística mostra por meio de estudos que essa deficiência
necessita de um ensino, enfocando a variedade linguística para dar entendimento de situações
que ocorrem no dia a dia dos docentes e discentes. Bortoni-Ricardo (2004, p.38) relata que:
Uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos educandos está atenta
às diferenças entre a cultura que eles representam e a da escola, e mostra ao
professor como encontrar formas efetivas de conscientizar os educandos sobre essas
diferenças. Na prática, contudo, esse comportamento é ainda problemático para os
professores, que ficam inseguros, sem saber se devem corrigir ou não, que erros
devem corrigir ou até mesmo se podem falar em erros.
Nota-se que os conteúdos e o currículo escolar não trazem a evolução que o mundo
globalizado oferece, ou seja, a educação continua a mesma de vários anos passados. O grande
desafio para os educadores é fazer com que esses alunos voltem a ter interesse e que os
conteúdos sejam expostos de forma dinâmica, atrativa e envolvente, sentindo participantes
dessa evolução social. As variações existentes são dependentes uma das outras, manifestandose em todos os níveis de funcionamento da linguagem.
Os alunos que chegam à escola falando “nós cheguemu”, “abrido” e “ele drome”,
por exemplo, têm que ser respeitados e ser valorizadas as suas peculiaridades
linguítico-culturais, mas têm o direito inalienável de aprender as variantes do
prestígio dessas expressões. Não se lhes pode negar esse conhecimento, sob pena de
se fecharem para eles as portas, já estreitas, da ascensão social. O caminho para uma
democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre o quais a língua é o mais
importante. (BORTONI-RICARDO, 2005, p.15).
É necessário estudar as variações em função dos emissores, dos receptores e dos
diversos fatores, como região, faixa etária, classe social e profissão, pois em uma mesma
comunidade linguística, certamente, coexistem usos diferentes, não existindo um padrão de
linguagem que possa ser considerado superior. O que determina a escolha de tal variedade é a
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situação concreta de comunicação, e a possibilidade de variação da língua expressa a
variedade cultural existente em qualquer grupo.
Nenhuma língua permanece a mesma em todo o seu domínio e, ainda num só local,
apresenta um sem-número de diferenciações. [...] Mas essas variedades de ordem
geográficas, de ordem social e até individual, pois cada um procura utilizar o
sistema idiomático da forma que melhor lhe exprime o gosto e o pensamento, não
prejudicam a unidade superior da língua, nem a consciência que têm os que a falam
diversamente de se servirem de um mesmo instrumento de comunicação, de
manifestação e de emoção. (MOLLICA, 2003, p. 43)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), de língua
portuguesa propõem que a linguagem na escola, se torne objeto de reflexão e análise,
permitindo ao aluno a superação e/ou a transformação dos significados veiculados. Visto que,
deve-se estudar toda a experiência já construída, estabelecendo relações com o presente, ou
seja, o conhecimento socialmente instituído.
O conhecimento, a análise e o confronto de opiniões sobre as diferentes
manifestações da linguagem devem levar o aluno a respeitá-las e preservá-las como
construções simbólicas e representações da diversidade social, histórica e cultural.
As linguagens utilizam-se de recursos expressivos próprios e expressam na sua
atualização, o universal e o particular. Pertencer a uma comunidade, hoje, é também
estar em contato com o mundo todo. As práticas sociais deverão estar cada vez mais
próximas da unidade para os fins solidários. (BRASIL, 2007, p.42).
A diversidade sócio-cultural pode ser considerada uma questão imprescindível para
entender a natureza da vida, dos sentimentos, manifestações culturais e sociais. Partindo
desse pressuposto, o estudo sociolinguístico deve contribuir para entendimentos da língua
falada nas suas diferentes manifestações, bem como para as tendências de mudanças em um
determinado contexto social. Nesse contexto, estudar as variações da língua, por meio de
textos musicais, torna-se uma maneira de despertar a capacidade evolutiva do aluno,
estabelecendo paralelos com a cultura e suas vivencias sociais.
