A INFLUÊNCIA DO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA NO INSTITUTO DA PRISÃO
CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL NO BRASIL
THE INFLUENCE OF THE PACT OF SAN JOSE COSTA RICA THE OFFICE OF THE CIVIL ARREST
UNFAITHFUL TRUSTEE IN BRAZIL
Daniel Gurgel Linard
Michele Alencar da Cruz Alcantara
RESUMO
A análise histórica da prisão civil torna perceptível seu uso decrescente, especialmente pela ascensão,
constitucionalização e globalização dos direitos fundamentais. O processo de globalização de direitos
humanos consubstancia-se, principalmente, pelos tratados e convenções internacionais. Tais institutos
jurídicos podem intervir na legislação interna dos países aderentes. No presente trabalho, analisa-se as
mudanças no ordenamento jurídico interno provocadas pela ratificação do Pacto São José da Costa Rica,
destacando-se a influência dos direitos fundamentais e o estado internacional de direito. Estuda-se, também,
o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), frente a recepção de tratados internacionais sobre
direito humanos, bem como a Súmula Vinculante 25 considerando ilícita a prisão civil do depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade do depósito. Investiga-se, ainda, os critérios para solução de antinomias,
como as provocadas por referido tratado internacional, aplicando-se princípios e as teorias interpretativas,
dentre as quais a ponderação. Sem olvidar da necessidade de eleição de outros meios alternativos para o
afastamento da prisão civil, inclusive referentes à responsabilização na esfera penal, observando-se prováveis
consequências advindas da atual situação.
PALAVRAS-CHAVES: prisão civil, direitos fundamentais, pacto de San José da Costa Rica, evolução da
prisão civil, dívida.
ABSTRACT
The historical analysis of civil imprisonment becomes noticeable decreasing their use, especially the rise, and
globalization constitutionalization of fundamental rights. The process of globalization of human rights is
embodied mainly by international treaties and conventions. These legal institutions can intervene in the
domestic laws of member countries. In this paper, we analyze changes in the domestic legal system brought
about by the ratification of the Pact San José, Costa Rica, especially the influence of fundamental rights and
the rule of international law. We study also the positioning of the Supreme Court (STF), opposite the
reception of international treaties on human rights, as well as considering stare decisis 25 civil wrongful
imprisonment of an unfaithful trustee, whatever the mode of deposit. It is investigated, although the criteria
for solution of antinomies, such as those caused by international treaty, applying principles and interpretative
theories, among which the balance. Without forgetting the need to elect other alternative means for the
removal of civil imprisonment, including those related to accountability in the criminal sphere, noting
probable consequences arising from the current situation.
KEYWORDS: Civilian Prision, Rights, Pact of San José of Costa Rica, the evolution of prison civil debt
Introdução
A prisão civil do depositário infiel tem sido fonte de discussões quanto a sua natureza, aplicação e
adequação aos direitos humanos. A doutrina trata desta questão trazendo a tona os mais diversos
argumentos, especialmente no Brasil, onde a legislação interna permite a prisão para este caso.
A análise em pauta trata da problemática da prisão civil do depositário infiel buscando sua relação
ao máximo número de pontos possíveis, desde sua análise histórica, passando por dispositivos
constitucionais, chegado as atuais jurisprudências do Supremo Tribunal Federal.
A prisão civil no Brasil é prevista na Constituição Federal (CF), em seu Art. 5º, inciso LXVII, por
meio de uma redação clara expressando que: ‘‘não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável
pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel’’.
Tal dispositivo entra em conflito com o Pacto de San José da Costa Rica. Faz-se uma abordagem
relativa adoção do Pacto pelo Brasil, sendo objeto do estudo sua recepção, assim como conceitos de
validade, formal e material, incluindo-se seu nível hierárquico dentro do ordenamento nacional com o
objetivo de resolver a antinomia gerada em comparativo ao disposto na Constituição, evolução do
entendimento jurisprudencial e suas consequências práticas frente ao conflito instaurado.
As jurisprudências estudadas, embora sem aparente manifestação, acabam por invocar conceitos
interpretativos, que vão além das teorias clássicas abordadas por Bobbio, fazendo-se necessária uma
investigação hermenêutica, abordando Häberle, Dworkin e Alexy. Dessa forma, propõe-se uma investigação
de conceitos interpretativos, buscando-se, ainda, enriquecer o entendimento jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal acerca da sua mudança de posicionamento até a edição da Súmula Vinculante 25.
Observa-se, ainda, pelos posicionamentos do STF que há a criação de uma nova hierarquia para
normas jurídicas, diferente do escalonamento formulado por Hans Kelsen, especialmente para os tratados
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internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil antes da Emenda Constitucional de n.º 45/2004.
Por fim, ultrapassa-se a abordagem dos direitos fundamentais e a relação com a Convenção
Americana de Direitos Humanos, sendo apresentadas soluções viáveis para as também explanadas
problemáticas da questão, decorrentes do afastamento da possibilidade da prisão civil, para averiguar a
viabilidade da aplicação de uma sanção penal, sem prejuízo das observações referentes a sua nãoaplicabilidade.
Quanto aos aspectos metodológicos, A presente pesquisa teve caráter exploratório, de natureza
teórica. Iniciou-se com o estudo sistemático da legislação vigente, mormente os dispositivos da Constituição
Federal, Código Civil (CC) e do Código de Processo Civil (CPC) atuais. Analisou-se, em seguida, a
bibliografia nacional, por meio de livros e artigos periódicos, através de consulta ao acervo da biblioteca da
Universidade de Fortaleza, como também artigos e periódicos relevantes na internet. Realizou-se
levantamento de jurisprudência do Supremo Tribunal do país, o qual compete interpretar a Constituição
Federal (Supremo Tribunal Federal), por meio de seu endereço eletrônico.
1. A história da prisão civil
A vida em sociedade, devido a própria natureza humana, sempre exigiu medidas que garantissem a
ordem pública, assegurando, desta forma, seu desenvolvimento.
Várias foram as manifestações neste sentido. Porém, a situação se torna mais polêmica quando as
penas se relacionam com a prisão civil.
Observa-se que, paulatinamente, os castigos físicos e à morte foram sendo restringidos. As penas
privativas de liberdade configuram o núcleo central de todas as principais formas de métodos de punição da
sociedade contemporânea, é a forma como a sociedade vem costumeiramente buscando que os condenados
não reiterem nas suas condutas e que os demais membros, por sua vez, se sintam coagidos a não as praticar.
Ao longo da história, observa-se que desde a idade antiga já haviam previsões quanto a
possibilidade da prisão civil em povos como o egípcio, hebreu, indiano, babilônico, grego e romano,
conforme informações do estudo intitulado ‘’A história da Prisão Civil por Dívida’’(GARCIA, 2001, p. 49).
O Direito egípcio admitia-se até a escravização por dívida, cabendo ao rei eventual supressão
(1570-1090 a.C.).
