Recensões/ Notas de leitura
Shimon Peres, Tempo para a Guerra, tempo para a Paz (título original :
Un temps pour la guerre, un temps pour la paix), trad. Magda Bigotte
de Figueiredo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004, 142 pp. [A
obra foi escrita com colaboração de Jean-Pierre Allali, editor do
jornal francês Tribuna Judaica.]
Guerra e Paz, mais do que termos que dão
título a uma obra do grande vulto literário
russo Tolstoi, são verdades incontornáveis
com que o Médio Oriente se confronta há
muitas décadas, desde que o Estado de Israel
foi criado em 1948.
Estas palavras - guerra e paz -, mais do que
vocábulos, são verdades bem conhecidas e
sentidas por Shimon Peres (ocupou por
diversas ocasiões o cargo de Ministro, em
vários tutelas, destacando-se a sua passagem
pelos Negócios Estrangeiros, já foi PrimeiroMinistro de Israel e foi laureado com Prémio
Nobel da Paz em 1994, a par do israelita
Yitzhak Rabin e do palestiniano Yasser
Arafat), que sabe do que fala e escreve.
A selecção desta obra não é inocente.
Reconhecemos. Se o mundo, a parte Ocidental está, em estado atónito e com um
enorme sentimento de temor do que o porvir
trará, depois dos trágicos acontecimentos do
11 de Setembro de 2001, data e factos aos
quais podemos adicionar o 11 de Março de
2004, sem esquecer obviamente o que
sucedeu, por exemplo em Casablanca ou em
Bali, este sentimento, que mencionávamos
inicialmente, de temor, é algo quase
intrínseco aos israelitas. Todavia, em Israel,
o temor não é uma circunstância nova.
A dura realidade, sangrenta sublinhe-se,
do Médio Oriente, tanto conhecida por
israelitas como pelos árabes, especialmente
palestinianos, dura há décadas. Enquanto a
Paz não for ponto assente, nos dois lados, a
Guerra continuará a ser mais forte do que a
concórdia.
Assim, a leitura desta obra é pertinente.
Em primeiro lugar, é escrita por uma pessoa
que conhece o sentido de: sofrimento,
resistência, coragem, determinação e,
sobretudo, optimismo, o que não é fácil,
especialmente quando a Vida proporciona a
um Ser uma existência tão preenchida de dor.
Depois, mais do que a tomada, cega, de uma
das partes, que não há, Shimon Peres não
olvida e muito menos renega os palestinianos, que não são inimigos. Pelo
contrário. É o próprio Peres que defende a
existência de um Estado Palestiniano e
manifesta a total discordância face ao muro
que o actual Primeiro-Ministro israelita, Ariel
Sharon (de quem nos mostra um lado
diferente, um lado mais humano do que bélico
a que estamos habituados a observar neste
político), mandou edificar. Finalmente, um
factor determinante na preferência: a
sobrevivência de um Estado, Israel, e as
várias tentativas de aniquilamento, numa
primeira fase, pelos Estados árabes vizinhos,
às quais Israel resistiu, e presentemente, pelo
amedrontar, por parte de grupos fundamentalistas islâmicos.
Devemos ter consciência de que o
terrorismo da actualidade, praticado por
grupos radicais ligados à organização
liderada por Osama Bin Laden tem muito
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Recensões/ Notas de leitura
pouco, senão mesmo nada, a ver com o
terrorismo existente no Médio Oriente.
Contudo, a fé islâmica, na qual se resguardam
muitos desses indivíduos, pode levar muitas
pessoas a crer que se trata do mesmo, quando
não é. Por outro lado, importa salientar o
facto de não misturar crentes islâmicos com
fundamentalistas. Não se pode tomar um
conjunto de fanáticos pelo conjunto de
milhões de pessoas, defensoras da Paz, que
depositam a sua fé no Corão. A separação
das águas é necessária e importante para que
não se considere semelhante o que é
distinto.