2.4
GÊNEROS TEXTUAIS
Gênero textual são formações discursivas que se constituem como textos em
determinadas situações comunicativas que se integram funcionalmente nas culturas em que se
desenvolvem e devem ser contemplados em seus usos sócio-pragmáticos.
Os gêneros
correspondem a situações de interação verbal típicas da comunicação social e, como tal,
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apresentam, na sua constituição a finalidade e as condições da esfera ao qual pertencem.
Segundo Bakhtin (2003, p. 307) “Em qualquer esfera existem e se aplicam os seus próprios
gêneros, que respondem a condições específicas de uma esfera dada; aos gêneros lhes
correspondem diferentes estilos”.
Nesse sentido, são as funções e as condições determinadas e específicas para cada
situação comunicativa discursiva que geram determinados gêneros, desse modo, tem-se uma
variedade grande de gêneros porque as possibilidades da atividade humana são inesgotáveis. O
trabalho com gêneros necessita do entendimento conceitual de texto que, segundo Bakhtin,
(2003) é uma realidade imediata, cuja existência requer a presença de pensamentos e vivência.
A compreensão de um texto sempre é um correto reflexo do reflexo. Um reflexo
através do outro no sentido do objeto refletido. Nenhum fenômeno da natureza tem
“significação”, só os signos (inclusive as palavras) têm significado. Por isso, qualquer
estudo dos signos, seja qual for o sentido em que tenha avançado, começa
obrigatoriamente pela compreensão. O texto é o dado (realidade) primário e o ponto
de partida de qualquer disciplina nas ciências humanas. [...] Da alusão ao objeto real é
necessário passar a uma delimitação precisa dos objetos da investigação científica. O
objeto real é o homem social (inserido na sociedade), que fala e exprime a si mesmo
por outros meios. Pode-se encontrar para ele e para a sua vida (o seu trabalho, a sua
luta, etc.) algum outro enfoque além daquele que passa pelos textos de signos criados
ou a serem criados por ele? Pode-se observá-lo e estudá-lo como fenômeno da
natureza, como coisa? [...] Por toda parte há o texto real ou eventual e a sua
compreensão. (BAKHTIN, 2003, p.319).
O gênero textual além de ser abrangente é aprendido e desenvolvido no dia-a-dia nas
atividades culturais e sociais, mas é questionado pela sua diversidade. Umas das alegações dos
que não o adotam, seria porque não teria um critério formal para o seu ensino. Mas, nota-se que
falta é conhecimento por grande parte de professores que não tem um conhecimento linguístico,
ficando presos somente às gramáticas. Mas por outro lado tem um significativo número de
professores que se baseiam em conceituados estudiosos, e percebem as possibilidades e a
importância de se adotar os gêneros. As propostas para o trabalho com o gênero permitem uma
análise do dinamismo funcional e contextual.
A diversidade de gêneros [...] em diferentes épocas e em diferentes gêneros dá se a
formação da linguagem. [...] Os elementos da língua dentro do sistema da língua ou
dentro do “texto” (no sentido rigorosamente linguístico) não podem entrar em relações
dialógicas. As línguas, dialetos (territoriais, sociais, gírias), estilos de linguagem
(funcionais), digamos o discurso familiar do cotidiano e a linguagem cientifica,
podem entrar naquelas relações dialógicas, Istoé, conversar entre si? Só sob a
condição de um enfoque linguístico, isto é, de serem transformados em “visões de
mundo” (ou em certas visões de mundo centradas na linguagem ou no discurso), em
“pontos de vista”, em “vozes sociais”, etc. (BAKHTIN, 2003, p. 325).
