DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO
NÚCLEO DE BARRA DO BUGRES
Ofício n.º 057/2015 - DPE/MT
Barra do Bugres, 25 de Março de 2015.
A Sua Excelência o Senhor
MARCIO FREDERICO DE OLIVEIRA DORILEO
Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato Grosso
Rua Ten. Eulário Guerra, n°488, Esq. com Av. Pres. Afonso Pena
Quilombo – Cuiabá - MT - CEP:78.043-528
Assunto: Projeto de Implantação da Audiência de Custódia no Estado de Mato
Grosso
Excelentíssimo Senhor Secretário,
Como Vossa Excelencia terá conhecimento, a necessidade de
realização da chamada Audiência de Custódia tem sido alvo de intensos debates
doutrinários e jurisprudenciais.
O foco do debate se encontra na inexistência de previsão do ato
em nosso Código de Processo Penal ao passo que o Pacto de São José da Costa
Rica prevê como direito fundamental de todo preso ser conduzido, sem demora, à
presença de um juiz para que este decida sobre sua prisão preventiva ou liberdade
provisória.
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Fone/Fax: (65) 3361-2402
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Alguns estados, como São Paulo, Amazonas, Maranhão e Bahia
já implementaram – de forma exitosa, diga-se de passagem – a Audiência de
Custódia, dando exemplo aos demais estados da federação. Outros já iniciaram as
tratativas com o CNJ para implementação do sistema por ele proposto.
No Mato Grosso, até onde temos notícia, não há uma
movimentação formal que busque a criação e manutenção da Audiência de
Custódia.
Diante disso, apresenta-se a presente provocação institucional
juntamente com alguns comentários sobre a Audiência de Custódia visando, ainda
que haja projeto similar em andamento, somar forças com os demais órgãos do
sistema de justiça para atender de forma mais adequada aos direitos fundamentais
de toda pessoa presa.
Em anexo, uma proposta para iniciar os debates, sem a
pretensão de extrapolar as atribuições funcionais da Defensoria Pública.
Aproveito o ensejo para renovar meus votos de apreço e
profunda admiração por Vossa Excelência e pela função exercida por esta
Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.
Barra do Bugres, 25 de março de 2015.
Fernando Antunes Soubhia
Defensor Público Substituto
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PROJETO
Audiência de Custódia
Fernando Antunes Soubhia
Defensor Público Substituto
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1. Apresentação.
A Audiência de Custódia pode ser definida como a solenidade
onde o preso em flagrante é conduzido imediatamente à presença de um Juiz para
que este decida sobre a decretação de sua prisão preventiva ou concessão de
liberdade provisória.
Essa condução sem demora à presença de um Juiz é um direito
fundamental decorrente da aplicação direta do Pacto de San José da Costa Rica e
do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de modo que a aparente falta
de previsão em nosso sistema legal não pode obstruir o exercício de tal direito.
Explica-se.
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
incorporado pelo direito interno Brasileiro pelo Decreto 592/92, dispõe que qualquer
pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida,
sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a
exercer funções (Art. 9, 3)
No mesmo sentido, a Convenção Americana de Direitos
Humanos, internalizada pelo Decreto 678/92, prevê que toda pessoa presa,
detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou
outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (art. 7º, 5).
Por outro lado, o Código de Processo Penal (art. 306) se
satisfaz, a priori, com a comunicação imediata da prisão de qualquer pessoa ao Juiz
competente.
Como, então, harmonizar as disposições?
Simples: lembrando que após o julgamento do Recurso
Extraordinário 466.343-SP, os Tratados Internacionais sobre direitos humanos
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ratificados pelo Brasil podem ostentar dois status normativos: 1) norma
constitucional; 2) norma supralegal1.
Assim, de uma forma ou de outra, eles – os Tratados
Internacionais de Direitos Humanos subscritos pelo Brasil – se encontraram acima
da lei, devendo ela a eles se conformar.
Destaco do Recurso Extraordinário 466.343-SP:
(...) O status normativo supralegal dos tratados internacionais
de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna
inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja
ela anterior ou posterior ao ato de adesão (RE 562051 RG,
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 14/04/2008, DJe-172
DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008 EMENT VOL-02332-05
PP-00983 )
Repita-se:
dado
seu
status
supralegal,
as
normas
infraconstitucionais que estejam em desacordo com o Pacto dos Direitos Civis e
Políticos e/ou Convenção Americana de Direitos Humanos tornam-se inaplicáveis
ou, no mínimo, passíveis de uma releitura.
