revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
Branca
revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 1-428, 2001
Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1
(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. –
Trimestral.
ISSN 0103-6599
1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.
Tribunal Regional Federal 4ª Região.
CDU 34(051)
34(094.9)
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
4ª Região
R. Mostardeiro, 483
90430-001 - Porto Alegre - RS
Tiragem: 1000 exemplares
revista
do
tribunal
regional
federal
QUARTA REGIÃO
MARGA BARTH TESSLER
Juíza-Diretora da Escola da Magistratura
Branca
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
4ª Região
JURISDIÇÃO
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná
COMPOSIÇÃO
Em maio de 2001
PLENÁRIO
Juiz Fábio Bittencourt da Rosa - Presidente
Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Vice-Presidente
Juiz Teori Albino Zavascki
Juiz Vladimir Passos de Freitas - Corregedor-Geral
Juíza Luiza Dias Cassales
Juíza Tania Terezinha Cardoso Escobar
Juiz Nylson Paim de Abreu
Juíza Silvia Maria Gonçalves Goraieb - Vice-Corregedora-Geral
Juiz Vilson Darós
Juíza Marga Inge Barth Tessler - Diretora da Escola da Magistratura
Juiz Amir José Finocchiaro Sarti
Juíza Maria Lúcia Luz Leiria
Juiz Élcio Pinheiro de Castro
Juíza Virgínia Amaral da Cunha Scheibe
Juiz José Luiz Borges Germano da Silva
Juiz João Surreaux Chagas
Juiz Amaury Chaves de Athayde
Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère
Juiz Edgard Antônio Lippmann
Juiz Valdemar Capeletti
Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon
Juiz Tadaaqui Hirose
Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)
PRIMEIRA SEÇÃO
Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente
Juíza Tania Terezinha Cardoso Escobar
Juiz Vilson Darós
Juiz Amir José Finocchiaro Sarti
Juíza Maria Lúcia Luz Leiria
Juiz Élcio Pinheiro de Castro
Juiz José Luiz Borges Germano da Silva
SEGUNDA SEÇÃO
Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente
Juiz Teori Albino Zavascki
Juíza Luiza Dias Cassales
Juíza Silvia Maria Gonçalves Goraieb
Juíza Marga Inge Barth Tessler
Juiz Amaury Chaves de Athayde
Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère
Juiz Edgard Antônio Lippmann
Juiz Valdemar Capeletti
TERCEIRA SEÇÃO
Juiz Manoel Lauro Volkmer de Castilho - Presidente
Juiz Nylson Paim de Abreu
Juíza Virgínia Amaral da Cunha Scheibe
Juiz João Surreaux Chagas
Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon
Juiz Tadaaqui Hirose
Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)
PRIMEIRA TURMA
Juiz Amir José Finocchiaro Sarti - Presidente
Juíza Maria Lúcia Luz Leiria
Juiz José Luiz Borges Germano da Silva
SEGUNDA TURMA
Juíza Tania Terezinha Cardoso Escobar - Presidente
Juiz Vilson Darós
Juiz Élcio Pinheiro de Castro
TERCEIRA TURMA
Juiz Teori Albino Zavascki - Presidente
Juíza Luiza Dias Cassales
Juíza Marga Inge Barth Tessler
Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère
QUARTA TURMA
Juíza Silvia Maria Gonçalves Goraieb - Presidente
Juiz Amaury Chaves de Athayde
Juiz Edgard Antônio Lippmann
Juiz Valdemar Capeletti
QUINTA TURMA
Juíza Virgínia Amaral da Cunha Scheibe - Presidente
Juiz Tadaaqui Hirose
Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)
SEXTA TURMA
Juiz Nylson Paim de Abreu - Presidente
Juiz João Surreaux Chagas
Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon
Branca
SUMÁRIO
DOUTRINA.........................................................................................13
Repudiando Montesquieu? A expansão e a
legitimidade da “justiça constitucional”...................................15
Mauro Cappelletti
Alguns princípios do Direito Penal.........................................51
Fábio Bittencourt da Rosa
Notas sobre o processamento do juízo de admissibilidade dos
recursos especiais e extraordinários........................................59
Manoel Lauro Volkmer de Castilho
O Direito à Saúde
A Saúde como direito e como dever na
Constituição Federal de 1988...................................................75
Marga Inge Barth Tessler Declaração do Primeiro Congresso de Magistrados Federais
Argentina, Brasil e México, em Florianópolis.......................109
ACÓRDÃOS..................................................................................... 111
Direito Administrativo e Direito Civil.................................... 113
Direito Penal e Direito Processual Penal................................221
Direito Previdenciário.............................................................261
Direito Processual Civil..........................................................331
Direito Tributário....................................................................375
ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................407
ÍNDICE ANALÍTICO....................................................................... 411
Branca
DOUTRINA
Branca
14
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
Repudiando Montesquieu? A expansão e a
legitimidade da “justiça constitucional”*
Mauro Cappelletti
1. A contribuição da justiça legal na persecução da
liberdade política
O que “a justiça humana” pode fazer é solucionar, ou tentar solucionar, problemas concretos da vida individual e social: promulgar e impor
normas,
criar instituições, traçar processos, tudo com um objetivo em
______________
**Tradução de Fernando Sá – advogado em Porto Alegre
Nota do tradutor: esta tradução resulta de um repto a mim lançado pelo amigo e professor Carlos Alberto Alvaro de Oliveira em suas aulas no mestrado da Faculdade de Direito da UFRGS. Aceito o desafio,
teve ainda o mestre a dedicação [no que pese a tremenda carga de trabalho que enfrenta, como Magistrado
consciente e responsável, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul] de revisar e conformar à
linguagem técnica do texto certos conceitos do autor.
* Copyright Mauro Cappelletti. Esta é uma versão brevemente revista de um artigo originariamente
publicado em 35 Catholic University Law Review 10001-1032 (1985). É um texto anotado da 20ª Conferência Anual do Papa João XXIII, proferida no dia 25 de abril de 1985, na Universidade Católica Americana em Washington, D.C. Foi preparada dentro da concepção de projeto sobre as “Dimensions of Justice:
Constitutional and Transnational Enforcement of Human Rights”, que o autor dirigiu no IUE, desde 1984,
e realizou a respeito de pesquisa levada a efeito no IEU em dois projetos prévios também dirigidos pelo
autor, denominado “Access to Justice Project” (1976-79) (resultados publicados in M. Cappelletti, gen.,
ed., Access to Justice Project. Vols. I-IV, Milão & Alphen aan den Rijn, Giuffrè & Sijhoff & Noordhoff,
1978-79) e M. Cappelletti ed., Access to Justice and the Welfare State, Alphen aan den Rijn & Bruxelles,
Stihhoff & Bruylant, 1981 e o projeto sobre “European Legal Integration in Light of the American Federal
Experience” (1979-85) (resultados publicados in M. Cappelletti, M. Seccombe & J. Weiler, gen., eds., Integration Through Law: Europe and the American Federal Experience, vols. I (3 livros)-VI, Berlin & New
York, Walter de Gruyter, 1985-...).
1
A versão inglesa comentada pode ser encontrada in The Encyclicas and Other Messages of John XXIII,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
15
mente – dirimir problemas reais. Mas os problemas humanos mudam
continuamente, assim como as normas, os processos e as instituições. A
justiça humana está mudando a idéia de Justiça, se ela existe ou não, em
algum ponto final, em alguma abrangente permanência, um Absoluto que
proporcione uma trégua, sentido e luz a todo este comovente, batalhado
e fugaz fenômeno que é a vida humana.
Tenho a honra de estar hoje com vocês, em um tributo de respeito e
gratidão ao Papa João XXIII. Sua visão de fé no Absoluto não diminuiu
seu profundo compromisso e ardor pela mudança. A justiça humana nunca
cessou de ser a sua preocupação. Suas duas principais Encíclicas, Mater
et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963),1 representam um formidável esforço na tentativa de traçar as linhas básicas para a solução do que
seja talvez o mais desafiador dos problemas da vida em nossa época: o
desafio da opressão, da pobreza e da guerra; os problemas da liberdade
e da dignidade humanas, da justiça social e da coexistência pacífica dos
indivíduos e dos povos; problemas cuja solução deveriam unir, como ele
afirmou, todos os homens de boa vontade, pouco importando a raça, a
nacionalidade e a fé. Ele nos deu, assim, a base para esboçar uma filosofia
de vida para os indivíduos e as nações de nossa época.
Em suas raízes, pode-se dizer que sua doutrina era relevante para
todos os tempos, pois cada época sofre opressão, injustiça social, violência e guerra. Mas, num sentido mais profundo, a sua doutrina tinha
o significado de uma filosofia essencialmente do e para o nosso tempo.
Essa foi a lição tirada dos tremendos desafios do nosso século, o qual,
embora alardeando os mais nobres ideais de liberdade individual e de
dignidade humana, caracterizou-se justamente como sendo a época dos
mais terríveis sistemas de opressão dos indivíduos, grupos e povos, como
o foram o holocausto e o tentado genocídio de populações e de nações
inteiras. Este nosso século, embora tenha testemunhado o mais impressionante crescimento de riqueza material e de genuína possibilidade de
criar novas riquezas e bem-estar, foi e vem sendo flagelado pela miséria
nascente e pela fome maciça. O mundo, reduzindo-se no seu tamanho,
pede, e até mesmo clama, por união e paz. Todavia, esta tem sido a era
das mais terríveis guerras mundiais e de uma impendente ameaça de um
______________
1
A versão inglesa comentada pode ser encontrada in The Encyclicas and Other Messages of John XXIII,
editada por Staff of the Pope Speaks Magazine, Washington, D.C., TPS Press, 1964.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
terceiro e derradeiro conflito; o dilúvio universal; o fim, possivelmente,
da humanidade.
É tempo, para todos nós, de nos preocuparmos com o fundamental.
Se alguns episódios, relativamente limitados, como, por exemplo, o
escândalo de Watergate, têm feito advogados e professores americanos
de Direito lembrarem que existe um problema de moralidade no Direito,
na profissão e na formação jurídica, e se o Vietnam, assim como também
o Iraque e o Chile e o Afeganistão, e muitos outros, fizeram com que
homens e mulheres lembrassem ainda mais – felizmente atrás da cortina
de ferro também – que existe um problema de moralidade na política e
no modo em que nosso mundo em perigo é conduzido, é tempo, então,
para todos nós, de nos preocuparmos em encontrar solução adequada para
as mais importantes questões que nos assolam - os problemas de sobrevivência em nossa época. Os problemas de buscar a liberdade, a justiça
e a paz são novos, pela forma como assumiram, afinal, uma dimensão
sem precedentes em nosso tempo: uma dimensão que, se as soluções
adequadas não forem encontradas, pode eventualmente significar o fim
do milênio da civilização.
Seja-me permitido, então, usar este privilegiado forum, para fazer
um breve interrogatório em busca da resposta específica que a nossa
época tem tentado dar àqueles problemas maiores da sobrevivência,
especialmente para um deles – o problema da opressão política. Em um
nível pessoal, gostaria de acrescentar que me é particularmente gratificante falar a respeito deste tópico, hoje, 25 de abril, dia da liberação da
Itália, o quadragésimo aniversário da libertação de minha pátria, de um
terrível sistema de opressão política que levou à mais trágica de todas as
guerras. Minha busca focar-se-á, na Europa, mas não se limitará a ela; e,
obviamente, será a indagação de um advogado, uma vez que procurarei
ordenar algumas das mais significativas normas legais, instituições e
processos que proporcionam, em minha opinião, respostas objetivas ou
potenciais ao mais dramático desafio de nosso tempo. Outros, naturalmente, podem propor diferentes respostas para este desafio – ou, como
preferiria pensar, diferentes facetas à mesma resposta – oferecendo, por
exemplo, visualizações econômicas, mais do que legais, como estou eu,
aqui e agora, mais diretamente preocupado.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
17
2. O Significado de “Justiça Constitucional”
A principal resposta, em termos de justiça legal, ao problema da
opressão, pode ser expressa por uma fórmula largamente usada hoje em
dia na Europa: Justiça Constitucional. É comum dizer-se que o poder
governamental encontra-se limitado por uma norma constitucional, e
que os procedimentos tenham sido concebidos e as instituições criadas
para implementar tal limitação.
Na verdade, as formas de opressão que caracterizam nossa época são
várias e muito complexas. Por exemplo, o poder não-governamental como o poder de grupos organizados, as corporações econômicas, os
sindicatos, as associações, e os partidos políticos - ocasionalmente provou
não ser menos perigoso e opressivo, não menos invasor da privacidade e
da liberdade dos indivíduos, do que o poder oficial do Estado. Mesmo os
fantásticos e esplêndidos desenvolvimentos tecnológicos constituem-se
numa ameaça potencial, pois os instrumentos de intromissão tornaram-se
cada vez mais disponíveis para uso opressivo imediato. E, na verdade,
nunca talvez tão agudamente quanto nos dias de hoje o indivíduo sentiu
a opressão da “solidão dentro da multidão”; o sentimento de que nossa
voz é como a paráfrase bíblica, clamans in deserto; o sentimento de
alienação, que constitui uma das mais básicas doenças psicológicas do
homem moderno.
Ademais, o perigo que provou ser o mais temido de nosso século
é, sem dúvida, o poder organizado – o Estado e a sua multiplicidade
de órgãos e agências, sua proliferação central e local. Os casos, para
mencionar apenas os mais clamorosos, da Alemanha Nazista, da Itália
fascista e da Rússia de Stalin, nunca passarão sem nos terem ensinado
a mais importante lição: quando o poder político não sofre controle,
mesmo os instrumentos da nova tecnologia, da comunicação de massa,
da assim chamada “educação popular”, tudo pode perverter-se numa
grande máquina corruptora. A corrupção das mentes é obtida através da
desinformação maciça e da proibição de toda crítica. Lembro uma das
mais infames leis, discutidas alguns anos atrás pelos professores Hart
e Fuller,2 num dos mais citados debates sobre o direito e a moral. A lei
alemã, de 1944, permitia que um homem, denunciado por sua mulher,
______________
2
H. L. A HART, “Positivism and Fidelity to Law – A Reply to Professor Hart”. Ibidem, 630-672.
18
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fosse condenado à pena capital, pelo “crime” de criticar Hitler,3 quando
em licença militar, em sua casa. O que pode emergir de um governo sem
controle, como a triste história recente nos revela, é uma distorção, até
mesmo para o mais prosaico sentido de justiça. Daí, a intolerância e o
fanatismo e, eventualmente, a aceitação, e até mesmo o chamamento à
violência e à guerra.
A justiça constitucional, acredito, é, na verdade, uma das mais importantes e promissoras respostas que um crescente número de nações
tem procurado dar a esse problema da opressão governamental. Como já
mencionado, o que está implícito na justiça constitucional é a noção de
um novo4 tipo de normas constitucionais, instituições e processos, numa
tentativa de limitar e controlar o poder político. Existe, naturalmente, uma
variedade de meios que ajudam a alcançar este desiderato. Esses meios
incluem o regionalismo, que traz à tona a descentralização, pelo menos
de parte do poder político, uma forma de “divisão vertical” do mesmo.
Aqui, todavia, eu pretendo centrar minha discussão a respeito da revisão
judicial da constitucionalidade do ato administrativo e, particularmente,
da legislação. Trata-se de uma evolução que, num sentido mais real,
mudou a estrutura governamental na maior parte da Europa continental,
nos últimos 40 anos mais ou menos, com expansões em outras partes do
mundo, incluindo, por exemplo, o Japão.
3. O Surgimento e o Crescimento da Justiça Constitucional
na Era Posterior à Segunda Guerra Mundial
A Áustria desde 1945, o Japão desde 1947, a Itália desde 1948, a Alemanha desde 1949: emergindo do pesadelo da tirania e da guerra, todos
esses países percorreram um caminho semelhante em seus esforços de
construção duma nova forma de governo civil e democrático. Cada um
deles adotou uma Constituição escrita, aceita como obrigatória por todos
os órgãos do governo. Introduziram severas limitações ao processo de
______________
HART, ob. cit., 618-619; FULLER, ob. cit., 654-655.
Para alguns precedentes históricos, entretanto, vide, v.g., M. CAPPELLETTI e J. C. ADAMS, “Judicial
Review of Legislation: European Antecedents and Adaptations”, 79 Harv. L. Rev. 1207-1224 (1966); M.
CAPPELLETTI, Judicial Review in the Contemporary World, Indianapolis, Bobbs-Merrill, 1971, 24-43
[doravante citada como Judicial Review].
3
4
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
19
emenda à Constituição, protegendo, assim, o novo direito fundamental,
dos caprichos de maiorias passageiras. Incluíram direitos fundamentais
na Constituição, estendendo, assim, a proteção constitucional aos indivíduos em face do poder governamental; e, last but not least, reforçaram
a atuação da Constituição e de seus direitos fundamentais, em relação
a novos ou reestruturados tribunais judiciais, dotados de importantes
garantias de independência face a órgãos políticos.5 Isso, naturalmente, pode parecer um pouco banal para os americanos. Permitam-me advertir, todavia, que mesmo neste país, o papel da
decisão constitucional adquiriu sua importância atual somente depois
da II Guerra Mundial, quando se tornou o mais importante instrumento
para a garantia de certos direitos civis básicos dos cidadãos e de grupos
minoritários contra maiorias resistentes nos Estados e contra a inação de
órgãos políticos no plano federal. Quanto ao resto do mundo, nota-se que,
em muitos outros países, a justiça constitucional, em todos os sentidos
até agora mencionados, representou uma inovação fundamental. Realmente, foi uma verdadeira revolução, ao menos na Europa continental
e, talvez, no Japão.
Constituições e direitos fundamentais, é claro, existiram na França,
na Alemanha e em outros lugares, por muitos anos. Até a época que se
seguiu à II Guerra Mundial, todavia, seus significados tendiam a ser compreendidos mais como meras declarações político-filosóficas do que como
atos legalmente obrigatórios. E isso porque, com poucas e esporádicas
exceções de curta duração (mais marcadamente as da Áustria em 1920
e início de 1930),6 nenhum órgão independente tinha a prerrogativa de
supervisionar suas reais aplicações. A revolução constitucional – e eu
realmente entendo o que estas palavras significam – somente ocorreu na
Europa com o doloroso entendimento de que a Constituição e os direitos
fundamentais constitucionais necessitam de uma máquina judiciária para
Sobre estes desdobramentos vide Judicial Review, supra nota 4, especialmente cap. 3. A principal característica dos sistemas europeus de revisão é sua natureza “centralizada”, vale dizer, que a autoridade para
declarar uma lei inconstitucional, logo (em princípio) nula e ineficaz, está restrita à revisão da recém-criada
Corte Constitucional. Se confrontada com a questão da inconstitucionalidade da lei relevante no caso em
espécie, as outras Cortes não decidirão, mas, sim, suspenderão o feito e reverterão a decisão de constitucionalidade à Corte Constitucional, cujas decisões têm efeito erga omnes. Os sistemas europeus são contrastantes
com o sistema americano “descentralizado”, em que as Cortes têm o poder revisional. Vide Judicial Review
supra nota 4, caps., 3-5.
6
Vide id., p. 46-47 et passim.
5
20
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
se tornarem efetivos. Os Estados Unidos certamente concorreram com
um influente precedente. Mas a mais marcante lição veio da experiência
doméstica, da experiência de tirania e de opressão por um poder político
sem freios, por uma máquina ao mesmo tempo acessível às vítimas do
abuso governamental e capaz de restringir tal abuso.
A lição foi eventualmente apreendida. Cortes constitucionais foram
criadas e processos constitucionais esboçados para fazê-las funcionar.
Menciono apenas um desses processos, porque parece ser o mais indicativo de uma filosofia permeando essa revolução constitucional de
direitos civis. Na Alemanha, em 1951, a legislação ordinária concedeu
a qualquer cidadão o direito de demandar perante a recém-criada Corte
Constitucional, contra qualquer ato do Estado, legislativo, administrativo
ou judicial, que violasse direitos constitucionalmente protegidos.7 Em
1969, este extraordinário remédio, chamado “Verfassungsbeschwerde”,
ou queixa constitucional, foi introduzido na Constituição alemã, e na
Áustria, especialmente desde 1975, foi adotado um processo similar.8
Através desse e de outros mecanismos a constitucionalidade de milhares de atos legislativos e de outros administrativos foi controlada e os
direitos fundamentais do povo protegidos por Cortes independentes, na
Alemanha, na Áustria, na Itália e em outros lugares.
O sucesso da “justiça constitucional”, como instrumento para a proteção dos direitos humanos, e seu profundo impacto na forma de liberdade
democrática de governo, têm sido geralmente reconhecidos em todos
esses países, muito embora, como é natural, a dissensão, muitas vezes,
diga respeito ao conteúdo das decisões constitucionais particulares ou
mesmo acerca de algumas tendências generalizantes no caso do direito
______________
Vide id., p. 22-23. Para prevenir o abuso deste processo é necessário ocorrer a exaustão dos remédios normais, mas mesmo este pré-requisito não é necessário no caso de uma queixa refletindo um “interesse geral”
ou quando a demora poderia ocasionar importante prejuízo à parte interessada. Vide, v.g., K. SCHLAICH,
“Procédures et techniques de protection des droits fondamentaux. Tribunal Constitutionnel Fédéral Allemand,” in Louis FAVOREU (sob a direção de), Cours constitutionnelles européennes et fondamentaux, Paris,
Econômica, 1982, p. 128-129 [doravante citada como Cours constitutionnels].
8
Vide o relatório de L. Favoreu sobre a Europa Ocidental, §§ 8-10, apresentado na Conferência da Associação
Internacional de Ciência Legal, realizada em junho de 1984, em Uppsala, Suécia, no “Judicial Review at
Legislation and its Legitimate – Recent Developments”. Os relatórios regionais, tanto quanto o relatório geral
de M. CAPPELLETTI, foram publicados em forma de volume sob a editorialidade dos Professores Louis
Favoreu e J. JOLOWICZ [doravante citados como Uppsala Reports]. (Uma versão adaptada do relatório
do Deão Favoreu é publicada in Revue du droit public et de la science politique en France et à l’étranger,
1984, 1147-1201).
7
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21
constitucional. Talvez a mais conclusiva evidência do sucesso deste fenomenal desenvolvimento conceitual seja dada por sua tremenda força
de expansão. Refiro alguns episódios: Chipre em 1960, Turquia em 1961,
e Malta em 1964, todos introduziram formas de jurisdição constitucional largamente inspiradas nos modelos da Alemanha, Áustria, e Itália.9
Realmente, parece que nenhum país da Europa, emergindo de alguma
forma de regime não-democrático ou de sérios conflitos domésticos,
poderia achar uma melhor resposta à exigência de reagir contra pecados
passados, e, possivelmente prevenindo uma recaída, do que introduzindo
a justiça constitucional em seu novo sistema de governo. Foi o caso da
Grécia em 1975, depois da queda do regime dos coronéis,10 de Portugal
em 1976, depois da queda do regime de Salazar;11 e da Espanha, depois da
queda de Franco.12 Significativamente, também a Iugoslávia, na procura
de uma autonomia política e ideológica vis-à-vis da União Soviética,
promulgou uma Constituição em 1963 que introduziu um sistema de
revisão judicial.13 A Iugoslávia foi o primeiro e, até agora, o único país
______________
Constituições de Chipre (1960), Turquia (1961) e Malta (1964), Vide Judicial Review, supra nota 4, p. 50-51.
Constituição Grega de 1975. Vide E. SPILIOTOPOULOS, “Judicial Review of Legislative Acts in Greece”,
56 Temple Law Quartely 463 (1983); J. ILIOPOULOS-STRANGAS, “Grundrechtsschutz in Griechenland”,
Jarhbuch des oeffentlichen Rechts, 1983, 396; V. Perifanaki ROTOLO, “La Corte Suprema Speciale nella
Costituzione Greca del 1975”, 29 Rivista trim. di diritto pubblico 183 (1979); L. FAVOREU, supra nota 8, §§
27-31. Sob o sistema grego, todas as Cortes têm o poder de negar aplicação de leis inconstitucionais (assim
o chamado sistema de revisão “descentralizado”, vide nota 5 supra), mas uma recém-instituída “Suprema
Corte Especial” tem a palavra final no caso de opiniões conflitantes entre as altas Cortes.
11
Constituição Portuguesa de 1976. Especialmente após a reforma constitucional de 1982, Portugal adotou
um sistema de revisão judicial similar àquele prevalecente na maioria das nações européias mencionadas no
texto, confiando a função de controle a uma recém-criada Corte Constitucional. Vide L. FAVOREU, supra
nota 8, §§ 22-26; H. FIX-ZAMUDIO, La protección jurídica y procesal de los derechos humanos ante las
jurisdicciones nacionales, Madrid, Civitas, 1982, 203-207.
12
Constituição da Espanha de 1978, seguida pela criação em 1980 de um Tribunal Constitucional bastante
ativo. Vide E. GARCÍA DE ENTERRÍA, La constitución como norma y tribunal constitucional, Madrid,
Civitas, 2ª ed., 1982; J. GONZÁLEZ PÉREZ, Derecho procesal constitucional, Madrid, Civitas, 1980; M.
ARAGÓN REYES, “El control de constitucionalidad en la Constitución española de 1978”, 7 Revista de Estudios Politicos 171 (1979); H. FIX. ZAMUDIO, supra nota 11, 197-202; FAVOREU, supra nota 8, §§ 13-14.
13
O sistema foi reafirmado na Constituição da Iugoslávia de 1974. Vide o relatório de Uppsala por Pavle
NIKOLIC sobre as nações socialistas, supra nota 8, §§ I. 1, III. 2. A et passim; vide também H. F. FIX-ZAMUDIO supra nota 11, 208-212; Judicial Review, supra nota 4, 51-52.
14
Vide relatório Uppsala por P. NICKLIC, supra nota 13, § III. 2. B.; relatório geral de Uppsala por M.
CAPPELLETTI, supra nota 8, § 2.
9
10
Vide A GWIZDZ, “The Constitutional Review of Laws in Poland”, relatório polonês do 1º Congresso da
Associação Internacional de Direito Constitucional realizado em Belgrado, setembro de 1983 (não publi15
22
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
de regime comunista a fazer isso; mas é bastante significativo que a Tchecoslováquia em 1968 – o ano das paixões e esperanças da “Primavera
de Praga” – tenha tentado logo a seguir14 uma experiência semelhante,
e que assim o tenha feito a Polônia, em 1982, antes de o “Solidariedade”
e todo o resto terem sido condenados ao silêncio.15 Diferentemente da
Iugoslávia, entretanto, as emendas constitucionais da Tchecoslováquia
e da Polônia permaneceram letra morta, esmagadas pela ressurgência
de seus regimes autocráticos. Realmente, se uma boa lição claramente
emerge da análise comparativa desses acontecimentos mais recentes,
uma lição que muitos críticos da legitimidade democrática da revisão
judicial parecem negligenciar, é a de que nenhum sistema efetivo de
controle judicial é compatível ou tolerado por regimes anti-libertários
e autocráticos, quer se coloquem à esquerda ou à direita dum espectro
político. O fato de que a revisão judicial se constitui em um anátema à
tirania, é confirmado pelo seu desenvolvimento em vários continentes,
__________________________________________________________
cado); relatório de Uppsala por P. NIKOLIC supra nota 13, § III. 2. C; relatório geral de Uppsala por M.
