O ENSINO SECUNDÁRIO BRASILEIRO
NA OBRA DE GERALDO BASTOS SILVA (1950-1960)
Mônica Costa Santos
Mestre em Educação Brasileira – UFAL
[email protected]
Palavras-chave: Geraldo Bastos Silva; ensino secundário; intelectuais da educação.
Introdução
Este texto é resultado de um trabalho de pesquisa, que se encontra em
andamento, sobre a produção de intelectuais docentes alagoanos, sob coordenação da
professora Maria das Graças de Loiola Madeira, do Centro de Educação da
Universidade Federal de Alagoas. A pesquisa se insere em um movimento de
investigação mais amplo e profundo a respeito da trajetória da educação no Estado1.
Cabe ressaltar que, mesmo não se tratando de um estudo biográfico, esta
incursão sobre o pensamento educacional do intelectual alagoano Geraldo Bastos Silva,
pretende não deslocá-lo do contexto social no qual o mesmo viveu e produziu sua obra.
Para Le Goff (1998, p. 261-265), a escrita de trabalhos biográficos “não pode ser senão
a tentativa de descrever uma figura individual, sem logicamente separá-la de sua
sociedade, e seu contexto cultural, pois não há oposição entre indivíduo e sociedade e,
sim, uma permanente interação deles”.
No Brasil, as décadas de 50 e início de 60 foram marcadas pelo ideário do
nacional-desenvolvimentismo, o qual mobilizou uma parcela significativa de
estudiosos, burocratas, políticos, economistas e cientistas sociais em torno do tema da
aceleração e consolidação do processo de desenvolvimento econômico e social do país.
Foi nessa conjuntura que Geraldo Bastos Silva se destacou, enquanto
intelectual engajado na luta em defesa da escola pública, que servisse como instrumento
para o desenvolvimento nacional.
1. O cenário sócio-educacional brasileiro e as bases da formação intelectual de
Bastos Silva
O movimento iniciado a partir dos anos de 1920 no Brasil, com base no
pensamento liberal democrático, caracterizou-se pelo otimismo em torno das questões
educacionais e pelo surgimento de intelectuais e educadores profissionais, que passaram
a se dedicar exclusivamente aos temas ligados à educação. Nesse Contexto,
destacaram-se os educadores da escola nova, defendendo a escola pública para todos,
com o objetivo de contribuir para construção de uma sociedade igualitária e sem
privilégios. Lourenço Filho (1897-1970), Fernando de Azevedo (1894-1974) e Anísio
Teixeira (1900-1971) estão entre os escolanovistas que produziram um grande aporte
teórico, com a intenção de remodelar o ensino brasileiro.
A crítica rigorosa a escola elitista e acadêmica tradicional promovida pelos
adeptos da escola nova em prol da laicização e da coeducação acirrou os debates
educacionais, gerando reações negativas sobretudo entre os católicos conservadores,
que até então detinham o monopólio sobre o sistema educacional.
Esse clima de conflito estabelecido entre escolanovistas e católicos culminou na
publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932, dirigido ao povo
e ao governo. No documento redigido por Fernando de Azevedo e assinado por 26
educadores, encontram-se as bases do movimento de renovação educacional, voltado
para a defesa da escola obrigatória, pública, gratuita e leiga como um dever do Estado, a
ser implantada em âmbito nacional.
O predomínio da pedagogia nova se consolidou no período da Segunda
República (1945-1964), quando foi retomado o estado de direito, com governos eleitos
pelo povo e marcados pela esperança de um desenvolvimento sócio-econômico
acelerado.
Foi nesse clima otimista do pós-guerra que a Constituição de 1946 foi
promulgada, a qual refletia o processo de redemocratização do país, após a queda da
Ditadura de Vargas. Na oportunidade, sem dúvida, um dos pontos de discussão mais
polêmicos foi o relativo ao ensino religioso, de matrícula facultativa nos
estabelecimentos oficiais, o qual extrapola o âmbito educacional e se insere na relação
Estado – Igreja Católica (OLIVEIRA. In: FÁVERO, 2001, p. 165-175). Os pioneiros da
Educação Nova, por sua vez, retomaram a luta pelos valores já defendidos em 1932 e
iniciaram os debates do anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, elaborado
por uma comissão presidida por Lourenço Filho. O percurso desse projeto foi longo e
tumultuado, estendendo-se até 1961, data de sua promulgação.