A propósito do Controle de Convencionalidade, trago a lição de
Valério Mazzuoli de Oliveira:
Se a constituição possibilita sejam os tratados de direitos
humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de
emenda, por questão de lógica deve garantir-lhes os meios que
prevê a qualquer norma constitucional ou emenda de se protegerem
contra investiduras não autorizadas do direito infraconstitucional
.Nesse sentido, é plenamente possível utilizar-se das ações do
controle concentrado (...), não mais baseadas apenas no texto
constitucional, senão também nos tratados de direitos humanos
1
Importante destacar que a doutrina especializada entende que os tratados internacionais de direitos
humanos ratificados pelo Brasil ostentam natureza jurídica de norma constitucional ou até mesmo
supra constitucional. A respeito, destaco a lição de Valério Mazzuoli de Oliveira: (…) qualquer tratado
de direitos humanos ratificado pelo Brasil tem índole e nível de norma constitucional. (Comentários à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. 3a Ed. Revista
dos Tribunais: São Paulo, 2010, p. 15)
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aprovados pela sistemática do art. 5, §3, da Constituição em vigor
no país. (...) Quanto aos tratados de direitos humanos não
internalizados pela maioria qualificada, passam eles a ser
paradigma
apenas
do
controle
difuso
de
constitucionalidade.(Comentários à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica. 3a Ed.
Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010, p. 21/22)
Dessa forma, infere-se que o simples conhecimento formal da
prisão, tal como previsto no art. 306 do Código de Processo Penal, não é
suficiente devendo a pessoa presa ser efetivamente conduzida à presença do
juiz para ser por ele ouvida.
Em caso semelhante, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos2 e 3 decidiu em desfavor do Equador em 03 oportunidades:
O fato de que um Juiz tenha conhecimento da causa ou
lhe seja remetido o Inquérito Policial correspondente, como
alegado pelo Estado, não satisfaz essa garantia, já que o detido
deve comparecer pessoalmente perante o Juiz ou autoridade
competente (Caso Tibi Vs. Equador. Sentença de 07/09/2004)
O simples conhecimento por parte de um Juiz de que uma
pessoa foi detida não satisfaz a essa garantia, já que o detido
deve comparecer pessoalmente e fazer suas declarações perante o
Juiz ou autoridade competente (Caso Acosta Calderón Vs. Equador.
Sentença de 24/06/2005).
2
Em obra de análise de sua jurisprudência, a CIDH aponta (tradução livre): Para a Corte
Interamericana, o simples conhecimento pelo Juiz de que uma pessoa está presa não satisfaz a
o
garantia estabelecida no art. 7 , n.5, da Convenção, pois é necessário que o preso compareça
pessoalmente e preste declarações diante de um juiz ou autoridade competente (Corte
Interamericana de Derechos Humanos. Análisis de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de
Derechos Humanos em Materia de Integridad Personal y Privación de Liberdad:(Artículos 7 y 5 de la
Convención Americana sobre Derechos Humanos). San José: Corte IDH, 2010, p. 53/55)
3
Cumpre lembrar que, se o Pacto de São José da Costa Rica possui status normativo supralegal e,
considerando que a Corte Interamericana de Direitos Humanos é a guardiã do referido diploma,
então, conclui-se que as decisões da CIDH possuem um poder vinculativo ainda maior do que as
decisões dos Tribunais Superiores nacionais.
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A Corte não aceita o argumento estatal de que se cumpriu o
art. 7 , n.5, posto que o Juiz da causa estava presente no momento
das detenções e exerceu um controle judicial direto, dando a
entender que não havia necessidade de levar as vítimas (dos
abusos estatais) novamente ante ele. Ainda quando o juiz
presencia a prisão, não é suficiente para se considerar
satisfeita a exigência do art. 7o, n.5 de “ser levado” perante um
Juiz. A autoridade judicial deve ouvir pessoalmente o detido e
valorar todas as explicações que este dê, para decidir se
procede à soltura ou a manutenção da privação de liberdade.
(Caso Chaparro Alvarez e Lapo Iñiguez Vs. Equador. Sentença de
21/09/2007)
o
Apenas
para
espancar
qualquer
dúvida,
apesar
de
desnecessário, o Delegado de Polícia não é “autoridade competente” para decidir
sobre a prisão ou liberdade de qualquer flagranteado (CF, art. 5o, LXI)4.
Fixada essa premissa, passa-se à analise do que deve ser
considerado “sem demora”.
