Cirurgia para diabetes
A ideia de um tratamento cirúrgico para diabetes ganhou corpo com a
descoberta de que hormônios intestinais estão implicados na regulação do
metabolismo da glicose. Novos medicamentos surgiram, nos últimos anos,
baseados neste achado. Há muito se sabe que o diabético obeso que perde peso
melhora seu controle metabólico a medida de sua perda de peso (mas não
exclusivamente desta forma). O resultado é o mesmo quando a perda de peso
ocorre através de processos cirúrgicos. Contudo, há um percentual de melhora
que não se relaciona com o emagrecimento. Alguma coisa há na remodelação do
trato gastrointestinal que colabora no controle do diabetes.
Por que,então, a cirurgia não é um tratamento rotineiro para, pelo menos,
alguns diabéticos?
Por ignorância. Pura e simples ignorância.
O primeiro compromisso do profissional médico, segundo antigo ditado latino, é
“antes de tudo, não ferir”. Qualquer intervenção não deve causar ferimento,
sofrimento ou dano – exceto se o resultado for, inegavelmente, bem melhor que
a doença, e o prejuízo trazido pelo tratamento for temporário, reversível ou
plenamente suportável (a melhor adaptação possível).
Os procedimentos cirúrgicos podem ser divididos, genericamente falando, em
dois grupos distintos: a retirada de algo que não deveria estar lá (um cálculo,
um tumor, um aneurisma, p. ex.) e a remodelação de um órgão para se obter
um determinado efeito. A “barocirurgia” pertence ao segundo grupo. O cirurgião
se aproxima de um trato gastrointestinal perfeito e o refaz: reduz a capacidade
do estômago e exclui uma parte do intestino de sua função habitual (digestão e
absorção de nutrientes). O efeito, mais rapidamente deduzido, é a redução na
quantidade de alimento ingerido em um determinado período de tempo e a
redução da superfície de absorção dos mesmos. Mas outros efeitos também
ocorrem na complexa inter-relação dos nossos diversos aparelhos e sistemas. E
são estes efeitos, aparentemente, os responsáveis pela melhoria do diabetes.
A primeira consequência daquele princípio básico, “não causar dano”, é
“segurança”. Tratamento médico é aquela atitude capaz de trazer melhora, bem
estar, conforto, restituição à chamada normalidade funcional, redução de riscos
de novas doenças com segurança. A relação entre o impacto negativo do
tratamento (sabor desagradável do medicamento, efeitos colaterais, dor ou
desconforto na sua administração, modificações de hábitos alimentares e de
atividade física, etc) e o benefício alcançado é favorável. Vale a pena suportar
e/ou se adaptar ao primeiro para se obter o segundo.
E como medir o benefício?
Através de sucessivas observações, em grupos cada vez maiores de indivíduos,
dos efeitos do tratamento. O processo se inicia pela análise do que se sabe
Publicado em www.medicinaeciencia.med.br, por Eduardo Ribeiro Mundim, em 20/12/09
1
sobre a doença e o funcionamento normal do corpo humano. As consequências
teóricas das intervenções são levantadas e pesquisa-se, em modelos animais,
estas primeiras ideias. Duas grandes questões são essenciais: funciona? É
seguro? Caso as respostas sejam positivas, as observações prosseguem em
animais progressivamente mais semelhantes ao homem, até nele chegarem. Na
etapa em humanos, inicia-se
por pequenos grupos de voluntários, para
responder as mesmas questões, com ampliação progressiva do número de
“sujeitos” avaliados.
Todas as etapas têm de ser relatadas em artigos científicos, e publicadas para a
avaliação de todos os pesquisadores da área, profissionais da saúde,
interessados no tema e público em geral. Os autores devem responder às
questões levantadas pelos leitores que forem publicadas pelos periódicos. Outros
pesquisadores repetirão as mesmas experiências e publicarão os resultados
encontrados. À medida da repetição exaustiva dos experimentos e reinterados
achados positivos coincidentes, a intervenção (seja uma nova droga, ou um
novo tratamento cirúrgico) passa a ser reconhecida pela comunidade científica
internacional e sucessivamente incorporada, pelos países individualmente, como
práticas seguras (até aquele momento) e aceitas como válidas. A partir da
legislação nacional ela se torna legal e a partir do código de ética médica, ética.
E qual é o status atual da cirurgia para diabetes?
Segundo o Conselho Federal de Medicina, em parecer datado de 12/11/091:
1. número estudos em andamento ao redor do mundo: 170 (69 ainda
recrutando voluntários)
2. técnicas cirúrgicas (intervenções em estudo) utilizadas: várias
3. renomados pesquisadores internacionais estão trabalhando em animais,
não com seres humanos
4. as diretrizes nacionais da Associação Médica Brasileira e do Conselho
Federal de Medicina não mencionam tratamento cirúrgico do diabetes
mellitus.
5. O Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, onde obrigatoriamente todas
as pesquisas envolvendo seres humanos devem estar registradas para
serem supervisionadas pela sociedade brasileira não parece ter sido
notificada dos estudos concluídos e em andamento realizados no Brasil.
6. O parecer conclui que o tratamento cirúrgico do diabetes é experimental.
O que significa este parecer?
1. Que o oferecimento de cirurgia para tratamento do diabetes não foi
testado o suficiente para se ter certeza dos benefícios e riscos a médio e
longo prazos.
2. Que a afirmativa de que qualquer modalidade de tratamento cirúrgico para
diabetes é segura, não é uma afirmativa científica, mas de crença pessoal
de quem afirma. A legislação brasileira e o código de ética médica (tanto o
atual quanto o a vigorar a partir de março/10) não autorizam o médico a
indicar tratamento de saúde baseado exclusivamente em crenças pessoais.
3. Por mais bem intencionada que seja a intenção do profissional, a execução
Publicado em www.medicinaeciencia.med.br, por Eduardo Ribeiro Mundim, em 20/12/09
2
do tratamento cirúrgico para diabetes coloca o paciente em riscos
desconhecidos (o que fere o princípio básico da medicina citado
anteriormente), modifica o funcionamento do seu corpo com resultados de
duração desconhecidos e está nos limites da legalidade e da atitude ética.
Notas:
1. disponível em
http://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/2009/18_2009.htm
Publicado em www.medicinaeciencia.med.br, por Eduardo Ribeiro Mundim, em 20/12/09
3
Download

Cirurgia para diabetes A ideia de um tratamento cirúrgico para