CAPPELLETTI, supra nota 8, § 2.
16
Vide os iluminados relatórios de Uppsala por J. CARPIZO & H. FIX-ZAMUDIO sobre a América Latina
e por B. O NWABUEZE sobre a África, supra nota 8.
17
A história Sul-Africana de luta de uma Corte contra alguns excessos de um regime não liberal é muito
sugestiva e merece ser relembrada com certos detalhes. A “crise constitucional” daquele país pode ser remontada à decisão da Suprema Corte da África do Sul, no ano de 1952, no caso de Harris e outros v. Ministro
do Interior, 1952 (2) S. A 428 (A.D.), também conhecido como o caso do Voto. Na decisão, a Corte manteve
que o Ato 46 de 1951 (A Representação Separada do Ato dos Eleitores) era inconstitucional. O Ato tinha
o efeito fundamental de desqualificar como votantes os negros do Cabo e a Corte decidiu que isto violava
algumas seções “enraizadas” na Constituição Sul-Africana (Ato da África do Sul de 1909), particularmente
a seção 35, que dispunha que “nenhuma lei ... desqualificará qualquer pessoa ... que é ou possa vir a ser capaz
de se registrar como votante ... somente em razão de sua raça, a não ser que [aprovada por maioria de dois
terços do Senado e da Câmara dos Deputados em sessão conjunta]”. Naquele tempo, a autoridade de revisão
juridicial da Suprema Corte com respeito às seções “enraizadas” era motivo de grande debate e a decisão do
Presidente da Suprema Corte, A. van de Sant Centlivres (que foi declarada pelo menos por um comentarista
- o então Deão da Escola de Direito de Harvard, Ervin Griswold – ombrear com as melhores decisões sobre
direito constitucional, vide Griswald, “Comment: The ‘Coloured Vote Case in South Africa”, 65 Harv. L.
R. 1361 [1953]), criou uma enorme controvérsia na África do Sul. Na decisão, o Presidente da Suprema
Corte Centlivres declarou que a Corte era competente para determinar se um Ato do Parlamento havia sido
validamente aprovado: “determinando diferentemente significaria dizer que as Cortes de Justiça não teriam
poder para proteger os direitos dos indivíduos que estavam especialmente protegidos pela Constituição deste
país.” O caso do Voto p. 479. O governo da África do Sul não ficou satisfeito com a decisão sobre o Voto e
mais tarde, em 1952, cada uma das casas do Parlamento, por maioria simples de votos, promulgou o Ato da
Alta Corte do Parlamento, 35 de 1952, que criou a “Alta Corte” da qual cada membro do Parlamento seria
membro. A “Alta Corte” foi declarada como sendo uma Corte de direito com poder de revisão de qualquer
decisão da Suprema Corte que declarasse atos do Parlamento como inválidos. A “Alta Corte” procedeu então
à revisão do caso do Voto e o derrogou sob a alegação de que as seções “enraizadas” das Constituições Sul-Africanas não eram mais aplicáveis. O Ato da Alta Corte, todavia, foi rapidamente ameaçado pela Suprema
Corte como inválido, concordando os juízes que a Alta Corte era simplesmente o “Parlamento disfarçado”.
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23
e mais freqüentemente na América Latina e África.16 Uma ilustração
peculiar oferece a África do Sul, onde uma “crise constitucional” desenvolvida em 1950 irrompeu no momento em que o Judiciário declarou
inconstitucionais certas promulgações do Parlamento Sul-Africano. A
crise culminou com a adoção da Constituição Sul-Africana de 1961,
que efetivamente negava ao Judiciário qualquer autoridade para revisar
a validade dos atos legislativos.17 4. A França Repudiou Montesquieu ?
Não sou um especialista em assuntos japoneses. Sei, todavia, que,
mesmo naquela nação, a justiça constitucional, inicialmente vista por
muitos como um elemento alienígena no sistema de governo japonês,
gra-dualmente construiu para si uma relevante função e uma significação
genuína dentro do sistema, mesmo que nem tão importante e significativa
_________________________________________________________
Ministro do Interior v. Harris, 1952 (4) S.A .769 (A. D.). Finalmente, em 1955, em outra tentativa de passar por cima de um Judiciário “pouco amigável”, aumentou o Senado (e o Judiciário) e encheu o Senado
com aliados do Partido Nacional de forma que numa sessão das duas casas do Congresso o Governo teria
uma maioria de dois terços de todos os membros das duas Casas. O Ato do Senado, 53, de 1955. No ano
seguinte, o Ato de Emenda Sul-Africana, 9 de 1956, foi aprovado por uma sessão conjunta. Essa emenda
constitucional alterou consideravelmente as cláusulas pétreas da Constituição e particularmente derrogou
a seção 35 relativa aos direitos de desqualificação do voto. A emenda constitucional também considerou a
revisão judicial. A seção 2 estabelecia em termos gerais: “Nenhuma Corte de Justiça será competente para
investigar ou pronunciar-se sobre a validade de lei aprovada pelo Parlamento [exceto aquelas que afetem
as seções “enraizadas”]. É claro, como previamente notado, que as seções pétreas foram consideravelmente
enfraquecidas pela emenda. O Ato aumentando o Senado e a Emenda constitucional foram ameaçados, mas
amordaçados pelo novo Judiciário aumentado. O governo ficou assim em situação de prosseguir e com sucesso retirar os poderes de voto dos negros do Cabo tal como originariamente tentado em 1951. A indignação
causada por esses desdobramentos foi finalmente acalmada em 1961, quando a África do Sul formalmente
tornou-se uma República. A Constituição Sul-Africana de 1961 refletia inteiramente as enfraquecidas secções pétreas e o significado da emenda de 1956. Essa ausência de revisão judicial foi mantida na da África
do Sul de 1983. A nova Constituição, todavia, incorporou uma terminologia de direitos políticos em seu
preâmbulo e pode implicar um papel constitucional mais atuante para as Cortes. Se a revisão judicial pode
tornar-se viável novamente na África do Sul é algo que permanece em dúvida. Para maiores discussões da
“crise constitucional” da África do Sul, em 1950, vide H.J.MAY, The South African Constitution, 3ª ed.,
Capetown, Juta & Co., 1955; B. BEINHART, “The South African Appeal Court and Judicial Review”, 21
Modern L. R. 587 (1958). Para maiores discussões sobre a revisão judicial e o pano de fundo constitucional
na África do Sul vide H. HAHLO e E. KAHN, The South African Legal System and its backgrounded, Cape
Town, Juta & Co., 1968, 53-63; L. A. ROSE INNES, Judicial Review of Administrative Tribunals in South
Africa, Capetown, Juta & Co., 1963, 1-20. Para discussão da Constituição da África do Sul de 1983 e melhor
bibliografia vide L. J. BOULLE, Conntitutional Reform and Apartheid, New York, St. Martin’s Press, 1984.
18
24
Vide relatório Uppsala por Y. Taniguchi sobre o Japão, supra nota 8.
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quanto à da Europa Continental.18 Retornando à Europa, meu relato seria um tanto quanto incompleto caso não dissesse algo a respeito de outras duas grandes nações:
a França e a Inglaterra. Esses países têm sido muito mais relutantes do
que a maior parte da Europa em participar da “revolução constitucional”.
Neles, a supremacia parlamentar se enraizou de há muito como um credo
político – de tal forma que o Parlamento nacional, como incorporação da
vontade democrática, tem-se mostrado imune ao controle judicial. Essa
tem sido a tradição e o mito; na Inglaterra desde a “Revolução Gloriosa”
de 1688, e na França desde sua Revolução um século depois; mito de
que não compartilha a Revolução Americana.19 Para dizer a verdade, cada uma dessas duas nações européias tem
uma história diferente acerca da supremacia parlamentar. Na França, é
mister voltar-se ao passado para nele encontrar um profundo sentimento
de repulsa popular contra o abuso da função jurisdicional exercido pelas
altas Cortes de Justiça no tempo do ancien régime. Esses tribunais, ironicamente denominados de Parlements, tinham competência para rever
atos do soberano, recusando-se a aplicar os considerados incompatíveis
com “as leis fundamentais do reino”.20 Os pronunciamentos - na maior
parte não-escritos - acerca dessas leis fundamentais, entretanto, induziram
as Cortes a afirmar a “heureuse impuissance” do legislador até mesmo
introduzindo pequenas reformas liberais. Os juízes estavam de tal maneira
______________
19
Talvez a razão histórica para esta diferença básica, que se reflete na profunda diferença entre
as versões francesas e americanas de “separação de poderes” (vide texto acompanhando e seguindo nota 33,
infra), encontra-se no fato de que a americana independe do Parlamento Britânico. Isto pode explicar por que,
como diz o Professor HENKIN, os constituintes da Constituição Americana “não estavam contentes com a
democracia, nem mesmo com o governo representativo, pois tinham aprendido que o Parlamento também
poderia ser despótico”. Louis BENKIN, The Rights of Man Today, Boulder, Colorado, Westview Press, 1978,
p. 10, repetindo The Federalist n.º47 (James MADISON): “A acumulação de todos os poderes, legislativo,
executivo e judiciário nas mesmas mãos, se em uma, algumas, ou muitas, e se hereditária, autonomeada, ou
eletiva, pode ser justamente declarada como a exata definição da tirania.”
20
O desenvolvimento gradual e as conseqüências políticas do “poder dos Parlements de vetarem
a legislação real” são descritas por John P. DAWSON in The Oracles of Law, Ann Harbour, A Universidade
de Direito de Michigan, 1968, 362-371. O poder de veto foi exercido por ambos, face à recusa de registrar
as proclamações reais nos registros do Parlement e pelo protesto público (remonstrance) contra um ato real
de que o Parlement desaprovava.
Vide, v.g., J. P. DAWSON, supra nota 20, p. 350-362.
O assim denominado “princípio da venalidade da justiça” foi abolido na França pela Revolução
através da lei de agosto 16-24, 1790, tit. II, art. 1 Vide M. CAPPELLETTI & J. GORDLEY, “Legal Aid:
Modern Themes and Variations”, 24 Stanford Law Rev. 347, 355 (1972).
21
22
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25
identificados com o regime feudal que consideravam inaceitável qualquer
inovação liberal. Os cargos eram hereditários, podendo ser comprados
e vendidos.21 O trabalho dos juízes devia ser pago pelos litigantes como
se a administração da justiça22 fosse um privilégio dos magistrados e
não uma obrigação. Status, educação, família e interesses pessoais de
classe se combinavam para motivar comportamentos extremamente
conservadores, fato que, eventualmente, contribuiu para a deflagração da
explosão revolucionária.23 O ressentimento popular contra os Parlements
era justificado24 e se refletiu, por vezes em forma velada, na celebrada
obra, De L’ Esprit des Lois, publicada pela primeira vez, em 1748, por
quem, ao falar dos juízes de seu tempo e país, sabia muito bem o que
estava dizendo. Charles-Louis de Secondat, o primogênito duma antiga
família de juízes “parlamentares”, contando 27 anos de idade, em 1716,
já se tinha tornado “Président à mortier” no “Parlement” de Bordeaux.
Herdara o alto cargo judiciário, assim como o nome de Montesquieu,
de seu falecido tio.25 Perfeitamente compreensível, dado o tipo de juízes
daquele tempo, pregasse, um iluminado Montesquieu, que os juízes não
deveriam ser investidos de nenhum poder político:
Não há liberdade ... se o poder de julgar não está separado do poder
legislativo e do executivo.26
______________
“Mesmo que a lei”, diz ele, “embora clarividente e cega”,27 parecesse
23
“Por volta de 1750 os Parlements tinham emergido como uma bem-articulada e determinada
oposição, resistindo a todos os esforços de reformas moderadas que sucessivos ministros procuravam
propor. Os Parlamentos fundamentavam suas demandas em sólidos argumentos. Invocavam os direitos
fundamentais do reino e alegavam estar resguardando suas liberdades... A consistente linha política era a da
defesa dos privilégios da nobreza e da resistência a todas as mudanças na administração.” J. P. DAWSON,
supra nota 20, p. 369.
24
A Revolução prontamente dissolveu todos os Parlements e “quando se considera a selvageria
do ressentimento popular contra eles, é surpreendente que poucos de seus membros tenham sido guilhotinados, mesmo sabendo que isto largamente deveu-se ao fato de muitos se terem exilado.” J. P. DAWSON,
supra nota 20, p. 370. “A mais alta taxa de mortalidade recaiu sobre os parlamentaires de Toulouse (55
executados, i.e., 50 porcento). Bordeaux foi o próximo (26 executados, i.e., 20 porcento), e Paris em terceiro
(28 executados ou 14 porcento).” Ibidem p. 370, n.º 22.
25
Vide Robert DERATHÉ, in MONTESQUIEU, De L’Esprit des Lois”, Tomo I, Paris, Editions
Garnier Frères, 1973, p. LXVII-LXVIII.
26
De L’Esprit des Lois, livro XI, cap. VI (traduções desse artigo, senão diferentemente indicado,
são de M. CAPPELLETTI).
27
Ibidem.
28
Ibidem. A teoria de Montesquieu tem, nada obstante, várias ambigüidades. Contrariamente a J. J. ROUSSEAU, que era a favor de um governo “republicano” – i. e., de um governo “guiado pela vontade geral,
que é a lei” (Jean-Jacques ROUSSEAU, Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique, livro II, cap.
VI, nota 1 et passim) ou, na definição de Montesquieu, de um governo no qual “o povo...tem o poder soberano” (MONTESQUIEU, ob. cit., livro II, cap. 1) – Montesquieu advogava uma monarquia moderada, não
absoluta, ou, como nós a chamamos hoje, uma monarquia constitucional (livro II, cap. IV e livro V, cap.
26
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em certos casos cruel, ainda assim não seria dado aos juízes interferirem;
pois esta tarefa é da competência exclusiva dos legisladores. Aos juízes
_________________________________________________________
XI), enquanto condenava a forma despótica de governo (livro II, cap. V e livro V, cap. XIV). A monarquia
de Montesquieu era por ele caracterizada como um sistema em que “somente uma pessoa governa, mas
com base em leis fixas e estabelecidas” (livro II, cap. 1) e contrastava com o regime despótico em que “uma
pessoa decide tudo, sem leis nem regras, meramente baseada em sua vontade e caprichos” (ibidem). Ele
enfatizou, repetidamente, que o monarca não-despótico estará obrigado por “direitos fundamentais” (livro
II, cap. IV; livro V, cap. XI) e não deverá concentrar em si a função judicial (livro VI, cap. V). Assim agindo,
todavia, Montesquieu parecia apoiar exatamente o que os Parlements tinham tentado fazer por um longo
tempo – impor, mesmo contra o monarca, a superioridade de certas leis não-escritas, “leges generales” ou
direitos fundamentais, “fixes et immuables”, que, no entanto, devido a sua essencialmente fluída e vaga
natureza eram interpretadas arbitrariamente por aquelas Cortes de Justiça do ancien régime. Essa doutrina
da superioridade “dos direitos fundamentais do reino” leva os Parlements a exercerem aquilo que redundava
ser uma revisão judicial da legislação. Vide Judicial Review, supra nota 4, 32-36; e vide o texto e nota 20,
supra. Há no mínimo duas passagens no L’Esprit des Lois, nas quais Montesquieu parece apoiar essa função
jurisdicional dos Parlements: no livro III, cap. X, onde ele lamenta que nos regimes despóticos, o “príncipe”
requer obediência absoluta a seus desejos e nenhuma “remonstrance” é permitida; e no livro V, cap. X, onde
ele elogia a (moderada) monarquia pelo fato de que, embora os negócios do estado sejam conduzidos por uma
só pessoa, mais eficiente e prontamente do que no governo “republicano”, tal eficiência não degenera em
descaso porque a ação estatal é constrangida ao respeito às leis. Teria então Montesquieu “repudiado” – ou de
fato contraditado a si mesmo? Onde estará o “verdadeiro” Montesquieu? Como poderiam tais passagens ser
reconciliadas com o contínuo apelo no sentido de que as decisões não deveriam ser “arbitrárias” (livro XI,
cap. VI); que nas boas monarquias a virtude do juiz encontra-se na “la médiocrité” (livro XX, cap. XIII); que
os juízes estão obrigados a aplicar rigorosamente “la loi” (“onde necessário, o juiz simplesmente
a segue; onde não, ele procura seu espírito”) (livro VI, cap. III; que o julgamento não refletirá as opiniões
pessoais do juiz (livro XI, cap. VI); que nenhuma liberdade existe quando o juiz é também o legislador
(livro XI, cap. VI); em suma, que o juiz deve ser somente a “inanimada” boca da lei (ibidem)? Uma explicação, naturalmente, poderia ser a influência das teorias do direito natural dominante em toda a Europa nos
séculos XVII-XVIII com as quais Montesquieu compactuou (vide, v.g., livro I, cap. II, para uma estudada
interpretação vide R. SHACKLETON, “Montesquieu em 1948”, 3 Estudos Franceses 299, 303-323 (1949)).
Tais teorias afirmam a existência de certos direitos, enraizados na natureza ou na razão humanas, imutáveis
e universais e superiores ao direito positivo de um dado tempo e lugar. Essas teorias também eram dificilmente compatíveis com um papel puramente mecânico do juiz. No entanto, afora a obediência e a aplicação
do direito natural, eram para serem relegadas à exclusiva preocupação do soberano, como na concepção
de Hobbes, que foi severamente condenado por Montesquieu (vide R. SHACKELTON, “Montesquieu em
1948”, 3 Estudos Franceses 299, p. 310-311 (1949). Uma outra explicação pode ser a de que Montesquieu
não atribuía, afinal de contas, uma importância muito grande aos “direitos naturais” na determinação do
papel dos juízes. Deve-se notar que, muito embora mesmo os reis de França admitindo a existência de tais
direitos, donde provinham seus poderes, “tinham limitado o número (desses direitos) a somente dois: o
direito que regulava a sucessão à coroa (Lei Sálica) e o direito que estabelecia a inalterabilidade do domínio
real” (assim R. DERATHÉ, supra nota 25, p. 430). Isso, naturalmente, era muito pouco para representar a
fundamentação de um sistema de revisão judicial da legislação monárquica. Uma terceira explicação, que
parece mais plausível, é a da visão de Montesquieu em defesa de uma “monarquia moderada” em que os
poderes do monarca estavam mais limitados pelos “poderes intermediários” (vide v.g., De L’Esprit des Lois,
livro II, cap. IV) e mais particularmente pela nobreza (ibidem) do que pelo papel das Cortes. A opinião
contrária de DERATHÉ, ob. cit., p. XXXI-XXXII,não parece convincente; mesmo o assim chamado “éloge
de l’état de la robe” por Montesquieu no livro XX, cap. XXII, está longe de significar o que DERATHÉ
parece sugerir. Porque, conforme o já mencionado, mesmo Montesquieu magnificava a “médiocrité” e a
“suffisance” do juiz “parlamantaire”, embora pagasse um tributo à “gloire” do “corps” como tal; a glória, a
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27
incumbe o dever de aplicar a lei cegamente, uma vez que os juízes não
são nada mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei; são seres
inanimados que não podem moderar, quer a força, quer o rigor da lei.28
Embora Montesquieu, diferentemente de Locke, tenha apresentado o
Judiciário como um dos “três poderes”, seguindo-se ao Legislativo e ao
Executivo,29 deixou claro, contudo, que este terceiro ramo, na realidade,
não é um “poder”:
Dos três poderes de que falamos, o Judiciário é, em certo sentido,
nulo.30 Qualquer que tenha sido a real influência de Montesquieu na Revolução Francesa, essa idéia deveria tornar-se a parte central de sua ideologia.
A Revolução proclamou, como um de seus primeiros princípios, a absoluta supremacia do direito escrito; do direito originado do corps législatif
por representantes do povo, enquanto reduzia o Judiciário a desempenhar
uma tarefa puramente mecânica de aplicação da lei aos casos concretos.
Naturalmente, também a fé roussoniana na “infallibilité” da “loi”, como
expressão da “volonté générale”, encontrou sua maior expressão neste
desdobramento revolucionário.31 __________________________________________________________
qualquer custo, que é imediatamente declarada bastante inferior àquela da nobreza (ibidem). E, realmente,
quão profético foi ele ao louvar tal mediocridade! Implementando o espírito desta recomendação, não muitas
décadas depois a França, e no despertar da França, grande parte do continente europeu acabou por introduzir
a carreira judiciária, preenchida por servidores públicos – a glória real da médiocrité. Como tentei demonstrar
em outra ocasião (vide Judicial Review, supra nota 4, p. 60-66 e “The Doctrine of Stare Decisis and the
Civil Law”, in Festschrift für Konrad Zweigert, H. Berstein, U. Drobing & H. Kötz eds., Tübingen. Mohr,
1981, 381, 387-393), esta “mediocridade” social e profissional dos juízes ordinários continentais (“Civis”)
tornar-se-ia uma das razões por que eles se tornariam inadequados para o desafiador papel da revisão judicial
dos atos administrativos e legislativos. Daí ser essa uma importante razão por que as Cortes Administrativas
especiais precisaram ser criadas no século XIX e especialmente as Cortes constitucionais em nosso século
para preencherem aquele papel. Hoje, os juízes administrativos e até mesmo os constitucionais na Europa
assemelham-se muito mais aos juízes federais americanos do que aos simples juízes de carreira.
29
De L’Esprit des Lois, livro XI, cap. VI.
30
Ibidem.
31
Ibidem.
A influência dos “ditames da lógica de Montesquieu na produção desta estrita separação dos
poderes governamentais que permaneceu como um quadro básico da organização judicial francesa” é
afirmada por J. P. DAWSON, supra nota 20, p. 376.
33
A freqüente afirmação feita de que “a Constituição dos Estados Unidos compreende a idéia (do
Barão de Montesquieu)” da separação dos poderes – como se pode ler, v.g., in P. P. Wiener, ed.,Dictionary of
the History of Ideas, II, New York, Charles Scribe’s Sons, 1973, 251 – é, para dizer o mínimo, de justificação
32
28
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Na realidade, a estrita separação, “French style”, dos poderes governamentais, se de inspiração realmente 32 “montesquiana” ou não, estava
a milhas de distância do tipo da separação dos poderes praticamente
adotada ao mesmo tempo pela Constituição Americana. A separação dos
poderes na América é melhor caracterizada como “pesos e contrapesos”33 e sob este princípio está reservada aos tribunais a função extremamente
importante de rever atos do Legislativo e da Administração. “Séparation
des Pouvoirs” no estilo francês, ao contrário, implicava que o Judiciário
deveria, a qualquer preço, assumir um papel totalmente subserviente,
estritamente diverso do papel e da atividade dos órgãos políticos. Essa
circunstância logo provou ser a fonte de problemas e dificuldades não
menos sérias do que as que tentava solucionar. A história legal da França, através da maior parte do século XIX, é a ilustração contínua de tais
problemas, tanto quanto de enormes esforços para achar soluções novas
e mais apropriadas para os mesmos problemas. Com isso, reduziu-se
a função judicial a uma cega e “inanimada” máquina caça-níqueis de
aplicação das leis a casos individuais, indiferente à realidade, isto é, ao
fato de que nenhuma norma, lei, ou código poderiam ser tão claros e
completos para permitir uma única e “correta” interpretação.34 De modo
ainda mais importante, o modelo montesquiano (e roussoniano), tal como
introduzido pela legislação Revolucionária Francesa - enquanto tentativa
de proteção contra a tirania -, deixou as portas abertas às tiranias do Legislativo e do Executivo. A famosa loi revolucionária de 16-24 de Agosto de
1790 da “organization judiciaire” - cujos princípios dever-se-iam tornar
os pilares do sistema judicial francês e de outros sistemas continentais,
influenciados pela França -, estabeleceu que não seria permitido nenhum
controle pelo judiciário de atos legislativos ou administrativos:
______________
duvidosa. O fato é que a “séparation des pouvoirs”, do modelo francês, é algo muito diferente do que sua
versão americana, melhor descrita como “de pesos e contrapesos”. Vide, v.g., J. H. MERRYMAN, The Civil
Law Tradition, 2ª ed., Stanford, Cal., Stanford University Press, 1985, 15-16; Sir Otto KAHN-FREUND,
Common Law and Civil Law in Imaginary and Real Obstacles to Assimilation”, in M. CAPPELLETTI,
ed., New Perspectives for a Common Law of Europe, Leyden & Bruxelles, Sijhoff & Bruylant, 1978, 173,
p. 159. A história da França (e da Europa continental) da Justice administrative no século XIX e da justice
constitutionnelle em nosso tempo, sobre a qual vide infra nesta seção, seria totalmente incompreensível se
a afirmação acima fosse correta.
34
Até os positivistas legais concordam. Vide, v.g., Alf Ross, sobre Direito e justiça, Berkeley,
University of California Press, 1959, 284 (“nenhuma situação concreta permite uma só aplicação da lei”);
H. L. A. HART, supra nota 2, p. 629 (“a lei existente impõe limites somente em nossa escolha e não sobre
a escolha propriamente dita”).
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
29
“Título II, Art. 10: Os Tribunais Judiciários não tomarão parte, direta ou indiretamente, no exercício do Poder Legislativo, nem impedirão ou suspenderão a execução
de decisões do Poder Legislativo...
Título II, Art. 12: (Os Tribunais Judiciários) reportar-se-ão ao corpo legislativo
sempre que assim considerarem necessário, a fim de interpretar ou editar uma nova lei.
Título II, Art. 12: As funções judiciárias são distintas e sempre permanecerão
separadas das funções administrativas. Sob pena de perda de seus cargos, os juízes
de nenhuma maneira interferirão com a Administração Pública, nem convocarão os
administradores à prestação de contas com respeito ao exercício de suas funções.”35 Isso significa dizer que tanto os legisladores quanto os administradores
públicos estavam isentos de qualquer controle por parte de um terceiro
órgão, independente, apolítico ou, de alguma forma, menos político. Os
controles internos, naturalmente, poderiam ser e de fato foram estabelecidos. Mas a história, não raro neste ponto de forma infeliz, provou que,
para serem efetivos, os controles dos órgãos políticos dificilmente podem
ser controlados de dentro. Um Poder Executivo eficiente é hierarquizado.