Foram sucessivas discussões em torno de questões como a descentralização e a
liberdade de ensino, estabelecidas entre renovadores e conservadores, resultaram na
organização da “Campanha em Defesa da Escola Pública” e no “Manifesto dos Educadores
mais uma vez convocados”, em 1959, do qual foi signatário o educador alagoano Geraldo
Bastos Silva, que se destacou como intelectual no cenário educacional brasileiro, a partir
das contribuições teóricas acerca da relação educação e desenvolvimento e, especialmente,
do importante papel do ensino secundário dentro dessa concepção.
Geraldo Bastos Silva nasceu em Maceió/AL, em 31 de julho de 1920, e ainda
jovem mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se forma na 1ª Turma do Curso de
Pedagogia da antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Da qual também
foi professor entre os anos de 1948 e 1950. Ainda em 1946, ingressou no cargo de
inspetor de ensino, no Ministério da Educação e Saúde Pública (BARROS, 2005;
FÁVERO e BRITTO, 2002).
Intelectual engajado, Silva defendia uma visão liberal-pragmatista, em prol do
ideal da escola pública. Segundo Saviani (2007, p. 289-290),
No campo da educação essa concepção tem como um de seus maiores
formuladores John Dewey, que teve em Anísio Teixeira o seu
principal divulgador no Brasil. Foi também essa corrente que catalisou
os movimentos em defesa da escola pública sintetizando seus aspectos
principais no “Mais uma vez convocados” redigido por Fernando de
Azevedo em 1959 como uma espécie de retomada, nas novas
condições, do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”,
divulgado 27 anos antes.
O manifesto de 1959, por conta do contexto no qual surgiu, priorizava a defesa
da escola pública, concebida como dever do Estado. No nono tópico do documento, os
educadores contestam a acusação de que os defensores da escola pública estariam
querendo impor o monopólio estatal do ensino. A resposta foi enfática: “Porque não nos
dispomos a fanfarrear nas festas do ensino livre, nessa orgia de tentativas e erros a que
resvalaria a educação do no país, não se segue nem se há de concluir que pregamos o
monopólio do Estado. Pela liberdade disciplinada é que somos” (MANIFESTO...,
2006). No campo didático-pedagógico, a tensão tendia ao apaziguamento, ma vez que
[...] “a orientação renovadora tinha ampliado sua influência a tal ponto que as próprias
escolas católicas já não lhe opunham maior resistência” (SAVIANI, 2007, p. 296).
Essa penetração do ideário escolanovista no aparato técnico-administrativo das
escolas e da administração pública de modo geral vinha ocorrendo gradativamente,
sobretudo por meio de órgãos como o INEP (1944) e o ISEB (1955), responsáveis
diretos pela propagação de idéias e conceitos liberais, atreladas ao projeto políticogovernamental desenvolvimentista vigente à época.
Nesse contexto, destacamos a atuação de Geraldo Bastos Silva, que esteve
ligado durante um determinado período ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB)2, fundado em 1955 e extinto pelo golpe militar de 1964, cuja principal proposta
era repensar a cultura brasileira autônoma, não-alienada, rompendo a tradição colonial
de transplante cultural.
Os ‘isebianos’ exerceram um importante papel na formatação de um projeto
político-educacional desenvolvimentista para o Brasil durante o governo de Juscelino
Kubitschek, na consolidação do regime democrático e na superação da noção de
subdesenvolvimento.
O projeto político desenvolvimentista legitimou-se no afã de justificar
a cruzada do povo brasileiro contra o que era entendido e representado
como o mal crônico que secularmente o afligia: o
atraso/subdesenvolvimento; e assim obter o consenso à empreitada da
modernidade que se difundia sob o slogan dos “Cinqüenta Anos em
Cinco”. Isto, porque a um país de dimensões continentais como o
Brasil, ainda no limiar de um processo de industrialização, o
desenvolvimento nacional era representado como um ‘imperativo
histórico’ sem o qual ficaria a reboque da marcha do tempo
(CARDOSO, 2006).