Na Bíblia há registros nas parábolas contadas por Jesus sobre a possibilidade de prisão civil por
dívida. (Segundo Mateus, capítulo 18, versículos 23 a 35).
Também na Babilônia, no Código de Hamurabi (2067 a 2025 a.C.), texto que serviu de modelo
para outros países do oriente, explicitou a existência da prisão civil por dívida e de castigos, incluindo a
morte em seus artigos 115, 116 e 117.
Na Índia, no Código de Manu, a prisão civil por dívida recebeu tratamento de modo a influenciar a
vida social e religiosa. Porém, sem impedir a possibilidade até mesmo da morte no caso da dívida civil.
Na Grécia, segundo as leis de Dracon, até a posterior reestruturação destas por Sólon, a prisão era,
comumente, transformada em escravidão. Em caso de condenação judicial, se não fosse paga a dívida,
tornava-se o devedor propriedade do credor, que poderia, inclusive, tirar-lhe a vida. Sendo a citada
reestruturação consequência da atribuição divina ao Direito.
Devido a longa trajetória romana, conhecendo três regimes constitucionais distintos observa-se uma
variação nos métodos processuais e regimentais, abordar-se-á no presente estudo apenas os pontos mais
relevantes. Ao se analisar os métodos procedimentais mais antigos, nota-se que não eram de modo a atender
os mais pessoais direitos do devedor, dentre eles, o da personalidade, da liberdade e o direito à vida.
No Direito Arcaico (Romano), existiam duas ações de execução a legis actio per manus
iniectionem e a legis actio per pignoris capinem, que trazem a execução da prisão civil por dívida e seu
processamento, sendo a manus intenctio, decorrente do inadimplemento de obrigação devido a sentença ou
confissão. Observa-se, também, a necessidade que formalidades fossem obedecidas, de forma rigorosa, sob
pena de perda da ação.
Consoante as Leis das XII Tábuas, na sua Tábua Terceira, Leis IV a IX afirma que, caso o devedor
não pagasse no solene momento, ou seja, já decorridos os trinta dias após a confissão da dívida perante o
magistrado, e nem oferecesse um vindex (terceiro solidário ao devedor contestando a violência da execução
pessoal, pagamento ou nulidade da sentença) o magistrado admitia a versão do credor, autorizando-o a
exercer seu direito sobre a pessoa do devedor ou sobre seus bens.
Em face dessa violência, devido a sujeição do devedor a castigos os mais diversos, um levante
popular trouxe à realidade a Lex Poetelia Papira, em 326 a.C., passando a responder pelo débito o
patrimônio do devedor, não sendo possível a persecução patrimonial, que trabalhasse para satisfazer a
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obrigação. Porém, sem perder a sua liberdade, proibindo a morte e o acorrentamento do devedor.
Com a tomada de Constantinopla, atual Istambul, a gradativa invasão dos povos bárbaros,
influenciou toda a estrutura política, social e jurídica de Roma. As diversas raças e cultura, aos poucos
introduziram suas leis nas regiões conquistadas, fazendo com que desaparecessem, paulatinamente, os
institutos romanos.
O processo romano-barbárico passou por três fases a longobarda, a franca e a feudal. Na
longobarda, o devedor inadimplente ainda era submetido à execução pessoal, podendo ser mantido em
cárcere privado até o pagamento da dívida. Pelos dados a disposição não se encontrou referência acerca da
prisão civil na fase franca, sendo certo que retornou durante a fase feudal, na qual ocorreu acentuada
decadência dos institutos jurídicos, devido a descentralização do poder e, por conseguinte, a imposição de
leis próprias pelos proprietários de terras, os senhores feudais.
Destaca-se também, a Lei Sálica, presumivelmente de 466, admitindo a disposição do próprio
corpo ou até mesmo da vida do devedor, como também a Ordenança, no ano de 1274 da Era cristã, que
limitava os casos de prisão civil do devedor aos casos fiscais.
Na França, em 1303, se escreveu que os bens do devedor é que deveriam responder pelas dúvidas
e, caso conviesse ao tomador do empréstimo, poderia ele dispor livremente de sua liberdade.
A execução pessoal, nos séculos XIII e XIV consistiu no costume, em Florença, de pintar os
falidos e os insolventes com a estampa do mal em suas faces, exibindo seus retratos, para que o povo os
visse e os conhecesse. A Corpus Juris Civili, no oriente romano, também chamada de Código de Justiniano,
manifesta-se de forma que, segundo o jurisconsulto Paulo, ‘‘a essência da obrigação não consiste em que se
faça uma coisa corpórea ou uma servidão, mas em que se obrigue outrem a nos dar, fazer ou entregar
alguma coisa’’ (AZEVEDO, 2000, p. 38).
Pelo direito comparado, mais moderno verifica-se na França que, tratou-se da matéria da matéria
da prisão de forma inconstante, permitindo e abolindo ao longo de sua história, conclui-se que esta foi
definitivamente afastada no ano de 1867, abolindo também sua possibilidade quanto a débitos comerciais,
incluindo-se os estrangeiros e contrário ao que se verificava no Brasil onde, na época, a constituição era
silenciosa quanto a proibição desse instituto.
Na Itália, foi abolida a prisão civil, denominada de ‘‘arresto personale per debiti’’, em 6 de
dezembro de 1877, tornando-se definitiva a abolição ao tempo da edição do Código Civil Italiano, em 1942,
por trazer, ainda em seu código de 1865, sua previsão expressa.
A sociedade inglesa, perante a existência da possibilidade da prisão civil por dívida, mobilizou-se,
chegando a produção de obras literárias de grande alcance social, de autoria do Jornalista Charles Dickens,
por meio de diversas publicações manifestando o sofrimento a que levava o regime em vigor com a prisão
civil, como também William Shakespeare, com sua peça O mercador de Veneza (SHAKESPEARE, 2009),
levando a mudança de opinião, no ano de 1869, pela Rainha Vitória, através do Debtor’s Act. Porém,
permitindo ainda em uma situação, a da insolvência fraudulenta, reduzindo o tempo de prisão.
Além dos países acima destacados, outros também aboliram a prisão civil por dívida. Destaca-se o
estudo da Universidade do Paraná: ‘‘A Alemanha e a Áustria o fizeram em 1868. A Bélgica, em 1871 e a
Argentina, em 1862.’’ (GARCIA, 2001, p. 59 et seq ).
No Brasil, a prisão civil por dívida, inicialmente herdou institutos do direito de Portugal. Na
ocasião do ‘‘descobrimento’’ estavam em vigor as ordenações afonsinas, que admitiam esse tipo de coerção.
Já no tempo da Independência, por meio do Decreto de 20/10/1823, o nosso país adotou as
Ordenações Filipinas que, ao mesmo tempo, estavam em vigor em Portugal. Passando, portanto, o nosso
processo civil, a continuar a permitir a prisão civil por dívida.