Não menos relevante são os objectivos
que movem os grupos em causa, como os
extremistas palestinianos, que não têm
propriamente o mesmo objectivo de uma
organização, ainda pouco conhecida, nos
seus propósitos, como a Al-Qaeda. Enquanto
os primeiros procuram a criação de um Estado
palestiniano e a supressão do Estado hebreu,
os segundos apenas espalham o terror, sem
outro propósito, pelo menos até agora não é
evidente qual o verdadeiro propósito.
Por conseguinte, a experiência de um
Homem de Estado, como é o caso de Shimon
Peres, e a sua visão para o mundo, expressa
na obra, com a qual podemos não concordar
integralmente, permite-nos clarear algumas
das bastantes dúvidas com que nos confrontamos no quotidiano.
Como referimos acima, as realidades do
terrorismo podem ser diferentes, mas há uma
experiência, neste domínio, que Israel detém
e pode partilhar com os demais Estados e
com os cidadãos, não só os políticos, que
também devem conhecer. Shimon Peres, em
determinados capítulos, faculta-nos uma
perspectiva de quem lida no dia-a-dia com
esta presença ensombrada pelo terror.
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Tempo para a Guerra, tempo para a Paz
acaba por proporcionar ao leitor, o trajecto
de um país - Israel, desde a sua pré-formação
até à actualidade. A História deste Estado é
feita de sangue e sofrimento, mas também
de esperança e crença num mundo melhor.
Como afirma o próprio Peres, no início do
livro: “estamos ávidos de paz”. Esta paz só é
possível construir com as diversas partes
envolvidas e ela passa não só pela cedência
de israelitas, mas também pela transigência
de palestinianos, como manifesta Peres.
O mundo caminha, pelo menos aparenta,
para uma espiral de violência e é certo e
sabido que a grande ferida, ou o “umbigo
sangrento do mundo” (Médio Oriente),
como diria o pensador francês Edgar Morin,
é decisivo para a estabilidade e paz mundiais.
Afinal, os conflitos acabam por partir ou por
ir dar à Terra Santa.
Sem a resolução desta contenda, entre
israelitas e palestinianos, que jamais agradará
totalmente a qualquer parte, por nenhuma
das partes sair totalmente satisfeita com o
resultado definitivo, o mundo continuará
inseguro e distante da Paz pretendida.
Nos 14 capítulos de Tempo para a
Guerra, tempo para a Paz, o passado e o
futuro do Médio Oriente, e também do globo,
são abordados com trato, fazendo recordar
aos esquecidos, ou informando os menos
conhecedores da matéria, a dolorosa experiência israelita, mas também é feita alusão à
angústia palestiniana.
Num momento delicado do nosso
mundo, quando indicadores recentes
apontam, baseando-se em estudos de
opinião, Israel como maior ameaça global, e
uma onda de anti-semitismo começa a
percorrer a Europa, não devemos esquecer a
História.
Recensões/ Notas de leitura
Ciente de que a História que conhecemos, tal como defendeu Carlyle, é dos
heróis, Shimon Peres sabe que o heroísmo
muitas vezes é conquistado com o derramamento de sangue e ele, como judeu, sabe
disso melhor do que ninguém.
Estamos perante um livro de um Homem
que sofreu, mas que continua a acreditar que
um mundo melhor é possível.
A leitura de Tempo para a Guerra, tempo
para a Paz é recomendada, não só para uma
melhor compreensão, a partir do lado
israelita, do que tem sucedido no Médio
Oriente, Shimon Peres é bastante crítico para
com alguns dos antigos líderes israelitas e
também para o próprio Sharon; mas também,
acaba por ser uma leitura que provoca no
leitor uma predisposição de não entrar numa
espiral de desconfiança e receio da
actualidade.
Defensor determinado da democracia, na
qual “não [há] apenas o direito de ser igual
mas sim a ser igual na diferença”, Peres
pressagia que depois do tempo da Guerra,
virá, certamente, o tempo da Paz. Mas, para
a almejar, ela só acontecerá, sem sombra de
dúvidas, mais pelos actos do que propriamente pelas palavras, como afirma o
israelita que nasceu na Polónia.
Carlos Manuel de Castro
Mestrando em Espaço Lusófono e Relações
Internacionais (ULHT)
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