O enfoque dado às concepções relativas à realidade social, retomada por estes
intelectuais, na elaboração do discurso em defesa ao nacional-desenvolvimentismo
constituiu-se como um dos principais aspectos para o entendimento do processo histórico
brasileiro durante os anos JK, edificando-se enquanto redentor da nação brasileira e
instrumento propulsor das transformações históricas a serem realizadas em nome da
modernização burguesa.
Geraldo Bastos Silva ao estabelecer aproximações entre a educação e o
desenvolvimento econômico, declarou que:
O grau de desenvolvimento em que se encontra um país tem sua
expressão pedagógica ou escolar em índices numéricos, tais como a
taxa de alfabetização da população, a porcentagem da população em
idade escolar que efetivamente freqüenta as escolas, duração da
escolaridade média e outros. Nos países desenvolvidos ou em
processo de aceleração de seu desenvolvimento, observam-se
tendências muito nítidas à eliminação do analfabetismo, à crescente
escolarização da população infantil e adolescente, ao aumento
progressivo da escolaridade média (1957, p. 199).
Toledo (1986 apud CARDOSO, 2006) classifica a produção intelectual do ISEB
com base em cinco questões que, segundo ele, expressam os fundamentos básicos do
ideário desenvolvimentista isebiano. Essas questões permitem identificar afinidades
desse ideário com a apropriação que alguns educadores brasileiros fizeram do
pragmatismo norte-americano, em sua vertente deweyana.
Os trabalhos isebianos trataram de diversas questões, embora nem
todas de uma forma sistemática, rigorosa e original. [... dentre estas]
podem ser destacadas as seguintes: a questão da ideologia, a questão
da produção científica, a questão do nacionalismo e do
desenvolvimento, a questão nacional e das contradições nacionais, a
questão dos intelectuais e da política.
Embora tais temas apresentem abordagens específicas, constata-se, efetiva
interdependência entre seus papéis e suas funções no conjunto do ideário
desenvolvimentista.
A necessidade da elaboração de uma ideologia que justificasse a política
desenvolvimentista em curso era assumida enquanto mecanismo que viabilizaria
determinadas transformações e o efetivo desenvolvimento do país.
Nesse sentido, para Silva, a educação enquanto ferramenta para o
desenvolvimento nacional, também carecia de um trabalho sistemático de planejamento
e organização, que superasse o problema histórico de desarticulação entre seus
diferentes segmentos. Recorrendo a Kandel (apud SILVA, 1957, p. 194), o autor
esclarece que “o problema atual da escola” está relacionado ao fato de que: “os
diferentes ramos da educação que constituem um sistema nacional de educação
desenvolveram-se mais ou menos independentemente, foram influenciados por
diferentes forças sociais e outras, e não resultado de um plano organizado”.
Essa desarmonia do sistema educacional, como produto do processo de
transplantação cultural, que se encontra no cerne da formação da sociedade brasileira,
constitui-se como um dos principais entraves no campo educacional. Nas palavras de
Silva (1957, p. 194):
Hoje, temos consciência do problema total da educação, e entre os
pedagogos se formula a aspiração por uma organização escolar mais
sistemática, que articula melhor o conjunto dos diferentes tipos da
escola. Na raiz dessa consciência, há uma situação objetiva que
realmente exige uma visão total do problema educativo tal como
atualmente se apresenta.
Essa preocupação com a articulação entre os diferentes ramos que compõem o
sistema de ensino e a valorização das condições objetivas da sociedade brasileira foram
determinantes para Geraldo Bastos Silva na elaboração dos estudos relativos ao ensino
secundário e as feições assumidas por este segmento em momentos históricos distintos.
2. O Ensino Secundário brasileiro sob a ótica de Geraldo Bastos Silva
A relação intelectual entre Geraldo Bastos Silva e Anísio Teixeira merece uma
atenção especial, que transcende aos limites desse texto. A proximidade teórica entre
ambos surge em diversos momentos, seja nas sucessivas passagens no decorrer dos
textos do primeiro ou mesmo nas correspondências escritas pelo segundo. Na carta3
enviada por Anísio Teixeira a San Tiago Dantas, no dia 21 de julho de 1959, lê-se uma
referência ao Professor Geraldo Bastos Silva, que supostamente deveria substituir
Teixeira no grupo de trabalho encarregado da redação dos artigos da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, a 4.024/1961, primeira LDB brasileira.