Tendo em vista que o direito de ser conduzido “sem demora”
perante a autoridade judiciaria é um direito fundamental do detido, a interpretação e
aplicação desse direito deve ser realizada de acordo com os princípio da máxima
efetividade dos direitos fundamentais.
A respeito, trago a lição de José Joaquim Gomes Canotilho:
"a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido
que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a
todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem
esteja ligada à tese da actualidade das normas pragmáticas
(Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos
4
Nos casos citados acima - Tibi Vs. Equador e Chaparro Alvarez e Lapo Iñiguez Vs. Equador – a
CIDH manifestou-se especificamente, afirmando que “a declaração das vítimas (dos abusos estatais)
ao “fiscal” (Delegado de Polícia) não podem ser consideradas como cumprimento do direito
consagrado no art. 7o, n.5 da Convenção” (...).
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fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a
interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos
fundamentais)." (Direito Constitucional, 5ª edição, Coimbra,
Portugal: Livraria Almedina, 2006, p. 1208)
Outrossim, a interpretação ampliativa que permeia as normas
citadas possui previsão na própria Convenção Americana de Direitos Humanos (Art.
29, b), bem como no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (Art. 5o, n.2)
Nesse contexto, a única interpretação que se pode fazer sobre o
termo “sem demora” é aquela que privilegie os direitos do detido.
Sobre o tema, a Organização das Nações Unidas editou o
Guia dos Padrões Internacionais sobre Detenções Pré-Julgamento5, do qual
destaco os seguintes trechos (tradução livre):
A pessoa detida pela prática de uma infração penal deve ser
apresentada a uma autoridade judiciaria ou outra autoridade
prevista por lei, prontamente após sua captura. Essa autoridade
decidirá sem demora a legalidade e necessidade da detenção.
Ninguém pode ser mantido em detenção aguardando o início da
instrução ou julgamento salvo por ordem escrita da referida
autoridade. (...) O art. 9o, n.3, do Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos estabelece que todo individuo preso pela
prática de uma infração penal será <prontamente> conduzido
perante um juiz ou outra autoridade habilitada pela lei a exercer
funções judiciarias. (...) O Comitê dos Direitos do Homem
sustentou que um período de um mês entre a detenção e o
comparecimento perante uma autoridade judiciária é
demasiado longo para poder se considerar que a pessoa
compareceu <prontamente>, de acordo com o art. 9o, n.3. Com
efeito, alguns membros do Comitê consideraram que uma
detenção de 48h sem intervenção judiciaria é excessivamente
longo, tendo convidado o Estado em causa a reduzir essa duração.
5
Human Rights and Pre-Trial Detention: a handbook of International Standards relating to Pre-Trial
Detention. Disponível em <http://www.ohchr.org/Documents/Publications/training3_en.pdf>. Acesso
em 16.03.2015
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(Organização das Nações Unidas. Human Rights and Pre-Trial
Detention: a handbook of International Standards relating to PreTrial Detention. Nova Iorque e Genebra, 1994, p 12/13 e 49/50)
Em suma, considerando que o Código de Processo Penal
estabelece o prazo de 24h para que a prisão em flagrante seja comunicada ao Juiz,
parece-nos razoável que o termo “sem demora” seja compreendido como “nas
primeiras 24h após a prisão”.
Assim, conforme demonstrado, a Audiência de Custódia é um
direito da pessoa presa e a falta de previsão no Código de Processo Penal não
representa óbice à sua realização.
2. Justificativa
Não bastasse a previsão expressa da Audiencia de Custódia no
Pacto de São José da Costa Rica, de acordo com dados do Conselho Nacional de
Justiça6, até junho de 2014 o Brasil era detentor da 4a maior população carcerária
do mundo – 563.526 – ficando atrás apenas da Russia, China e Estados Unidos.
Mais além, em termos de crescimento da população
carcerária, o Brasil salta da 4a para a 1a posição, devendo ser apontado que nos
últimos 20 anos praticamente quadruplicamos nossa população carcerária, saindo
de 148.000 pessoas presas em 1995 para as referidas 563.000 em 2014.7
No entanto, para os efeitos deste projeto, o dado mais
importante não é o número absoluto de presos, mas, sim, o de presos preventivos
ou provisórios.
6
Novo
Diagnóstico
de
Pessoas
Presas
no
Brasil
.
Disponível
em
<http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf>. Acesso em 16.03.2015
7
Segundo o professor Juarez Cirino dos Santos, somos o país que mais cresce numericamente em
termos de encarceramento e fazemos isso sem voltar os olhos para a fonte da criminalidade.