10
2.5.1
Gênero Canção
O gênero canção é a combinação de letras, ritmo e melodia, nesse sentido, torna-se
essencial uma abordagem híbrida dos aspectos da fonologia, morfologia, sintaxe e semânticopragmático, pois o estudo desses aspectos de maneira isolada o tornaria semelhante ao da
poesia, e não da música. Nesse sentido, a escolha do gênero canção é de suma importância para
amostragem do nosso trabalho, pois o estudo dessa letra musical além de mostrar a diversidade
cultural, os sentimentos, experiências pessoais, interpretação coletiva e comunicação social
reflete o dinamismo e a variabilidade do meio sociocultural, e, conforme Snyders, (1997, p. 98)
“a música como linguagem é sem dúvida mais diretamente comovente do que linguagem
propriamente dita”.
2.5
MÉTODO DE ABORDAGEM E DELIMITAÇÃO DO CORPUS
2.6.1 Método de Abordagem
A Sociolinguística é uma ciência que permite estudar a língua e a relação com a
sociedade, baseado nesse pressuposto ela aborda a linguagem comunicativa e suas variações.
Nesse sentido, esse trabalho busca na Sociolinguística suporte analítico para estudar as
variantes linguísticas em texto do gênero canção, buscando motivar os jovens para os estudos
da linguagem.
2.6.2 Corpus de Análise
O corpus de análise dessa pesquisa consta da letra da canção “Nóis é Jeca mais é
jóia”, composição interpretada por Genésio Tocantins, um representante da cultura rural
tocantinense. Propõe-se retratar as variações linguísticas expressas nesse texto, buscando
identificar as marcas dos sujeitos presentes no texto, além de despertar o interesse dos jovens
para uma aprendizagem contextualizada, levando ao entendimento plural da cultura, valorizada
nos usos e costumes da região. Dessa forma, a concepção de identidade abordada nesse estudo
considera os sujeitos textuais como construções sociais e discursivas, os quais interagem com o
outro, no seu cotidiano por meio da linguagem.
O estado do Tocantins caracteriza-se por ser uma ilha linguística, a qual absorve e
reflete processos socioculturais, regional e nacional. Nesse contexto, essa letra serve como
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amostragem de sedimentos da cultura tocantinense, que historicamente traz influência da
cultura rural, pois tem como bases de renda o extrativismo rural e a agropecuária. Portanto,
foram analisadas nessa letra as variações geográficas, sociocultural e histórica, além do
levantamento dos metaplasmos quanto aos processos de acréscimo, supressão e substituição de
fonemas nos vocábulos.
2.6
PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE TEXTUAL
2.6.1 Canção 01: Nóis é Jeca Mais é Jóia
Compositor: Juraildes da Cruz
Cantor: Genésio Tocantins
Se farinha fossi americana
mandioca importada
banqueti di bacana
era farinhada (2x)
nóis num gosta di mintira
nóis tem vergonha na cara
Andam falando qui nóis é caipira
qui nossa onda é montar a cavalo
qui nossa calça é amarrada com imbira
qui nossa valsa é brigá di galo
Andam falando que nóis é caipora
qui nóis tem qui aprender inglêis
qui nóis tem qui fazê xuxéxu fóra
dexe de bestáge
nóis nem sabi o portuguêis
nóis somo caipira pop
nóis entra na chuva e nem móia
meu ailóviú
nóis entra na chuva e nem moía
meu ailóviú
nóis é jeca mais é jóia
Andam falando que nóis é butina
mais nóis num gosta di tramóia
nóis gosta é das minina
nóis é jeca mais é jóia
mais nóis num gosta di jibóia
nóis gosta é das minima
nóis é jeca mais é jóia
Se farinha fossi americana ... (2x)
Andam falando qui nóis é caipira
qui nóis tem cara de milho di pipoca
qui nosso roqui é dançá catira
qui nossa flauta é feita di taboca
nóis gosta di pescar traira
vê a bichinha gemendo na vara
nóis num gosta di mintira
nóis tem vergonha na cara
vê a bichinha chorando na vara
Se farinha fossi americana ... (2x)
Tiru bicho di pé cum canivete
mais já tô na internet
nóis é jeca mais é jóia
Tiru bicho di pé cum canivete
mais já tô na internet
nóis é jeca mais é jóia
Farinhá, farinha, farinha, farinha,
Mandioca i mieu (3x)
Se farinha fossi americana ... (10x)
2.7.1.1 Contexto Histórico:
A música “Nóis é Jeca Mais é Jóia” tem como objetivo reforçar a identidade do
homem tocantinense e reafirmar sua personalidade por meio da língua, desmistificando a visão
deturpada que outras pessoas têm sobre esse homem. O texto é composto por Juraildes da Cruz
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e tornou-se conhecido após seu intérprete “Génesio Tocantins” ter sido classificado para a final
do prêmio “Festival Novos Talentos”, promovido pela Rede Globo de televisão, em 2000.