Não permite, em seu mais alto nível, um fácil controle interno independente, e isto não é menos verdadeiro para o Poder Legislativo, que se
afirma como supremo. Deve-se admitir, sem surpresa, portanto, que todos
os sistemas passados e presentes de controle político e não-judicial, como
os experimentados na França com as Constituições de 1799, 1852 e 1946,
e os correntemente adotados por muitos países comunistas, revelaram-se extremamente ineficientes.36 O controle efetivo dos órgãos políticos
necessita ser realizado de fora: precisa ser confiado a pessoas e a agências suficientemente independentes em relação aos órgãos controlados.
E disso, de fato, os franceses gradualmente se deram conta, pelo menos
no tocante ao ato administrativo. O Conseil d’ État, gloriosa instituição,
gradualmente evoluiu, de mero departamento interno da administração,
como inicialmente havia sido no século XIX, até tornar-se uma agência
judicial independente, por todos reconhecida como uma alta Corte da
______________
35
O texto completo da loi pode ser encontrada em J.B. DUVERGIER, Collection Complète des
Lois, etc., I, Paris, Guyot et Scribe, 1834, 310-333.
36
Para os precedentes franceses vide Judicial Review supra nota 4, p. 33 e as referências na nota
30 ibidem. A maioria das constituições européias orientais e outras dos países socialistas confiam o papel
de controlar a constitucionalidade da legislação ao “Soviet Supremo” ou à “Assembléia Popular” e/ou aos
“praesidiums”. O constitucionalista iugoslavo Pavle Nikolic, em seu relatório de Uppsala sobre os países
socialistas, supra nota 13, informa-nos que este “autocontrole, i.e., o controle da constitucionalidade da
legislação confiada ao próprio corpo legislativo, provou ser ineficiente”. Esta mesma ineficiência foi a
maior razão que levou a Yugoslávia a adotar, e a Tchecoslováquia e a Polônia tentaram adotar, um sistema
30
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
França. Seu papel é o de controlar a legitimidade do ato administrativo.
Quanto mais importante e aceito se torna o papel do Conseil, tanto mais
independente ele se apresenta vis-à-vis dos órgãos políticos. E com sua
independência, a natureza judicial do processo também fica cada vez
mais acentuada e reconhecida, com todas as conseqüências de tal entendimento – incluindo a adoção das salvaguardas mais características do
processo judicial: a imparcialidade do magistrado, o direito das partes
de serem ouvidas e de todos os vários corolários dessas regras básicas
da “justiça natural”37 .
A França, naturalmente, foi o início, no velho continente, dessa
evolução histórica: o estabelecimento da justice administrative ou da
revisão judicial dos atos administrativos. Cedo ou tarde, entretanto, outras nações continentais seguiram seu exemplo, e, assim, o sistema de
justice administrative francês tornou-se modelo do desenvolvimento de
órgãos análogos, tais como a Verwaltungsgerichtsbarkeit, na Alemanha,
e a giustizia amministrativa, na Itália etc.38 Nosso século, todavia, haveria de ensinar uma outra lição: a de que a
idéia roussoniana da infalibilidade da lei parlamentar não passava de outra
ilusão,39 pois até o Legislativo, e não apenas o Executivo, pode abusar do
poder. A experiência mostrou, além disso, que a possibilidade do abuso
legislativo cresceu enormemente com o crescimento legiferante do estado
moderno,40 e, também, que as tiranias legislativas e majoritárias podem
ser tão opressivas quanto a tirania do Executivo. É suficiente lembrar a
legislação fascista, que privou os judeus e outras minorias de seus direitos
mais fundamentais. Essa é a razão por que a Áustria, a Itália e a Alemanha, emergindo do descalabro moral e material, da perversão política, da
ditadura e da derrota, logo se voltaram para a justiça constitucional, como
antes se aludiu, para criar um novo tipo de controle a ser acrescentado
_________________________________________________________
de revisão judicial no lugar de uma revisão política. Vide o relatório de NIKOLIC, §§ II. 2. I, III. 2. A B-C;
e vide o texto e as notas 13-15 supra.
37
Para uma breve idéia sobre o desenvolvimento da justice administrative na França, vide L. N.
BROWN & J. F. GARNER, French Administrative Law, 3ª ed., London, Butterworth, 1983, 28-31.
38
A influência do sistema francês de justiça administrativa fora da França é discutida in id.,
162-171.
39
Vide o relatório Uppsala por L. FAVOREU, supra nota 8, § 48; vide também Jean RIVERO,
40
Vide M. CAPPELLETTI, “Nécessité et Légitimité de la Justice Constitutionnelle”, in Cursos
Constitucionais, supra nota 7, 464-471 [doravante citada como “Nécessité et Légitimé”].
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
31
à justice administrative. Assim fazendo, tentavam limitar e controlar o
poder do legislativo e da maioria legislativa, dentro do esquema da nova
norma constitucional, tornada atuante pela decisão constitucional. A influência histórica das idéias francesas, entretanto, pode também ajudar a
compreender porque essas nações sentiram a necessidade de seguir um
caminho similar àquele da justice administrative: todas elas controlam
os órgãos judiciais de controle do ato administrativo41 – criado que foi
um novo tipo de órgão controlador, quase como um pendant do Conseil
d’ Etat do século XIX e de seus similares alemães e italianos.
A França, por outro lado, estava de algum modo menos envolvida
nesse novo curso de ação. Os abusos do régime de Vichy durante a II
Guerra Mundial foram talvez menos excessivos, e certamente menos
duráveis do que em outros países. Isso pode explicar porque a França,
muito embora a líder no século XIX no desenvolvimento da justice administrative, não desempenhou o mesmo papel no desenvolvimento da
“constitutional justice” no mundo que se seguiu à II Guerra Mundial.
Todavia, isso não foi ainda o fim da atuação francesa. A França,
embora não tenha liderado o processo, envolveu-se ultimamente de
maneira profunda num fato mais recente: o da revolução da revisão
constitucional e judicial.42 Tal tornou-se patente especialmente a partir
de 1971, quando o órgão criado pela Constituição de De Gaulle, de 1958,
denominado Conseil Constitutionnel, corajosamente transformou seu
papel, transmudando-o radicalmente. Originariamente, visto como mero
vigia dos ampliados poderes do Executivo sob o regime do Général, o
Conseil Constitutionnel assentou-se, pela primeira vez, em julho de 1971,
como um órgão independente, quase judicial, cujo papel era o de rever
a constitucionalidade da legislação parlamentar, violadora de direitos
fundamentais. Uma emenda constitucional de 1974, promulgada durante
o governo do Presidente Giscard d’Estaing, reforçou esse desenvolvimento, garantindo às minorias parlamentares de oposição o direito de
______________
41
Vide nota 5, supra.
Os desdobramentos na França são descritos por M. CAPPELLETTI, “The ‘Mighty Problem’ of Judicial
Review and the Contribution of Comparative Analyses”, 53 Southern California Law Rev. 409, 412-421
(1980) [doravante citada como “The Mighty Problem”]; vide também o relatório Uppsala por Favoreu ,
supra nota 8, §§ 15-20.
43
Relatório Uppsala por L. Favoreu, supra nota 8, § 38 et passim.
44
Sobre as “infirmações” do sistema francês vide “Nécessité et Légitimité”, supra nota 40, 499-501.
42
32
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
questionarem a legislação perante o Conseil Constitutionnel. Hoje, muitos
juristas concordam com nosso colega francês, o Deão Louis Favoreu,
que manteve a opinião de que o sistema de revisão judicial da constitucionalidade da legislação, desenvolvido pela França durante os últimos
quinze anos, é tão efetivo como o das nações continentais vizinhas.43 No
entanto, ao menos duas sérias limitações do sistema francês não devem
ser desconsideradas.44 Primeiro, na França não há possibilidade de os
indivíduos, cujos direitos fundamentais tenham sido violados, levarem
sua inconformidade ao Conseil Constitutionnel, uma vez que a legislação parlamentar somente pode ser atacada por pelo menos 60 membros
de cada Casa do Congresso, ou por autoridades políticas que tenham
representatividade individual para assim agirem no interesse geral. Segundo, a legislação só pode ser atacada durante o curto período entre sua
aprovação pelo Congresso e o de sua promulgação, porquanto, uma vez
promulgada, nenhum juiz na França pode afastar uma loi, declarando-a
conflitante com a Constituição. De mais a mais, mesmo nesses estreitos
limites, a revisão judicial da legislação na França só se tornou expressiva há bem pouco tempo. Em muitos casos, os direitos constitucionais
das minorias e dos cidadãos encontraram nesse sistema revisional um
formidável escudo contra o que era havido por muitos como um abuso
da maioria. Assim, a Constituição francesa, e muito particularmente seus
direitos fundamentais que incluem a Déclaration des droits de l’homme
et du citoyen, de 1789, tornou-se, pela primeira vez, em toda a sua extensão,45 legalmente obrigatória e judicialmente impositiva.
5. A “Grundnorm” inglesa: A Absoluta Supremacia do Parlamento
A Inglaterra, naturalmente, apresenta uma história muito diferente.
Por um lado, contrariamente ao ancien régime da França, lá não houve
nenhum profundo sentimento popular contra o judiciário, cujo histórico
papel de proteção das liberdades individuais geralmente gozou de largo
______________
45
Algumas das decisões mais marcantes do Conseil Constitutionnel são traduzidas in M. CAPPELLETTI
& W. COHEN, Comparative Constitutional Law, Indianapolis, Bobbs-Merril, 1979, cap. 3. C
e cap. 5.C. [doravante citado como Coparative Const. Law]. Vide L. FAVOREU & L. PHILIP, Les Grandes
Décisions du Conseil Constitutionnel, 3ª ed., Paris, 1984.
46
Vide Judicial Review, supra nota 4, 36; J. H. MERRYMAN, supra nota 33, 16.
47
A frase citada no texto tem uma literatura própria, discutindo a quem se deve a paternidade (De Lolme,
Bagehot). Vide, v.g., W. HOLDSWORTH, 12 A History of English Law, London, Methuen,
1938, reedição 1966, p. 344 n. 5; H. J. ABRAHAM, The Judicial Press, 2ª ed., 1968, p. 295
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33
espectro.46 Isso pode explicar porque, diferentemente da França, na
Grã-Bretanha, a revisão judicial do ato administrative nunca encontrou
sérios obstáculos. A doutrina da separação dos poderes jamais foi inteiramente adotada na Inglaterra, em sua “versão francesa”, isto é, na versão
que implica a proibição de qualquer “interferência” dos tribunais nos
órgãos da administração, e não somente no Legislativo. Por outro lado,
a Revolução Inglesa de 1688 afirmou, muito enfaticamente, a absoluta
supremacia do Parlamento que, como diz o provérbio, “pode fazer tudo,
menos transformar um homem em mulher ou uma mulher em homem”.47
Rejeitando esses precedentes judiciais, como a famosa decisão do Lord
Coke no caso Dr. Bonham, em 1610,48 a supremacia parlamentar teve
como corolário a irrevisibilidade da legislação parlamentar – a “onipo______________
48
A decisão Bonham, como é muito conhecida, afirmava o poder que o Judiciário tem de controlar a validade da legislação: “porque, quando um ato do parlamento é contra o direito e a razão comum,
ou incompatível, ou impossível de ser aplicado, o direito consuetudinário o controlará e o considerarão
um ato nulo.” 8 relatórios Coge 118a; 77 Eng. Rep. 652. Para um comentário muito utilizado vide T. F. T.
PLUCKNETT, “O caso Bonham e a Revisão Judicial” 40 Harvard Law Rev. 30-70 (1926). Vide também
Judicial Review, supra nota 4, 36-41.
49
Em uma passagem muito criticada por John Austin, Blackstone afirmava que o direito natural,
sendo “superior em obrigação” ao direito positivo, “é obrigatório sobre todo o mundo, em todas as nações,
e em todos os tempos: nenhuma lei humana tem qualquer validade se lhe é contrário; e elas, enquanto válidas, retiram todas as suas forças e toda sua autoridade, mediata e imediatamente, desta fonte original”,
de forma que “[somos] obrigados a transgredir a lei humana” violadora do direito natural. Vide William
BLACKSTONE, Commentaries of the Laws in England, Introdução, secção Segunda “Of the Nature of
Laws in General” (Oxford, Clarendon Press, 1765, p. 41,43); John AUSTIN, The Povince of Jurisprudence
Determined, 1832, Lecture V (London, Weidenfeld & Nicolson, 1954, p. 184-186). Todavia, Blackstone
também afirmou que o poder do Parlamento é “tão transcendental e absoluto, que ele não pode ser confinado...dentro de quaisquer fronteiras...ele tem autoridade soberana e incontrolável para fazer, confirmar,
aumentar, restringir, abrogar, anular, repristinar e interpretar as leis concernentes a matérias de qualquer
natureza eclesiásticas ou temporais, civis, militares, marítimas ou criminais: este sendo a sede em que esse
poder absoluto e despótico, que há de residir em qualquer governo, é posto pelas constituições deste reino ...
Pode, em suma, fazer tudo quanto não seja naturalmente impossível; e por isso alguns não têm escrúpulos em
exercer este poder, através de uma imagem excessivamente ousada como a onipotência do Parlamento. Na
verdade, o que o Parlamento faz, nenhuma força no mundo pode desfazer ... Conseqüentemente, enquanto a
Constituição inglesa subsistir, ousaremos afirmar que o poder do Parlamento é absoluto e fora de controle.”
BLACKSTONE, Commentaries, Livro I, cap. II, p. 160-162; vide também a Introdução, secção 3ª “Of the
Laws of England”, p. 90-91, em que Blackstone rejeita a possibilidade de os juízes afastarem as leis do
Parlamento mesmo quando estas leis imponham “algo que não seja razoável”. “Eu não conheço poder”,
diz ele, “que ‘possa obstar’ tais leis; e sustentar que os juízes têm liberdade para rejeitá-las”, colocaria o
poder judicial acima da legislatura, o que seria a subversão de qualquer governo. Como Pound observou
acertadamente, quando Blackstone “aplica [esta teoria do direito natural] à legislação, ele se retrata”. R.
Pound, “Common Law and Legislation”, 21 Harv. L.Rev. 338, p. 392 (1908).
50
John LOCKE, The Second Treatise of Government, cap. XII, §§ 145, 149 et passim. 51
The Second Treatise, cap. XII, §§ 145-148 et passim.
52
The Second Treatise, 52, cap. XI, § 134, cap., 149, et passim.
53
The Second Treatise, cap. XIX, § 212. Pode ser verdade, no entanto, que em razão do poder
legislativo e mais geralmente, do “poder de governar”, ter sido considerado por Locke como “a promulgação
e a sanção de uma lei, a lei da natureza que é a lei da razão,” ele tenha visto uma forma “judicial” inerente
34
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
tência” do direito (lei) positivo e a impotência judicial para controlar a
“validade” da lei.49 Se o modelo francês de impotência do Judiciário encontra em Montesquieu seu mais autorizado teórico, embora não sem ambigüidades, John
Locke é visto como tendo desempenhado papel similar na Inglaterra.
Embora esteja freqüentemente associado com a histórica doutrina da separação dos poderes, Locke, de fato, não via o Judiciário como um “ramo”
ou “poder” separado. Em sua tricotomia, os dois poderes “derivados” ou
“inferiores” eram o “Executivo50 ” e o “Federativo”,51 enquanto o poder
“supremo”, o “Legislativo”,52 é magnificado como o “a alma que dá
Forma, Vida, e Unidade à Commonwealth”.53 Ainda que o “Legislativo”
de Locke estivesse constrangido a “revelar” e a “executar” as “eternas
e imutáveis leis da natureza”, descobertas, mas não criadas pela razão,54
ele não via o judiciário como o aplicador competente e privilegiado desses naturais limites legais da vontade legislativa55 . A doutrina de Locke
repercutiria e far-se-ia mais explícita através de Blackstone, quando o
grande comentador rudemente rejeitou a revisão judicial, considerando-a
como equivalendo a colocar “o Poder Judiciário acima do Legislativo,
o que seria a subversão de todo o governo”.56 Diferentemente do que ocorre na França, não se trata de história passada para a Inglaterra. A supremacia parlamentar ainda é ali afirmada
como um princípio básico: a Grundnorm57 da Constituição não-escrita
daquele país. Nos últimos anos, porém, significativas brechas foram
abertas nos sólidos princípios das tricentenárias muralhas. Mencionarei
apenas duas que se aplicam ao Reino Unido e, ao mesmo tempo, a várias
das demais nações da Europa Ocidental. Elas nos revelaram uma nova
e única dimensão do extraordinário desenvolvimento e crescimento da
______________
e que perpassa àquele poder, tal como observado por Peter LASLETT, “Introduction” to John Locke, Two
Treatise of Government, Cambridge, in University Press, 1960, 96, 107; vide, vv.g., The Second Treatise,
cap. VII, §§ 88-89, cap. XI, § 136.
54
Vide, v.g., The Second Treatise, cap. IX, § 124.
55
Vide v.g., The Second Treatise, cap. XI, § 135.
Vide nota 49, supra.
Vide v.g., G. WINTERTORN, “The British Grundnorm: Parlamentary Supremacy Re-examined”
Law Quartely Review, 1976, 591-617.
56
57
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
35
revisão judicial na Europa, vale dizer, sua dimensão transnacional.
6. Estaria a Inglaterra Abandonando sua
Grundnorm Lockeniana? A Lei Comum “Não poderia Ser Detida”
A primeira “brecha na muralha” foi aberta pela Comunidade Européia.
Como se sabe, desde 1973, o Reino Unido tornou-se membro pleno da
Comunidade Européia – o assim chamado Mercado Comum, de que
ora participam dez países da Europa, mas que, em breve, tornar-se-ão
treze, com uma população de cerca de 300 milhões de pessoas. Uma das
características básicas da Comunidade é a de que ela se auto-outorgou
poderes legislativos, em um largo espectro de áreas, especialmente na
econômica, mas também no plano social. O Direito Comunitário, na
sua maior parte promulgado pelo Conselho de Ministros da Comunidade Européia, com alguma participação da Comissão Comunitária
e do Parlamento Europeu, provou ser um ordenamento de legislação
transnacional em expansão, consistindo por enquanto, basicamente, em
milhares de “regulamentos” e “diretivas”.58 Na expressiva frase de Lord
Denning, este corpo legislativo da comunidade penetrou no sistema legal
britânico e no sistema dos outros nove Estados-membros “como uma
maré crescente, [que] corre pelos estuários e rios adentro [e que] não
pode retroceder.”59 A razão pela qual ele não pode ser contido decorre
do princípio básico do Direito Comunitário que assegura a “aplicação
direta” da lei da comunidade, como sendo automaticamente the law of
______________
58
Vide v.g., C. Sasse & H. C. YOUROW & E. STEIN, eds., COURTS AND FACE MARKETS,
I, Oxford, Clarendon Press, 1982, 92-126. Vide geralmente E. STEIN. P. HAY & M. WAELBROECK, European Community Law and Institutions in Perspective, Indianapolis, Bobbs-Merril, 1976; COMMISSION OF
THE EUROPEAN COMMUNITIES, 30 anos da Comunidade do Direito, Luxemburgo, Office for Official
Publications of the European Communities, 1983.
59
Vide Comparative Const. Law, supra nota 45, p. 137; a citação é de Bulmer v. Bollinger,
(1974) 2 All E. R. 1226.
60
O princípio foi afirmado pela primeira vez na histórica decisão da Corte de Justiça Européia
(CJE), van Gend en Loos v. Nederlandse Administrative Belastingen, Case 26/62 (1963) ECR 1. Vide v.g.,
L. N. BROWN N. F. G. JACOBS, The Court of Justice of the European Communities, 2ª ed., London, Sweet
& Maxwell, 1983, p. 162.
61
Vide Comparative Const. Law, supra nota 45, p. 137. Vide também M. P. FURMSTON, R.
KERRIDGE & B. SUFRIN, eds. The Effect on English Domestic Law of Membership of the European Communities and of Ratification of the European Convention on Human Rights, The Hague, Nijhoff, 1983, 1-246.
36
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the land de cada um dos Estados-membros.60 Nas palavras ainda de Lord
Denning: “o Parlamento decretou que (a lei da Comunidade) é...parte
de nosso direito.”61 Tal conseqüência é da própria natureza do Direito Comunitário,
porquanto, pelo menos como regra geral, ele deverá ser uniformemente
aplicado em todos os Estados-membros. Isso explica porque, desde 1964,
consistente corrente jurisprudencial da Corte de Justiça Européia – a Corte
da Comunidade, com sede em Luxemburgo – estabeleceu que o direito
da Comunidade não é somente o direito de todos os Estados-membros, a
ser diretamente aplicado por todos os tribunais nacionais, como também,
e sobretudo, é a mais alta lei dos Estados-membros, prevalecendo sobre
a legislação nacional conflitante.62 A legislação nacional, independente da
data de sua promulgação, há de ser afastada pelos tribunais nacionais dos
dez países, se considerada contrária à legislação da Comunidade,63 e os
problemas de interpretação se resolvem, em última instância e com efeito
final, para todos os Estados-membros, pela Corte Européia de Justiça.64 Podemos verificar, assim, que uma nova e importante forma de revisão
judicial da legislação penetrou nos “estuários e nos rios” da Inglaterra e
também nos outros nove sistemas jurídicos europeus. É uma forma de
revisão muito similar à decisão executiva americana da supremacia da
legislação federal sobre as leis estaduais conflitantes. Na verdade, não
se trata de um controle de constitucionalidade da legislação, embora
seja pelo menos um primeiro passo para o reconhecimento, mesmo na
Inglaterra, de que o princípio histórico da absoluta supremacia da lei
Parlamentar não mais prevalece inteiramente.
______________
62
A primeira afirmação da preeminência da doutrina pode ser encontrada em outra histórica decisão da CJE, Costa v. ENEL, Caso 6/64 (1964) ECR 585. Sobre a gradual aceitação pela maioria da cortes
nacionais da doutrina da supremacia do direito da Comunidade vide, “The Mighty Problem”, supra nota 42,
p. 424-426; R. KOVER, “The Relationship Between Community Law and National Law” in Thrity Years of
the Community Law, Luxembourg, 1982, 109.
63
Vide a decisão da CJE in Simmenthal, Case 106/77, (1978) ECR 629.
64
Vide v.g., L. N. BROWN & F. G. JACOBS, supra nota 60, p. 281-285; decisão da CJE Da Costa
en Schaake, Casos 18-30/62 (1963) ECR 31. Geralmente, no papel da Corte de Justiça Européia, vide M.
CAPPELLETTI, M. SECCOMBE N J. WEILER, eds. Integration Through Law. Europe Experience, Vol. 1,
Livro 2, Berlin & New York, de Gruyter, 1986, publicação inédita. AmericanAmerican Federal Experience,
Vol. 1, Livro 2, Berlin & New York, de Gruyter, 1986, publicação inédita.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
37
7. A “Justiça Transnacional” da Corte Européia dos
Direitos Humanos
Um segundo desenvolvimento dessas idéias diz mais respeito a nossa
preocupação inicial, ou seja, à revisão da constitucionalidade da legislação e, mais especialmente, à revisão judicial, como instrumento de
proteção dos direitos humanos. Realmente, há poucos anos, o desenvolvimento do que eu discutirei agora motivou o ilustre constitucionalista
americano Charles Black – um anterior “conselheiro”, segundo me foi
dito, “do Papa João XXIII” – a sustentar que a Inglaterra, ao contrário
da opinião geralmente aceita, realmente já tinha direitos fundamentais
escritos e obrigatórios.65 Esse segundo episódio, materializou-se especialmente quando o
Reino Unido, membro signatário da Convenção dos Direitos Humanos
desde 1951, aceitou, em 1966, a cláusula opcional do artigo 25 desta
Convenção.66 Esta cláusula estabelece uma forma de Verfassungsbeschwerde transnacional, que estende a todos os cidadãos, após esgotados
os remédios nacionais, o direito de apresentarem suas reivindicações
perante o aparelho judiciário da Convenção em Strassbourg contra qualquer sorte de ato administrativo, incluindo legislação, violador de seus
direitos protegidos pela Convenção. Relembro que a Convenção é um
______________
65
C. L. BLACK Jr. “Is There Already a British Bill of Rights?”, 89 Law Quaterly Rev. 173 (1973).
A aceitação, primeiro limitada a um período 3 anos, foi, desde então, regularmente renovada; a última
ocorreu em 1981, por um período de cinco anos. Vide, geralmente, A. Z. DRZEMCZEWSKI, European
Human Rights Convention in Domestic Law, Oxford, Clarendon Press, 1983, 177-187, 362-363.
66
67
Para breves pesquisas, vide v.g., Rosalyn HIGGINS, “The European Convention on Human
Rights”, in T. MERON, ed. Human Rights in Internationa Law, II, Oxford, Clarendon Press, 1984, 495-549;
A H. ROBERTSON, Human Rights in the World, 2ª ed. New York St. Martin’s Press. 1982, 80-117. A convenção foi ratificada pelos seguintes países (em parênteses está, primeiro, o ano da ratificação, e, segundo,
o ano da aceitação, desde então ininterrupta da cláusula opcional do art. 25: Áustria (1958, 1958); Bélgica
(1955,1955); Chipre (1962); Dinamarca (1953,1963); França (1974, 1981); República Federal da Alemanha
(1952, 1955); Grécia (1974, 1985); Islândia (1953, 1955); Irlanda (1953, 1953); Itália (1955, 1973); Liechtenstein (1982, 1982); Luxemburgo (1953, 1958); Malta (1967); Holanda (1954, 1960); Noruega (1952,
1955); Portugal (1978, 1978); Espanha (1978, 1981); Suécia (1952, 1952); Suíça (1974, 1974); Turquia
(1954) e Inglaterra (1951, 1966). Desses países somente três - Chipre, Malta e Turquia – ainda não aceitaram
a cláusula opcional do art. 25. Para maiores informações relativamente também às ratificações do Protocolo
da Convenção, vide A. Z. Drzemczewski, supra nota 66, p. 362.
68
A respeito do impacto da Convenção Européia no Reino Unido, vide A. Z. DRZEMCZEWSKI,
supra nota 66, 177-187, com referência a um número de casos; M. P. FURMSTON, R. KERRIDGE & B.
