Gonçalo Carrola, 10ºB
Relato de experiências e vivências
Um dia da minha infância
Tinha eu oito anos e era só mais um dia da rotina de um rapazinho que pensava
que a escola era um sítio para brincar e que aprender fazia também parte da brincadeira.
Um dia de aulas, portanto.
Como sempre, acordei a ouvir a minha mãe a chamar pelo meu nome e a
desejar-me um bom dia. Respondi-lhe de igual forma e preparei-me rapidamente, até
porque não tinha muito por onde escolher. Limitei-me a vestir o que a minha mãe
passara a ferro e, por cima, a bata de todos os dias. Depois, vinha a parte pior: o
pequeno-almoço. Não sei por que razão, mas comer de manhã sempre fora o meu receio
e enjoava só do cheiro a café.
De seguida, os meus pais levaram-nos, à minha irmã e a mim, para o colégio São
Francisco Xavier que ficava a três ruas de distância da minha casa. Despedimo-nos
muito carinhosamente, pois os dias de escola eram sempre longos. E entrámos, cada um
com a sua mochila às costas e lancheirinha na mão, a minha do spiderman. Separei-me
da minha irmã e fui, ansiosamente, ter com os meus amigos que não eram poucos,
achava eu. Conversámos e contámos as novidades uns aos outros.
As aulas começaram, conforme todos os dias, às nove horas. Primeiro rezámos
todos no átrio principal e, de seguida, cada professora levou a sua turma para a respetiva
sala, no andar de cima. Naquele dia, trabalhámos matemática e eu fiquei
entusiasmadíssimo, já que a matemática era o meu forte. Acabei os exercícios muito
depressa e fiquei a olhar para a professora para reforçar a minha posição. Esperei que os
outros acabassem, “um tédio”! No fim da aula, a professora decidiu fazer uma pergunta.
Chegou próximo de cada um de nós e fez a mesma questão a todos. Perguntou-me, ao
ouvido, se um quilo de chumbo era mais pesado que um quilo de algodão. A resposta
pareceu-me óbvia e respondi que sim. Depois de perguntar a todos, a professora pediu
que quem respondera “não” levantasse o dedo. Ninguém levantou, felizmente. De
seguida, pediu aos que tinham respondido “sim”. Levantei o dedo com toda a
segurança, juntamente com outros colegas. Finalmente, pediu que quem respondera que
tinham o mesmo peso levantasse a mão e disse-lhes que tinham razão. Fiquei com uma
vergonha de corar as bochechas, mas, ao mesmo tempo, cheio de raiva, pois o que
parecia óbvio era na verdade o que a minha querida professora, Filomena Rebimbas,
chamava de “casca de banana”.
A campainha tocou e era hora de almoço. Fomos, então, para a fila da cantina.
Naquele dia a refeição era canja de galinha, carne à italiana e a sobremesa era banana
estrangeira. Sabia que era banana estrangeira porque era muito grande e metade dela era
quando bastasse a cada um.
Após o almoço era hora do recreio. Podia andar no escorrega, jogar futebol ou
saltar à corda, mas decidi andar de balouço. Escolha arriscada, pois havia certas regras.
Por exemplo, se alguém chegasse e também quisesse andar no balouço bastava contar
até cem. Foi o que aconteceu. Enquanto andava no balouço ferrugento que emitia sons
que denunciavam o seu desgaste, apareceu uma rapariga mais nova e mais baixa que eu,
de cabelos escuros, vestida com umas calças justas brancas, com uma camisola cor-deRelato de experiências e vivências
Gonçalo Carrola, 10ºB
rosa, com uns ténis adidas e com uma fita na cabeça. Ela contou da seguinte forma:
“um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez” e repetiu isto mais nove vezes.
Interrompi-a dizendo que estava a contar mal. Disse-lhe que tinha de contar “um, dois,
três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, quinze, …” e
por aí adiante, cada número diferente um do outro. A rapariga retorquiu dizendo que
estava certa, uma vez que, multiplicando dez por dez, se obtinha cem e exigiu que me
retirasse do assento do balouço. Então, desisti e dei-lhe o lugar, antes que chegasse
alguma auxiliar.
Porém, não fiquei satisfeito com o sucedido e decidi explicar-me à minha melhor
amiga, Alice Borges, que era também muito inteligente e me compreenderia certamente.
Deste modo, cheguei-me perto dela e contei-lhe o que havia acontecido. Ela respondeu,
também, que “dez vezes dez era igual a cem” e, portanto, a rapariga estava certa.
Todavia, não consenti, afirmando que sabia que “dez vezes dez era igual a cem”, mas
que o tempo que se leva a contar dez vezes de um até dez é muito menor do que contar
cada número de cada vez. Acrescentei, afirmando que havia números, como “o setenta e
quatro”, que tinham o dobro das palavras e muito mais letras que os números de um a
dez. Estava a tentar dizer que, se a rapariga tivesse contado devidamente, eu teria
andado muito mais tempo no balouço. A Alice não me respondeu e, então, fui andar no
escorrega.
Mais tarde, regressámos às aulas e tudo correu nos conformes. Continuámos a
matemática. E, pela primeira vez, senti-me farto dos números, devido, claro, à
explicação de matemática dada escusadamente na hora de almoço.
Tocou novamente. As aulas tinham terminado naquele dia. Desci os dois lances
de escadas e fui a correr para o pavilhão da escola. Praticava patinagem e adorava.
Porém, ainda que os patins fossem meus, não podia andar com eles na rua. A treinadora,
Maria João, de cabelos louros encaracolados, olhos azuis e com um sorriso cativante,
dizia-me que os patins sujos e gastos na rua riscavam o chão do pavilhão. Contudo, não
me importava, pois sabia que ninguém me tirava aquela hora. Valia a pena esperar.
Depois do treino, caminhei para a sala de espera e aguardei pelos meus pais.
Assim que chegaram saltei para o meu pai e ele agarrou-me. Fazia isto todos os dias.
Despedi-me dos meus amigos e fomos para casa. Na viagem, contei-lhes tudo o que se
passara durante o dia e eles ouviram-me com muita atenção.
Ao jantar, a minha mãe perguntou-me se já tinha feito o trabalho de casa.
Respondi-lhe que havia feito na escola. Trabalho de escola era para ser feito na escola.
Em casa, brincava-se mais, não se estudava. Ela explicou-me que eu podia achar isso
por enquanto, mas que a vida me ensinaria o contrário. Não percebi, coisa que acontecia
sempre que as frases da minha mãe incluíam a palavra “vida”, mas conformei-me.
Ao deitar, pensei em todas as coisas maravilhosas que tinham acontecido
naquele dia. Aprendi muito. Aprendi que nem todos nós pensamos de igual forma e
precisamos de saber como devemos explicar-nos uns aos outros. Aprendi também, que
nalgumas situações, por mais que nos expliquemos, algumas pessoas não entendem.
Nesses casos, o melhor é calarmo-nos e contentarmo-nos com o facto de acharmos que
estamos certos. E o dia seguinte seria um novo dia.
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Gonçalo Carrola