A Constituição política do Império Brasileiro, de 1824, e a Constituição da República dos Estados
Unidos do Brasil, datada de 1891, silenciaram quanto a possibilidade da prisão civil por dívida.
Em 1934 a Constituição brasileira trouxe, de forma explícita, a inexistência da prisão civil por
dívida. Já em 1937 a Constituição foi omissa quanto ao assunto, considerou-se aberta a janela para
regulamentação específica pelo legislador ordinário.
A Constituição de 1946 (18/09) trazia a negativa da possibilidade da prisão juntamente de duas
exceções, nas hipóteses do depositário infiel e ao devedor de alimentos. Já a Constituição de 1967 (24/01),
passou, com o advento da Emenda Constitucional (EC) de 17/10/69, a admitir a exceção das duas citadas
hipóteses, devedor de alimentos e depositário infiel.
Por fim, a Constituição Federal, promulgada em 5 de Outubro de 1988, manifesta-se sobre a
presente questão trazendo em seu Art. 5º, inciso LXVII, por meio de uma redação clara expressando que
‘‘não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de
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obrigação alimentícia e a do depositário infiel’’.
2. O Pacto de San José da Costa Rica e a sua recepção no Brasil.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 22 de
novembro de 1969 prescreve, em seu Art. 7º, 7, ao tratar do Direito à liberdade pessoal, que ninguém deve
ser detido por dívidas. Não se limitando este princípio aos mandados de autoridade judiciária competente
expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar, conflitando com a Constituição vigente na
época, promulgada em 24/01/1967 por meio da EC de 17/10/69, que previa as duas exceções relativas ao
depositário infiel e ao devedor de alimentos. Registre-se que a referida Constituição estava vigente dentro de
um contexto político e jurídico completamente distinto do atual, o Regime Militar. E, por conta disto, o
Pacto só veio a ser ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
A formalidade que recepcionou no ordenamento jurídico brasileiro a referida convenção, cumpriu
os requisitos para admissão como lei ordinária, sendo aprovado por maioria simples no Congresso Nacional
em apenas 1 (um) turno de votação em cada Casa Legislativa (Decreto Legislativo Nº 27), seguido de uma
sanção expressa do Presidente da República (Decreto Executivo Nº 678), respeitando o disposto na CF,
art.84, VIII. Importando observar que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata, segundo o §1º do Art. 5º da CF.
A recepção do pacto trouxe consigo uma discussão doutrinária acerca da hierarquia em que se
colocavam os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos em nosso ordenamento jurídico,
tendo por fundamento o art. 5º § 2º, da Constituição Federal, prescrevendo que: ‘‘Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.’’. A problemática
decorria da não previsão constitucional expressa acerca da hierarquia dos Tratados Internacionais, gerando
interpretações conflitantes e causando entraves na solução de conflitos. Em decorrência do referido
parágrafo, o Supremo Tribunal Federal, anteriormente a EC. 45, admitia que seriam recepcionados com
status de lei ordinária.
Manifesta-se necessário reconhecer que, atualmente, vivencia-se uma ‘‘terceira onda do estado do
direito’’, o denominado Estado de Direito internacionalista. Sendo a primeira (século XIX), marcada pelo
Estado de Direito legalista, e a segunda, chamada assim por Estado de Direito constitucionalista
(manifestada após a Segunda Guerra Mundial).
Relevante é ensinamento de Eduardo Gomes, ao afirmar:
Os Estados, visando realizar acordos comerciais, de paz ou outros, o fazem no plano internacional, via
de regra, através da utilização de tratados. Estes, na classificação de REZEK, podem ser tanto abertos
quanto fechados, levando-se em consideração a possibilidade, ou não, de união de novos signatários. Da
mesma sorte, os tratados são classificados, pelo número de componentes, em bilaterais ou multilaterais.
(GOMES apud CHAVES, 2009, p. 3).
Importa a classificação relativa ao rito necessário para que se dê a sua vigência, dependendo do
rito, serão: ‘‘bifásicos, se exigida assinatura e ratificação, ou unitários, se exigida apenas uma assinatura
para a sua entrada em vigor.’’ (GOMES apud SILVA, 2003, p. 132).
Ora, a tendência do Estado de Direito internacionalista reflete um pensamento de Estado
Constitucional Cooperativo, identificado pelo ilustre professor alemão Peter Häberle (MENDES, 2009),
como aquele que não mais se apresenta como um Estado Constitucional voltado para si mesmo, mas que se
disponibiliza como referência para outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, e no qual
ganha relevo o papel dos direitos humanos fundamentais. Sendo um meio de dar eficácia máxima às normas
constitucionais que protegem a cooperação internacional e para a proteção dos direitos humanos como
garantia da dignidade da pessoa humana.
Portanto, dentro desse contexto denominado de Estado de Direito Internacionalista foi promulgada
a Emenda Constitucional nº 45 de 30 de Dezembro de 2004, acrescentando o §3º ao Art. 5º da CF trazendo
em seu texto que: ‘‘Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,
em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais.’’, respeitando, dessa forma, o disposto no art. 49, I, da
Constituição Federal.
Por força da referida EC, estabeleceu-se uma regra relativa a admissão dos tratados internacionais
para que tenham status de Emenda Constitucional. Ocorre que o Pacto de San José da Costa Rica já havia
sido ratificado anteriormente a promulgação da Emenda Constitucional de nº 45, em 25 de setembro de
1992. A posterior exigência lançou mão a uma nova discussão quanto a situação dos pactos anteriores a
referida emenda, assunto tratado adiante.
Destaca-se, que a vedação da prisão civil por dívida, também encontra supedâneo em outra
convenção de mesmo âmbito, o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos, assinado em Nova Iorque
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em 7 de Outubro de 1976, ratificado pela Lei n.º 29/78 que, em seu Art. 11 institui que “Ninguém poderá
ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”.
Observa-se também a existência de uma corrente doutrinária manifestando-se no sentido de
reconhecer que, devido ao conteúdo do Pacto ampliar o rol de direitos fundamentais previstos no art. 5º da
CF, resguarda a característica de cláusula pétrea, não podendo, em nenhuma circunstância, ser revogado.
A princípio, o Supremo Tribunal Federal não se manifestou favorável a adoção da Convenção
Americana, prevalecendo o entendimento que o pacto não revogaria a Constituição, sendo, ainda, válido o
disposto na CF, sem prejuízo da influência doutrinária difundindo o entendimento da violação da liberdade
fundamental advinda da prisão do depositário infiel.
3. O Conflito de Normas
Não se pode negar que, devido a recepção do Pacto de San José da Costa Rica, passou a existir um
aparente conflito de normas. De um lado a convenção americana e de outro o disposto no Art. 5º da CF, em
seu inciso LXVII. A existência de um conflito de tal natureza, denominado, por Norberto Bobbio de
antinomia (BOBBIO, 1999, p. 92), deverá, explica o referido autor, ser resolvido, no caso de conflitos de
primeiro grau, com a utilização de três critérios os quais sejam o da hierarquia, o cronológico e o da
especialidade.