E. SUFRIN, supra nota 61, 247-428.
38
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abrangente bill of rights transnacional, ao qual aderiram, com a única
exceção da Finlândia, todos os países da Europa Ocidental - vinte e uma
nações, perfazendo uma população de mais de 350 milhões de pessoas.67 Dessa forma, um bill of rights transnacional tornou-se obrigatório
para a Inglaterra, entre outras nações, e é imposto por um magistrado
transnacional a quem os cidadãos britânicos têm acesso. Nesse contexto, basta um pequeno passo para aceitar-se a idéia de que a Convenção
faz parte do direito da Inglaterra, impondo-se de forma obrigatória para
o Parlamento Britânico, e que os tribunais ingleses devem aplicá-lo,
salvo se quiserem que seus julgamentos sejam submetidos à apreciação
dos julgadores transnacionais em Strassbourg.68 Se os britânicos estão
prontos para dar esse passo à frente e adotar, assim, um amplo e definido
sistema de revisão judicial, não é questão a ser discutida agora. Basta
dizer que ações bem-sucedidas têm sido submetidas à Convenção, por
indivíduos, com bastante freqüência nos últimos anos, contra a legislação
inglesa e outros atos administrativos ingleses, e em não poucos casos as
condenações pela Comissão Européia e pela Corte de Direitos Humanos
______________
69
A respeito da autoridade e adequação com as decisões dos órgãos decisórios da Convenção
Européia dos Direitos Humanos nos vários Estados-membros vide A. Z. DRZEMCZEWSKI, supra nota
66, p. 260-325. Com especial atenção ao Reino Unido, vide os recentes comentários do Presidente do Law
Commission of the European for England and Wales, The Honourable Mr. Justice GIBSON, “Legal Procedure:
Acess to Justice, 1883 to 1983”, in 9 Dalhousie Law Journal 3, 27-28 (1984): O Reino Unido foi intimado
por estar em falta com suas obrigações perante a Convenção Européia em inúmeros casos. O governo, sem
dúvida, considerou esses acontecimentos surpreendentes e embaraçosos. Uma brecha foi estabelecida em um
caso sobre o trabalho em loja que teve suas atividades encerradas numa de nossas estradas de ferro nacionalizadas, na qual os danos... e os custos...foram assegurados a três reclamantes. Houve casos...sobre imigração.
Brechas também foram estabelecidas em petições individuais em outros contextos, como o uso de punição
física numa escola sem o consentimento dos pais; a censura de cartas pelas autoridades carcerárias e a recusa
de permissão de apenados procurarem aconselhamento legal, e o direito consuetudinário de desacato contra
The Sunday Times Newspaper em suas investigações e reportagens no caso da Thalidomida. Em um caso, Eire
v. U. K., o processo era entre duas turmas da Convenção. Foi alegado que as autoridades da Irlanda do Norte
tinham infligido torturas em prisioneiros republicanos pelo uso de vários métodos de interrogatório, como
permanecer em pé contra a parede, submissão a ruídos, privação do sono. A Corte (Européia) sustentou que
as técnicas não chegavam a ser torturas, mas eram desumanas e degradantes, conflitantes com o artigo III. A
resposta do governo a estas e outras decisões foi a de suspender tais práticas ofensivas, muitas vezes antes
da decisão da Corte, e, quando necessário, de mudar a lei pertinente, como as regras da prisão. Não houve
a intenção de desafiar a decisão da Corte, embora nem todos concordem com a interpretação da Convenção
pelas várias maiorias na Corte de Strassbourg. O Reino Unido poderia denunciar a Convenção dentro de
seis meses conforme o artigo LXV ... Não o fez e esta medida é bastante improvável.
70
Vide “The Mighty Problem”, supra nota 42, p. 424-430.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
39
provocaram ressentimentos no Reino Unido, por terem atingido queridas tradições. Todavia, as autoridades inglesas, inclusive o Parlamento,
geralmente demonstraram a determinação de se conformarem com as
decisões finais da Corte Européia de Direitos Humanos. Assim sendo, de
facto, a supremacia da Constituição transnacional tem sido largamente
confirmada na Europa Ocidental.69A Grã-Bretanha em particular, embora
ostensivamente mantendo suas tradições de rejeitar a revisão judicial
da legislação, percorreu um longo caminho para, finalmente, repudiar
sua própria tradição – uma lockeniana e blackstoniana tradição, somos
tentados a dizer – da doutrina da incontrolabilidade judicial da vontade
legislativa.70
8. Sobre o “Tormentoso Problema” da
Legitimidade Democrática da Justiça Constitucional
Vimos como a revisão judicial foi recentemente introduzida, ou
teve seu papel grandemente expandido, num grande número de países.
Realmente, nossa lista para ser completa deveria ser estendida a muitos
______________
71
Vide o relatório Uppsala por Eivind Smith sobre os países escandinavos, supra nota 8; vide
também, v.g., A BAYEFSKY, “Parlamentary Sovereignty and Human Rights in Canada: The Promise of the
Canadian Charter of Rights and Freedoms”, Estudos Políticos, 1983, 239; J. B. D’ONORIO, “Le répatriement de la Constitution Canadienne”, Revista internacional de direito comparado, 1983, 69 (especialmente
p. 100-101 sobre as sérias conseqüências da “notwithstanding clause” da Seção 33 da Carta).
72
Vide o relatório Uppsala por John D. White sobre países da Common Law, supra nota 8; vide
também, v.g., A BAYESKY, “The Parlamentary Sovereignty and Human Rights in Canada: The Promise
of the Canadian Charter of Rights and Freedoms”, Estudos Políticos, 1983, 229; J. B. D’ONORIO, “Le
répatriement de la Constitution Canadienne”, Revue internationale de droit comparé, 1983, 69 (esp., p.
100-101 sobre as sérias conseqüências da “notwithstanding clause” da secção 33 da Carta).
73
Um sinal encorajador é a importante decisão tomada pela Corte Inter-Americana, sustentando,
unanimemente, que uma lei da Costa Rica, que requeria uma licença compulsória para jornalistas, violava a
liberdade de opinião e de expressão garantida pelo art. 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos,
Schmidt v. Costa Rica (Corte Inter-Americana de Direitos Humanos, julgamento de 14 de nov. de 1985).
Vide geralmente, T. BUERGENTHAL, R. NORRIS & D. SHELTON, Protecting Human Rights in the
Americas, Strasbourg, Engel Publ., 1982; T. BUERGENTHAL, “The Inter-American System of Protection
of Human Rights”, in T. MERON, supra nota 67, II, 439-493; Id., “The american and Europian Conventions on Human Rights: Similarities and Differences”, 30 American Univ. Law Rev.155 (1981); H. GROSS
ESPIELL, “The Organization of American States (OAS)”, in K. Vasak, ed., The International Dimensions
of Human Rights, II, Westport,Connecticut, Greenwood Press, 1982, 543-565; P. SIEGHART, The International Law of Human Rights, Oxford, Clarendon Press, 1983, 401-414. Vide, também, Inter-American
Commission on Human Rights, Ten Years of Activities 1971-1981, General Secretariat Organization of
American States, Washington, D. C., 1982 (p. 11-13 discutindo a recente criação da Corte Inter-Americana
de Direitos Humanos); Organization of american States. Inter-American Court on Human Rights, Annual
40
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outros países, incluindo a Suécia, desde 1980,71 e o Canadá, especialmente desde sua nova “Carta de Direitos e Liberdades” constitucionais
de 1982.72 Deveria ter mencionado, além disso, que, mesmo em sua mais
impressionante e historicamente sem precedente dimensão – a dimensão
transnacional – o precedente europeu não se encontra mais só. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, assinada em São José
da Costa Rica, em 1969, tornou-se obrigatória para vários países, desde
1978. Largamente modelada pela Convenção Européia, essa Constituição
transnacional levou à criação, em 1979, de uma Corte Inter-Americana
de Direitos Humanos, com sede em São José, abrindo-se, talvez, para
futuros desdobramentos similares aos já sensacionais de sua antecedente
européia.73 Mas meu tempo está acabando, e desejo ainda discutir, posto que
brevemente, a questão básica a respeito do significado e legitimidade
da revisão constitu-cional à luz de seu tremendo desenvolvimento no
mundo contemporâneo.74 Para muitas nações, como vimos, esse significado, primeiramente,
foi o de uma reação contra passados abusos governamentais. Isso ficou
sobretudo evidente em vários dos países mencionados e outros poderiam ser adicionados, da África, da Ásia e da América Latina. Inclusive
nesses continentes - particularmente na América Latina, onde alguns
aspectos do fenômeno da revisão judicial são mais antigos do que na
Europa75 – estudo comparado demonstrou que a revisão judicial da
constitucionalidade da legislação e do ato administrativo têm, ao menos,
________________________________________________________
Report of the Inter-American Court of Human Rights, 1984, Washington, D. C., General Secretariat OAS,
1984 (um triste e impressionante documento do até agora nada encorajador caso Schmidt de 1985 discutido
previamente, Inter-American Court).
Para uma discussão mais elaborada, reporto-me a meus estudos, “The Law-Making Power of the Judge
and its Limits: A Comparative Analysis”, 8 Monaas University Law Rev., 15, especialmente 51-58 (1981)
[doravante citada como “Law-Making Power”]; “Nécesité et Légitimité”, supra nota 40, 475-493.
74
Vide geralmente H. FIX-ZAMUDIO, Vienticinco años de Evolución de la Justicia Constitucional 19401965, México, UNAM, 1968, esp. cap. 2.
76
Vide os relatórios de Uppsala por Nwabuenze, supra nota 16, p. 18-23 e CARPIZO & FIX,
supra nota 16, §§ 61-69, 91, 95, 110 et passim. Professor Henkin aponta para o “que hoje pode parecer uma
forte embora feliz omissão” da Constituição dos Estados Unidos que “não prevê sua suspensão, ou governo
por decreto mesmo em emergências.” Somente o privilégio do writ do habeas corpus pode ser suspenso. L.
HENKIN, supra nota 19, p. 13, 150 n. 31.
75
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41
a potencialidade de agir como instrumento para proteger os indivíduos
e as minorias, muito embora, é verdade, a eficácia da revisão judicial
no mundo em desenvolvimento tenha sido freqüentemente prejudicada
pela insuficiente independência judiciária e pelo uso e abuso por parte
do Executivo do poder de suspender as garantias constitucionais.76 Mas,
em nações como a Inglaterra, onde felizmente não houve tal herança de
sério abuso governamental, a revisão judicial está emergindo indiretamente como um elemento dessa nova e fascinante tendência no direito,
na política e nos direitos humanos: o transnacionalismo. O compartilhamento do poder vertical e o conseqüente pluralismo das fontes legais,
um típico produto do transnacionalismo, tanto quanto do federalismo,
trazem inevitavelmente a possibilidade de conflitos entre os vários níveis
de poder, de leis e de direitos; e a revisão judicial é o instrumento natural
para dirimir tais conflitos.
Verifica-se uma percepção generalizada, ao menos nos países ocidentais, de que, em nossa “era de leis” – como o Deão Calabresi a denominou –77 é realmente uma salvaguarda valiosa o controle por um julgador
independente, de um legislador cada vez mais onipresente, cujo papel
no Estado moderno cresceu em dimensões sem precedentes, mais ainda
se considerarmos que esse controle constitui a necessária “coroação”
da regra da lei. Na realidade, o legislador em sociedades democráticas é
o representante e o responsável do povo, conquanto pertença à própria
natureza da função judicial não serem os juízes facilmente responsabilizáveis. O paradoxo – de confiar a juízes não-submetidos a controle
externo a função de controlar políticos responsáveis – revela-se, todavia,
meramente aparente. Em nossas sociedades, os juízes deixam de ser
controlados externamente somente no sentido de que eles não são e não
deverão ser tidos como responsáveis perante os outros órgãos do poder ou
______________
77
Guido CALABRESI, A Common Law for the Age of Statutes, Cambridge, Mass., Harvard
University Press, 1982.
78
Vide v.g., Robert DAHL, “Decisions-Making in a Democracy. The Supreme Court as a National
Policy-Maker”, 6 Journal of Public Law, 279, esp. p. 284-285 (1957).
79
Vide “Law-Making Power”, supra nota 74, espec. p. 42-46, 54-57. Mesmo quando sua profissão
ou papel possa, de algum modo isolar os juízes da sociedade, sua atividade “traz os juízes à realidade, uma
vez que são chamados para decidir casos envolvendo a vida das pessoas, fatos concretos e problemas da
vida real”. Id. p. 57.
42
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face ao povo por suas decisões e filosofias individuais. Tal irresponsabilidade, todavia, só é sustada a curto e a médio prazos. Há muitas ligações
que, a longo prazo, tornam os juízes conectados com seu tempo e com
a sociedade. Esses laços podem ser reforçados pela maneira como são
nomeados os membros do judiciário, quer neste país,78 quer na Europa,
pela permanência dos juízes em seus cargos que, sem dúvida, deve ser
longa o suficiente para lhes dar autonomia e segurança, estando, em regra, limitada a um certo número de anos, sem possibilidade de extensão.
Também deve-se notar que a verdadeira natureza do processo judicial é
altamente participativa, uma vez que o papel dos juízes baseia-se em casos
da vida real e somente podem ser exercidos sobre e dentro de limites dos
interesses e da controvérsia das partes. Nesse sentido, constata-se uma
alta potencialidade de um contínuo contato do Judiciário com os reais
problemas, desejos e aspirações79 da sociedade. Uma sadia conseqüência
de nossa liberdade de expressão está no fato de que também os juízes,
dia após dia, estão sujeitos à crítica pública.80 Quando falamos hoje na
Separação de Poderes, certamente não queremos dizer “séparation” no
sentido original francês; queremos dizer, isso sim, conexões recíprocas e
controles mútuos. A irresponsabilidade judicial é uma irresponsabilidade
política e legal –, com importantes limitações no caso de abusos sérios.
No entanto, não se trata de uma irresponsabilidade social.81 Abusos do
tipo
análogo aos dos juízes do ancien régime francês seriam dificilmen______________
80
A crítica, naturalmente, é facilitada pelo fato de que, em nossas sociedades, os mais importantes
julgamentos e suas motivações são publicados; é particularmente facilitada naqueles países em que a dissensão
e as opiniões concorrentes são também publicadas. Vide o estudo comparativo por K. H. NADELMANN,
“The Judicial Dissent: Publication v. Secrecy”, 8 Am. J. Comp. Law 415 (1959).
81
Vide M. CAPPELLETTI, “Who Watches the Watchmen. A Comparative Study on Judicial
Responsability”, 31, Am. Journal of Comparative Law 1 (1983).
82
Aplicando os ensinamentos do grande historiador-filósofo Vico, “verum factum”, o comparativista “especula” acerca da significação dos fatos, tendências e desenvolvimentos, não de abstrações.
Giambattista VICO, Principi di Scienza Nuova (1744). Tradução inglesa de T. G. BERGIN and M. H. FISCH,
The New Science of Giambattista Vico, Ithaca, N. Y., Cornell University Press, 1948. Análise comparativa,
naturalmente, não é só a comparação de leis contemporâneas, mas também a análise de sua evolução e
tendências. A História, em outras palavras, é um componente na essencial análise comparativa.
83
Vide v. g., Alexander M. BICKEL, The Least Dangerous Branch, Indianápolis, Bobbs-Merril,
1962, 25-27 et passim. É freqüentemente dito que a moderna jurisdição constitucional, enquanto potencialmente um poderoso instrumento para a proteção de direitos e valores políticos tradicionais, não tem potencial
para também ser ou se tornar um instrumento para a proteção e a implantação dos “novos” direitos sociais e
econômicos. Porque estes direitos, diferentemente dos tradicionais, usualmente requerem uma ação estatal
afirmativa, e o mandato judicial é considerado como não tendo força para determinar esta ação. Isto, entretanto, é apenas meia verdade. Maiores dificuldades são encontradas e maiores restrições são recomendáveis,
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43
te concebíveis em nossas sociedades, pois aqueles eram abusos de um
corpus séparé, um grupo social separado do resto da sociedade.
O “tormentoso problema” da legitimidade da revisão judicial não pode
ser resolvido por meio de soluções puramente abstratas e especulativas
que sejam válidas para todo o tempo e lugar. Realmente, inexistem tais
soluções universais; e certamente uma página de realística análise comparativa pode ser mais valiosa do que muitos livros acerca de especulações
abstratas.82 Se nossos juízes atuais fossem da espécie que prevaleceu na
França pré-revolucionária, então é claro que dificilmente legitimar-se-ia
a revisão judicial. Mas, em nosso mundo ocidental, em que os papéis dos
órgãos políticos se expandiram de uma maneira inevitável em tantas áreas
da vida, a investigação de um Judiciário mais “destacado” - embora não
literalmente “separado” -, pode ser mais saudável. Valores mais duráveis
podem ser mais bem preservados;83 pessoas e grupos que seriam de outro
modo marginalizados ou oprimidos, podem ser mais bem protegidos;
e, mais genericamente, a justeza e a permanente representatividade
do processo político mais bem asseguradas.84 O princípio democrático
requer que cada cidadão tenha uma “voz” no processo político e que
__________________________________________________________
quando as Cortes, considerando a ilegitimidade da inação governamental, determinam ao governo fazer
algo com todas as implicações econômicas e outras daí decorrentes, do que quando simplesmente declaram
a ilegitimidade de um ato governamental. Estudos comparativos demonstram, no entanto, que há muitas
maneiras para as Cortes intervirem mesmo nesta área mais difícil. Um recente exemplo é fornecido pela
Corte de Burger, certamente uma Corte não-atuante na esfera dos direitos socioeconômicos. Vide Ake v.
Oklahoma, 105 S. Ct. 1087 (1985), na qual somente um juiz dissentiu e a Corte manteve o ponto de vista de
que os Estados devem providenciar para que os acusados indigentes disponham de assistência psicológica
ao prepararem sua defesa por insanidade, caso a sanidade do acusado, no tempo do crime, possa vir a ser
um importante fator para o julgamento.
Vide v.g., Martin SAPHIRO, Freedom of Speech: The Supreme Court and Judicial Review,
Englewood Cliffs, N. J. Prentic Hall, 1966, 37 et passim, J. H. ELY, Democracy and Distrust, Cambridge,
Mass. Harvard University Press, 1980. A tese central do livro de Reitor Ely é sua advocacia de aproximação
de “representação reforçada”, esta aproximação enfatiza o papel da revisão judicial como instrumento para
preservação de um processo político justo e transparente para a correção de “malfuntions” deste processo
que iria enfraquecer a efetiva participação das minorias.
85
Vide M. CAPPELLETTI & B. GARTH, “Access to Justice: The Worldwide Movement to Make
Rights effective”, in M. CAPPELLETTI & B. GARTH , eds. Access to Justice Vol. I: A World Survey, Milan
& Alphen aan den Rijn, Giuffrè & Sijhoff and Noordehoff, 3-124. Vide geralmente M. CAPPELLETTI,
ed., Access to Justice and the Welfare State, Alphen aan den Rijn & Bruxelles, Sijhoff & Bruylant, 1981.
84
44
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seja possível à minoria de hoje tornar-se a maioria de amanhã. Se os
direitos fundamentais, como as liberdades de expressão, de opinião e de
associação, pudessem ser limitados pela maioria ocasional, sem o devido processo, o próprio princípio democrático estaria em perigo; e isso
não é menos verdade para os “novos direitos” de natureza econômica e
social, porque sua rationale é a de tornar efetiva a mais básica de todas
as titulações democráticas – o direito de acesso ao sistema legal e político.85 Dessa maneira, a Justiça constitucional, longe de ser inerentemente
antidemocrática e antimajoritária, emerge como um instrumento central
para escudar os princípios democráticos e majoritários contra o risco
de corrupção. Nosso ideal democrático – deixemos o ponto firmemente
vincado –, por certo não é aquele em que a vontade majoritária esteja
onipresente. Além do mais, nossa filosofia de vida não é a de que tudo
possa ser objeto de barganha.
9. A Revolução Contemporânea dos Direitos Humanos e sua Legitimidade – Vencendo o Tradicional Conflito
entre o Direito Natural e o Positivo
Resumo agora, de modo conclusivo, as duas mais importantes teses
aqui tratadas.
A primeira é que, desde a II Guerra Mundial, as sociedades ocidentais
têm vivido de uma maneira que não hesito em caracterizar como uma
revolução constitucional de direitos humanos. Realmente, em alguns
momentos, houve sinais de que essa tendência iria além do mundo ocidental: menciono apenas a Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948 e os Convênios Internacionais de 1966, em vigor desde 1976.86
______________
86
Vide, v. g., L. HENKIN, ed., The International bill of rights. The Convenant on Civil and
political rights, New York, Columbia University Press, 1981; id., supra nota 19, p. 89-101. Outro importante desenvolvimento de nosso tempo, o impulso contra o colonialismo, que trouxe à luz dezenas de novas
nações nos anos após a II Guerra Mundial pode ser visto como uma expressão da tendência mencionada no
texto. Como disse o Professor Henkin, foi este impulso que “revelou uma quantidade de novos Estados e
governos que procuraram nos direitos humanos para alcançar a ‘autonomia’ e a eliminação do racismo.”
Id. supra, nota 19, p. 18.
87
Cfe. id., supra nota 19, p. 101-102, 107-113; L. HENKIN, “The International Human Rights as
Rights”, in Nomos XXIII: Human Rights. J. R. PENNOCK & J. W. CHAPMAN, eds., New York University
Press, 1981, 257-280; L. B. SOHN, “Human Rights: Their Implementation and Supervision by the United
Nations”, in T. Meron, supra nota 67, II, 369-401.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
45
Mas, infelizmente, esses documentos não foram acompanhados por
processos legais e por instituições fortes o bastante para concederem o
necessário grau de efetividade às regras neles incorporadas.87 E, mesmo
essas tentativas embrionárias, tal como permanecem, são significativas,
pois testemunham uma aspiração universal, embora ainda largamente
irrealizada.
Claro que nosso ceticismo, assim como as várias e fracassadas implementações e as violações gerais da filosofia dos direitos humanos,
pode, muitas vezes, encobrir o caráter humanístico de nosso tempo, e,
na verdade, muitos acontecimentos podem obscurecê-lo e, até mesmo,
negá-lo e ridicularizá-lo. Rejeito, todavia, o ceticismo não construtivo
e excessivo, assim como o seu irmão gêmeo, o niilismo – essas duas
recorrentes doenças do narcisismo intelectual. Estamos convencidos,
assim como o grande filósofo do “ceticismo moderado”, David Hume,
de que o ceticismo excessivo não pode resistir ao teste da “ação” e da
realidade da “vida comum”.88 Essa realidade demonstra que, do mesmo
modo como afirma e demonstra amplamente o professor Henkin, há
uma “explosão” de direitos humanos nas “democracias libertárias” de
______________
Hume, in Enquiry Concerning Human Understanding, Setor XII, Part. I (in Enquiries Concerning the
Human Understanding and Concerning the Principles of Morals por DAVID HUME reimpressão da Edição
Póstuma de 1777, L. A. Selby-Bigge editor, 2ª ed., Oxford Clarendon Press, 1902, reimpressão 1963, p. 149).
Embora ensinando que o conhecimento humano é limitado à experiência das idéias e impressões, e excluindo
a possibilidade de qualquer verificação de suas verdades, Hume condenou severamente o que foi chamado
de ceticismo “excessivo” ou “pirrônico”: Porque aqui está a principal e mais confusa objeção do ceticismo
excessivo, donde nada de bom e durável pode advir....[O Ceticismo pirrônico] precisa reconhecer...que toda
a vida humana deve perecer, onde seus princípios firme e universalmente prevalecem...[Todavia] a natureza,
em princípio, é muito forte...[o] primeiro e mais trivial acontecimento da vida esfumaçará todas as dúvidas
[pirrônicas]...Quando [um cético excessivo] acorda de seus sonhos, ele será o primeiro a juntar-se no riso de
si mesmo e a confessar que todas as suas objeções são meros divertimentos e não podem ter outra tendência
do que mostrar a caricata condição humana, que precisa agir, raciocinar e acreditar; embora as pessoas disso
não sejam capazes, apesar de suas mais diligentes indagações, de satisfazer relativamente à fundamentação
destas operações, ou de remover as objeções que poderão levantar-se contra elas (Ibidem, Setor XII, Parte
II, p. 158-160). Eu me pergunto quantos textos legais contemporâneos mudariam seu tema e tom e quanta
energia e talento intelectual teriam melhor uso se os ensinamentos de Hume tivessem sido assimilados.
89
L. HENKIN, supra nota 19, espec. p. 43-55, 156-161.
88
A documentação de HENKIN focaliza os Estados Unidos sem a ele limitar-se, (para uma avaliação do
desenvolvimento da Europa vide Comparative Constit. Law, supra nota 45, caps. 6-12). A “explosão dos
direitos”, desde a II Guerra Mundial, está descrita como “impressionante”:
A 14ª Emenda foi mantida por ter incorporado e tornado aplicável aos Estados as principais provisões do
“Bill of Rights” – liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de religião, de segurança pessoal e de
90
46
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nosso mundo contemporâneo.89 Essa explosão tem sido caracterizada
por uma preocupação sem precedentes com a criação de instrumentos
efetivos, nacionais e transnacionais - senão mesmo universais, para
proteger os direitos básicos de pessoas e grupos – incluindo os pobres,
as minorias raciais e religiosas, os jovens e os velhos, as mulheres e,
mais amplamente, aqueles tradicionalmente privados de justo e igual
acesso à justiça. Não reconhecer a importância histórica e o caráter desse
crescente desenvolvimento implica permanecer surdo e cego à talvez
mais espantosa tendência de transformação social que jamais ocorreu
na história da humanidade.90 Isso está longe de ser uma rósea visão de nossa época. Em verdade,
a explosão dos direitos humanos não passa de uma tentativa de dar resposta a problemas que, mais do que nunca, como disse no começo desta
palestra, estão pondo em perigo a sobrevivência da civilização humana
– os problemas da opressão, da pobreza e da guerra. Só o futuro dirá se
esta tentativa falhará ou terá sucesso. Mas parece claro para mim que,
__________________________________________________________
domicílio, salvaguarda para os acusados de crime...
Ainda mais impressionante foi a expansão de nossos direitos do século XVII em concepção e conteúdo.
Abrimos nossa Constituição a cada homem e mulher, ao menor e ao pior deles. Nós a abrimos também a
novos direitos e à expansão da concepção de velhos direitos ... Nós salvaguardamos não apenas a liberdade
política, mas também, em princípio, a liberdade social, sexual, e outras liberdades pessoais, privacidade,
autonomia, ...Todas as classificações raciais são suspeitas e prontamente verificadas ... Houve uma fundamental
e, creio eu, uma irresistível transformação no status da mulher ... Os pobres também tiveram direitos à igual
proteção, e o Estado não pode ofertar direitos importantes – um recurso criminal, um divórcio – mediante
paga, sem torná-los disponíveis àqueles que não os podem pagar ... Outras categorias, outrora fechadas,
foram abertas: prisioneiros agora têm direitos, assim como os funcionários militares, pacientes mentais,
alunos nas escolas, e crianças independentemente de seus pais.