A letra, com melodia em ritmo de forró, perpassa por temas que vai do lúdico ao
satírico, destacando assuntos do cotidiano do povo tocantinense. No texto, é possível notar o
retrato do Tocantins, um estado embrionário, tendo como fonte de sustentabilidade econômica
a pecuária, a agricultura, o extrativismo e um amplo potencial hídrico.
No ápice da música, o Tocantins passava a ser conhecido também por sua riqueza
cultural, quando um grupo de artistas e pesquisadores, historiadores, poetas, inicia um
movimento de busca e expansão de identidade da cultura tocantinense. Esse grupo buscava
conteúdo próprio para dialogar com outros estados desmistificando a visão reduzida de que no
Tocantins só tem índios, desconhecendo a ampla riqueza que a sociedade indígena representa
para o Brasil.
A música “Nóis é Jeca mais é Jóia” demonstra um paralelo entre um Estado
essencialmente rural, ligado aos usos e costumes do campo com um Tocantins de perspectiva
urbana com todos os signos de um Estado que se moderniza e entende perfeitamente os traços
de uma sociedade Pós-Moderna em franco processo de globalização.
2.7.1.2 Identidade dos sujeitos do texto.
O sujeito da letra musical é expresso nos vocábulos “Nóis”, no caso, retratando todos
os Tocantinenses, e “Jeca” que representam o homem rural, o sertanejo, o típico caipira com
linguajar desfavorecido, rústico no seu jeito de vestir e falar tem o rosto áspero, uma pele
maltratada pela exposição ao sol muito quente.
Nas suas tradições carrega a herança do forró, da dança catira, do montar a cavalo, da
calça amarrada com imbira. Nesse contexto, é possível notar a presença de um sujeito forte,
rústico, machão, verdadeiro, honesto, simples, porém adaptável à vida moderna.
2.7.1.3 Variações: Geográfica, Histórica e Sociocultural na Letra “Nóis é Jéca Mais é
Jóia”
As variantes linguísticas presentes na música “Nóis é Jeca Mais é Jóia” denotam que
ao aderir ao uso de palavras como: “mandioca”, cujas denominações estão bastante vinculadas
à região do falante: “macaxeira”, “aipim”, e além de representar um item básico na
alimentação, representa aspectos de geração de renda do tocantinense.
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As expressões “qui nóis é caipira”; “qui a nossa onda é montar a cavalo” representam
a linguagem desse povo, evidenciadondo, também, os costumes e a cultura regional. Essas
variações assumem um papel de demarcação linguística, rítmica e melódica, conforme Tatit
(apud Jebaili; Pereira Junior, 2008, p.16) “A intenção das letras nas canções é retratar falas e
não gramáticas normativas, e as exigências da composição tomam o primeiro plano. Há fatores
do próprio processo de criação que não raro ‘pedem’ desvios da norma culta, como a tentativa
de encontrar uma rima”.