Entrevista publicada em 15.07.2012 no Jornal “A folha de Londrina”
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De acordo com o levantamento do CNJ, dos mais de meio
milhão de encarcerados, 41% seriam presos cautelares. No Mato Grosso, esse
índice é de 52%, o que nos coloca em 9o lugar entre os estados que mais prendem
provisoriamente.
Como podemos então sustentar que o princípio da presunção
de inocência ou não culpabilidade (CF, art. 5, LVII) vige no Brasil se quase metade
dos nossos presos ainda nem foram julgados ?
Esse mesmo questionamento foi realizado no ultimo relatório
apresentado pelo grupo de trabalho
sobre Detenção Arbitrária da ONU8, que
apontou expressamente (tradução livre):
Embora o sistema de justiça criminal brasileiro trabalhe sobre
matizes garantistas, a decretação da prisão cautelar continua sendo
amplamente assumida pelo Judiciário local sem maiores reflexões.
(...) A presunção de inocência consagrada na Constituição parece
ser uma prática abandonada pelos Juízes, que recorrem em muitos
momentos à prisão cautelar como primeira medida.
Diante deste quadro, considerando que as reformas trazidas
pela Lei 12.043/2011 não se mostraram suficientes, a adoção de medidas que
reduzam a decretação de prisões preventivas ou provisórias desnecessárias
mostra-se imperioso.
A implementação da Audiência de Custódia é, sem sombra de
dúvida, uma dessas medidas.
A Audiência de Custódia permitirá a melhor apreciação dos
requisitos ensejadores da prisão cautelar, uma vez que o Juízo terá contato direto
com o flagranteado ao invés de apenas receber o auto de prisão em flagrante em
seu gabinete, privilegiando, assim, o princípio da oralidade e da presença física do
Juiz.
8
Report of the Working Group on Arbitrary Detention on its visit to Brazil. disponível em
<http://ap.ohchr.org.> Acesso em 15.03.2015
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Note que ao ser apresentado à Autoridade Judicial, o
flagranteado também terá contato com seu Defensor Público ou Advogado, bem
como também será ouvido pelo membro do Ministério Publico, manifestando-se não
sobre o mérito da imputação, mas sobre o preenchimento ou não dos requisitos
para decretação da prisão preventiva.
Assim, além de uma análise mais apropriada dos requisitos do
art. 312 e 313 do Código de Processo Penal, a decisão que decretar a prisão
preventiva ou conceder a liberdade provisória se tornará mais humanizada.
Demais
disso,
a
fiscalização
de
eventuais
ocorrências
contempladas na Lei 9.455/97 durante a prisão em flagrante será realizada
imediatamente pelos próprios atores do sistema de justiça, potencializando a
prevenção e o combate a tortura no Brasil.
Por fim, com a devida estruturação da Audiência de Custódia,
poderá ser realizado um diagnóstico de movimentação criminal mais acurado,
auxiliando, assim, a escolha da politica criminal mais conveniente.
3. Projeto de Lei do Senado 554/2011
Consciente da necessidade de adaptação do Código de
Processo Penal ao disposto no pacto de São José da Costa Rica, foi proposto no
Senado Federal o PLS 554/2011, alterando o art. 306, §1o, nos seguintes termos:
“art. 306 (...)
§1o No prazo maximo de vinte e quatro horas depois da
prisao, o preso devera ser conduzido à presença do juiz
competente, ocasiao em que deverá ser apresentado o auto de
prisao em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e,
caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia
integral para a Defensoria Pública.
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Após tramitação inicial, prevalece a aprovação do projeto
substitutivo, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Comissão
de Direitos Humanos e Legislação Partipativa, com a propositura de emenda, com a
seguinte redação:
“Art. 306. ....................................................................
§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão
em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser
ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que
se verifique se estão sendo respeitados seus direitos
fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas
cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o
Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda
necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar
alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após
manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente,
nos termos art. 310.
§ 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será
registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como
meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente,
sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da
ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos
assegurados ao preso e ao acusado.
§ 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser
acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa
que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade
policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes
das testemunhas.
§ 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença
de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de
Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que
poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo
3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de
que trata o art. 310 deste Código.” (NR)
De acordo com o site do Senado Federal, as ultimas
movimentações do projeto se referem à juntada de pareceres favoráveis a sua
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aprovação, sendo o último deles do Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais –
IBCCRIM em 23.03.2015 (anexo).