As Cortes também descobrem novos direitos, por exemplo, o direito de viajar ao exterior bem como inter-Estados. (Elas) descobriram uma área de autonomia fundamental, individual (chamada “privacidade”),
invasão da qual será ... invalidada a não ser que elas sirvam a compelir um interesse público ... (L. HENKIN,
supra nota 19, 43-44, 46).
91
O fato inegável é que a revisão judicial na América desempenhou um papel modesto, algumas
vezes até mesmo um papel negativo na proteção das liberdades civis, até poucas décadas atrás, seguidamente
indigitada como evidência de um déficit da própria instituição. Vide v.g., Peter Railton, “Judicial Review,
Elites, and Liberal Democracy”, in Nomos XXV: Liberal Democaracy, J. R. Pennock & J. W. Chapman eds.
New York, New York University Press, 1983, 153-180, e a literatura ali mencionada.
Luigi PIRANDELO, Six Characters in Search of an Author, Ato III:
“...nunca as pessoas pensam tanto e se tornam tão introspectivas quanto em momentos de sofrimento; uma vez que estão ansiosas para entender ... se é justo ou injusto o que estão sofrendo. Por outro
lado, quando estão alegres pressupõem a alegria como algo evidente e não a procuram analisar, como se a
alegria fosse para elas um direito natural.”
92
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47
se for exitosa, os direitos nacionais e transnacionais e suas imposições
judiciais terão uma boa parte do mérito. Torno bem clara a afirmação
de que não vejo futuro para a humanidade, a não ser que uma renovada
filosofia de tolerância e de mútuo respeito, num sentido real, ou seja,
uma filosofia dos direitos humanos, capacite-nos a fazer uso decente do
tremendo poder material que adquirimos.
A expansão sem precedentes do controle judicial dos órgãos políticos não é uma faceta secundária da revolução desses direitos humanos.
Parece comprovar meu ponto de vista o próprio fato de que, até a época
que se seguiu à II Guerra Mundial, a revisão judicial neste país, enquanto
desempenhando um papel importante na formação de “uma mais perfeita
União”, não teve um papel adequado como instrumento para a perfeição
dos direitos civis.91 Somente em nossa época o momento é propício para
o que eu insisto em chamar de nossa revolução de direitos civis. Disse
um escritor que uma das “características” das pessoas humanas é que
somente o perigo e o sofrimento as fazem sensíveis à justiça, aos sentimentos e à pergunta do que seja bom ou mau – em suma, aos seus valores
inerentes.92 As tensões e os perigos de nosso tempo são tão grandes e
iminentes que este sentimento de valor, de algum modo, será forçado a
emergir – queira Deus não apenas no ocidente. E, em nossa sociedade
ocidental, o papel privilegiado, embora não exclusivo, dos juízes nacionais e transnacionais tem sido o de interpretarem e de harmonizarem
esses valores inegociáveis.
Minha segunda tese é a de que esse papel judicial mostra-se legítimo.
Certamente podemos dissentir, até mesmo lutar contra certas determinações ou tendências em matéria de decisão constitucional. Mesmo assim,
um século e meio de história continental está aí para demonstrar que a
solução alternativa é ainda pior. Na ausência de um controle judicial, o
poder político se expõe mais facilmente ao risco da perversão. O controle
judicial, certamente, não é um remédio infalível; como proteção
______________
93
Uma ilustração típica é dada pelas contribuições no volume Natural Law and Modern Society,
Cleveland & New York, The World Publishing Co., 1962. Vide também, v.g., L. HENKIN, supra nota
19, p. 19. Cfe. R. A. DWORKIN, “Natural Law Revisted”, 34 Univ. of Florida Law Rev. 165-188 (1982).
94
Vide meus estudos “Judicial Review in Comparative Perspective”, 53 California Law Rev. 1017,
p. 1017-1020, 1032-1033 (1970); “The Significance of Judicial Review of Legislation in the Contemporary
World”, in Ius Privatum Gentium, Festschrift für Max Rheinstein (E. von Caemmerer, S. Mentschikoff &
K. Zewiger eds.), Tübingen, Mohr, 1969, p. 155-162. Vide também HENKIN, supra nota 19, p. 5-23, 148-
48
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de nossas liberdades, muitas vezes pode provar ser incapaz de resistir à
tirania, como demonstrado pela experiência de muitas nações. Se essa
não é uma barreira invencível, talvez, possa agir, pelo menos, como um
aviso e uma advertência.
Semelhante desenvolvimento marca o renascimento de um novo
“direito natural”? Muitos afirmam isso.93 Eu iria além, para dizer que
o moderno constitucionalismo, com seus ingredientes básicos – uma
Constituição garantidora de liberdades civis e sua imposição – é a única
tentativa realística de implementar valores de direito natural em nosso
mundo real. Neste sentido, nossa época, e nenhuma outra, é a época do
direito natural. Mais acuradamente, entretanto, eu diria que o moderno
constitucionalismo constitui uma tentativa de suplantar o plurimilenar
contraste entre o direito natural e o positivismo, o contraste entre um
direito não-escrito imutável e mais elevado, enraizado na natureza ou
________________________________________________________
152, especialmente p. 19-23.
95
Vide Jean RIVERO, “Rapport de synthèse”, in Cours Constitucionnelles, supra nota 7, 517, p. 525-526.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
49
Branca
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Alguns princípios do Direito Penal
Fábio Bittencourt da Rosa*
1. Princípio da legalidade penal
a. Quais os postulados que integram modernamente o princípio da
legalidade dos delitos e das penas?
O princípio da legalidade vem evoluindo, no decorrer da história, sempre numa orientação claramente restritiva dos desígnios criminalizadores,
dando origem aos princípios da anterioridade, da irretroatividade da lei
penal incriminadora, da retroatividade da lei penal benéfica, da proibição
da via consuetudinária e da analogia para a eleição de comportamentos
penais típicos, ou para fundamentar ou agravar penas.
Modernamente, tais alterações no princípio da legalidade vêm ocorrendo no sentido de revisá-lo, a fim de acrescentar-lhe outras considerações
em relação a sua concepção original. Segundo a corrente mais moderna, não basta a lei penal ser anterior ao crime que vier a ser praticado;
requer-se, ainda, que seja certa, precisa. Ao postulado da anterioridade,
portanto, se acrescenta o da determinação ou taxatividade, e, ainda, o
da atualidade. Assim, o princípio da legalidade passa a ter a seguinte
redação: não há crime sem lei prévia determinada e atual. E não há pena
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* Juiz-Presidente do TRF da 4ª Região
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sem prévia cominação legal.
b. Em que consiste o postulado da determinação, também dito da
determinação taxativa, e quais os seus fundamentos?
O princípio da determinação ou da determinação taxativa ordena que
a lei penal contenha uma linguagem clara, precisa. Obsta, portanto, à
utilização exagerada de elementos axiológicos nos tipos, por ensejar uma
área de arbítrio muito grande ao aplicador da lei, a quem caberá precisar
o sentido do enunciado confuso.
O princípio ressalta, ainda, o fato de que a valoração das referências
axiológicas, muitas vezes, traz como resultado interpretações diversificadas e até mesmo contraditórias do entendimento do mesmo tipo penal,
bem como a sua aplicação diferenciada às espécies fáticas similares.
Assim, a doutrina e algumas legislações constitucionais contemporâneas vêm entendendo que não basta a anterioridade da lei penal incriminadora. Requer-se, também, que seja clara, precisa e determinada.
Evita-se o exagero na formulação dos tipos abertos.
As Constituições da Alemanha e da Nicarágua adotam o princípio da
determinação taxativa, expressando textualmente a exigência da determinação das normas penais incriminadoras, as quais devem ser expressas
e inequívocas.
c. Em que consiste o princípio da insignificância? Se constitui uma
excludente da tipicidade, qual o fundamento desse entendimento?
O princípio da insignificância foi formulado por Claus Roxin, em
1964, como princípio de validez geral para a determinação do injusto.
Decorre da concepção utilitarista que se vislumbra, modernamente,
nas estruturas típicas do Direito Penal, a qual exige, para a composição do
tipo penal, não apenas aspectos formais, mas, também, e essencialmente,
elementos objetivos que levem à percepção da utilidade e da justiça na
imposição da pena criminal ao agente. Ou seja, não basta para o preenchimento da figura penal a mera acomodação formal de seus termos.
A doutrina evoluiu de um conceito formal de crime para outro material, para considerar lesiva a conduta humana necessária a fazer incidir
a pena criminal pela ofensa concreta a um determinado bem jurídico.
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Nasce, assim, a idéia da indisponibilidade da gravidade do resultado
concretamente obtido ou que se pretendia alcançar.
Assim, modernamente, a noção de tipicidade engloba um valor lesivo
concreto e relevante para a ordem social.
Ocorre a inexistência da tipicidade, face ao princípio da insignificância, por falta de qualidade do resultado lesivo.
2. Princípio da intervenção mínima
a. Em que consiste o princípio da intervenção mínima e
quando surge historicamente?
Para que o princípio da legalidade, mesmo no seu enunciado moderno, não seja demasiadamente estendido a situações desnecessárias
e, no intuito de evitar a hipertrofia do direito penal, o que acabaria por
acarretar a sua deterioração, mister se faz a ele acrescentar o princípio
da necessidade ou da intervenção mínima.
O princípio da necessidade ou da intervenção mínima tem sua origem
registrada na norma inserta no art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de 1789, ao determinar que só “a lei deve
estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias”. E, ainda, no ideal
iluminista que visava a reduzir a legislação em geral, especialmente a
penal, a “poucas, claras e simples leis”.
Tal princípio tem por objetivo evitar a hipertrofia penal decorrente da
desordenada criminalização, tendo em vista que são tipificados criminalmente fatos sem autêntica relevância, gerando acúmulo de processos,
dificultando a prestação jurisdicional e dando margem à impunidade.
O direito penal tem caráter sancionador meramente. Não resolve os
problemas sociais, mas apenas neutraliza os efeitos danosos das condutas.
Se o direito realiza um mínimo ético, o direito penal se propõe a assegurar o mínimo do mínimo ético. Ou seja, a pena só tem sentido diante
da insuportabilidade do crime, e por isso se justifica.
b. Como disciplinar a neocriminalização decorrente da revolução
tecnológica de nossos dias?
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O direito penal da criminalidade clássica se baseou numa experiência
normativa oriunda da teoria geral do direito existente no fim do século
XVIII, que teve por base o estudo dos textos romanos com os acréscimos
dos juristas italianos e germânicos.
Tal realidade normativa fincava suas raízes num direito eminentemente individualista, que era o romano. O jus civile pesquisado pelos
glosadores, pós-glosadores, exegetas etc. constituía um corpo de normas
e princípios destinados a dirimir lides individuais.
O direito penal clássico também acabou por assimilar a orientação,
dando tratamento dogmático ao crime pelo prisma do criminoso ou da
co-autoria.
Não era contemporânea da construção doutrinária do direito penal a
criminalidade organizada ou empresarial.
Na segunda metade do século XX, houve uma transformação da realidade do crime. Aí, deparou-se o direito penal com um arcabouço dogmático totalmente incompatível com a macrocriminalidade emergente.
Hoje, então, debate-se a elaboração de um novo direito penal, atento
à criminalidade moderna.
Nesse sentido, então, há de se modificar o princípio da aplicação da
lei no espaço. A extraterritorialidade se impõe, mesmo desprezada a
nacionalidade do agente e a existência de tratado ou convenção internacional. Há crimes de lesividade ampla cuja sanção deve interessar a
toda humanidade, espe-cialmente tendo-se em conta a globalização de
nossos dias.
Um novo conceito de autoria e de culpa começa a surgir quanto ao
crime empresarial, não se havendo de aplicar com rigor, no caso, o princípio da presunção da inocência.
No que se refere ao resultado, é preciso criar tipos em que o resultado
seja o perigo abstrato, já que a providência da prevenção é necessária
em delitos cujas conseqüências possam afetar número considerável de
vítimas, sendo exemplo os problemas ligados à ecologia.
A pena também haverá de passar por modificações a fim de que a
sanção seja efetiva no sentido de resposta à criminalidade cuja pericu54
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losidade social tem tanto relevo.
3. O princípio da humanidade
a. Quais as normas da Constituição Federal que expressam o
princípio da humanidade?
O princípio da humanidade encontra-se previsto na Constituição
Federal de 1988 em vários dispositivos. No inc. XLIX é assegurado aos
presos o respeito à integridade física e moral.
O inc. L dispõe que às presidiárias serão asseguradas condições para
que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
O inc. XLVII determina que não haverá pena de morte, salvo em caso
de guerra declarada, nos termos do art. 84, inc XIX, de caráter perpétuo,
de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.
b. Em sua perspectiva de jure condendum, qual a sua opinião
quanto à pena de morte e as penas perpétuas?
A adoção da pena de morte, como das penas perpétuas, está na contramão no caminho da evolução do Direito Penal. Afronta alguns postulados
modernos como os princípios da humanidade e do interesse público.
Pelo princípio da humanidade, que tem como postulado reitor o cumprimento da pena privativa de liberdade, o condenado antes de mais nada
deve ser considerado como pessoa humana, e como tal deve ser tratado.
Pelo princípio do interesse público, o homem deve ser respeitado
desde o nascimento ou desde o momento da concepção até a morte natural. Sendo a função precípua do Estado a realização do bem comum,
não se pode conceber que o próprio estado adote quaisquer métodos que
importem a eliminação do próprio homem.
Como bem assevera Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa
Jr., na obra “Diretio Penal na Constituição”, o homicídio é crime porque
se choca com o interesse público. Logo, a pena de morte leva à mesma
conseqüência.
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c. Quem pela primeira vez contestou a legitimidade da
pena de morte?
Numerosas constituições do pós-guerra proíbem expressamente a pena
de morte. A Constituição italiana de 1947 disciplinou expressamente a
proibição da adoção da pena de morte. Seguiu-se a Lei Fundamental da
Alemanha Ocidental de 1949 e, posteriormente, as Constituições de Portugal, Espanha, sendo que, na Europa Ocidental, a França foi o último
país a abolir a pena de morte.
Em nosso país, desde 1851 ocorreu a sua revogação de fato. Em razão
do erro judiciário, que resultou na execução do cidadão Mota Coqueiro,
passou o Imperador Dom Pedro II a comutá-la em galés perpétuas. A
Constituição de 10 de novembro de 1937 deixou de inserir a pena de
morte em seu texto.
4. O princípio da individualização da pena
a. Qual o movimento jurídico-penal (Escola) que ensejou o surgimento do princípio da individualização da pena?
A Escola Clássica preconizou, com sua formação liberal, todas as
soluções trazidas pelos iluministas, no sentido de banir as penas infamantes e, também, com o intuito de fazer com que a pena se limitasse
ao criminoso.
A obra do Marquês de Beccaria já pregava tais soluções.
b. Quais os diferentes aspectos em que se configura a individualização da pena?
O processo de individualização da pena se desenvolve em três momentos complementares: o legislativo, ou cominação; o judicial, ou
aplicação; e o executório, ou execução.
Na etapa legislativa, a lei fixa, para cada tipo penal, uma ou mais penas
proporcionais, segundo a importância do bem tutelado e a gravidade da
ofensa. As penas não possuem quantitativos certos ou fixos. A lei prevê
também as espécies de pena, algumas vezes de forma alternativa, ou
cumulativamente, e as hipóteses de substituição das penas mais graves
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por espécies mais atenuadas.
Através da lei penal são fixadas regras que irão permitir as ulteriores
individualizações. Estabelecidas as regras, o juiz deve obedecê-las para
chegar, em cada caso, considerando suas peculiaridades, à fixação da
pena definitiva e concreta.
Também através da lei são fixadas as diretrizes balizadoras da execução das sanções penais.
No segundo momento, o da individualização judiciária ou aplicação
da pena, o juiz levará em consideração as características da espécie concreta e uma variedade de fatores especificamente previstos pela lei penal
para fixar qual das penas será aplicada, no caso de previsão alternativa,
e fixará o quantitativo entre o máximo e o mínimo previsto para o tipo
realizado, determinando, ainda, o modo de sua execução.
A individualização judiciária enseja ao juiz uma discricionariedade
juridicamente vinculada, eis que preso aos parâmetros que a lei estabelece. Tais regras se encontram previstas no art. 59 da nova Parte Geral
do Código Penal. Ao juiz cabe escolher a pena aplicável, sua quantidade,
o regime de execução, e a possível substituição da pena, atendendo à
culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente,
motivos e circunstâncias e o comportamento da vítima, tendo presente
o necessário e suficiente para a repressão e prevenção do crime.
Na última etapa da individualização da pena, ocorre a sua efetiva
concretização através da execução. Como observa Anibal Bruno, “é
a fase em que a sanção penal começa verdadeiramente a atuar sobre o
delinqüente, que se mostrou insensível à ameaça contida na cominação”.
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Notas sobre o processamento do juízo de admissibilidade dos
recursos especiais e extraordinários
Manoel Lauro Volkmer de Castilho*
O exercício do juízo de admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários, praticado nos casos concretos, em matéria cível, oferece a
oportunidade de vivenciar situações às vezes pouco versadas na doutrina
e permite dar uma colaboração e por certo até necessária ao esforço de
sistematização da aplicação da lei processual. A esse propósito, estas
anotações não buscam mais do que realçar alguns pontos de interesse
prático, sem ignorar inúmeros outros aspectos já tantas vezes e muito
mais amiudadamente tratados por especialistas. O projeto, aqui, é alinhar
experiências, tão-só.
Função dos recursos excepcionais
A primeira observação é que o domínio dos chamados recursos excepcionais tem de ser encarado com excepcionalidade, porque essa instância
não se orienta pela filosofia ou pelo regime dos recursos ordinários, nem
pela sua racionalidade e muito menos pela sua finalidade. Ao contrário do
que a muitos parece, tanto o recurso especial como o recurso extraordinário
servem a propósito sistematicamente definido e próprio. É que, nas
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* Juiz Vice-Presidente do TRF 4ª Região
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instâncias ordinárias, o sistema processual busca proteger ou garantir a
oportunidade de o vencido obter uma nova apreciação de sua pretensão
com reexame das provas e das alegações das partes, o que, nas instâncias
especial e extraordinária, não acontece (e não pode acontecer), já que a
finalidade dos ditos recursos é a de, respectivamente, proteger a correta
aplicação das leis federais e da Constituição. Em outras palavras, quando a parte apela da sentença, busca proteção para o seu direito pessoal
violado; mas, quando interpõe o recurso especial ou extraordinário, está
pedindo aos tribunais que impeçam uma violação da Constituição ou da
lei federal, ou promovam a correta aplicação delas. Há, aí, uma profunda diferença de natureza entre as pretensões deduzidas, do que resulta
lógico que a interpretação que se vai emprestar aos institutos respectivos
tem de ser, na mesma medida, rigorosa no que respeita às formas e aos
requisitos, devendo ser minimizado o interesse das partes exatamente
porque se deve privilegiar a melhor inteligência constitucional e legal,
e não o interesse dos recorrentes.1 Essa ilação parece tão mais evidente
quando se percebe que o rigor na admissão dos recursos excepcionais
nada mais é do que, reversamente, a valorização das instâncias ordinárias, justamente porque são as instâncias instrutórias e de proximidade
com o cidadão como porque são os Juízes de primeiro e segundo graus
os que cuidam da solução concreta das lides, da produção das provas e
da distribuição da justiça, enquanto as instâncias excepcionais se dedicam exclusivamente ao controle da legalidade e da constitucionalidade.
Também por essa razão, convém não perder de vista que os Tribunais
Superiores, ao tratarem com extremo rigor o processamento dos recursos
excepcionais e os agravos destinados a fazê-los subir, não estão fazendo
mais do que dar curso a essa ontologia dos recursos excepcionais, que,
não custa repetir, não se destinam ao reexame da lide ou da causa na
perspectiva do recorrente, e sim à conservação da correta interpretação
da Constituição e das leis federais. Essa constatação é, assim, um pressuposto lógico que deve estar sempre presente ao intérprete.
Prequestionamento
______________
v. REsp nº 126002/ES, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 14.06.99; AGA nº 176707/SP, Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 15.03.99.
1
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No processo e julgamento desses recursos, é usual a apreciação dos
requerimentos pela verificação prévia dos requisitos de sua admissão.
Dentre vários, talvez o mais tratado pelos comentadores, aparece o prequestionamento. Trata-se de fenômeno processual que se deve identificar
no curso da lide para demonstrar que a questão constitucional ou legal,
que se quer trazer à discussão no Tribunal Superior, foi devidamente
examinada no tribunal inferior. Em outros termos, cuida-se de evidenciar
que as instâncias ordinárias julgaram a lide enfrentando os referidos temas como razão de decidir. A obviedade do axioma é patente, pois não
teria sentido pedir ao Tribunal Superior a apreciação de questão que o
inferior não tivera necessidade ou oportunidade de examinar. Assim, o
prequestionamento assume capital importância no processo de admissão
dos recursos excepcionais, mas a Constituição não menciona claramente
essa exigência, dispondo apenas que aos dois maiores Tribunais Superiores caberá julgar mediante recurso extraordinário ou especial as causas
decididas em única ou última instância (art. 102, III, e art. 105, III, da
CF) nas hipóteses que relaciona. Como não há nenhuma determinação
constitucional e, de resto, também não no Código de Processo Civil2 (e na Lei 8.038/90, que o alterou, ou na Lei 8.950/94, que o revigorou,
ou, ainda, na Lei 9.756/98, que alterou no CPC o regime dos recursos
excepcionais), para que só se proceda ao julgamento se houver o prequestionamento, é preciso procurar a razão da exigência. A explicação
é histórica. Constituições anteriores3 davam como um dos requisitos do
então recurso extraordinário - que ao tempo era único para o controle da
legalidade e da constitucionalidade - o ter questionado sobre a vigência
ou validade de lei federal em face da Constituição, daí resultando a tese
da necessidade do prequestionamento, depois consagrada nas Súmulas
______________
v. CPC, arts. 539 a 546.
v. Constituição de 1946, art. 101, III, b; Constituição de 1937, art. 101, III, b; e Constituição de 1934,
art.76, III, b.
4
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal
suscitada” referindo precedentes dos anos 1961 a 1963, portanto, sob a Constituição de 1946 (art. 101,III).
5
“O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto
de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”, também editada sob a Constituição
de 1946 e referindo o art. 101,III, caput, daquele texto.
6
Súmula 211: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos
declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.
7
v. a propósito, parecer de Galeno Lacerda (Rev. Forense 346/199) mostrando a impertinência e o descabimento dessa exigência em face da atual regra constitucional, ao que todavia a jurisprudência não dá mostra
de qualquer atenção.
2
3
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61
2824 e 3565 do Supremo Tribunal Federal. A posterior alteração dos textos
constitucionais, não reproduzindo a cláusula referida, contudo, não impediu que o STF e, agora depois da Constituição de 1988, também o STJ6 ,
mantivessem a orientação jurisprudencial de cobrar dos recorrentes a
demonstração do prequestionamento, pena de não seguimento do recurso
excepcional,7 mesmo em aparente desacordo com a letra da Constituição em face da qual os recorrentes têm acesso à instância excepcional,
desde que demonstrem que a decisão atacada contrarie a Constituição
ou as leis federais. Se é verdade que a Constituição não mais exige a
prova do prequestionamento, isso não implica dizer que os recorrentes
se dispensariam de provar a discussão do tema nas instâncias ordinárias,
mas apenas que a falta de específico prequestionamento não impede o
acesso à instância excepcional, mesmo que, para a adequada discussão
dos temas eventualmente invocados pelos recorrentes, tivesse de haver
nos autos a indicação da discussão deles pelas instâncias ordinárias, e
isso não porque seja exigido pela Constituição senão por exigência lógica
da admissibilidade do recurso. Isso em termos práticos eqüivaleria ao
prequestionamento. A exclusão pura e simples do prequestionamento,
assim, parece fora de cogitação, embora de fato a mais exata porque seria
insuportável a proliferação de recursos, reforçando então a conclusão de
que a admissibilidade dos recursos excepcionais precisa ser muito mais
rigorosa também em virtude dessa peculiaridade.
Prequestionamento implícito ou explícito
O modo de prequestionamento seguidas vezes é discutido na admissão
de recursos excepcionais. Nesse campo, discute-se se deve ser questionamento direto ou aceita-se o prequestionamento indireto ou, como também
se diz, explícito ou implícito. Explícito é o tratamento que o acórdão
atacado dá à questão quando a aborda diretamente, examinando-lhe os
termos e disposições, inclusive com a referência clara e expressa aos artigos de lei ou da Constituição que aplica ou interpreta para decidir a causa.
É a maneira mais aceita pelos Tribunais Superiores, que o exigem ordinariamente, mas, tecnicamente, também é possível se questionar sobre
_________________________________________________________
O STJ aceita o prequestionamento implícito (a matéria não foi expressamente decidida no acórdão, mas
foi enfrentada indiretamente nele) – EREsp nºs 181682, 144844 e 155321, Corte Especial, Relatores, respectivamente, os Ministros Eduardo Ribeiro (DJ 16.08.99), Luiz Vicente Cernicchiaro (DJ 28.06.99) e Hélio
8
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determinado tema sem abordar-lhe diretamente os termos e disposições,
posto que pode ser implicitamente versado quando no raciocínio lógico
é pressuposto necessário da conclusão. Essa corrente tem defensores nos
dois Tribunais Superiores mas é, por razões compreensíveis, francamente
minoritária.8 Da prevalência da primeira tese resulta que, ocorrendo o
prequestionamento implícito, será sempre obrigatória a interposição de
embargos declaratórios para a explicitação da questão discutida, pena de
não seguimento do recurso.9 Isso, entretanto, acarreta outra dificuldade,
pois se os embargos declaratórios não tiverem sucesso, haverá obstáculo
ao seguimento do recurso excepcional. Contra essa situação de impasse,
duas alternativas têm sido utilizadas: uma, que no próprio recurso excepcional pede a nulidade do acórdão omisso (não-corrigido nos embargos
declaratórios ou a reforma dos próprios declaratórios) como pedido
preliminar, e, outra, que promove a interposição de recurso excepcional
exclusivamente destinado a desfazer a decisão que rejeitou os embargos
declaratórios. O STF, embora exija o prequestionamento explícito, aceita
que seja satisfeita a exigência com a simples apresentação dos declaratórios, reconhecendo-a cumprida mesmo rejeitados os embargos.10 A
solução da Corte Suprema parece contraditória porque, aceita a afirmação
da parte de que o não-provimento dos declaratórios vulnera o direito de
prestação jurisdicional e isso implica a necessidade de examinar - para o
suprimento do defeito - toda a matéria de fato e de direito para dizer que
a omissão ou a contradição não-declarada impediu ilegalmente a subida
do recurso. Salvo melhor exame, não há como aceitar qualquer delas: a
primeira, porque faltando a explicitação não há prequestionamento suficiente, e, a outra, porque, para consegui-lo, seria necessário examinar
fatos e provas. A conclusão correta parece ser a de que, nesse caso, não
há mais como examinar a pretensão da parte, cabendo a movimentação
_________________________________________________________
Mosimann (DJ 19.04.99); o STF aceita o que o STJ conceitua como prequestionamento implícito, só que
denomina-o de explícito, mas não aceita o prequestionamento implícito (quando o tema não foi tratado no
julgado) – RE nº 272.641, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12.09.2000.