As expressões “qui a nossa calça é amarrada com imbira”; “qui a nossa valsa é briga
de galo” remetem para um costume muito frequente de quem vive no campo, na fazenda, para o
“caipira” que pega o talho do buriti coloca para secar, e, depois de seco, trança e usa-o como
cinto na sua calça. O compositor propõe-se em dialogar sobre a cultura e o modo vivencial do
homem rural, seu gingado frente às adversidades e maneira de viver e agir num ambiente mais
natural. Nesse contexto, atém-se para um uso linguístico típico da região “que nóis é butina”,
que semanticamente liga-se a um processo de desvalorização sociocultural, no qual seus
integrantes são considerados bobos, roceiros, caretas, rudes, grosseiros, e despido de
conhecimento erudito. Após confrontar essas características desse povo, procura amenizar suas
intenções comunicativas “mais nóis num gosta de tramóia”, demonstrando que essa cultura é
simples, mas é honesta, verdadeira, não utiliza da mentira para favorecer sua cultura ou uma
negociação.
O uso da expressão “nóis gosta é das minina” caracteriza uma civilização composta
por homens machos, que gostam de mulheres, evidenciando destaque para a masculinidade do
tocantinense. O título e refrão do texto “Nóis é Jeca mais é Jóia” remetem-nos a uma formação
identitária de um povo de costumes simples, em condições de atraso para convivência com uma
sociedade pós-moderna. Uma comunidade rural, mas que não é burra, pois traz conhecimentos
e experiências de vida, demonstrado, fatores, também, evidenciados em “nóis tem vergonha na
cara” quando o autor reforça a construção de um sujeito verdadeiro e sem maldades.
A expressão “qui nóis tem cara de milho de pipoca” destaca alguns traços dos
tocantinenses, com pele áspera, maltratada, devido à exposição ao sol, com temperaturas
bastante elevadas e a baixa umidade, ou seja, a vida sofrida do sertanejo, no campo. No trecho
“qui o nosso roque é dançar catira” tem-se a representação da cultura desse povo carregada da
tradição folclórica da dança catira, costume bastante regionalizado. Em “qui nossa flauta é
feita de taboca” nota-se a sonoridade e alguns instrumentos musicais artesanais, contrapondo o
industrialismo vs. naturalismo, a partir da construção de instrumentos utilitários ao meio social
do sertanejo.
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Em “nóis gosta de pescar traira” o compositor demonstra uma atividade típica dos
tocantinenses que presenteados pelas leis da natureza tem em seu ecossistema abundância de
rios, lagos e represas, o que favorece a atividade da pescaria. Esse verso pode, também,
demonstrar de forma simbólica um sujeito malandro, esperto que gosta da vida mansa; Para a
variante “andam falando que nóis é caipora” o autor rebate outras culturas quando afirmam que
os tocantinenses são pessoas, matutas, rústicas ou interioranas. O caipora na linguagem
regional é muito utilizado para os casos de roda onde de forma folclórica e fantasmagórica,
fazem-se alegorias a rituais e assombrações, perpassando do lúdico ao sagrado. Através dessa
tradição são passados de geração à geração os usos, costumes e valores dessa sociedade.
Nos versos, “qui nóis tem qui aprender ingrês” “nóis nem sabe o portuguêis”, o autor
faz uma intertextualidade com a expressão utilizada pelo então presidente na época Fernando
Henrique Cardoso, quando o mesmo relatou que os brasileiros não sabem nem o português,
quanto mais o inglês. Foi então que o autor mencionou na sua letra musical que o Tocantins
não é um estado desvalorizado ele está contextualizado com a realidade nacional brasileira. O
autor, também, se posiciona em relação à situação linguística do povo brasileiro.
No verso “qui nóis tem fazê xuxéxu fóra” Juraildes demonstra um Tocantins repleto
de riquezas cultural, social, industrial, comercial, hidroelétrica, dentre outras e necessita
divulgar esse potencial. No trigésimo oitavo verso “nóis entra na chuva e nem moía” o autor
demonstra que o tocantinense e inteligente, esperto, atento. No quadragésimo segundo “mais já
to na internet” o autor relata que no Tocantins já se utilizam das inovações tecnológicas,
buscando a integração com outras localidades para aperfeiçoamento das tecnologias e rapidez
na transmissão de informações.