4. Jurisprudência
A jurisprudencia tem se mostrado claudicante9 em reconhecer a
necessidade da realização da Audiencia de Custódia, mas, aos poucos, tem
reconhecido que a falta de previsao interna não afasta a imperiosidade do comando
convencional.
No dia 12.02.2015, a Desembargadora Monica Sifuentes da
Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1a Região, deferiu, liminarmente,
pedido da Defensoria Pública da União, determinando a realização da audiência de
custódia, em Cuiabá, de 02 presos em flagrante (HC 0006708-76.2015.4.01.0000).10
e 11
Também do TRF1, destaca-se o seguinte julgado:
HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - PRESENÇA
DOS REQUISITOS AUTORIZADORES - APRESENTAÇÃO
PESSOAL DO PRESO PERANTE O JUIZ - ART. 7o, INCISO 5 DA
CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
I - A grande quantidade de notas falsas apreendidas em poder
do paciente, sua atuação, cooptando terceiro para fazer o repasse
de tais notas, bem como o fato de já possuir ele prisão anterior por
porte ilegal de armas, evidenciam a presença de risco para a ordem
pública suficiente a ensejar a manutenção da custódia cautelar,
ensejando a denegação da ordem quanto a este aspecto;
9
Em nota pessoal, posso dizer que há 02 anos venho impetrando pedidos de Habeas Corpus
perante o Tribunal de Justiça de Mato Grosso e, até a presente data, a tese sequer foi analisada.
10
http://justificando.com/2015/03/10/pela-primeira-vez-tribunal-federal-determina-audiencia-decustodia/
11
http://www.conjur.com.br/2015-mar-10/trf-manda-juiz-promover-audiencia-custodia-ouvir-presos
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II - A apresentação pessoal do preso perante a autoridade
judicial está prevista no art. 7o, inc. 5 da Convenção Americana de
Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica, incorporada
ao direito pátrio antes da EC no 45, possuindo o status normativo
supralegal, tornando inaplicável a legislação infraconstitucional
conflitante;
III - Ordem parcialmente concedida. (TRF 2 - HC
2014.02.01.003188-7. 2a Turma. Rel. Des. Messod Azulay Neto. DJ
20.05.2015)
5. Objetivo Geral
Implementar no estado de Mato Grosso um projeto piloto da
Audiencia de Custódia, antes mesmo da eventual aprovação do PLS 554/2011.
6. Objetivos Específicos
I – verificar a legalidade das prisoes em flagrante ocorridas na cidade de
Cuiabá
II – Contemplar discussão mais democrática acerca da necessidade da prisao
cautelar, por meio de manifestações do Ministério Público e da Defesa em ato
concentrado e presencial
III – Revelar com maior precisão o movimetno criminal na cidade de Cuiabá
IV – Diminuir o encarceramento desnecessário através da adoção de medidas
cautelares diversas da prisao, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal
7. Modelos.
Apesar de não haver impedimentos para que o estado de Mato
Grosso implante um modelo próprio da Audiencia de Custódia, cabe trazer dois
exemplos que parecem ser bem sucedidos.
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7.1 – Modelo Baiano
Ainda no ano de 2011 o estado da Bahia, de forma bastante
vanguardista, criou o Núcleo de Prisao em Flagrantes por meio do Termo de
Compromisso Mutuo n. 19/2011-TC, firmado entre o Tribunal de Justiça do estado
da Bahia, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, a
Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia, o Ministério Público do
Estado da Bahia, a Defensoria Pública do Estado da Bahia e a Ordem dos
Advogados do Brasil.
O Tribunal de Justiça editou a Resolução n. 09/2011, instituindo
o Nucleo de Prisao em Flagrante, mas apenas após a realização de um Pedido de
Providencias ao CNJ pela Defensoria Pùblica do Estado da Bahia em 2013 é que o
núcleo foi efetivamente criado.
De
acordo
com
a
resolução,
a
autoridade
policial,
concomitantemente à remessa dos autos de prisao em flagrante – ou seja, em 24
horas -, deverá apresentar o flagranteado preante a Direção da Cadeia Pública de
Salvador, para que fique recolhido no setor de triagem, aguardando análise da
custódia.
O interessante é que não é o preso que será levado até o fórum,
mas os proprios atores do sistema de justiça – Juiz, Promotor, Defensor Público e
Advogado – é que se dirigirao à Cadeia Pública para realização da audiencia.
No entanto, o preso não será recolhido à área comum antes de
ser efetivamente decretada sua prisao preventiva, evitando, assim, o contato
desnecessário entre os presos e aqueles cuja prisao se mostra desnecessária.