Geraldo Bastos Silva, em seu estudo sobre Educação e Desenvolvimento
Nacional (1965), buscou justificar a idéia de transplantação enquanto conceito
interpretativo da realidade brasileira, no campo educacional, a partir da concepção
apresentada por Teixeira, nos seguintes termos:
Não poderemos, entretanto, analisar com justeza a situação escolar
brasileira presente, sem antes considerar que o nosso esforço de
civilização constituiu um esforço de transplantação para o nosso meio
das tradições e instituições européias, entre as quais tradições e
instituições escolares. E a transplantação mão se fez sem deformações
graves, por vezes fatais. Como a escola foi e será, talvez, a instituição
de mais difícil transplantação, por isso que pressupõe a existência da
cultura especializada que procura conservar e transmitir, nenhuma
outra nos poderá melhor esclarecer sobre o modo por que se vem,
entre nós, operando a transplantação da civilização ocidental para os
trópicos e para uma sociedade culturalmente mista (TEIXEIRA, 1953
apud SILVA, 1957, p. 181-182).
Para Silva (1957), a noção de transplantação cultural que se encontra no cerne
do processo de formação do Brasil configura-se como um dos principais obstáculos que
se colocavam ao planejamento educacional, decorrente do caráter exógeno da
instituição escolar brasileira.
O autor caracteriza a atitude exemplarista de adoção literal de instituições
estrangeiras, ou a crença de que o problema do Brasil como constituição de nação seria
resolvido pela adoção do modelo das instituições dos países líderes. Tal procedimento,
explica o fato de as instituições educacionais transplantadas não terem exercido o papel
que delas se esperava em relação ao progresso econômico e social. Para ele,
prevaleceram as condições econômicas de subdesenvolvimento, que não só tornavam
impraticável uma acentuada expansão quantitativa do sistema escolar, mas também,
dado o fato de que a educação escolar não tinha função realmente útil e necessária a
preencher, essa expansão, meramente quantitativa, tornava irrelevante o problema da
qualidade e do tipo de ensino ministrado nas escolas (SILVA, 1957).
Com isso, Geraldo Bastos Silva enfatizava a importância do planejamento
educacional, que deveria estar relacionado às condições que possibilitavam a sua
concretude. Nesse sentido, a escola, de forma isolada, não poderia ser “a meta suprema
do progresso social”, e não se deveria incorrer no erro de exagerar o papel da educação
no crescimento econômico, já que a primeira encontrava-se, em grande medida,
condicionada pelo segundo. A educação não seria, assim, apenas uma exigência moral.
Antecipando o tecnicismo em educação no Brasil, o autor argumentava que, guardando
as devidas proporções, o desenvolvimento escolar possuía um valor instrumental
relativo, desde que se adequasse às necessidades do progresso e não se tornasse um
“ônus improdutivo ao desenvolvimento total” (SILVA apud BARBOSA, 2006, p. 20).
Nota-se que Bastos Silva demonstrava menos otimismo em relação à crença de que a
educação é um agente direto da mudança social. Dessa forma, “as instituições escolares
deveriam ajustar-se à nova realidade social, já que a defasagem histórica entre ambas
não poderia mais ser aceita. Era preciso formar pessoas capazes de criar novos
conhecimentos e adestrá-las para que aplicassem a técnica disponível” (BARBOSA,
2006).
Neste momento é possível assinalar a principal diferença entre Anísio Teixeira e
Bastos Silva. Enquanto o primeiro “defende a universalização do ensino fundamental e
a preparação para a atividade produtiva de todas as camadas populares”, o segundo
“restringe-se ao ponto em que contribui para e não prejudique o desenvolvimento
econômico” (SÁ, 1979, p.65 apud BARBOSA, 2006).
Além das constantes alusões ao pensamento de Anísio Teixeira (1953; 1954),
Geraldo Bastos Silva cita ainda autores como Caio Prado Júnior (1947), Fernando de
Azevedo (1940; 1976), Guerreiro Ramos (1953)4, Roland Corbisier (s/d), Karl
Mannheim (1942; 1946), I. L. Kandel (1947) entre outros, especialmente nas
apreciações em torno do ensino secundário, assunto sobre o qual Silva dedicou suas
obras mais importantes: Introdução à Crítica do Ensino Secundário (1959) e A
educação secundária – Perspectiva Histórica e Teórica (1969).