Quanto à variação histórica, há a presença de vocábulos como: “farinha” com
etimologia indígena; “caipira” é uma palavra tradicional muito recorrente no falar dos
fazendeiros e ainda se usa com o mesmo significado, e o autor utilizou para demonstrar que é
uma pessoa do mato, roceira, matuto, acanhado, tímido; “milho de pipoca” que ao mesmo
tempo em que remete a algo consistente, forte e de características explícitas é capaz de
transformar-se, recriar-se em novas formas de representatividade social; “pescar” é uma palavra
histórica que tem o mesmo significado de semear, cultivar, seduzir, atingir um objetivo;
“canivete” é ao mesmo tempo um instrumento de trabalho ou de caça e traz na sua simbologia
usos e costumes do caipira.
Para a variante sociocultural encontra-se no próprio título “Nóis é Jeca mais é Joia”
uma expressão bastante estigmatizada pelos tocantinenses em todas as faixas etárias, após a
classificação no prêmio “festival de novos talentos”, sendo uma gíria muito usada na região. No
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vocábulo “bichinha” tem-se uma variante utilizada no grupo de jovens e adultos,
principalmente na cultura rural, e urbana do Tocantins e até de outros estados como o da Bahia,
ao relacionar o termo com questões ligadas à sexualidade. Note-se, ainda as expressões “nóis
num gosta de mentira”; “nóis tem vergonha na cara”; “caipora” relacionando características de
uma pessoas roceira, tímida dentre outras.
Os vocábulos “xuxéxu” e “pop” mostram o recurso da intertextualidade, na qual o
compositor aborda de maneira cômica a substituição dos fonemas fazendo referências fonéticas
da expressão com o nome da apresentadora “Xuxa”. Nesse texto o autor dialoga com as
próprias condições de exaltação e fama de personalidades como a Xuxa e cantores de ritmo pop
conquistaram em todo o país, reforçando a ideia do resultado esperado quando do contexto de
produção da música.
2.7.1.4 Aspectos Fonológicos do texto
A estatística dos dados fonológicos está apresentada no Quadro 01.
Supressão
Acréscimo
Substituição
Ocorrências
/r/ “brigá; dançá, vê; fazê”
/mos/ “gosta; sabe; entra; móia”
/os/ “tem, somu”
/m/ “bestage”
/ r / “fazê”
/u/ “to”
/s/ “minina”
/es/ “to”
29
/ i /
“nóis”;
“portuguêis”;
“mais”;
35
/ e / por / i / “qui”
/a/ por /e/ “nem”
/ã/ por /m/ “num”
/o/ por /u/ “num”
/lh/ por /i/ “moía”
Total
95
159
Quadro 01: Demonstração dos dados fonológicos evidenciados no texto: “Noís é Jeca mais é Jóia”
Conforme o quadro 01, na música “Noís é Jeca mais é Jóia”, o compositor utilizou o
recurso dos metaplasmos por acréscimo, substituição e supressão. Conforme descrição abaixo,
houve uma incidência significativa do acréscimo do fonema /i/ no meio da palavra nós, e na
palavra português, o qual pode ser caracterizado como epêntese. Esse acréscimo de fonemas
ocorre por vinte e quatro vezes no decorrer do texto.
Quanto ao processo de substituição dos fonemas destacam-se as trocas do /e/ pelo /i/
caracterizado como assimilação, ocorrendo por doze vezes; do /l/ pelo /r/, caracterizado por
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rotacismo, ocorrendo uma vez e /lh/ pelo /i/, denominado de assimilação, transformação
ocorrida de acordo com Lausberg apud Bagno (2006) devido à proximidade e a comodidade
maior de pronunciar o “i”, ocorrendo por uma vez.
No processo de supressão fonêmica, o texto apresenta, na palavra “bestage” a
supressão do fonema /m/, nos vocábulos “fazê, dançá” há a supressão do fonema /r/. No
vocábulo “to”: um no início, caracterizado como aférese; e outro no final do mesmo vocábulo
denominado apócope, nesse caso ele utilizou para ritmar, sintonizar a música. Além do
processo de desnasalização da vogal postônica em “bestage”, fato ocorrido pelo processo de
apócope.