Por tratar-se a Constituição de norma geral, que serve de fundamento de validade para as outras
normas, o conflito ganha maior importância, exigindo-se um cuidado maior para se aplicar qualquer critério
para solução de antinomias. Já não sendo aplicável o critério cronológico, pois qualquer norma
infraconstitucional posterior a Constituição Federal com ela conflitante seria inconstitucional e o Pacto
possui hierarquia distinta como se verificará.
Ao considerar o uso do critério da especialidade, por se tratar de um Pacto e uma Constituição,
poder-se-ia ter de início que, devido a esta possuir natureza geral e aquele especial, uma falsa idéia que o
pacto seria mais específico que a CF. Porém, na Constituição, a permissão de prisão civil manifesta-se como
uma exceção que gera uma norma específica (LXVII), taxativa, que não pode ser derrogada por meio da
especialidade, e o disposto no Pacto: ‘‘Ninguém deve ser detido por dívidas’’ seria uma norma menos
específica. Tornando-se confusa a aplicação desse critério.
Ao considerar o critério da hierarquia, o autor coloca que, Lex superior, derrogat interiori (lei
superior derroga a inferior) retira-se daí o ensinamento da solução de conflitos por este ponto, o qual não se
importa com a referência do direito natural, mas com o positivismo lógico das normas. Referido critério
hierárquico tem como suporte sistêmico as idéias positivistas de Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito
(KELSEN, 2006, p. 246), no qual fez uso de uma pirâmide para demonstrar a existência de uma hierarquia
normativa onde cada norma se adequaria em uma determinada posição. Mostrando um encadeamento
hierárquico, sendo todas vinculadas a uma norma superior fundamental, esta segundo Bobbio, tendo sua
validade justificada como um pressuposto do ordenamento.
Para a presente questão não se poderia fazer uso desse critério, devido a polêmica acerca da
hierarquia constitucional do Pacto, relativa a forma de sua recepção prevista como lei ordinária, como
norma constitucional, ou como norma infraconstitucional, mas supralegal. Esta última forma de recepção é
uma inovação jurisprudencial, construída no Supremo Tribunal Federal e incorre em determinar a criação de
uma nova hierarquia normativa.
Observa-se que, por tratar de direitos fundamentais, o pacto tem status ‘‘material’’ de Emenda
Constitucional, mesmo não preenchendo os requisitos formais para que lhe seja aplicado tal status, situandose inclusive no bloco de constitucionalidade como defendem alguns ministros do STF, a citar a Ministra
Ellen Gracie, em 2008, no julgamento do HC 87.585:
Tal qual Sua Excelência, entendo que a exata aplicação do § 2º do artigo 5º garante que esses tratados,
no caso específico o Pacto de San José da Costa Rica, tenham efetivamente reconhecida a sua dignidade
constitucional, ou seja, a sua integração naquilo que o Ministro Celso de Mello bem salienta e denomina
de ‘bloco de constitucionalidade’. São direitos que, além dos expressamente previstos na Constituição,
integram-se a ela por compromisso nacional.
Conclui-se que, a solução da citada antinomia por um critério como esse, torna-se muito complexa
devido as controvérsias acerca da hierarquia, pelo fato de não coincidirem formal e materialmente.
Bobbio denomina desta antinomia como real (insolúveis), para ele estes são os casos em que a
questão não pode ser resolvida pelos critérios tradicionais (cronológico, hierárquico e especialidade), porque
é possível aplicar o mesmo tempo duas ou mais regras em conflito entre si (BOBBIO, 1999, p. 92).
Considerando os conflitos de segundo grau, os que não podem ser resolvidos pelos critérios
tradicionais, o autor aponta outra solução, a qual seja a derrogação de um critério em face de outro onde,
especialidade e o hierárquico prevalecerão sobre o critério cronológico. Porém, ao se tratar do critério da
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especialidade e o hierárquico, como o caso em estudo, devido a discussão da posição hierárquica do pacto
no nosso ordenamento jurídico, Bobbio, afirma ser impossível consolidar um regra geral, ficando a solução à
cargo do intérprete (BOBBIO, 1999, p. 109).
A questão pareceria estar resolvida se não fosse levado em consideração o conteúdo dos enunciados
em conflito. As críticas as antinomias, ganharam maior destaque durante o século XIX, período do
positivismo jurídico, inclusive como forma de manifestação crítica a esse, evidenciando-se que o Direito não
é um sistema autônomo, tampouco mero sistema de estudo sobre o resultado de processo legislativo, indo
de encontro a colocação desejada por Kelsen.
O direito individual à liberdade é uma previsão constitucional, alocada no art. 5.º caput, enquanto
que a permissão da prisão civil do depositário infiel não resguarda o mesmo valor material de direito
fundamental, podendo até ser reconhecida como uma regra, como será visto adiante, ou relacioná-lo com
um direito à segurança jurídica, prevista de modo genérico como direito previsto no caput do art. 5.º da
Constituição Federal. Importa analisar que, como enunciado normativo constitucional, a regra permissiva da
prisão civil possui estreita relação com princípios contratuais e constitucionais, dentre eles destaca-se o
pacta sunt servanda ou força obrigatória dos contratos e o da segurança jurídica, concluindo-se que
qualquer referência a citada regra seria indiretamente uma referência aos princípios que se relacionam a esta.
4. A Solução do Conflito.
Não se pode solucionar a evidente antinomia pelos critérios apontados por Bobbio. Por tratar de um
conflito mais complexo, faz-se necessário a aplicação de doutrinas hermenêuticas, apresentadas por autores
como por Robert Alexy (ALEXY, 2008) que, ao desenvolver o raciocínio de ponderação como subprincípio
da proporcionalidade, fundamenta a aplicação necessária para esta questão. Porém, antes da explicação da
teoria do autor é preciso que se tangencie alguns pontos importantes.
Segundo ele, o catálogo de direitos fundamentais regula de forma extremamente aberta questões, em
grande parte muito controvertida, acerca da estrutura normativa básica do estado e da sociedade (ALEXY,
2008, p. 26).
Para a teoria dos direitos fundamentais, imprescindível é a distinção entre regras e princípios, sendo
essa distinção a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais, uma chave para a
solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem ela, não poderia haver teoria
adequada sobre as restrições a direitos fundamentais, ou uma doutrina satisfatória sobre colisões, nem uma
teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico (ALEXY, 2008, p. 95).
Para o autor, o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que
ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas
existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização (ALEXY, 2008, p. 90), que são
caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua
satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidade jurídicas. Sendo o
âmbito das possibilidades jurídicas determinado pelos princípios e regras colidentes.