No Brasil, “o caráter do secundário como ensino de humanidades marcou a
história da educacional, em consonância com os parâmetros da história da educação
ocidental” (GASPARELLO, 2002, p. 7-9). Tal concepção prevaleceu no decorrer do
tempo, fazendo com que se instalasse uma dualidade histórica na educação brasileira
entre a formação intelectual e formação profissional, intensificada ou amenizada de
acordo com o momento histórico vivido. Segundo Hilsdorf (2006, p. 163),
[...] desde o pleno século XVI, as escolas urbanas estiveram, sim,
espalhadas por toda parte onde apareciam as necessidades do saber
produtivo ligado à vida comercial e artesanal, mas já separadas do
humanismo escolarizado e rebaixadas em relação aos grandes colégios
de artes humanísticas, os novos protagonistas da vida escolar
burguesa.
Como vimos, em decorrência da implantação do capitalismo tardio no Brasil, os
anos 50 e no início da década de 60, foram caracterizados por uma grande polêmica que
envolveu educadores e economistas em torno de como promover a expansão do sistema
escolar, em seus diferentes níveis e modalidades, superando o caráter dualista que
caracterizou o sistema educacional brasileiro. De acordo com Nunes (2000, p. 40):
Dentro dessa dualidade [oposição entre o ensino primário e
profissional estabelecida pela reforma Gustavo Capanema5, ainda em
1942], a função do ensino secundário, como formador dos
adolescentes, era oferecer uma sólida cultura geral, apoiada sobre as
humanidades antigas e modernas, como o objetivo de preparar as
individualidades condutoras, isto é, os homens que assumiriam
maiores responsabilidades dentro da sociedade e da nação, portadores
de concepções que seriam infundidas no povo.
Clarisse Nunes (2000, p. 45) aponta as principais dificuldades relacionadas ao
acesso ao nível secundário, com o agravamento imposto pelo exame de admissão, que
os estudantes eram submetidos. [...] “cada escola secundária organizava seus programas
e não os divulgava, de modo que os candidatos e suas famílias não sabiam se o nível de
exigência das provas acompanharia o nível do conteúdo da quarta série das escolas
primárias”.
A partir da década de 1930, intensificou-se a procura pelo curso secundário ou
ginásio acadêmico, em detrimento do ensino profissional. O que se justifica pelo maior
prestígio social conferido ao curso, pela oportunidade de preparo para uma série de
atividades e por viabilizar o melhor acesso ao ensino superior. Era ainda, ao lado do
ensino comercial, o menos exigente em custos (ABREU, 1961 apud NUNES, 2000, p.
45).
Para Geraldo Bastos Silva, a expansão do ensino secundário no país,
inicialmente preconizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961,
foi motivada pelo crescimento demográfico, as exigências de maior escolarização
conseqüentes do desenvolvimento industrial brasileiro, particularmente sobre a área
urbana, e problemas de crescimento e articulação do ensino primário, que acabariam por
reverberar no ensino médio (SILVA, 1969, p. 301-307).
Ainda segundo o educador alagoano, as principais características da expansão do
ensino secundário foram um acentuado crescimento horizontal, observado pelo simples
aumento do número de estabelecimentos, além de um significativo crescimento vertical,
ratificado pela ampliação de matrícula por estabelecimentos, acarretando em algumas
situações a superlotação e a criação de novos turnos (SILVA, 1969).
Mesmo após essa significativa expansão, Bastos Silva (1957, p. 205) critica a
eficácia do sistema educacional brasileiro. Segundo ele:
[...] nosso ensino secundário, cuja recente expansão, realizada na
vigência de uma estrutura seletiva e inflexível que, no entanto, não
consegue prevalecer sobre o desejo interesseiro ou demagógico de
criar maiores oportunidades de educação por meio de empresas às
vezes pouco escrupulosas, de “educandários gratuitos” ou de ginásios
públicos instalados de afogadilho e dispondo de verbas insuficientes, resultou na sua transformação em mecanismo de desencaminhamento
de parcela considerável de nossa juventude das atividades realmente
produtivas.