Para tanto, o estabelecimento teve que se adequar, deixando
uma área para estruturação de um cartório destinado à manutenção e
movimentação dos Autos de Prisão em Flagrante. Outrossim, tambem existe um
gabinete para o Ministério Público e outro para a Defensoria Pública, bem como
uma sala para Advogados.
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Dados informais apresentados pelo Dr. Alan Roque de Souza,
Defensor Público designado para atuar no NPF, houve uma redução de pelo menos
10% na decretação da prisao preventiva dos recolhidos após a criação do Nucleo de
Prisao em Flagrantes.
7.2 – Modelo Paulista/CNJ
Após anos de intenso debate, o Conselho Nacional de Justiça,
em parceria com o Tribunal de Justiça de São Paulo, Governo do Estado de São
Paulo, Ministério de Justiça, Ministério Público do Estado de São Paulo, Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, Ordem dos Advogados do Brasil e Instituto de
Defesa do Direito de Defesa, criou um projeto para realização da Audiencia de
Custódia na cidade de São Paulo/SP.
O mesmo projeto tem sido paulatinamente levado aos demais
estados da federação,12,
13 e 14
já tendo sido implantado, s.m.j., no estado do
Amazonas15 e no estado do Maranhão16
De acordo com o projeto, todos os flagranteados são levados ao
fórum criminal da capital, no prazo de 24 horas, onde terão contato prévio com seu
Defensor Público ou Advogado. Posteriormente, serão ouvidos em perante o Juiz e
o membro do Ministério Público. Vencida essa etapa, o Ministério Público se
manifestará sobre a necessidade de decretação da prisão preventiva e a defesa
12
http://cidadeverde.com/cnj-apresenta-ao-tj-pi-projeto-audiencia-de-custodia-188363
13
http://www.tjmg.jus.br/portal/imprensa/noticias/cnj-detalha-projeto-da-audiencia-de-custodia-aotjmg.htm
14
http://www.tjpr.jus.br/pt/destaques/-/asset_publisher/1lKI/content/tribunal-de-justica-estuda-projetode-audiencia-de-custodia-proposta-pelo-presidente-do-cnj
15
http://www.amazonasnoticias.com.br/audiencia-de-custodia-e-realizada-pela-primeira-vez-noamazonas/
16
http://tj-ma.jusbrasil.com.br/noticias/161979842/audiencia-de-custodia-e-realidade-no-judiciariomaranhense
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apresentará sua manifestação, requerendo o que entender cabível. Por fim, o Juiz
proferirá sua decisao nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
O projeto delineia de forma bastante detalhada quais seriam as
competencias e compromissos de cada um dos envolvidos, inclusive no que tange
ao investimento em infraestrutura e capacitação de pessoal para realização do ato.
Conforme vem sendo noticiado17, o projeto apresenta dados
iniciais promissores, apesar de estar em funcionamento há apenas um mes.
8. Conclusões.
Conforme já foi dito, a condução de toda pessoa presa à
presença de um juiz para que este decida sobre a sua prisão - audiência de
custodia - é um direito fundamental.
Outrossim, tal direito possui previsao expressa no Pacto de São
José da Costa Rica o que, por si só, autorizaria sua instituição em nosso
ordenamento interno, uma vez que o art. 306 do Código de Processo Penal não
passaria pelo Controle de Convencionalidade.
Por fim, demonstrou-se que diversos estados da federação tem
reconhecido a necessidade da realização da audiencia de custódia e, por meio de
convenios entre os poderes Judiciário e Executivo, com apoio dos órgãos essenciais
ao funcionamento da Justiça – especialmente da Defensoria Pública, diga-se de
passagem – até que uma alteração legislativa trate do tema de forma geral e
definitiva para todos os estados.
Nesse contexto, pede-se a esta Secretaria de Justiça e Direitos
Humanos que, no exercicio de suas funções, busque, por todos os meios
17
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/03/1606054-com-novo-modelo-justica-de-sp-solta-42dos-presos-em-flagrante.shtml
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possíveis a instauração e manutenção da Audiencia de Custódia no estado de
Mato Grosso.
Sugere-se, humildemente, que o projeto seja iniciado por um
piloto na comarca de Cuiabá.
Colocando-me à disposição de Vossa Excelencia e desta
Secretaria, renovo meus votos de apreço e profunda admiração.
Barra do Bugres, 25 de março de 2015.
Fernando Antunes Soubhia
Defensor Público Substituto
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Projeto de Implementação