9
v. AGRAG nº 143.749/BA, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 13.03.93.
10
v. Súmula 356-STF.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, entende, em interpretação a contrário da Súmula 356, que a
apresentação dos embargos - ainda que não acolhidos - é suficiente para o prequestionamento, cfr. RE nº
219934/SP, Rel. Min. Octávio Gallotti; RE 210.638-SP, DJ 19.06.98. Há voto em sentido contrário ao acima indicado no RE 208.639, DJ 04.02.2000, relator originário o Min Marco Aurélio, o qual não admitia o
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da ação rescisória na qual se poderá desfazer o acórdão deficiente e,
na retomada do julgamento do acórdão defeituoso, exigir o adequado
prequestionamento. Certo é que não se pode, no recurso excepcional ou
através de recurso excepcional, postular-se a reforma do acórdão que
rejeitou embargos declaratórios, pena de transformar a instância excepcional em instância revisora de fatos e de prova,11 contrariando a própria
jurisprudência que o veda.12 Aliás, é preciso ainda deixar claro que o
costume, muito difundido entre os tribunais inferiores, de admitir – por
embargos declaratórios – a “explicitação” dos artigos que o embargante
quer sejam tidos por prequestionados, não tem nenhum fundamento. Com
efeito, o prequestionamento de que cuida a velha jurisprudência do STF
é a efetiva discussão e abordagem do tema respectivo na sentença e no
acórdão que julga a apelação, sendo evidentemente insuficiente o mero
requerimento, via embargos declaratórios do julgamento da apelação ou
da ação rescisória, para que o tribunal de segundo grau faça a indicação
dos artigos ou textos legais que se quer sejam tidos por prequestionados,
mesmo quando não tenham sido de fato discutidos como razão de decidir
no respectivo julgamento. Esse expediente certamente não constitui o
prequestionamento de que tecnicamente cogita a interpretação constitucional predominante, a qual exige do recorrente uma provocação concreta
do tribunal inferior sobre a questão constitucional ou federal capaz de
__________________________________________________________
prequestionamento via de embargos declaratórios improcedentes porque se estaria contrariando regra formal
que garante a objetividade da apreciação da questão constitucional pelos julgadores; o relator acolhia o RE
apenas para anular o acórdão recorrido em ordem a este pronunciar-se sobre as omissões ou contradições.
Ocorre que esse raciocínio (vencido de resto) e o que defende a imediata admissão do recurso excepcional
partem de um suposto não discutido – o de que há indevida omissão no acórdão recorrido e que os embargos
foram injustificadamente rejeitados (v. voto do Min. Pertence no RE 210.638-1/SP e o do Min M. Aurélio no
RE 208.639-8/RS). Ora, com a devida venia, afirmar-se que o acórdão recorrido omitiu indevidamente ponto
sobre que devia pronunciar-se tanto como prover o RE para determinar o suprimento da omissão sugerem o
pressuposto lógico de que o acórdão recorrido está errado, mas é essencial para essa conclusão que sobre ele
se tenha um juízo de mérito em que logicamente se tenha de apreciar fatos e provas mesmo indiretamente.
12
v. Súmulas 7 do Superior Tribunal de Justiça (“A pretensão de simples reexame de prova não enseja
recurso especial”) e 279 do Supremo Tribunal Federal (“Para simples reexame de prova não cabe recurso
extraordinário”); v. também a Súmula 211 do STJ, segundo a qual se a questão não foi discutida no acórdão
e nem nos embargos declaratórios interpostos para esclarecê-lo, o recurso especial não pode ser admitido,
tese que diverge da orientação prevalecente no STF (tem ao contrário convergência com a posição defendida pelo Min. Marco Aurélio, como visto na nota anterior) porque obriga a parte a promover o recurso
especial para pronunciar a nulidade do acórdão omisso não corrigido e só então a renovação do julgamento
da questão federal.
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habilitar a discussão no Tribunal Superior. Em resumo, se os embargos
destinados ao prequestionamento forem rejeitados nada mais pode ser
feito na via excepcional, não podendo serem acolhidos só para dar por
prequestionados os pontos solicitados como fundamento do julgado sem
a devida discussão.
Recurso contra decisão interlocutória e recurso retido
Os recursos excepcionais podem ficar retidos, consoante hipóteses
novamente instituídas pela lei processual. De acordo com a previsão do
art. 542, § 3º, do CPC, “quando interpostos de decisão interlocutória,
em processo de conhecimento, cautelar ou em embargos à execução” o
recurso extraordinário ou o recurso especial ficarão retidos nos autos e
somente serão processados se os reiterar a parte no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final.13 Isso não significa que o recurso excepcional que pode ficar retido é apenas aquele que ataca decisão interlocutória colegiada em processo de competência originária dos
tribunais de segundo grau (se do relator ainda caberia antes a interposição do agravo regimental),14 mas também o que enfrenta acórdão de
segundo grau que, em recurso (usualmente por meio de agravo de instrumento), por sua vez, aprecia decisão interlocutória de primeiro grau.
Desde logo, convém assinalar as exceções necessárias, pois há, por
exemplo, casos de evidente lesão irreparável ou dano iminente, ou de
antecipação de tutela, ou de decisão que extingue o processo ou julga
deserto o feito, ou que diga respeito ao conhecimento ou processamento do próprio agravo, ou proferidas no processo de execução (nos termos
do art. 542, § 3º, CPC), ou em mandado de segurança, ou em processos
______________
Redação estabelecida pela Lei 9756/98, a vigorar de sua publicação.
v. para maior aprofundamento do assunto, em “Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo
com a Lei nº 9.756/98”, os artigos assinados por Donaldo Armelin (pág. 205), José Saraiva (pág. 410), e
Vicente Greco Filho (pág. 604); v. também, os de José Miguel Garcia Medina (pág. 369), Nélson Nery Junior
(pág. 475) e Sálvio de Figueiredo Teixeira (pág. 544), citados no texto.
15
v. os precedentes nos MC nº 1728, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 16.08.99; MC nº 2411/RJ,
Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 12.06.2000; REsp nº 182382, Rel. Min. Humberto de Barros, DJ 02.08.99;
REsp nº 173883, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 26.04.99; REsp nº 212452, Rel. Min. Eduardo Ribeiro,
DJ 08.11.99; REsp nº 203227, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 01.07.99; REsp nº 203791, Rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, DJ 28.06.99; MC nº 2906, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 12.02.2001; REsp nº 90391,
Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 17.12.99.
13
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criminais, ou no caso de decretação de falência, ou sobre questão de
competência ou de legitimidade, ou de AJG, ou, ainda, na hipótese de
decretação de indisponibilidade de bens, as quais não podem, logicamente, ficar trancadas pela retenção do recurso excepcional, pena de se
perder a razão do recurso.15 De resto, como diz a lei, não se reterá o
recurso contra interlocutórias fora do processo de conhecimento, da ação
cautelar ou dos embargos à execução. Mas, há pelo menos um problema
importante. É certo que a jurisprudência dos Tribunais Superiores admite de longa data o recurso excepcional contra decisão em agravo de
instrumento,16 reconhecendo a orientação de que a noção de causa decidida é abrangente também das decisões em que se não decide sobre o
mérito da lide.17 Assim, causa decidida não é só a decisão final da lide
principal, mas também a decisão de um incidente ou de uma questão
processual resolvida por interlocutória. Por isso é bom ter presente que
não basta que se cuide de causa decidida. É preciso que seja causa decidida definitivamente. E é daí que surgem algumas conseqüências (ou
dificuldades) interessantes. Com efeito, mesmo admitindo que os acórdãos de decisões interlocutórias sejam suscetíveis de revisão por recurso especial, não é a categoria causa decidida (da lide) que suscita discussão (como a que se vê, por exemplo, nos precedentes da Súmula 86
STJ, isto é, saber se decisão em agravo eqüivale à decisão de causa),
mas, sim, saber se se cuida de causa decidida, isto é, aquela de que não
caiba mais recurso ordinário. Como se percebe, se causa decidida é a
que não comporta revisão pelo mesmo juízo, e o recurso cabível esgota
a jurisdição ordinária, basta identificá-la para definir qual poderá ser
objeto de exame por recurso excepcional. Em outros termos, as decisões
interlocutórias revisadas por recurso ordinário só podem ser atacadas
por recurso excepcional quando há definitividade, isto é, preclusão para
o prolator de primeiro grau e insuscetibilidade de revisão por outro re______________
v. Súmula 86 do STJ (“Cabe recurso especial contra acórdão proferido no julgamento de agravo de instrumento”) e precedentes do STF (RE 53.124, RTJ 31/323; RE 57.728, RTJ 41/153; AI 24.434, RTJ 17/114).
Prevaleceu, especialmente no STJ, a interpretação que aceita a noção de causa em sentido lato, abrangendo
também questão interlocutória que não decide sobre mérito da lide. Sobre causa, ver ainda “O conceito de
causa para a competência do STF”, Roberto Rosas, RT 532/289.
17
v. RTJ17-18/114, Rel. Min. Victor Nunes; RTJ 31/322, Rel. Min. Evandro Lins; RTJ 41/153, Rel. Min.
Hermes Lima; e, recentemente, RE nº 157903/ES, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 10.08.2000; RE nº 263038,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 28.04.2000.
16
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curso na instância ordinária de primeiro ou segundo graus. Assim, do
ponto de vista prático, as decisões interlocutórias a que a Súmula 86 do
STJ se refere teriam de ser insuscetíveis de reapreciação pelo juiz da
causa porque se, ao longo da instrução ou ao tempo da sentença, pudesse ele reexaminá-las não seriam definitivas (única ou última instância,
dizem os arts. 102, III, e 105, III, CF), tanto quanto, do mesmo modo,
não seriam definitivas, para efeito de admissibilidade do recurso excepcional, se se pudesse submetê-las à discussão por qualquer recurso ordinário. Aceita essa premissa necessária, fatalmente, vai-se à outra. Se
a maioria das decisões interlocutórias desse tipo são então insuscetíveis
de recurso excepcional (normalmente o recurso especial), porque não
haveria definitividade no aresto atacado e, portanto, não seriam admitidos, não faz sentido mandar retê-los, como manda o art. 542, § 3º, CPC,
pois que estariam logicamente fadados a serem inadmitidos desde logo
ou o serão quando da subida do recurso excepcional principal se houver.
Por outro lado, se a decisão se revelar suscetível de recurso excepcional
porque há preclusão ou inexistência de outro recurso ordinário (isto é,
causa interlocutória decidida), não faz sentido retê-lo, uma vez que a
retenção poderá gerar prejuízo irreparável ao processo ou à irreversibilidade de determinadas decisões, o que de certa forma a jurisprudência
já detectou, abrindo as exceções acima relacionadas. Para rematar, é
preciso referir que dessa decisão de retenção (normalmente ato do Presidente ou Vice-Presidente do tribunal a quo) a lei não prevê recurso,
mas é de natural conveniência que se o tenha presente. Com efeito, até
mesmo para quem entenda que não há recurso cabível, surge a dificuldade quando a parte reclama contra a retenção à vista de uma das exceções referidas. Pela natureza da decisão, a regra seria o cabimento de
agravo de instrumento, posto que não prejudica o andamento do tema
principal e permite a apreciação da questão incidente, mas a solução não
______________
Alguns acórdãos têm aceito o agravo de instrumento e a ação cautelar: AGRMC nº 2430/PR, Rel. Min.
Nilson Naves, DJ 18.12.2000, 2ª Seção; MC 2361/SP, Rel. Nilson Naves, DJ 313.3.2000; MC 2097/SP, Rel.
Eduardo Ribeiro, DJ 20.03.2000; RCL 687, Rel. Eduardo Ribeiro, DJ 05.06.2000; RCL 658, Rel. Asfor Rocha,
DJ 02.05.2000, 2ª Seção; outras decisões têm por incabível o agravo de instrumento: AGA nº 248036/RS,
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 20.03.2000 e EDAGA nº 266834/PR, Rel. Min. Eliana Calmon,
DJ 04.05.2000. No Supremo Tribunal Federal, aparentemente, tem-se admitido a discussão da retenção por
petição (medida cautelar), sendo comum determinação liminar para o processamento do recurso.
18
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67
é tranqüila no Superior Tribunal de Justiça, havendo quem tenha por
cabível o agravo de instrumento e outros que o recusem.18 Em resumo,
ou cabe o recurso excepcional contra decisões interlocutórias e não se
pode retê-lo, ou não caberá, e a retenção é uma inutilidade lógica. Finalmente, como a lei não referiu especificamente, não há certeza se essa
regra de retenção se aplica aos processos de instrução originária nos
tribunais de segundo grau, onde em tese pode haver decisão interlocutória e recurso excepcional. No processamento das ações rescisórias ou
na pendência de embargos à execução de julgados dos tribunais (como
medidas cautelares ou antecipatórias), por exemplo, acontecem decisões
interlocutórias contra as quais se pudesse pedir recurso excepcional na
hipótese de ficar esgotada a instância originária. A doutrina silencia
sobre esse ponto, dando a entender que não foi disto que se ocupou o
legislador que pensava certamente nas interlocutórias em geral, mas há
quem se pronuncie contrariamente,19 e a proliferação de ações rescisórias
com certeza exigirá pronunciamento dos tribunais. Outra situação peculiar tem-se apresentado também quando, junto à presidência dos tribunais
de segundo grau, se pleiteia a suspensão da medida liminar antecipada
por juiz de primeiro grau, ou mesmo da sentença, nas hipóteses permitidas, usualmente as da Lei 4.348/64 e da Lei 8.437/92 (esta, hoje, com
várias alterações). É que a decisão singular do Presidente pode ser atacada por agravo20 perante o órgão máximo da Corte (por coincidência,
art. 4º de ambas), abrindo-se aí oportunidade para recurso excepcional.
Embora alguns julgados do STJ21 tenham sustentado que essa decisão
não é suscetível de recurso especial porque tem natureza política, ainda
assim é necessário avançar sobre o ponto. O acórdão do tribunal que
aprecia suspensão de liminar ou de sentença, em princípio, pode ser
trazido à instância excepcional, quando menos para a verificação efetiva
dessa natureza política que a eximisse do reexame, mas, de modo geral,
______________
v. Rodolfo de Camargo Mancuso, Recurso Extraordinário e Recurso Especial, RT, 6ª edição, 2000, pág.
235. V. “Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038 impostas pela Lei
9.756/98”, Donald Armelin, in Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei 9.756/98,
vários autores, coordenados por Teresa Arruda Alvim Wambier, RT, 1999, pág. 205.
20
v. Súmulas 506 do STF e 217 do STJ, com relação ao mandado de segurança, que estabelecem o cabimento
do agravo somente quando a suspensão é deferida.
19
21
v. AGA nº 121.340/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 03.03.97.
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a admissão dos recursos excepcionais é considerada além dessa marca.
Ocorre, no entanto, que a decisão que suspende liminar ou sentença pode
ficar sem efeito prático, se os órgãos do tribunal com competência ordinária para apreciar agravo de instrumento ou apelação julgarem pelo
mérito a questão (suspensa, diga-se, politicamente), ficando então esvaziada a suspensão se outra for a solução da turma ou câmara, ou ratificada (confirmada por outro título) se dado provimento ao recurso ordinário. Em qualquer dessas hipóteses, aparentemente, a decisão do presidente, que o órgão máximo manteve politicamente, deixaria de prevalecer (até porque não teria atribuição para suspender o acórdão do próprio
tribunal) e, então, perdendo o significado, o recurso excepcional endereçado contra a decisão colegiada teria igualmente perdido a sua razão
de ser. Ora, se a decisão que suspende liminar ou sentença mandamental
pode ser esvaziada por provimento de outro órgão do tribunal, isso eqüivale a não ser definitiva para efeito de admissibilidade e, assim, salvo
engano, também nessas circunstâncias o recurso excepcional ficaria
impedido de seguir porque lhe faltaria o requisito da definitividade da
decisão da única ou última instância. Por conseqüência, a admissão de
recurso excepcional, nesse tema, exigiria, na prática, que nele se limitasse o reexame – acaso ainda tivesse utilidade – apenas às circunstâncias
formais do procedimento de suspensão, como por exemplo, legitimidade ativa ou competência, que já não estivessem prejudicadas pela decisão no julgamento do recurso ordinário pelo órgão colegiado competente. A conclusão intuitiva é de que a admissibilidade dos recursos excepcionais em decisões interlocutórias, na verdade, é muito mais restrita do
que na prática se tem adotado, sendo necessário então adequar-se a
orientação jurisprudencial ao sistema legalmente previsto.
Divergência
O recurso especial pode ser apresentado com a finalidade de provocar
a manifestação do STJ quando do acórdão atacado se puder apontar a
divergência de julgados, isto é, quando julgados de tribunais diferentes
apresentarem soluções diversas para o mesmo tema. Essa hipótese, prevista no art. 105, III, letra c, da Constituição, pode ser invocada quando
______________
22
v. REsp. 74.370/ES, Rel. Eduardo Ribeiro, DJ 20.11.95.
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a decisão recorrida “der à lei federal interpretação divergente da que
lhe haja atribuído outro tribunal”. A jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça em relação ao assunto estabeleceu que “a divergência entre
julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial “ (Súmula 13)
e que “não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a
orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” (Súmula 83), mas convém assinalar que “tribunal”, aí, tem sentido
diverso nas duas súmulas, pois na primeira cuida-se de tribunais inferiores e, na segunda, se trata inequivocamente do STJ.22 O que interessa
aqui é a divergência como pressuposto de admissibilidade do recurso
especial, ou seja, aquela em que o tema tomado em consideração pelo
acórdão atacado sobre o mesmo assunto recebeu solução diversa em
outro tribunal. O que importa aqui não é analisar a forma de demonstrar
a divergência nem discutir as exigências do regimento interno do STJ a
respeito. Mais interessante é deter-se sobre o que significa e o que constitui a divergência e de que modo ela mostra a dessintonia das decisões. A
razão da admissibilidade do recurso pela divergência está na conveniência
de homogeneizar a jurisprudência sobre a lei federal entre os tribunais
de segundo grau que a aplicam, com a finalidade de estabilizar a interpretação respectiva, dado o evidente interesse social daí resultante. Para
isso convém ter presente que só se pode compreender a divergência de
soluções, logicamente, no sentido de diferença ou semelhança, em face da
comparação entre espécimes de idênticas características. Por essa razão, a
invocação da divergência supõe a demonstração da dessemelhança, e esta
______________
Regimento Interno do STJ: “Art. 255 (...)
§ 1º A comprovação de divergência, nos casos de recursos fundados na alínea c do inciso III do art. 105 da
Constituição, será feita: a) por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados, discordantes da
interpretação de lei federal adotada pelo recorrido; b) pela citação do repositório oficial, autorizado ou
credenciado, em que os mesmos se achem publicados.
§ 2º Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio,
mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
§ 3º São repositórios oficiais de jurisprudência para o fim do § 1º, b, deste artigo, a Revista Trimestral de
Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista do
Tribunal Federal de Recursos, e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu
parágrafo único deste Regimento.”
CPC: “art. 541 (...)
Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da
divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência oficial
ou credenciado, em que tiver sido publicada a decisão divergente, mencionando as circunstâncias que
identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.”
23
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supõe a prova das características dos julgados. Nessa medida, é preciso
que os padrões invocados no acórdão atacado sejam de idêntica feição do
acórdão que se quer comparar, sendo idêntico aquele que tem as mesmas
características de fato e de direito. Assim, não basta que a conclusão ou
as soluções de direito se mostrem diferentes entre si para que o recurso
seja admitido sem mais exame. Ao contrário, pelo tipo de demonstração
das diferenças que o Regimento Interno do STJ estabelece,23 exige-se,
além disso, que os fatos sejam semelhantes de modo a comportar a mesma
tese de direito, pois do contrário não haveria semelhança nem termo de
comparação, invalidando a invocação da divergência como requisito de
admissibilidade do recurso. Se isso é certo, a invocação da divergência
de interpretação só tem sentido se se demonstra a inequívoca identidade
das circunstâncias de fato e dos fundamentos de direito, do que resulta,
então, que, para a discussão da divergência, logicamente se estabeleçam
os pontos de direito sobre os quais os julgados dissentiram como razão
de decidir. Ora, outra coisa isso não é senão a demonstração do prequestionamento do tema discutido, conclusão que leva à necessidade de,
também na invocação da divergência (art. 105, III, letra c), demonstrar
a contrariedade da decisão à lei federal (art. 105, III, letra a), com base
na qual os dois acórdãos divergiram. Em suma, para a admissão do recurso especial pela divergência (art. 105, III, c, CF) é necessária, como
pressuposto lógico, a existência das condições de admissão pela letra a
do art. 105, III, da CF, e, nessas circunstâncias, mostra-se virtualmente
ociosa ou sem sentido a invocação da divergência, como é fácil de entender, e a aplicação do permissivo constitucional nesses termos padeceria
de manifesta inutilidade. A solução para esse aparente impasse parece
estar na adequada apuração da divergência, o que, em última análise, é
apenas a rigorosa aplicação do sistema das regras constitucionais. Com
efeito, se a divergência que se quer perseguir é aquela entre tribunais, só
se pode estar a tratar de tribunais de mesmo nível, já que a divergência
entre decisões de tribunal inferior e Tribunal Superior é logicamente impossível porque tecnicamente não pode existir divergência entre tribunais
hierarquicamente posicionados.24 Se a função do STJ é a de padronizar
______________
24
25
Rodolfo de Camargo Mancuso, in Recurso Extraordinário e recurso especial, páginas 208/209.
REsp. n.º 74370, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 20.11.95.
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e homogeneizar a jurisprudência federal, a decisão inferior que divergir
de decisão do STJ está necessariamente incorreta ou equivocada, pois
do contrário aquela, inferior, poderia implicar obliquamente a revisão
desta, superior, o que é sistematicamente inaceitável e não tem previsão
na organização constitucional/processual vigente. Nessas condições, não
há como demonstrar divergência invocando como paradigma acórdão de
Tribunal Superior, embora a praxe diária mostre que isso é largamente
utilizado com a tolerância do STJ.25 A decorrência lógica, a partir disso, é
que a divergência tecnicamente compreensível no sistema constitucional
precisa então ser comprovada com acórdãos de tribunais de mesmo nível,
desde que a jurisprudência de nível superior ainda não tenha pacificado
o tema. Se por acaso, perante o STJ, ainda se mantiver dissídio interno
é no STJ que os mecanismos de padronização terão de ser acionados,
não sendo adequado corrigi-lo via invocação da divergência a que se
refere o art. 105, III, c, CF. A observar-se essa orientação no exame de
admissibilidade dos recursos especiais que, afirmando a divergência de
julgados, estão fundados na letra c do art. 105, III, CF, certamente boa
parte deles não poderá ultrapassar esse juízo preliminar.
Efeito suspensivo
A velocidade das necessidades e a crescente urgência (ou pretendida
urgência) de provimentos judiciais têm levado os juízes e os tribunais
– e por conseguinte a jurisprudência – a considerar cada vez mais os
requerimentos de antecipação de tutela ou liminares de caráter cautelar,
para evitar prejuízo ou lesão irreparáveis também em face dos recursos
excepcionais. Quem atua no dia-a-dia dos juízos e tribunais das instâncias ordinárias não ignora essa realidade. Ocorre que, de algum tempo
para cá, essas práticas vêm se repetindo com insistência também na
instância excepcional. De fato, aos recursos especiais e extraordinários
se vêm reclamando a atribuição de efeito suspensivo para com isso
______________
26
AGRPET nº 535/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13.03.92 e PET nº 17986, Rel. Min. Celso de Mello,
DJ 28.09.99, decisão monocrática.
27
v. PET nº 18729, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 14.04.2000; PET(QO) nº 1863/RS, Rel. Min. Moreira Alves,
DJ 14.04.2000; PET(QO) nº 1881/RS, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.02.2000.
28
O STF , entretanto, num caso, admitiu o efeito suspensivo em recurso extraordinário retido, o que eqüivale
dizer que não estava admitido e que não havia nem garantia de que o fosse imediatamente – MC nº 2205,
Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 17.12.99.
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sustar o imediato cumprimento do acórdão recorrido, ou pelo menos
barrar a abertura de execução provisória. A jurisprudência tradicional
dos Tribunais Superiores, particularmente a do STF, só considerava a
hipótese de atribuição de efeito suspensivo a recurso extraordinário que
já tivesse sido admitido na instância a quo,26 mas, tanto no STF quanto
no STJ, os interessados recorrentes passaram a pleitear o deferimento
de atribuição de efeito suspensivo a tais recursos, quando a urgência
e a relevância o recomendassem, mesmo que ainda não regularmente
admitidos no juízo a quo. No Supremo Tribunal Federal, alguns precedentes marcaram a orientação que depois se consolidou rapidamente sem
maiores divergências.27 Entendeu-se que a Corte não poderia decidir
sobre o assunto se o recurso não estivesse admitido formalmente no tribunal inferior, mas a urgência e a relevância que autorizassem o efeito
suspensivo poderiam ser apreciadas pelo tribunal a quo enquanto não
houvesse juízo de admissibilidade realizado, sujeito tudo ao reexame
pelo STF quando da subida dos autos.28 O mesmo se deu com o STJ,
embora naquele tribunal também os juízes em alguns casos exercessem
eles mesmos essa atribuição, independentemente da realização ou não
do juízo de admissibilidade (alguns até sem recurso interposto) pela
instância a quo.29 Os precedentes ainda não deixam claro se se cuidam
apenas de hipóteses de medida cautelar ou caberia também como provimento de natureza antecipatória (o chamado efeito suspensivo ativo),
mas o certo é que se deve deduzi-lo por petição independentemente de
autuação como medida cautelar.30 Dessa tendência parece também ficar
claro que os tribunais de instância inferior, ou ao menos seus dirigentes,
passaram a exercer materialmente as jurisdições especial e extraordinária,
o que até então nunca lhes tocara, e hoje o têm de fazer até com grande
desenvoltura, pois na avaliação dos requisitos para atribuição do efeito
suspensivo é absolutamente necessário apreciar toda a controvérsia dos
autos, conferindo fatos e provas ademais da aferição da consistência da
______________
v. AGRMC nº 1184/DF, Rel. Min. José Delgado, DJ 17.08.98; MC nº 488, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j.