O referido autor argumenta ainda que a acelerada expansão do ensino secundário
contrastava com o moderado desenvolvimento do ensino médio não secundário, isto é, o
ensino industrial, agrícola e comercial. A importância atribuída por Geraldo Bastos
Silva a essa modalidade de ensino, dentro de uma visão pragmática da educação, pode
ser observada no livro de “A educação secundária: perspectivas históricas e teóricas”
(1969), onde consta uma sessão específica sobre o “Ensino Profissional e Técnico”.
Nela, o autor analisa que o pleno desenvolvimento da natureza desse ensino envolve,
antes de tudo, a superação do conceito de sua inferioridade, faz com que a localização
desse ensino fosse concebida fora do processo regular da educação escolar, como
sistema paralelo, no século XIX e início do século XX.
No âmbito do alcance dessa superação por parte das escolas profissionais
técnicas, destacamos as exigências referentes à qualidade e diversidade dessa
modalidade de ensino, em relação ao crescente aprimoramento tecnológico dos vários
ramos produtivos. Assim, evidencia-se o enfrentamento da questão especifica do ensino
técnico, que condiz com a perspectiva de tomar uma formação profissional escolar
continuada na qual se promova um nível mais elevado de prévia formação geral e
básica. Isso, certamente, assenta na emergência de um processo de revisão da estrutura
da educação escolar6.
Ainda com relação à expansão do sistema escolar do Brasil, especialmente do
ensino secundário, Bastos Silva avalia que o crescimento das taxas de ingresso e os
altos índices de reprovação e evasão eram conseqüências de um desajuste profundo
entre os princípios de escola para elite e a incorporação em seus quadros das classes
populares que, se ingressavam na escola, saíam prematuramente, excluídas por motivos
de ordem econômica. Tal concepção baseava-se numa “perspectiva das potencialidades
da industrialização e seu impacto sobre o desenvolvimento, ou seja, a expansão do
ensino secundário foi considerada modificação do sistema escolar em decorrência dos
impulsos modernizadores e progressistas da industrialização [...]”. Posteriormente,
Nunes (1980 apud NUNES, 2000) realiza uma análise bastante peculiar, na qual
prevalece a noção de que “[...] a expansão do ensino secundário era fruto das
contradições da política populista e o atraso e a evasão dos alunos revelam a grave
situação econômica de suas famílias”.
Durante sua trajetória intelectual e profissional, Geraldo Bastos Silva esteve
envolvido nos principais embates pedagógicos e políticos, que foram travados,
especialmente nas décadas de 50 e 60, quando o país viveu sob o influxo de diferentes
concepções teóricas, que refletiam a instabilidade sócio-política e educacional do
Estado brasileiro.
Como integrante das esferas superiores do governo brasileiro, encarregadas de
pensar as principais bases e diretrizes da educação nacional, Geraldo Bastos Silva fez
parte, durante o governo militar, do Grupo de Trabalho7 criado pelo Decreto
Presidencial nº 66.600, de 20 de maio de 1970, “para estudar, planejar e propor medidas
que [visassem] à atualização e expansão do Ensino Fundamental e do Colegial”. As
atividades se desenvolveram em Brasília, no período de 15 de junho a 14 de agosto de
1970. O decreto concedeu prazo de 60 dias para que este apresentasse seus estudos e
projetos. Portanto foi organizada uma "Semana de Educação" na Universidade de
Brasília, na qual todos os seus membros tiveram a oportunidade de ministrar palestras
aos alunos da instituição, seguidas de debates. Ao final da semana, os universitários
apresentaram conclusões como fruto de seus estudos que foram utilizadas para a
reformulação da lei. (Relatório, 1971 apud VALÉRIO, 2006).
Considerações finais
O papel de Geraldo Bastos Silva na difusão das idéias renovadoras e na
elaboração das atribuições da educação no progresso econômico do país merece estudos
mais aprofundados, que revelem as afinidades e as discordâncias estabelecidas entre
este educador alagoano e o ideário desenvolvimentista e a retomada do pragmatismo,
que foram produzidos no interior do próprio Estado brasileiro, mais exatamente, nos
órgãos governamentais, ligados ao MEC, onde parcela importante da nossa
intelectualidade se estabeleceu e, intensificou tanto a fermentação de um pensamento
desenvolvimentista quanto a elaboração de uma política educacional com base no
pragmatismo durante as décadas de 1950 e início de 1960.