2.8 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Para sistematizar a análise fonológica na letra da música “Nóis é Jeca mais é Jóia”
segue abaixo a representação gráfica dos processos de supressão, acréscimo e substituição dos
fonemas nos vocábulos usados no texto.
Gráfico 01: Sistematização das ocorrências de metaplasmos no texto “Nóis é Jeca mais é Jóia”
O gráfico evidencia que para um total de 159 ocorrências observam-se a presença de
59,75% para a substituição, 22,01% para o acréscimo de fonemas, em seguida, e, por último, o
processo de supressão com 18,24%. Desse modo, a presença desses processos se valida, não
somente para dar melodia e ritmo, mas, também para enfatizar a linguagem caipira e sertaneja,
propiciando intercâmbio rítmico, melódico e de sintonia. Esses recursos começam a são
utilizados em todo o texto. Dessa forma, o autor aproxima o leitor da cultura do povo
tocantinense, destacando a linguagem rural, como uma forma de identificação de um sujeito
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“caipira”. Nesse contexto, o compositor procura retratar a cultura sertaneja, mostrando que a
vida no campo também traz referencial de vida, que mesmo sendo de uma cultura diferente
seus integrantes trazem conhecimento.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo possibilitou a realização de leituras e visualizações da diversidade da
língua portuguesa, por meio dos textos do gênero musical. As músicas regionais
desempenham papéis de suma importância e relevância para a formação dos indivíduos, tanto
na vida profissional quanto no aspecto social, evidenciando a importância e a necessidade de
se compreender a variação linguística, com isso preservar e difundir os valores da cultura
local.
Dessa forma, a Sociolinguística contribuiu para os fundamentos de leitura e
qualificação efetiva da língua, falada e escrita, sem desvalorização da linguagem,
justificando-se, uma vez que a linguagem constitui um dos mais poderosos instrumentos de
ação e transformação social. Nesse sentido, o presente trabalho contribuiu para possíveis
adequações do uso da língua, por meio de um estudo, no qual se identificou e descreveu-se as
ocorrências de variações linguísticas como uma forma para a interpretabilidade do texto.
Nesse contexto, esse trabalho expôs, através da sociolinguística e suas variações, que
a música e suas letras são suporte atraente e possibilita inúmeras leituras interpretativas
mostrando costumes, cultura, evolução da linguagem e contraste sociais. Expondo suas
riquezas metodológicas e reconhecendo que devem ser consideradas nas aplicações das aulas
de língua portuguesa, tornando-a atrativas, envolventes e, consequentemente, fazer com que
esses jovens sejam participantes do seu processo de ensino/aprendizagem, formando cidadãos
críticos, integrados e interessados no saber contínuo.
Nesse estudo das variações nas letras musicais foi constatado os recursos linguísticos
que são usados pelos autores para ritmar e dar melodias para o texto. A linguagem trabalhada
de forma dinâmica e flexível torna-se relevante no ensino de língua portuguesa, em sala de
aula. Desse modo, as letras musicais destacam-se como suportes atraentes e envolventes pois
são textos que permeiam desde a infância a qualquer fase da vida do ser humano. Nesse
contexto, um trabalho dessa natureza, além de abordar a análise das variantes, propicia um
ambiente dialógico, cujos estímulos facilitam a aprendizagem. Essa pesquisa demonstrou que
o trabalho com as variações linguísticas utilizando a letras musicais como suporte, instiga
leituras que destacam mudanças sociais, culturais, e estabelecer cenários prospectivos de
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tendências da evolução de um povo em dado espaço e tempo. Nesse sentido, esse trabalho
utilizou a música como uma linguagem que se comunica e expressa a diversidade
sociocultural dos indivíduos.
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Recebido Para Publicação em 6 de junho de 2010.
Aprovado Para Publicação em 12 de novembro de 2010.
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linguagem e identidade cultural: uma abordagem sociolinguística