Já as regras são normas que sempre são satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve
fazer-se exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no
âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Toda norma é uma regra ou um princípio. Observa-se a
referência de Alexy a Dworkin, ao afirmar que regras, se válidas, devem ser aplicadas de forma tudo-ounada (DWORKIN, 2002, p. 39), enquanto os princípios apenas contêm razões que indicam uma direção,
mas não têm como consequência necessária uma determinada decisão.
Feita a diferenciação do conceito de princípios e regras, importa afirmar que a ponderação aplica-se
apenas aos princípios. Alexy, diante de suas colocações, disserta acerca do que chama de ‘‘lei da colisão’’
(ALEXY, 2008, p. 94), onde, diante de um conflito de direitos fundamentais, sob condições específicas,
pode-se estabelecer uma relação de precedência entre dois princípios, a qual só pode ser determinada sob
análise do caso concreto para a correta relação das condições:
Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências
condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do
outro. Sob outras condições, é possível que a questão da precedência seja resolvida de forma contrária.
(ALEXY, 2008, p. 96),
Destaca-se a principal vantagem desse caminho a qual vem a ser o impedimento do esvaziamento
dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva, exigindo a análise do caso concreto para a
solução do conflito.
O autor constata que, ao analisarmos a natureza da proporcionalidade conclui-se que esta, como
princípio, contém três máximas parciais: a da adequação (meio mais adequado para a persecução do fim
desejado); da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e o da proporcionalidade em sentido
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estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito) decorrentes de sua própria natureza
principiológica.
A aplicação dessas três máximas deve-se dar da seguinte forma: primeiramente, deve ser feita
adequação do meio, seguindo pela necessidade, e por último a proporcionalidade.
Pode-se concluir que os princípios tem duas faces de possibilidades, as jurídicas e as fáticas, sendo
a máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorrente do fato de princípios serem mandamentos de
otimização em face das possibilidades jurídicas (ALEXY, 2008, p. 90), enquanto a máxima da necessidade e
da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das
possibilidades fáticas.
Observando o disposto, entende-se que, por serem princípios mandamentos de otimização em face
das possibilidades jurídicas e fáticas, a máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, exigência de
sopesamento decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. Afirma ser ‘‘o objetivo desse
sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no
caso concreto’’ (ALEXY, 2008, p. 95).
Tem-se como possível a observância da relação entre o aferimento da idéia de ‘‘sopesamento’’ por
Robert Alexy, ao tratar da ponderação entre princípios, as idéias lançadas pela da teoria de Dworkin, ao
dissertar acerca de pesos e medidas. Afirma o ilustre jurista americano que, todas as normas constitucionais
têm pesos e medidas, cabendo ao intérprete utilizar uma balança para afastar o direito menos importante.
Nota-se a eficaz aplicação de sua teoria no direito americano, pautado em uma Constituição extremamente
voltada para os princípios onde, o tribunal constitucional aprecia apenas, conflito entre princípios sopesando
continuamente. Princípios, para Dworkin, são apenas aquelas normas que podem ser utilizadas como razões
para direitos individuais. Normas que se refiram a interesses coletivos são por ele denominadas como
‘‘políticas’’.
A ponderação entre princípios constitucionais manifesta-se como tarefa das mais significativas à
manutenção de uma coesa ordem constitucional. A questão é complexa ao ponto de Alexy afirmar que:
“Quase qualquer tomada de posição na disputa sobre os direitos fundamentais pode se utilizar de alguma
decisão e/ou posicionamento do tribunal” (ALEXY, 2008, p. 28).
Adiante, apoiando-se, essencialmente, no postulado da proporcionalidade em referência a
denominada “lei da colisão” determina-se que, ao se encontrar princípios constitucionais conflitantes deve-se
estabelecer uma relação de precedência condicionada, onde, em face de determinadas condições pode-se
estabelecer uma relação de precedência entre os dois princípios. A principal vantagem desse caminho é que
se impede o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva.
Conclui o autor que existem dois tipos de colisões de direitos fundamentais, as em sentido amplo e
em sentido estrito. A primeira, ocorrendo entre direitos fundamentais individuais e interesses fundamentais
coletivos, não ocorrendo a aplicação da relação de precedência condicionada devido a necessidade da
análise do caso concreto. Já as colisões de direitos fundamentais em sentido estrito, surgem sempre que o
exercício ou realização do direito fundamental de um titular do direito produz efeitos negativos sobre os
direitos fundamentais de outro titular. Os conflitos são, portanto, um limite para a interpretação dos direitos
fundamentais.
Por meio da proporcionalidade tem-se uma teoria ideal para a solução dos conflitos, não taxando
sua aplicabilidade em situações materiais, dependendo a aplicação jurisprudencial das denominadas
“condições” e, dessa forma, nos aproximando de uma concisa aplicação dos direitos fundamentais que, no
caso de conflitos, deve ser analisada materialmente. Necessidade esta manifestada pelo autor em estudo ao
criticar Jhering, a seu ‘‘culto ao lógico, que ele imaginava elevar a jurisprudência a uma matemática do
direito’’ (ALEXY, 2008, p. 49) trazendo o pensamento Carl Schmitt ao afirmar que “apenas o absurdo
ideológico econômico, moral e político resta como característica exclusiva específica única de uma forma de
pensar, sem dúvida pura e exclusivamente jurídica.” (ALEXY, 2008, p. 48).
Destarte, que, para se ter uma sentença no sentido do afastamento, ou não, da prisão civil do
depositário infiel, segundo a ponderação, é necessário que seja consequência de uma análise material do caso
concreto, de sorte que, uma decisão absoluta, prevendo o posicionamento a ser manifestado em casos
futuros, poderia representar um prejuízo para o correto juízo valorativo.
Diante do conflito de interesses dentro de um processo judicial, onde de um lado existe um credor e
de outro um devedor, havendo, ainda para este devedor a condição de depositário, seja contratual, seja
judicial, pode ocorrer a ponderação de direitos. Para o exercício do direito a exigência do crédito, tendo
como meios coercitivos, a prisão civil, ou a persecução patrimonial, deve-se eleger um meio que prioriza os
direitos fundamentais, como a liberdade do devedor. Restando ao credor a possibilidade de execução por
quantia certa como qualquer outra dívida, seja ela decorrente de título judicial ou extrajudicial. O direito à
liberdade teria precedência ao direito à segurança jurídica, especialmente pela existência de outros meios
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menos gravosos para compelir o devedor a cumprir sua obrigação de depositário.
Conclui-se que, mesmo que a previsão constitucional permissiva da prisão seja tratada como um
princípio, esta teria menor valor que a liberdade, sendo afastada a prisão civil do depositário infiel.
Considerada como regra, a controvérsia é deixada de lado, haja vista que o princípio da liberdade sobrepõese a regras.
O Supremo Tribunal Federal, que se manifestou durante muitos anos favorável a prisão civil do
depositário, também apresenta uma solução para o conflito.
5. Mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal
A súmula de nº 619, aprovada em 17/10/1984, que trazia a seguinte redação: ‘‘A prisão do
depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo,
independentemente da propositura da ação de depósito’’ foi amplamente utilizada durante o seu período de
vigência, restando revogada por meio da decisão relativa ao julgamento do Habeas Corpus 92.566 (RE
466.343), em 3 de dezembro de 2008, onde, afirmou o ministro relator que:
o Brasil, mediante o Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, aderiu à Convenção Americana Sobre
Direitos Humanos, (...), de 22 de novembro de 1969, (...), É certo que somente o fez cerca de vinte e
dois anos após a formalização. (...), Assim, a nova disciplina da matéria, ocorrida a partir de 6 de
novembro de 1992, implicou a derrogação das normas estritamente legais disciplinadoras da prisão do
depositário infiel.
O RE 466.343 foi um dos precedentes motivadores da proposta de Súmula Vinculante 25, votada
em dezembro de 2009 e publicada em fevereiro de 2010, que possui a seguinte redação: “É ilícita a prisão
civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”
Destaca-se, também, o voto do Min. Celso de Mello, trazendo a ementa referente a julgamento da
Segunda Turma do STF pontuando no sentido da ‘‘Ilegitimidade jurídica da decretação da prisão civil do
depositário infiel. Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade
depositária, independente da modalidade de depósito’’.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, se admitida como emenda constitucional, deveria
sujeitar-se a certas limitações, dentre as quais destacam-se as materiais, mais conhecidas como cláusulas
pétreas, previstas no Art. 60, §4º, bem como as formais previstas no § 3.º do art. 5º da CF, introduzido pela
Emenda Constitucional nº 45/04.
Sobre as cláusulas pétreas é importante observar que o Pacto San José da Costa Rica não é
tendente a abolir direitos e garantias individuais, ao contrário, visa ampliar o direito à liberdade.
Já em relação às limitações formais, importa aqui registrar o posicionamento do Supremo Tribunal
Federal acerca da hierarquia normativa do referido pacto. Anteriormente ao advento da Emenda
Constitucional nº 45/04, a polêmica já havia sido submetida à apreciação do STF, o qual cristalizou o
entendimento no sentido de que esses tratados teriam posição subalterna no ordenamento jurídico, não
podendo prevalecer sobre norma constitucional expressa, permanecendo a possibilidade da prisão do
depositário infiel, nesse sentido o HC 72.131, 22.11.95 e RE 206.482.
Com o advento da referida emenda, acrescentando o §3º ao art. 5º, estabeleceu-se pressupostos
para que tratados internacionais adquirissem status constitucional, podendo revogar norma constitucional
anterior, desde que em benefício dos direitos humanos. Necessário, para tanto, é o preenchimento dois
requisitos: tratarem de matéria relativa a direitos humanos; e serem aprovados pelo Congresso Nacional, em
dois turnos, pelo quorum de três quintos dos votos dos respectivos membros.
Pelo que fez surgir dois entendimentos dentro do STF. O primeiro, sustentado pelo Ministro
Gilmar Mendes, no sentido de que tais tratados possuem valor supralegal, abaixo da Constituição, mas
acima da lei (RE 466.343/SP; 2ª) e a segunda, defendida pelo Ministro Celso de Mello admitindo o valor
constitucional dos tratados (HC 87.585/ TO).
No julgamento do referido HC 92.566 (RE 466.343), prevaleceu o entendimento da hierarquia
supralegal e infraconstitucional, por votos de cinco a quatro, do Pacto de San José da Costa Rica.
Tal
situação trouxe inovações quanto à hierarquia dos tratados e convenções internacionais promulgados antes
da EC 45/04, como se verifica através do Informativo n° 531 do STF:
Prevaleceu, no julgamento, por fim, a tese do status de supralegalidade da referida Convenção,
inicialmente defendida pelo Min. Gilmar Mendes no julgamento do RE 466343/SP, abaixo relatada.
Vencidos, no ponto, os Ministro Celso de Mello, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau, que a ela
davam a qualificação constitucional, perfilhando o entendimento expendido pelo primeiro no voto que
proferiria nesse recurso. O min. Marco Aurélio, relativamente a essa questão, se absteve de
pronunciamento.
Consumado, por maioria, o entendimento do status supralegal e infraconstitucional, destaca-se o
disposto no informativo 498 do STF, trazendo que os tratados celebrados pelo Brasil, incluindo-se os que
ele aderiu, regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da CF/88,
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revestir-se-iam de índole constitucional, haja vista que foram formalmente recebidos nessa condição pelo §2º
do art.5º da CF; os que vieram a ser celebrados na Brasil, como os futuros, em data posterior à da
promulgação da EC 45/04, para terem natureza constitucional, deverão observar o iter procedimental do §3º
do art.5º da CF; aqueles celebrados pelo Brasil, assim como os que o nosso país aderiu, entre a promulgação
da CF/88 e a superveniência da EC 45/04, arrumarão caráter materialmente constitucional, pelo fato dessa
hierarquia jurídica ter sido transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade (RE
466.343/SP, 12.03.08).
Em voto referente ao julgamento do HC 87.585/To, destacou o Min. Ricardo Lewandowski, o que
ele chama de quarta geração dos direitos fundamentais os quais sejam o ‘‘Direito a paz, o direito ao
desenvolvimento, o direito ao patrimônio comum da humanidade, o direito à paz, o direito à comunicação, o
direito a autodeterminação dos povos, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente.’’ (Min.
Ricardo Lewandowski, p. 03, voto Min. Gilmar Mendes, HC 87.585/TO) atestando desta forma como tão
complexa é a questão.
Independentemente da hierarquia assumida pelo Pacto de San José da Costa Rica no ordenamento
jurídico brasileiro, é possível concluir que segundo a decisão promulgada referente ao HC 87.585/TO, o
pacto torna inaplicável a legislação com ele conflitante, não havendo mais base legal para a prisão civil do
depositário infiel, sendo admitida apenas na hipótese de dívida alimentar (CAPEZ, 2008, p. 41).
6. Alternativas para a prisão civil
Ronald Dworkin (DWORKIN, 2005, p. 171 et seq.), ao tratar da liberdade, traz a idéia que “Se a
liberdade tem valor porquê a vida vivida em liberdade tem mais valor, então o princípio igualitário requer
que o governo tenha consideração pela vida daqueles a quem governa.” mais adiante atestando que “a
liberdade só tem valor ou importância pela contribuição que faz a vida das pessoas”. Questiona-se, então:
seria correto o afastamento da privação da liberdade de um reiterado e manifesto devedor depositário infiel,
em função dos direitos fundamentais? Parece mais correto não afirmar o afastamento completo dessa
possibilidade, desde que se configure elementos essenciais de um tipo penal, como os dispostos nos arts. 168
e 171, ao tratar da apropriação indébita e estelionato. possibilidades estas tratada mais adiante.