14.05.96, e MC nº 1949, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 14.02.2000.
30
v. AGRPET nº 1440/PE, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 29.05.98; PET(QO) nº 1243/BA, Rel. Min. Moreira
Alves, DJ 29.05.98.
31
Há casos em que o STJ e o STF concedem liminar para que seja emitido o juízo de admissibilidade pelo
Tribunal a quo como pressuposto do exame de pedido de efeito suspensivo, via medida cautelar ou petição,
naqueles Tribunais.
29
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73
pretensão de mérito, indo muito além do que a tradição os encarregara de
fazer, pois no juízo normal de admissibilidade dos recursos excepcionais
o juiz-presidente do tribunal inferior ordinariamente não se detém na
consideração da plausibilidade da procedência do recurso, o que agora,
contudo, para atribuir-lhe efeito suspensivo, é preciso fazer nesses casos.
Levando em conta que, entre esse juízo precário pelo tribunal inferior e
a efetiva apreciação pelo Tribunal Superior,31 pode decorrer certo espaço
de tempo é fácil compreender a importância dessa nova dimensão do
regime jurídico-processual dos recursos excepcionais, particularmente
do poder que a instância a quo passa a desfrutar. A peculiaridade, ainda
não inteiramente versada, é de que na hipótese da atribuição do efeito
74
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O DIREITO À SAÚDE
A Saúde como direito e como dever na
Constituição Federal de 1988
Marga Inge Barth Tessler1 Santa Levana, orai por nós!
“Mas quem é Levana? É a deusa romana que norteava
as primeiras horas da criança, que lhe conferia,
digamos assim, a dignidade humana”
Charles Baudelaire
Introdução: 1. A saúde como direito fundamental; 2. A
saúde conforme a Carta de 1988; 3. As competências na
questão do direito à saúde; 3.1. A competência da União;
3.1.1. Competência privativa ;3.1.2. Competência comum;
3.1.3. Competência concorrente; 3.1.4. Outras diretivas:
______________
Promoção do bem-estar; 4. Princípios da seguridade social;
Juíza-Diretora da Escola da Magistratura - TRF- 4ª Região. Mestranda do Curso de Direito da PUCRS,
trabalho apresentado na disciplina de Constituição e Direitos Fundamentais, Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet.
1
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
75
4.1. Participação da comunidade; 4.2. Financiamento; 4.3.
Princípios Gerais da Seguridade Social; 5. Relevância Pública das ações referentes ao direito à saúde;5.1. Criação
do SUS – rede regionalizada, hierarquizada e única; 6. O
princípio constitucional da vinculação de recursos para a
iniciativa privada no aspecto complementar; 6.1. Fiscalização, controle e avaliação; 7. A assistência à saúde, sistema
aberto à ini-ciativa privada no aspecto complementar;
7.1. Vedação da comercialização de órgãos e substâncias humanas; 8. Atribuições do SUS; 9. A saúde como
direito a prestações materiais e os limites; 9.1. A reserva
do possível como princípio; 10. O direito à saúde na sua
dimensão positiva prestacional e os seus limites. Alguns
precedentes judiciais; 11. O modelo SUS e a avaliação da
OMS; 12. O SUS e a competência federal; 13. O SUS e
o federalismo; 14. A saúde como um dever; 15. A saúde
como um dever fundamental do Estado; 16. A saúde como
um dever próprio; 17. A saúde como um dever na dimensão
aberta à iniciativa privada; 17.1. Atividade complementar;
18. Atividade Suplementar; 19. Agência Nacional de Saúde
suplementar – ANS; 20. O dever de informar; 21. A saúde
como um dever, a vigilância sanitária; 21.1. A questão da
saúde no primeiro milênio; 22. O dever de notificar e a segurança coletiva, a ordem pública sanitária; 23. O dever de
esclarecer; 24. O dever de instrumentar subsídios técnicos
em defesa da saúde pública; 25. O dever da propaganda
ética e estética; 26. O dever de legislar - acompanhando
o progresso científico; 27. O dever de evitar o risco sanitário; 28. O dever de coibir práticas abusivas: oferta de
medicamentos pelas farmácias, propagandas abusivas;
29. O dever de exigir a presença de farmacêuticos; 30.
O dever de investigar terapias alternativas; 31. O dever
de investigar terapias estéticas; 32. O dever de incentivar
a produção de medicamentos genéricos; 33. O dever de
prestar informações estatísticas e cadastrais; 34. A faculdade de prescrever: a prescrição médica; 35. O dever de
auditar: auditoria no SUS e nos gastos públicos, dever da
União; 36. Sindicabilidade dos gastos; Conclusão.
Introdução
Na antiga Roma, “na ocasião do nascimento, quando a criança experimentava pela primeira vez a atmosfera conturbada de nosso planeta,
76
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colocavam-na no chão. O pai, como mandatário da deusa Levana, ou
algum parente próximo, como mandatário do pai, levantava-a no ar,
ordenando-lhe que olhasse para cima, como se fosse o rei deste mundo;
e apresentava a fronte da criança às estrelas, talvez dizendo a elas em
seu coração: ‘Contemplai aquele que é maior que vós’. Esse ato simbólico representava a função de Levana. E essa deusa misteriosa, que
nunca mostrou as suas feições, e que sempre agiu por delegação, extrai
seu nome do verbo latino levare, erguer ao ar, manter elevado. Ensina
sucessivamente a paixão, a luta, a tentação, a energia da resistência. Levana enobrece o ser humano que ela protege, mas por meios cruéis. Essa
doce ama é dura e severa, e entre os processos que usa para aperfeiçoar
a criatura humana prefere, acima de todos, a dor (...)”.2 A propósito de introduzir a questão da saúde no seu aspecto dúplice,
da saúde como direito humano e social e da saúde como dever do Estado
e dever pessoal, dimensão, cuja ênfase quiçá seja necessário fortalecer,3 invocam-se os auspícios iniciais de Levana. Importante lembrar que a
idéia de dignidade humana não era concebida pelos romanos com a amplitude que hoje a entendemos. A feição atual deve-se a idéias, sucessivas
e sobrepostas, construídas em longo processo de elaboração doutrinária
do que hoje denominamos direitos humanos.4 Salienta Vieira de Andrade5 que o “cristianismo deu nova densidade ao conceito de dignidade
humana, depois de São Tomás e com a poderosa influência escolástica. O
homem é, todos os homens são filhos de Deus, iguais em dignidade (...)”.
1. A saúde como direito fundamental
Não há dúvida da fundamentalidade do direito à saúde. Foi a Constituição de 1988 a primeira das nossas Cartas políticas a reconhecer
______________
2 Baudelaire, Charles. Paraísos Artificiais. LPM. Coleção Rebeldes Malditos, 1821/1867.
3 VARELLA, Dráusio. Folha de São Paulo. 21 set. 2000, verificar
o artigo neste sentido.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedina, 1998.
5
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77
explicitamente e assegurar este direito. É o segundo dos direitos sociais,
logo após a educação. O artigo 196 da Carta de 1988 inscreve a saúde
como “direito de todos e dever do Estado”. Este dever do Estado será
garantido mediante políticas sociais e econômicas, objetivando a redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços públicos para a sua promoção, proteção e
recuperação. Paulo Bonavides, em obra clássica, refere que os direitos
fundamentais são a Constituição em seu máximo teor de materialidade.6 Na lição de Wagner Balera7 surgiu, assim, um direito subjetivo público “que não pode ser negado a nenhuma pessoa sob pretexto algum”.
Ingo Sarlet8 afirma que “consagrado no artigo 6o de nossa Constituição,
é nos arts. 196 e seguintes, que o direito à saúde encontrou sua maior
concretização ao nível normativo-constitucional”. Anota o citado autor
que mesmo em normas de cunho programático que, em princípio, reclamariam uma interposição legislativa é possível deduzir-se, por vezes,
um direito subjetivo individual. Salienta ainda que também normas definidoras de fins e tarefas do Estado ou normas impositivas apresentam
uma dimensão jurídica subjetiva, ainda que esta, em regra, seja restrita
ao reconhecimento de direitos subjetivos no sentido negativo. Mesmo
assim, basta uma leitura superficial dos dispositivos pertinentes, arts.
196 a 200, para que se perceba que nos encontramos, no que diz com
a forma de positivação, diante de normas de forte cunho programático.
Enunciando no art. 196 da Constituição Federal de 1988 que a saúde é
direito de todos e dever do Estado, além de impor aos poderes públicos
uma série de tarefas nesta seara, como a de promover políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos,
além de estabelecer o acesso universal e igualitário às ações e prestações
nesta esfera, há, num segundo momento, dispositivo que remete a regulamentação
das ações e serviços de saúde ao legislador (art. 197) comete
______________
6 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Verificar em Noah Gordon, O Físico. A medicina como direito estamental no ano 1021 em Londres. Rocco,
1994.
Verificar Stanley Pottinger. O quarto procedimento. A medicina controversa, a questão do aborto nos USA.
Ficção. Record, 1995.
Verificar o filme disponível em vídeo. O outro lado da nobreza, a questão da saúde
pública na corte do Rei James II. Rev. Gloriosa.
BALERA, Wagner. O Direito Constitucional à Saúde. RPS, n. 134/92.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais.
9
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. Malheiros, p. 805 e segs.
7
8
78
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a tarefa de criar os serviços de saúde ao legislador ordinário (art. 197),
de criar e fixar as diretrizes do Sistema Único de Saúde (art. 198), oportunizando a participação (em nível complementar) da iniciativa privada
na prestação da assistência à saúde (art. 199), bem como estabelece, em
caráter exemplificativo, as atribuições (nos termos da lei) que competem
ao Sistema Único de Saúde (art. 200). Vê-se, assim, a multiplicidade de
diretivas fixadas constitucionalmente.
José Afonso da Silva9 refere que o direito à saúde se rege pelos princípios da universalidade e da igualdade de acesso às ações e serviços
respectivos. Salienta que as ações e serviços são de relevância pública,
por isso ficam inteiramente sujeitos à regulamentação, à fiscalização e
ao controle do Poder Público. Note-se que o Colendo Supremo Tribunal
Federal tem preferido a concepção de José Afonso da Silva sobre a aplicabilidade e eficácia dos direitos fundamentais, como podemos perceber
pelas ADINs nos 737-8 (valor do salário mínimo de 16.09.93) e 1.232/
DF (inconstitucionalidade do artigo da Lei nº 8.742/93), que regulou a
assistência social do artigo 203 da Constituição Federal de 1988. O Supremo Tribunal Federal considerou ambos os direitos dependentes da lei.
As disposições constitucionais referentes à saúde são, então, na visão da
jurisprudência do Colendo do STF, normas de eficácia limitada, na sua
dimensão prestacional, não configurando direito subjetivo judicializável.
Lembre-se, então, da oportuna consideração de Bobbio10 de que “não
se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza
e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas, sim, qual é o modo mais seguro para garanti-los, para
impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente
violados”.11 2. A saúde conforme a Carta de 198812 O artigo 6o da Constituição Federal de 1988 estabelece que são direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, etc., sendo de
______________
SARLET, Ingo Wolfang. Obra citada, p. 273.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Campus, 1996.
11
A questão da saúde é polêmica também em outras latitudes, como anota Ronald Dworkin. Uma questão
de princípio. Martins Fontes. 2000. “Nos USA patrocinamos a pesquisa médica com impostos e depois de
longas
lutas políticas oferecemos ‘Medicare’ aos idosos, e ‘Medicaid’ aos pobres. Mas o fato cruel é que
não oferecemos aos pobres nada semelhante ao que as classes médias conseguem oferecer a si próprias (...)”
10
10
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79
comentar brevemente que a Emenda nº 26/2000 introduziu o direito à
moradia antes não expressamente referido. Note-se, então, que na ordem
de precedência, a saúde é mencionada logo após a educação. Mesmo que
não fosse expressamente previsto como direito social, a saúde é, sem
dúvida, um direito fundamental, pois intimamente vinculada ao direito
à vida (artigo 5o) e princípio fundamental, pois integra o conceito de
“dignidade humana”, princípio fundante da República (art. 1o, III, Constituição Federal de 1988). A dignidade da pessoa humana é elevada com
o valor “saúde”. O § 1o do artigo 5o inscreve como sendo de aplicação
imediata as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
e, por sua vez, o artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal de 1988,
proíbe emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, não
havendo, como visto, dificuldade maior para sustentar o direito à saúde
como um direito fundamental, além de ser expressamente reconhecido
como direito social. Canotilho13 admite que sejam direitos subjetivos,
mesmo sem a criação das condições materiais para a sua fruição. Barroso14 defende uma interpretação progressiva na linha de Robert Alexy, dizendo
que representam “mandados de otimização que devem ser densificados”,
o seu cumprimento poderia ser negado temporariamente em virtude de
impossibilidade material comprovável. Em sendo um direito de todos,
“a saúde” se apresenta como um direito difuso, metaindividual e cujos
titulares são indetermináveis.
A saúde, na sua dimensão de direito social, vê-se incluída no valor
do salário mínimo (artigo 7o, IV) que o constituinte imaginou como
suficiente para, além de outras, atender também às necessidades vitais
atinentes à saúde. Garantiu, também, a Constituição Federal de 1988,
no artigo 7o, XXIII, a redução dos agravos à saúde por ocasião do trabalho, bem como assegurou que o exercício de atividades laborativas em
locais insalutíferos fossem remunerados com um adicional (artigo 7o,
_________________________________________________________
(Medicare e Medicaid introduzidos em 1965 pelo Presidente Lyndon Johnson).
12
Luis Roberto Barroso ressalta que o artigo 232 do Anteprojeto da Constituição Federal de 1988, aprovado pela sistematização (1987) previa que: “A saúde é direito de todos” em formulação equivocada, ver
obra “O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. 3. ed., Renovar, p. 60”.
13 CANOTILHO, José J. Gomes. A Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra, 1982.
14
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Renovar, 1996.
80
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XXIII). Em função da proteção da saúde, restaram proibidos o trabalho
de menores em período noturno, atividades perigosas e insalubres por se
entender que os menores mais sentiriam os prejuízos à saúde decorrentes de atividades em ambientes e situações de risco (artigo 7o, XXXIII,
Constituição Federal de 1988).
3. As competências na questão do direito à saúde
3.1 A competência da União
3.1.1 Competência privativa
A União tem inscrita na sua competência privativa (artigo 21, IX) a
elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social. No social, justamente, inscreve-se a atuação em iniciativas em prol da saúde individual e
coletiva. Prosseguindo, no item XVII do mesmo artigo 21, verificamos
que é da União a competência para planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, estão incluídas neste tópico, sem
dúvida, as doenças, muito embora o artigo apenas destaque com a nota
da especialidade as “secas e as inundações”. No item XX, vemos que é
da União a competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive o saneamento básico, condição elementar para a
construção da saúde pública. Novamente, com a nota no vetor saúde, a
competência federal na atividade nuclear (XXIII) na inspeção do trabalho
(XXIV) e o exercício da garimpagem (XXV), atividade que muitíssimo
compromete a saúde humana. Concluindo o exame deste longo artigo,
vemos que apenas por lei complementar poderá ser autorizada aos Estados a expedição de legislação sobre as matérias que acima elencamos.
3.1.2 Competência comum
Passando à competência comum da União, dos Estados e dos Municípios, o artigo 23, inciso II, prevê que a atividade de cuidar da saúde e
assistência pública inscreve-se na competência comum. Todos os entes
da Federação têm o dever de cuidar da saúde pública. No item IX, há a
menção aos cuidados e à promoção de programas de saneamento básico,
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81
vetor da saúde pública. No item X, ao dizer do combate às causas da
pobreza também a nota do valor saúde, pois só com condições básicas
de garantia da saúde se combate a pobreza.
3.1.3 Competência concorrente
Ingressando na matéria submetida à competência concorrente, o artigo
24, VI, da Constituição Federal de 1988 abre a possibilidade de legislar
sobre o controle da poluição ambiental e este aspecto tem decisiva importância para a saúde da população.
3.1.4 Outras diretivas: Promoção do bem-estar
Prosseguindo-se no romaneio da Carta Política em busca das linhas
mestras definidoras deste direito e também deste dever em relação à
saúde, passamos ao artigo 193 da Constituição Federal de 1988, onde
vemos que a ordem social tem como base o trabalho e como objetivo
o bem-estar. Ora, aí novamente podemos identificar o valor saúde.
O bem-estar, em ultima ratio, é a ausência de mal-estar, ausência de
agravos ao corpo e à mente.
4. Princípios da seguridade social
No artigo 194 são estruturados os princípios da seguridade social que
pressupõem um conjunto integrado de ações a serem desenvolvidas pelo
poder público e também pela sociedade.
4.1 Participação da comunidade
Vê-se, aí, a inclusão do aspecto participativo da comunidade que não
só tem direitos, mas também deveres já anunciados no corpo da Constituição. A sociedade, a coletividade também participa no asseguramento
dos direitos relativos à saúde. O aspecto participativo da comunidade é
uma das “mutações” identificadas pelo Professor José Diogo Figueiredo
Moreira Neto.
4.2 Financiamento
O financiamento, o custeio destas ações, estabelece o artigo 195, será
feito por toda a sociedade, que aportará recursos, de forma direta ou
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indireta, para esta tarefa coletiva. Podem, ainda, ser instituídas outras
fontes para garantir a manutenção e expansão da seguridade social (art.
195, § 4º).
4.3 Princípios Gerais da Seguridade Social
Os princípios estão enumerados no artigo 194, parágrafo único, que
indicam o caminho para se chegar ao atendimento das suas finalidades.
São eles: a universalidade da cobertura e do atendimento, a uniformidade
e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais,
a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, a
irredutibilidade do valor dos benefícios, a eqüidade na forma de participação no custeio, a diversidade da base de financiamento. Pela Emenda
Constitucional nº 20 foi estabelecida a gestão quadripartida, de caráter
democrático e descentralizada. Estes os princípios gerais que, em outra
ocasião, serão melhor examinados.
5. Relevância pública das ações referentesao direito à saúde
Na Seção II, no artigo 196, são traçados os lineamentos fundamentais
do direito à saúde, direito de todos e dever do Estado. É proclamada pelo
artigo 197 a relevância pública das ações e serviços de saúde, prevendo-se ações para a promoção, proteção e recuperação. A execução destas
ações poderá ser feita diretamente pelo poder público ou por terceiros15 e se submete fortemente a modalidades interventivas estatais, tais como
a fiscalização e a regulação.
5.1 Criação do SUS – rede regionalizada, hierarquizada e única,
rede complexa
O artigo 198 é uma inovação, pois houve a criação do SUS – “Sistema Único de Saúde” – que é a rede regionalizada e hierarquizada para
cumprir o leque de atribuições antes elencadas. Os princípios que regem
o SUS estão relacionados no artigo 198, segundo as seguintes diretrizes: descentralização com direção única em cada esfera de governo,
______________
FRANÇA, Suzete Barbosa. A presença do Estado no setor saúde Brasil. Revista de Serviço Público, n.
03/88.
15
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
83
atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,
participação da comunidade. Já nos referimos ao financiamento que será
com recursos do orçamento da seguridade social, recursos da União, dos
Estados e dos Municípios, ficando a questão em aberto, pois o § 1º do
artigo 198 encerra com a referência de que haverá outras fontes. Qual
seria o conteúdo da “unidade” do SUS? Refletindo sobre o que deve ser
“único” no SUS há de se extrair a resposta do artigo 198, caput, e inciso
I, isto é, a obrigatoriedade de todos os entes da Federação integrarem o
sistema, controlado pela União, mas executado localmente, sendo um
sistema complexo. Estados e Municípios não podem construir planos
próprios de saúde.
6. O princípio constitucional da vinculação de
recursos para a saúde
O Constituinte, pela Emenda nº 29/2000, preocupou-se em determinar
a efetiva aplicação em ações e serviços públicos de saúde dos recursos
mínimos (§ 3o, art. 198) que deverão ser, no ano 2000, no caso da União, o
montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício
financeiro de 1999, acrescido de, no mínimo, 5% (cinco por cento) e do
ano 2001 ao 2004 o valor apurado no ano de 2000, corrigido pela variação
nominal do Produto Interno Bruto (art. 77, inciso I, do ADCT), na forma
a ser definida em Lei Complementar. Os Estados deverão direcionar o
produto da arrecadação dos impostos previstos no artigo 155 (imposto
de transmissão, ICMS sobre prestação de serviços de transporte e comunicação, propriedade de veículos, repasse de verbas da União, artigo
157, e o repasse da União referente aos impostos do artigo 159, I – IPI
e IR), deduzidas as parcelas que forem transferidas aos Municípios. No
caso dos Municípios também há a vinculação com gastos na saúde pelo
inciso III do artigo 198, também em percentuais extraídos da arrecadação
dos impostos (art. 156) e dos recursos previstos na Constituição Federal
de 1988 (arts. 157 e 159, inciso I, alínea b e § 3o).
6.1 Fiscalização, controle e avaliação
Foi notável a preocupação do constituinte em assegurar o direciona84
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mento de recursos para atender aos serviços de saúde, e a mesma Lei
Complementar (Lei Complementar nº 84, de 18.01.96) que terá seus
percentuais revistos a cada 5 anos, prevê as normas e os procedimentos
fiscalizatórios e controladores, bem como avaliadores dos gastos com
saúde. É bem de ver que o município não gastará bem se apenas se limitar
à compra de ambulância para remoção dos doentes16 e poderíamos fartamente citar exemplos do inadequado direcionamento de recursos.17 Nos
dias atuais, a municipalidade que não direcionar pelo menos recursos ao
atendimento de saúde básica e materno-infantil descumpre o dever legal.
7. Assistência à saúde, sistema aberto à iniciativa privada
no aspecto complementar
No artigo 199, vemos que a assistência à saúde não é monopólio do
Estado, pois ali se previu o acesso da iniciativa privada ao ramo da prestação de serviços em saúde. Sinale-se que esta participação se dará de
forma complementar ao SUS e segundo diretrizes do SUS. Este aspecto
é muito importante pelas conseqüências que mais adiante poderemos
extrair. A forma pela qual se abriu à iniciativa privada a participação nos
serviços de saúde e, repise-se, de forma complementar, vinculação por
regras publicistas ou conveniais. Para a vinculação dará preferência às
entidades filantrópicas ou às sem fins lucrativos. Então, há sinalização de
que o serviço complementar de preferência não será puramente mercantil
com objetivo tão-só de lucro. Prosseguimos, e vê-se no § 2o que está
vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às
entidades com fins lucrativos, e no § 3º houve a vedação da participação
direta ou indireta das empresas ou capitais estrangeiros na assistência à
saúde, salvo expressa previsão legal em contrário.
7.1 Vedação da comercialização de órgãos e substâncias humanas
O § 4o do artigo 199 remete à lei a questão dos transplantes, remoção
______________
Sobre os gastos do governo federal, ver Folha de São Paulo, artigo de Barjas Negri, Secretário Executivo do Ministério da Saúde. “A saúde gasta bem, obrigado”, em resposta a críticas de 10.09.2000, em
19.09.2000.
17
No início do século, até Osvaldo Cruz foi criticado por usar o dinheiro da saúde pública para reformar
o então Instituto Manguinhos, palácio em estilo mourisco. Boris Fausto, História do Brasil. Edusp, 1994.
16
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85
de órgãos, tecidos e substâncias humanas, transfusão de sangue e seus
derivados, vedando “todo o tipo de comercialização”. Este artigo foi
regulamentado pela Lei nº 9.434/97 que dispôs sobre a remoção de órgãos e transplantes. A Lei nº 8.501/92 trata das disposições referentes ao
cadáver de humanos e sua utilização. O Decreto nº 2.268/97 procedeu à
regulamentação da primeira. Neste campo vastíssimo se abrem inúmeras
questões e que vão desde a ética a pendências judiciais, abordagem que
ultrapassa as dimensões deste trabalho.18 8. Atribuições do SUS
Concluindo o “bloco da saúde”, o artigo 200 vem dizer da competência do SUS e definir as suas múltiplas atribuições. A Lei nº 8.080,
de 19.09.90, e a Lei nº 8.142, de 28.12.90, foram já editadas atendendo
ao comando do artigo 200, disciplinando e estruturando o SUS. São
da competência do SUS a execução das ações de vigilância sanitária e
epidemiológica; o controle e fiscalização de procedimentos, produtos e
substâncias de interesse para a saúde, produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; ordenação
e a formação de recursos humanos para atuar na saúde; participação da
formulação da política e ações de saneamento básico, incrementador do
desenvolvimento científico e tecnológico; fiscalizador e inspecionador
de alimentos para verificar o teor nutricional, bebidas e águas para consumo humano; o SUS deverá, ainda, participar do controle e fiscalização
da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos
psicoativos, tóxicos e radioativos, finalmente atuará na proteção do meio
ambiente, aí compreendendo o meio ambiente do trabalho.
Vê-se, assim, que não é pouco, é uma competência vastíssima que se
atribuiu ao SUS, onde atuará cumprindo o seu dever para com a saúde;
dever que há de ser cumprido, e bem cumprida segundo vetores do Decreto nº 3.507, de 13.06.2000, que estabeleceu os padrões de qualidade
dos servidores públicos, entre outros, os do artigo 3o: atenção, respeito e
cortesia, verificação de prioridades, tempo de espera, limpeza, conforto
das dependências, além do controle e avaliação periódicas. Vê-se que já
______________
18
Precedente pedindo cirurgia imedita com doador voluntário. (fila única ou dupla porta)
86
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há sinalização dos critérios para que qualquer atendimento ou serviço seja
avaliado. Nesta avaliação, deve-se atender ao princípio da razoabilidade
e levar em conta a inconclusão do modelo que está sendo construído.
9. A saúde como direito a prestações materiais e os limites
9.1 A reserva do possível como princípio
A Constituição Federal de 1988 não chega a definir em que consiste
o direito à saúde. A proteção, o direito, são conferidos a todos de forma
genérica. Em que consiste este direito, a que prestações efetivamente o
cidadão tem direito. A definição é da lei ordinária e regras inferiores.