Sua análise interpretativa da formação cultural e educacional do Brasil, baseada
na noção de transplantação, bem como seu entendimento do ensino secundário, a partir
de visão pragmática da educação, demonstram sua preocupação com as condições
objetivas da realidade brasileira, que condicionam aspectos decisivos para elucidação de
nossos problemas econômicos, culturais e educacionais.
Sem dúvida, sua relação com Anísio Teixeira pode ajudar a explicitar uma série
de questões sobre a concepção teórica que orientava suas ações enquanto educador e
técnico responsável pela (re) elaboração de diretrizes e bases para educação nacional.
A contribuição teórica de Geraldo Bastos Silva, especialmente seus estudos a
respeito do ensino secundário são referências8 obrigatórias para as pesquisas relativas a
este nível de ensino, bem como para aquelas que versam sobre o movimento
escolanovista no Brasil.
Como discípulo de Anísio Teixeira, signatário do “Manifesto dos educadores:
Mais uma vez convocados” de 1959, e especialista no campo educacional, requisitado
em diversas situações, o entendimento de sua trajetória é de fundamental importância
para os estudos sobre o pensamento educacional brasileiro.
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NOTAS:
1
Refiro-me ao Grupo de Pesquisa “Caminhos da Educação em Alagoas”, coordenado pelo
professor Élcio de Gusmão Verçosa e pela professora Maria das Graças de Loiola Madeira,
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educação, da Universidade
Federal de Alagoas.
2
A instituição foi fundada no governo interino de Café Filho, no ano de 1955, subordinada ao
Ministério da Educação e Cultura e adquiriu um papel histórico relevante nos Anos JK. Em que
pese as leituras diferenciadas sobre a realidade brasileira e os meios para transformá-la,
intelectuais como Hélio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Ignácio Rangel, Álvaro Vieira Pinto,
Cândido Mendes, Roland Corbisier, Geraldo Bastos Silva e Nelson Werneck Sodré difundiram
e consolidaram a o nacional-desenvolvimentismo correlato à construção e difusão de uma
mitologia política (CARDOSO, 2006).
3
Com relação ao seu conteúdo, esclarecemos que o autor faz comentários sobre a redação de
artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e algumas propostas de mudanças
(TEIXEIRA, 2008).
4
Obra da qual Geraldo Bastos Silva também fez parte, ver: RAMOS, Guerreiro; GARCIA,
Ewaldo da Silva; SILVA, Geraldo Bastos. O problema da escola de aprendizagem industrial
no Brasil. Estudos Econômicos: Rio de Janeiro, ano IV, nº. 11/12, set./dez., 1953.
5
A Reforma Capanema, apresentava como objetivos do ensino secundário:
a) formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral do
adolescente; b) acentuar e elevar na formação espiritual dos adolescentes a consciência
patriótica e a consciência humanística; c) dar preparação intelectual geral que possa servir de
base a estudos mais elevados de formação especial (Decreto-Lei nº. 4244, de 09/04/1942, art. 1º,
Capítulo I).
6
BIAGINI, Jussara et AL. Integração Educação Profissional Técnica e o Ensino Médio:
critérios e escolhas curriculares de grupos de professores de um Centro Federal de Educação
Tecnológica. IV Simpósio Trabalho e Educação. Ago./ 2007.
7
Os integrantes do grupo foram designados pelo Ministro da Educação e Cultura, Jarbas G.
Passarinho. Além de Geraldo Bastos Silva, integravam a equipe: Pe. José de Vasconcellos
(Presidente); Valnir Chagas; Aderbal Jurema; Clélia de Freitas Capanema; Eurides Brito da
Silva; Nise Pires; Magda Soares Guimarães e Gildásio Amado.
8
Ver: CRESPO, Fernanda Nascimento. A produção recente dos pesquisadores da área de
História do Ensino de História. In: XIII Encontro de História da ANPUH. Rio de Janeiro.
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O ENSINO SECUNDRIO BRASILEIRO NA OBRA DE GERALDO