Observa-se que a Súmula Vinculante 25 do Supremo Tribunal Federal não afasta a prisão do
depositário se restar configurada a pratica de um crime, ou seja, a prisão penal do depositário infiel ainda
subsiste, ficou configurada como ilícita a prisão civil do depositário infiel.
Carl Schmitt, citado por Alexy (ALEXY, 2006, p. 48), ao afirmar que “apenas o absurdo
ideológico econômico, moral e político resta como característica exclusiva específica única de uma forma de
pensar, sem dúvida pura e exclusivamente jurídica.” remete-se diretamente a uma análise geral, questionando
a efetividade de boas idéias jurídicas que, em desacordo com demais características sociais podem não se
disseminar de forma ideal.
Robert Alexy, referindo-se a sua relação de precedência condicionada, condena decisões taxativas,
propondo sempre que necessário uma análise do Tribunal Superior relativamente a conflitos, analisando,
desta forma, o caso concreto.
Estando em pauta o afastamento da possibilidade da prisão civil no Brasil, não se pode deixar de
considerar as diferenças sociais e econômicas existentes entre os países, onde a prisão há muito já foi
afastada e o Brasil, conhecido pelo histórico de inadimplência que serve como justificativa para a cobrança
de juros extorsivos sujeitando a uma verdadeira servidão o cidadão que depende de crédito, chegando em
um curto período de tempo a pagar múltiplas vezes o valor financiado.
O devedor inadimplente, constituído em depositário infiel, poderia estar a questionar referido juros
extorsivos, poderia, ainda, ter sofrido com o perecimento do bem sem culpa ou dolo, não sendo, portanto,
devedor inescusável. Diferente da situação do devedor inadimplente que agiu de modo fraudulento, para
usurpar ilegitimamente o bem para si. Referida problemática pode configurar tipo penal apropriação
indébita, alicerçado pelo nosso Código Penal (CP) assim trazendo em seu art. 168 caput: “apropriar-se de
coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”.
Através de um levantamento das jurisprudência no STF contatou-se que a grande maioria dos
depósitos que, antes da admissão do pacto de San José, culminavam em prisão, não advinham de contratos
de depósitos, assim tidos como “típicos” no Código Civil, mas da alienação fiduciária quando não da
penhora de bens, através de diversas formas de obrigações, questionadas em juízo que, por meio de práticas
processuais, são colocados temporariamente ao cuidado de uma das partes litigantes.
Em face da problemática exposta, cabe analisar que a possibilidade da referida prisão visa assegurar
o direito subjetivo do credor de postular perante o Judiciário o cumprimento da obrigação do depositário de
devolver o bem ou pagar o seu equivalente, possuindo previsão normativa infraconstitucional, de caráter
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legal.
Pela análise de diversos artigos é possível encontrar situações que, eventualmente, podem culminar
na prisão civil do depositário infiel. Pelo Art. 652 do Código de Processo Civil, em função da penhora, temse que, até a efetiva alienação judicial do bem, o possuidor se configura como depositário. Segundo o
disposto no Decreto-lei 911/69, tratando da alienação fiduciária, verifica-se no disposto em seu Art. 4º a
possibilidade da conversão da ação de busca e apreensão em depósito na hipótese do bem não ser
encontrado ou não se achar na posse do devedor e, por conseguinte, sujeitando-se aos procedimentos da
ação de depósito.
A ação de depósito seria o devido processo legal a ser cumprido para os casos em que o direito
material permite a prisão, referida pelo Art. 901 do Código de Processo Civil e subseqüentes, na hipótese do
depositário infiel, no caso do não cumprimento do mandado, para entrega, em 24 horas, da coisa ou do
equivalente em dinheiro será decretada a prisão do depositário infiel. Notadamente, o Código de Processo
Civil se estrutura de forma a propiciar meios lícitos, com o intuito de compelir o devedor a adimplir com sua
obrigação, da forma menos onerosa para ele. Não se pode deixar de destacar a importância do uso da prisão
como medida extrema, tal qual a sua natureza coercitiva. Se utilizada de forma errônea, taxativa, arbitrária,
caprichosa, descabida ou discricionária, transgrediria seu objetivo, ferindo outros princípios constitucionais
como o da dignidade da pessoa humana.
A liberação prevista pelo Pacto poderia gerar um impacto negativo para a sociedade, caso não
tenha sua aplicação interpretada de forma correta. Podendo chegar até ser mais negativo do que positivo, se
analisada a freqüência com que eram necessários em determinadas situações. Importa observar que a
chamada “infidelidade do depositário”, pode configurar o tipo penal do art. 168 do que, segundo a própria
decisão do STF, não teve sua aplicação afastada, o uso de meios civis para cometimento de ilícito penal não
excluí a sua punibilidade. Sendo necessário, portanto, que o juiz, verificando o cometimento do referido
crime, providencie a remessa dos autos ao Ministério Publico para, observado o animus rem sibi habendi no
caso concreto, se o depositário configurar o crime previsto no art. 168, oferecer a denuncia em juízo.
Não se exclui, também, a responsabilização pela conduta tipificada no art. 171 do CP. O
estelionato, definido no caput do referido artigo através da seguinte redação: ‘‘Obter, para si ou para
outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício,
ardil, ou qualquer outro meio fraudulento’’ remete-nos a uma conduta distinta da apropriação indébita.
Nesta, o propósito de obter a vantagem é ab initio enquanto na apropriação indébita o animus manifesta-se
em momento posterior, quando a coisa já se encontra na posse do devedor, sendo, portanto, dolus
subsequens.
Destaca-se também a denominada “Disposição de coisa alheia como própria”, consoante o §2º, I do
art. 171, pontua Capez que: “A venda de bem na alienação fiduciária configura o crime em tela se o
comprador ignorar essa situação” (CAPEZ, 2007, p. 544) configurando situação diversa da conduta do
caput, onde, nesta, o sujeito passivo será o terceiro e não o alienante.
Referente ao instituto da penhora importa atentar ao ensinamento de Mirabete:
Embora já se tenha decidido que constitui o fato crime de alienação fraudulenta de coisa própria (RT
417/247; JTACrSP 10/297), a penhora é instituto processual e não o ônus a que se refere o dispositivo,
ou seja, o direito real sobre coisa alheia. Por essa razão, tem-se entendido ora pela atipicidade do fato e
responsabilidade meramente civil do agente como depositário infiel (RT 330/173, 420/242, 430/373,
481/348, 492/380; RF 257/290, ora pelo delito de fraude à execução (RT 282/101), e era pelo delito de
estelionato na forma básica (MIRABETE, 2001, p. 310).
