Direitos Humanos e a prisão civil do
depositário infiel
Publicado por Nestor Sampaio
O STF, em decisões recentes, vinha fixando entendimento de que restava
impossível a prisão civil do depositário infiel, por força da aderência do Brasil
aos principais pactos internacionais de direitos humanos, dentre os quais a
Convenção Americana (Pacto de San José da Costa Rica de 1969). Advertia a
Suprema Corte de o dispositivo esculpido no art. 5º , LXVII da CF apenas
fundamentava a prisão civil do devedor de alimentos. Nesse sentido, o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966), ao qual o Brasil aderiu,
impede a prisão civil do depositário infiel (art. 11), encontrando-se dispositivo
similar na Convenção Americana de Direitos Humanos, igualmente assinada
pelo governo brasileiro (art. 7º, § 7º).
Instalou-se controvérsia na medida em que os dispositivos acima aludidos dos
tratados internacionais entrechocar-se-iam com a norma do art. 5 , LXVII, CF
de 1988 que reza:
Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
Tal antinomia acabou levando ao questionamento da vigência e hierarquia dos
tratados internacionais de direitos humanos no Brasil, conforme reza o art. 5º, §
2º da Constituição Federal de 1988. Houve época em que o STF entendia que
os tratados internacionais de direitos humanos aderidos pelo Brasil valiam
como norma ordinária (década de 1970), embora uma corrente minoritária
defendesse um status constitucional para aqueles pactos, em face da
dignidade humana. A EC n. 45/2004 aparentemente solucionou a questão ao
acrescer o § 3º ao art. 5º, CF que atribui status constitucional aos tratados de
direitos humanos que o Brasil venha a aderir, contanto que seu Decreto
Legislativo submeta-se ao mesmo processo legislativo especial de aprovação
de emendas à Carta (duplo turno de votação e quórum qualificado de 3/5 para
aprovação). No entanto, ficava uma dúvida: e o Pacto de San José que o Brasil
ratificou em 1992? Qual seria seu status? Uma corrente doutrinária majoritária,
liderada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho via-o com status de lei comum,
ao passo que Flávia Piovesan, sob o argumento interessante de que se a CF
não exclui outros direitos advindos de pactos (art. 5, § 2º), necessariamente ela
os inclui na ordem vigente como norma constitucional, máxime à vista da
dignidade humana e do preceito pro homine. Porém, o STF, no RE nº. 466.343,
acabou por situar a questão em um meio termo, cuidando de atribuir ao Pacto
de San José status de supra-legalidade (acima da lei ordinária, mas abaixo da
CF) e conseguintemente paralisando a eficácia de todas as normas
infraconstitucionais que disciplinavam a prisão por depósito infiel.
Ainda, com relação ao depositário infiel, que recebia judicialmente a coisa ou
em virtude de um acordo de vontades, este tinha o dever de depósito fiel do
bem; caso descumprisse, incidia na possibilidade de prisão, que podia ser
decretada após o trânsito em julgado em ação de depósito (CPC, art. 704), ou
no trâmite de qualquer execução, em desfavor do depositário judicial,
consoante entendimento jurisprudencial[1]. Por outro lado, o depositário infiel
na alienação fiduciária não recebe o bem de terceiro em depósito, mas, sim, o
adquire, não se cuidando de coisa alheia, mas própria.
A CF autoriza a regulamentação das duas únicas formas de prisão civil,
embora com a autoridade que lhe é particular Flavia Piovesan[2] pense
diferentemente.
Ressalte-se que o STF firmara entendimento no sentido da constitucionalidade
da prisão do depositário infiel (HC n. 72131, sessão de 23/11/95), todavia o
mesmo Colendo STF, no RE nº. 466.343/SP (relator Min. Cézar Peluso), como
já se disse, por meio do Ministro Gilmar Mendes (voto-vista) asseverou
entendimento de que a prisão do depositário infiel, vedada pelo art. 7º, VII do
Pacto de San José, também o deve ser na ordem jurídica nacional, pois,
apesar de o Pacto de San José não ter ingressado no ordenamento pátrio com
status de norma constitucional, por veicular direitos humanos assume ele papel
ou posição prevalente sobre as normas ordinárias.
Assim, o Pacto de San José é hierarquicamente inferior à CF, porém acha-se
acima das leis ordinárias (norma supra-legal).
Os demais ministros do STF acompanharam-no, entendendo que
hodiernamente só vige a prisão civil por dívida alimentar, valendo ressaltar que
nesse julgamento o STF reconheceu, finalmente (5 votos x 4 votos) o valor
supra legal dos tratados de direitos humanos já vigentes no Brasil.
Havia 2 correntes no STF: 1ª) capitaneada pelo Min. Gilmar Mendes no sentido
de que os tratados de direitos humanos assumem posição supra legal (tese
vencedora); 2ª) liderada pelo Min. Celso de Mello, que propugna pelo valor
constitucional dos tratados.
Prevaleceu a primeira corrente, embora dois ministros não tenham votado.
Em decisão recente, de 16/12/2009, o Pleno do STF aprovou por unanimidade
a seguinte proposta de Súmula Vinculante nº 31 – “É ilícita a prisão civil de
depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Doravante restam superadas quaisquer dúvidas sobre o assunto.
[1] Nesse sentido: RT 567/84, 575/111 e 637/122.
[2] Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 7ª edição,
Saraiva, 2006, pág.s 64 e 65.
Fonte: http://nestorsampaio.jusbrasil.com.br/noticias/112108420/direitos-humanos-e-aprisao-civil-do-depositarioinfiel?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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