O nosso Código de Processo Civil traz, em seu art. 666, a seguinte redação:
Os bens penhorados serão preferencialmente depositados:
I- no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, ou em um banco, de que o Estado-Membro da
União possua mais de metade do capital social integralizado; ou, em falta de tais estabelecimentos de
crédito, ou agências suas no lugar, em qualquer estabelecimento de crédito, designado pelo juiz, as
quantias em dinheiro, as pedras e o metais precisos, bem como os papéis de credito;
II - em poder do depositário judicial, os móveis e imóveis urbanos;
III- em mãos de depositário particular os demais bens’’.
O referido artigo traz em seu texto uma orientação que, sendo aplicada com diligência, propiciaria a
solução para a grande maioria dos casos de penhora. O Poder Judiciário, por meio do recolhimento de
custas, pode propiciar meios de remunerar depositários de ofício, de conduta idônea, senão prover depósitos
onde os bens em penhora ficariam sob seu cuidado, aguardando o desfecho da lide. Representando, dessa
forma, um desestímulo a parte que poderia estar se aproveitando da posse do bem para procrastinar a ação,
quando não, dar um destino ao bem diferente do desejado pela parte que não tinha sua posse.
Já para veículos, pertinente se torna atentar a norma do Conselho Nacional de Trânsito
(CONTRAN), quanto a sua Resolução 245, que intenta evitar que devedores de veículos automotores,
devido a sua característica semovente, busquem frustrar a retomada do mesmo. Assegurando-se, dessa
forma, a propriedade, sem prejuízo do devido processo legal. Ocorre que na esfera penal, devido ao caráter
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de vigilância que os respectivos dispositivos possuem, o cumprimento dessa resolução parece afastar a
possibilidade de responsabilização pela apropriação indébita, já que se tem como pressuposto para o
cometimento deste tipo que a posse não seja vigiada.
Conclusão
A prisão civil possui previsão constitucional, como também em lei ordinária, através do art. 5º,
LXVII, da Constituição Federal, art. 652 e subseqüentes do Código Civil, sem prejuízo do art. 901 do
Código de Processo Civil.
Sua aplicabilidade restou questionável, com a adesão do Brasil a Convenção Americana de Direitos
Humanos. Porém, só vindo a ser afastada pelo Superior Tribunal Federal, competente para análises relativas
a lesão ou ameaça a CF, no ano de 2008, em julgamento referente ao habeas corpus nº 87.585/TO, decisão
seguida pelo julgamento do HC 92.566 (RE 466.343), revogando a Súmula 619 do STF, tornado-se especial
precedente da Súmula Vinculante 25.
Não se pode por termo a discussão sem antes pontuar algumas possíveis soluções para a questão.
A Idade Moderna, marcada pelo progresso, detém uma característica única, a rápida transformação
social, advinda da enxurrada de informações que são remetidas, muitas vezes, até contra a vontade de seus
destinatários. Com a conseqüente adoção de um sistema jurídico unificado, em meio a uma economia
globalizada e uma grande troca de informações entre países não poderia acontecer algo diferente, senão o
Estado de Direito internacionalista, impondo aos países soberanos que não sejam voltados para si mesmo,
tomando e diferindo referências de outros Estados Constitucionais membros de uma comunidade, plano no
qual ganha relevo o papel dos direitos humanos fundamentais.
Essa nova conjuntura aliada com o relevante papel dos Tratados Internacionais sobre direitos
humanos, a citar o Pacto San José da Costa Rica, afastou a possibilidade da prisão civil do depositário infiel
no Brasil. Tem-se como forte argumento da impossibilidade da prisão por lesão aos direitos fundamentais.
Porém, estes não podem ser utilizados como justificativa para o cometimento de lesões, crimes por assim
dizer, em prejuízo da coletividade.
Mesmo sem a percepção de abalo ao crédito, com aumento de juros, ou mesmo crescimento do
inadimplemento, não se pode afirmar de forma peremptória que esta possibilidade de aumento esteja extinta,
tem-se observado sua direta relação com características sociais e econômicas da jurisdição em questão, não
sendo o direito a única fonte dos dados positivos ou relativos quanto a inadimplência.
Torna-se necessário anotar as distinções existentes entre estes países vanguardistas na proibição e o
Brasil, marcado pelo inegável histórico de corrupção, inadimplemento e pela busca de uma sociedade Justa,
para a compreensão dos conflitos jurídicos e sociais para o afastamento da prisão civil do depositário infiel.
O objetivo do desprendimento do sistema jurídico para a proteção dos direitos fundamentais
representa mais que uma tendência temporal, mas o resultado de uma evolução cultural, findada na proteção
do homem por meio do estado, estabelecendo-se normas que possibilitem o progresso necessário, mas sem
prejuízo da condição humana.
Defendeu-se a proteção dos direitos humanos. Porém, em vista ao atual contexto brasileiro, não se
pode considerar como erradas as críticas referentes a impunibilidade de uma classe social oportunista.
Manifesta é a indignação de outra classe que traz em seu bojo os prejuízos advindos da fraude de uma
parcela minoritária da população.
Atentou-se para a recorrente reclamação dos operadores do direito, relativa a ineficácia da
responsabilização do fraudador que, após a questionada decisão do Supremo Tribunal Federal (RE
466.343), traz como resultado de um processo dispendioso e lento uma possibilidade que frustra o autor,
assim como seu procurador.
Na pesquisa realizada, através da jurisprudência no Supremo Tribunal Federal, observou-se que as
discussões sobre a prisão civil eram decorrentes, em sua maioria, de ações de busca e apreensão convertidas
em depósito, nascidas de alienação fiduciária; seguida, de ações de execuções, com penhora judicial de bens,
em que os depositários judiciais não entregavam os bens objeto da penhora. Ações estas que reclamam
provimento jurisdicional, quer seja pela necessidade de segurança jurídica, quer seja pela credibilidade
exigida para as decisões judiciais. Portanto, o afastamento da prisão civil não impossibilita a investigação de
um ilícito penal e punição para as condutas criminosas. Este entendimento pode ser extraído da Súmula
Vinculante 25 que pugnou pela ilicitude da prisão civil, mas não tratou da impossibilidade da prisão penal.
A posição do STF, afastando a possibilidade, priorizou os direitos humanos e a internacionalização
destes direitos, estabelecendo um novo nível hierárquico para os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos, posteriores a Constituição Federal de 1988 e anteriores a Emenda Constitucional n.
45/2004, qual seja, supralegal, estando formalmente abaixo da Constituição Federal, e materialmente acima
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da legislação interna, derrogando a aplicação de normas infraconstitucionais com ele incompatíveis.
Cabe, portanto, ao aplicador do direito, buscar uma análise material do caso concreto, não
parecendo correta uma interpretação tão rigorosa, que afaste também a punição do infrator que praticou
apropriação indébita ou estelionato, ou que esvazie completamente a segurança jurídica do credor, sem a
eleição de outro meio, menos gravoso para o devedor, para exigir o cumprimento da obrigação do
depositário infiel.
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