Sobre a questão já se pronunciou o Prof. Ingo Sarlet:19 “Encaminhando-nos, aos poucos, para uma tomada de posição, parece evidente que o
direito à saúde, considerado como um direito subjetivo (isto é, direito de
compelir a parte obrigada a fazer ou dar aquilo que me cabe), não poderia
ser interpretado de forma completamente liberal, não abrangendo, por
certo, o direito de alguém, alegando estar acometido de stress, pleitear um
tratamento, às custas do Estado, em um determinado ‘Spa’ em Gramado
ou Campos do Jordão. Se existe, em alguns países europeus, legislação
prevendo até mesmo um tratamento de algumas semanas para o stress,
em clínicas especializadas, ou mesmo um tratamento em uma estação de
águas termais, isto não quer dizer que aqui possamos admitir tal coisa.
Aliás, até mesmo nestes países (tais como Alemanha, Áustria e Suíça),
estão começando a ser cortados, completa ou substancialmente, benefícios desta natureza, sendo claro que o exemplo citado é extremo e visa
a tornar mais evidente o contraste, ainda mais quando, como ocorre no
Brasil, sequer temos as prestações básicas asseguradas na área da saúde e
da educação”. Esta esclarecedora passagem já nos habilita a bem compreender e sustentar que o atendimento, as prestações, os serviços oferecidos
e exigíveis são apenas os previstos pela legislação e regulamentação,
observadas as técnicas e práticas médicas disponíveis no Brasil.
Efetivamente, o direito subjetivo à saúde, no seu aspecto prestacional,
______________
19 SARLET, Ingo Wolfgang. O Direito à Saúde, aspectos Consti20 BARROSO, Luis Roberto. Obra citada.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
87
deve ser o compatível com a realidade econômica do país. Como bem
sustenta Barroso,20 o direito à saúde “direito de todos e dever do Estado,
na fórmula em que incrustado no artigo constitucional, antes citado, não
investe, não concede direito subjetivo a ninguém de exigir prestações
positivas do Estado, mas, no mínimo, asseguram uma posição jurídica
ao indivíduo, como refere Suzana de Toledo Barros,21 retornando à
doutrina dos status de Jellinek, as prestações positivas defluem, no caso
do direito à saúde, dos comandos legais que estruturam o SUS e demais
mecanismos reguladores da assistência à saúde.
Impõe-se, aqui, refletir se o particular pode compelir o Estado a
custear-lhe caríssimo tratamento no exterior? Na maior parte dos casos,
tais tratamentos são experimentais. Nesta linha, seria possível exigir do
Estado o custeio de tal aventura médica no exterior? Impõe-se, assim,
à vista das considerações antes feitas, que tal não é possível nem razoável na atual conjuntura brasileira, mas quem define o que é possível, o
Congresso, ao votar o orçamento?
10. O direito à saúde. Sua dimensão positiva prestacional
e os seus limites. Alguns precedentes judiciais
Concluindo a abordagem desta faceta do “Direito à saúde” sob o enfoque de direito prestacional, convém reiterar e clarificar que é majoritário
o entendimento de que não há possibilidade de reconhecê-lo como um
direito subjetivo individual. Ele depende, para o surgimento do direito
individual judicializável, de intermediação legislativa. Não é nesta dimensão norma de eficácia plena. Vide-se, a propósito, voto do Ministro
Demócrito Reinaldo que estabelece os limites prestacionais – REsp nº
1995.00068782-8/RS – “é proibido realizar despesas sem precisão orçamentária”, em 23.05.96. Há, todavia, pronunciamentos em contrário. 22 Transposta esta questão, é também importante concluir que os seus
limites são os da legislação de regência, como antes mencionado.
O conteúdo material do direito à saúde, observados os princípios
regedores da Carta de 1988, é o estabelecido pelas Leis nºs 8.080/90,
______________
BARROS, Susana de Toledo. O princípio da proporcionalidade. 2. ed. Brasília Jurídica, 2000.
SILVEIRO, Paulo Fernando. Devido Processo Legal. 2. ed. Del Rey, 1997. Manifesta-se em sentido
contrário citando precedentes.
21
22
88
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
8.142/90 e Resolução nº 283/91 e demais atos normativos que disciplinam
o internamento hospitalar de pacientes do SUS no sistema eletivo e de
emergência, bem como estabelecem a gratuidade total para o paciente e
proíbem a cobrança a qualquer, repito, a qualquer título de complementaridade. Gilmar Ferreira Mendes refere-se ao fato de que, nesta seara
de direitos prestacionais, dentre outras condicionantes, há a reserva do
financeiramente possível, exemplificando com decisões da Corte Constitucional alemã.23 Fazendo um breve comentário sobre precedentes judiciais, temos os
que seguem:
a) Liberação do FGTS para despesas com saúde em especial pacientes
acometidos de AIDS ou outras doenças graves. As Leis nºs 8.036/90 e
8.922/91 identificam um rol de doenças que não inclui a AIDS e outras
afecções. Tem-se entendido que o rol não é numerus clausus, assim, é
procedente o pedido de liberação dos recursos do FGTS. Dá-se, aqui,
a orientação preconizada por Barroso e Sarlet quando lecionam que o
cidadão tem direito de obter decisão judicial no mesmo sentido apontado
pela Constituição, quando em pauta os interesses por ela protegidos.24 b) Fornecimento de medicação para os portadores de AIDS. A Lei nº
9.313/96 dispôs sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos doentes nestas condições. Inúmeros precedentes fixam a legitimidade passiva
da União, concedendo a ordem, diante da inexistência ou ineficiência
do serviço público nesta situação. O que merece ser lembrado é que o
órgão público gerenciador da lista e precedência das pessoas atendidas,
de regra, tem a relação dos doentes cadastrados e antecipações de tutela
antes da oitiva do órgão encarregado, acabam por desorganizar aquelas
prioridades legitimamente estabelecidas. Por outro lado, os medicamentos são aqueles previstos nas prescrições médicas do SUS, não sendo
______________
23 MENDES, Ferreira Mendes. Hermenêutica Constitucional.
Apelação Cível nº 95.04.41672-1/RS, TRF-4ª Região, julg. em 19.10.1995, DJU de 21.03.96,
fls. 17.513-17.514. “ADMINISTRATIVO. Liberação de valores depositados em contas vinculadas do FGTS
para tratamento de doença de dependente. 1. Entender que a situação do autor, que pretende a liberação do
saldo das contas do FGTS para tratamento de filho menor portador do vírus da AIDS, não está compreendida nos permissivos de saque é uma demasia, um exagerado apego à letra da lei; em frontal colisão com
o espírito que animou o legislador ao editá-la. 2. Improvido o apelo da CEF”.
25
Apelação Cível nº 1998.04.01.049127-5, Relatora Juíza Marga Inge Barth Tessler; AI nº 97.04.57548-3,
AI nº 97.04.57545-9, Relatora Juíza Silvia Goraieb.
24
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
89
razoável a ordem de compra de medicamento estrangeiros experimentais
ainda não incorporados à prática médica nacional.25 c) Internação hospitalar pelo SUS, na modalidade “Diferença de
Classe”, Resolução nº 283/91. Trata-se de pretensão em obter, via judicial, baixa hospitalar por conta do SUS, mas ocupando acomodações
da 1a classe. À luz dos princípios da uniformidade e da legalidade, bem
como da legislação de regência, em especial a Resolução nº 283/91,
tal não se me afigura possível. Há precedentes que concedem tal possibilidade.26 O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em decisões mais
antigas, prestigiou a tese, e o Supremo Tribunal Federal, também em
decisão mais antiga.27 O que se poderia dizer é que não há previsão legal
para tal modalidade. O argumento de que não há prejuízo para o SUS é
falacioso. Há prejuízos, sim, para todo o sistema como infelizmente o
noticiário jornalístico constata. Havendo pagamentos parciais, os menos
favorecidos não conseguirão um leito hospitalar.28 Por último, o Estado
Democrático de Direito não permite a prestação de serviços públicos
com diferenciação de “classes”.29 d) Reajuste da Tabela do SUS. Outra questão recentemente discutida
judicialmente é o reajuste da Tabela do SUS em ação civil pública, onde
se pede o reajuste de 9,56%. A questão está submetida à jurisdição federal.30 Verifique-se precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
sobre reajuste tabelas do SUS (Agravo SEL 2000.04.01.113891-9, Rel.
p/ o acórdão Juiz Volkmer de Castilho).31 11. O modelo SUS e a avaliação daOMS
Prosseguindo com breve digressão, o modelo implantado há 15 anos,
______________
EIAC nº 97.04.03324-9/SC, Relatora Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère.
STJ, 199600134278, 1a Turma, em 23.05.97, Ministro Milton Luiz Pereira; STJ, 199600714630, 1a Turma,
em 17.03.97, Rel. Ministro José Delgado, STF. REED 196982/PR, Rel. Ministro Moreira Alves.
28
O IBGE informa que de 1992 a 1993 o Brasil perdeu 59.412 leitos hospitalares, redução de 21%. Folha
de São Paulo, 12.10. 2000. “Sem leito”.
29
AMS nº 96.04.12870-1, 25.08.98, Rel. Juiz José Luiz Borges Germano da Silva; AMS nº 95.04.53513-5,
31.03.98; Rel. Paulo Afonso Brum Vaz; AMS nº 95.04.33096-7, Rel. Juiz Dirceu Almeida Gomes.
30
Conforme nota da Folha de São Paulo, 15.09.2000. “Reajuste da Tabela do SUS é suspenso”. Sentença
de mérito da Justiça Federal, 3a Vara Federal de Porto Alegre/RS, concedendo o reajuste.
31
Recentemente o Ministro Costa Leite, Presidente do STJ, cassou antecipação de tutela do TRF-2ª Região,
face à ausência de previsão orçamentária.
26
27
Folha de São Paulo. 08.09.2000. Verificar, ainda, Folha de São Paulo, 15.10.2000. “40% de São Paulo
vive em área sem hospital”, pesquisa coordenada pelo Dr. Adib Jatene. “É um escândalo”, diz Jatene.
32
90
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
na opinião de quem se debruçou em um estudo mais detalhado do que
ora fazemos, não tem funcionado e irá à falência se não for feito um
esforço para implantar melhorias.
A Organização Mundial de Saúde o classificou em uma lista de 191
como um dos piores do mundo.32 Pode-se questionar os métodos da OMS
e a sua pesquisa pode não estar correta, mas é um indicador internacional
sobre a situação dos serviços de saúde. É prudente considerar que há
muitos interesses em jogo, em especial, das grandes empresas estrangeiras prestadoras de serviços privados de saúde que, face ao disposto no
§ 3º do artigo 199 da Constituição Federal de 1988, tem “vedada a sua
participação direta ou indireta na assistência à saúde no País, salvo nos
casos previstos em lei”. Então, há de se ter uma certa reserva com estes
indicadores internacionais. Os nossos indicadores sociais não são bons.
Há, pelas notícias jornalísticas, grandes distorções e uso equivocado
dos recursos do SUS. A certeza é de que há necessidade de esforços
para melhorar.33 12. O SUS e a competência federal
A União, como principal mantenedora, gestora, reguladora e controladora do sistema não pode se omitir em seus deveres. O que está
equivocado é o discurso oficial generalizado, de que basta transferir
os recursos e se está transferindo toda a responsabilidade a Estados e
Municípios. Se houver desvios, é problema deles. Em primeiro lugar,
não é mais tão fácil buscar recursos junto à sociedade e, em segundo
lugar, é muito importante internalizar que a União não se libera de sua
responsabilidade constitucional com a mera transferência de recursos.
A União é responsável pelo Ministério de Saúde, e por suas agências
federais até o fim, até colocar o produto ou serviço nas mãos ou na pessoa
do destinatário final.
__________________________________________________________
33 Idéias lançadas pela esclarecedora conferência do Desembargador Federal Cândido Ribeiro, TRF-1ª Região, em 28.09.2000,
evento Ajufe/Rio – II Encontro. “Acesso à saúde e educação”.
Tendo o STF admitido a presença da União nas demandas referentes ao FGTS, pode-se concluir que
não é mais necessário o “interesse jurídico”. 35
HC nº 75215, Rel. Ministro Néri da Silveira; Embargos em REsp nº 196982/PR, Pleno, Rel. Ministro
34
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
91
A nota que caracteriza e firma a competência da União e a impõe é a
presença da competência concorrente como antes exposto, e a supervisão
na aplicação dos recursos, aí o interesse federal.34 O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a competência
federal em algumas oportunidades e mesmo sendo referente a uma
questão criminal a mais extensamente fundamentada,35 sinaliza para a
linha a seguir. Deve ser mencionado que há precedente mais antigo que
fixa competência esta-dual para a matéria.36 O Eminente Ministro Néri
da Silveira oferece fundamentos para a fixação da competência federal
em três precedentes e há o precedente relatado pelo Ministro Sepúlveda
Pertence com decisiva fundamentação, caso de crime contra a CEF, que
sinaliza a competência federal, sendo que o raciocínio utilizado pelo voto
ministerial se afigura aplicável às causas cíveis, pois o custeio do SUS é
incumbência da União. Registra-se que há precedente anterior relatado
pelo Ministro Moreira Alves, em sentido contrário.
13. O SUS e o federalismo
Concluindo, é de fazer uma breve referência sobre o SUS no contexto
do federalismo brasileiro. Embora implique prejuízo da autonomia dos
Estados e Municípios, não viola o núcleo do federalismo brasileiro. O
nosso federalismo tem características próprias, marcadamente centralizadoras, características decorrentes de nossa história diferentemente da
norte-americana.37 14. A saúde como um dever
O artigo 196 da Constituição de 1988 inscreve a saúde como um
direito de todos e um dever do Estado. A Lei nº 8.080, de 19.09.90, ao
regular, em obediência ao comando do citado artigo, as ações e serviços
de saúde executadas por pessoas naturais ou jurídicas de direito público
_________________________________________________________
Néri da Silveira; RECR nº 196982/PR, Pleno, Ministro Néri da Silveira (desvio no âmbito estadual de
recursos do SUS). À União incumbe a distribuição dos recursos, mas ainda a supervisão de sua regular
RE nº 207970/RS, Ministro Moreira Alves indica a competência estadual, Secretaria da Saúde, para questão
envolvendo internação em hospital pelo SUS.
37
WEICHERT, Marlon Alberto. O SUS e o federalismo brasileiro. Revista de Direito Constitucional e
Internacional. 32/154.
38
Evangelho de João 5. Bíblia fonte inesgotável de inspiradoras visões.
36
92
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ou privado, estabelece, no § 2o do artigo 2o, que: “O dever do Estado não
exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade”.
Antes de desenvolver as idéias relativas a este tópico e tentar identificar
e fundamentar os diversos deveres que são impostos aos órgãos públicos
e privados e às pessoas individualmente, lembro de uma inspiradora
visão bíblica38 que faz pensar nas condições em que são oferecidos os
serviços públicos de saúde nos países do chamado Terceiro Mundo; faço
um resumo das palavras do apóstolo João: “Estava Jesus a caminho de
Jerusalém quando notou o lago de Betesda em volta do qual se reunia
uma multidão de enfermos, ‘cegos, coxos e paralíticos’, esperando que se
movessem as águas pois um anjo descia de tempos em tempos, tocando-as com sua asa. O primeiro doente que entrasse no tanque após o toque
angelical, sarava de seus males”.
A visão é dramática, mas inspiradora. Não está tão distante da realidade. Qual o papel da Justiça nesta questão. O Juiz não maneja a espada
com a delicadeza da asa do anjo, quando ocasionalmente consegue agitar
as águas, acaba desequilibrando aqueles que esperam a sua vez de serem
atendidos.
Impõe-se, então, encarar seriamente a saúde como um dever fundamental.
15. A saúde como um dever fundamental do Estado
A Constituição Federal de 1988 está repleta, no “bloco da saúde”
(artigo 196 e seguintes) de deveres impostos aos órgãos públicos, no
sentido de tomar as iniciativas para “promover, proteger e recuperar”
a saúde por ações e serviços, financiá-los, fiscalizar a aplicação dos recursos. Direcionar os recursos de vinculação obrigatória. O artigo 200,
elencando as atribuições do SUS, utiliza os verbos controlar e fiscalizar,
executar, ordenar, participar, incrementar, inspecionar e colaborar. Vê-se
que o leque de deveres é bastante amplo.
Nesta dimensão, surge um direito subjetivo para o cidadão como
anota Barroso,39 “o de ver regulamentada, de forma adequada, a situação
______________
39
BARROSO, Luis Roberto. Obra citada., p. 113.
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93
jurídica esboçada na Lei Maior, exigível do Poder Legislativo”. Para o
ente público está imposto o dever de movimentar-se, diria, com a reserva do tempo razoável, para o cumprimento dos deveres. A violação da
fundamentalidade do dever referente à saúde radicaria, por exemplo, na
não-aplicação dos recursos constitucionalmente vinculados a este fim.
Os Municípios que não instalarem serviços de atendimento materno e
infantil e outros básicos violam a fundamentalidade do dever.
Adiante se comentará como se vêm desenvolvendo as iniciativas
públicas no cumprimento destes deveres.
16. A saúde como um dever próprio
É o próprio cidadão o primeiro responsável pelos cuidados com a
sua saúde. É o “saber cuidar”, idéia tão bem desenvolvida por Leonardo
Boff40 a partir de Heidegger,41 o filósofo do cuidado (cuidado deriva de
“cura” do latim). A Lei nº 8.080/90 di-lo com todas as letras: o dever do
Estado não exclui o das pessoas, das famílias, das empresas, da sociedade.
Utilizando a idéia do direito alemão, poderíamos falar em uma “Selbstwirkung” os efeitos em si próprio das regras constitucionalmente impostas como deveres do Estado e erigidas em atenção à saúde individual.
A idéia de dignidade humana passa, necessariamente, pela construção da
própria dignidade pessoal. A exigência de atenções por parte de terceiros reclama o inicial cuidado próprio. Cuidar-se, racionalmente, é uma
especificidade humana. Cuidar-se, racionalmente, exige educação.42 O
cuidado é uma constituição ontológica sempre presente “a tudo o que
o ser humano empreende, projeta e faz, é o fundamento para qualquer
interpretação do ser humano. O cuidado é mais fundamental do que a
razão e a vontade”.
Nesta linha, questiona-se, então, sobre a situação das pessoas com
escolaridade média e que continuam a prestigiar o hábito de fumar ou
consumir substâncias psicoativas. Tendo a União, pelo Ministério da
______________
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar. Vozes. 1999.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte I. 9. ed. Petrópolis : Vozes, p. 262 e segs. “O ser, no seu percurso
temporal no mundo é cura”.
42
Folha de São Paulo. 18.08.2000. “Brasil é reprovado em qualidade de vida pelo Banco Mundial (não
ampliou acesso à educação e saúde)”. Os dados do estudo são de 1995.
43
Verificar Vieira de Andrade, obra citada, p. 235. “Proibição de restrição desnecessária ou desproporcional,
esta também não é possível, também não é a que anula o direito”.
40
41
94
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
Saúde, investido em campanhas publicitárias alertando para os malefícios
de tais práticas, seria razoável no futuro onerar os recursos e serviços
públicos com a cura de moléstias diretamente relacionadas com os
hábitos ou consumos nocivos. O dever de prevenção imposto pela Lei
nº 8.080 ao próprio cidadão não estaria a recomendar uma atitude mais
comprometida com a mantença da saúde própria? Certamente que sim,
mas o afastamento, a recusa da prestação do atendimento pelo SUS, no
mínimo, reclama intermediação legislativa e ampla divulgação. A construção que se poderia fazer, e se faz, é a mesma da autolesão. No caso
de autolesionismo, não há cobertura securitária.43 Prosseguindo na identificação dos deveres, identifica-se com nota de
dever, o dos pais e responsáveis em levar os filhos menores às campanhas
de vacinação. A obrigação dos viajantes em submeter-se à vacinação, no
caso de visita a locais considerados de risco, bem como de submeter-se à
quarentena em caso de retorno de locais sabidamente comprometidos.44 Considerando a cronicidade de falta de sangue45 e a queda na coleta
voluntária, bem como a dificuldade em obter órgãos para transplantes,
setor no qual se registra uma “lista de espera” de 30 mil pessoas,46 poderia ser instituído o dever de fazer periódica contribuição ao Banco de
Sangue? Suprir, pela via legislativa,47 a resistência dos parentes enlutados? Animo-me a pensar que sim, reclamando-se para tal a mediação
legislativa e campanhas publicitárias motivadoras.48 Encaminhando a questão da saúde como um dever próprio para
uma conclusão, pode-se extrair das posições doutrinárias e princípios
constitucionais envolvidos, bem como com a necessária intermediação
legislativa, o exigir-se uma postura mais consciente e cuidadosa do
cidadão. É possível, considerando o grau de escolaridade do cidadão
envolvido, esperar-se uma escolha mais racional de opções de consumo
e estilos de vida. É uma questão que reclama construção, em especial,
______________
Verificar Folha de São Paulo, 22.09.2000. “HIV provoca crescimento de casos de malária. Na África
subsaariana há a maior incidência de AIDS e Malária, temendo-se uma explosão do problema”.
45
Folha de São Paulo, 27.09.2000. “Falta de sangue faz hospital limitar cirurgias”. O estoque de São Paulo
é para dois dias.
46
Folha de São Paulo. “Utilização de rins de mortos cresce”.
47
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.
Coimbra : Almedina, 1998, p. 214 (limites imanentes, colisão, leis restritivas). “O dever de cuidar-se como
limite imanente do direito à saúde”.
48
Verificar precedentes envolvendo hemoterapia e responsabilidade do Hospital Público. Apelação Cível nº
2000.04.01.104854-2/RS. Relatora Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrère.
44
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95
no campo da proporcionalidade. Na realidade, quanto mais instruído o
cidadão, mais facilmente poderá vir a cumprir a fundamentalidade do
dever de “saber cuidar-se”.
17. A saúde como um dever, a dimensão à iniciativa privada
17.1 Atividade complementar
O artigo 199 da Constituição Federal de 1988 estabelece que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Pelo § 1º, vê-se que a iniciativa privada pode participar de forma complementar do SUS, mediante contratos de direito público ou convênios.
Nesta vinculação ao SUS, têm preferência constitucionalmente prevista
as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Vê-se o prestígio que
se dá às instituições sem fins lucrativos.
Neste campo e face ao § 2º do mesmo artigo, observa-se que no regime
da complementaridade, a iniciativa privada sujeita-se inteiramente às
regras estabelecidas pelo SUS, no entanto, não há necessidade de serem
apenas atendidos pacientes do SUS. Há modelos de hospitais universitários bem-sucedidos.49 18. A atividade suplementar
A assistência à saúde não é monopólio do Estado, está aberta à iniciativa privada, conforme estabelece o artigo 199 da Constituição Federal
de 1988. Nesta esfera, todavia, não impera a liberdade total. A atuação
do segmento privado50 está sujeita aos preceitos constitucionais fundamentais do artigo 1o, III, isto é, a dignidade da pessoa humana, e aos
limites impostos pela lei, isto é, a atividade suplementar também tem
deveres relacionados ao “direito à saúde”. Poderíamos falar, como os
alemães, em “Drittwirkung”, reflexionando o direito constitucional nas
______________
Verificar, Folha de São Paulo. 18.08.2000. Artigo do Dr. Adib Jatene. “Incor a consagração de um modelo”.
Verificar AI nº 2000.04.01.106152-2/RS, Rel. Juiz Teori Albino Zavascki, sobre indisponibilidade de bens,
acusação de lesão doa SUS por administradores privados (1999.04.01.095390-1/RS).
51
MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais e Interpretação Constitucional. Palestra proferida em Porto
Alegre/RS, 22.11.1997. “não basta obrigar o poder público”.
52
Em 10.10.2000, data da elaboração do trabalho, não verificamos alteração.
49
50
96
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relações privadas.51 19. A Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS
Convém aqui fazer uma breve digressão, procurando clarificar alguns
aspectos pela sua novidade. A atividade suplementar está regulada pela
Lei nº 9.656/98 e pela Medida Provisória nº 1.665.52 A referida lei,
em cumprimento do disposto no artigo 197 da Constituição Federal de
1988, veio disciplinar, regular a saúde oferecida pela iniciativa privada.
Criou-se a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ANS, uma autarquia
federal e se estabeleceu o início da regulação do setor. Note-se que este
segmento do mercado opera por quase 30 anos sem qualquer ação sistemática do Estado, sendo, pois, naturais as resistências e compreensíveis
as dificuldades por que passam os pioneiros implantadores das agências
reguladoras,53 na sua função de polícia, de ordenamento econômico e
de ordenamento social.
Fazendo um brevíssimo resumo do segmento abrangido pela regulação e fiscalização da ANS, é esclarecedor o quadro apresentado pelos
palestrantes mencionados na nota de rodapé e, em parte, reproduzido
pela imprensa,54 onde se verifica que há um total de 43.359 planos de
saúde registrados na ANS e 2.724 operadoras com registro provisório,
e 26,5 milhões de pessoas associadas a planos de saúde. As operadoras
estão, assim dimensionadas: as de Medicina de Grupo, as cooperativas,
a autogestão pública, a autogestão privada e as seguradoras. Note-se
que 12% das operadoras concentram 80%55 do mercado, observando______________
Nesta altura deste estudo impõe-se dizer que o Sr. Ministro da Saúde, José Serra, bem como técnicos
e diretores das diversas agências, e abaixo relacionadas, compareceram a um evento promovido pelas
Associações do Ministério Público Federal e dos Juízes Federais, Ajufe, em meados de setembro de 2000,
dispondo-se ao diálogo, expondo-se às críticas, e trazendo conhecimentos e informações, atitude altamente
democrática, sendo credores de admiração e elogios, ao Sr. Ministro e Drs. Barjas Negri, Renilson Rehem
de Souza, Claudio Duarte, Mauro Ricardo Machado Costa, Gonzalo Vecina Neto, Januário Montone, Maria
Aparecida Fernandes, Sady Carnot Falcão Filho, Geraldo Biasoto, Hélio Gil Gracindo.
Sobre “agências públicas”, consultar Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Curso de Direito Administrativo.
Atlas, 2000.
54
Folha de São Paulo. 19.09.2000. “Situações dos Planos de Saúde no Brasil”. Página C1; Folha de São
Paulo. 08 set. 2000. Editorial. “Saúde Fora do Plano”.
55
Ver site da ABRAMGE, Internet.
56
Folha de São Paulo. 04 out. 2000. Artigo de Januário Montone. Diretor ANS.
53
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97
-se que a modalidade de “Cartão de Descontos”, que vem crescendo,
ainda não é considerado integrante do sistema. O consumidor destes
planos não tem o domínio sobre o produto que lhe é oferecido, não
entende a relação com a rede que lhe presta o serviço, é, pois, bastante
vulnerável. É majoritariamente urbano, 36,8%; o rural é 1,9%. Está na
faixa de rendimentos inferiores a 10 salários mínimos e na faixa etária
de 40 anos, só 6% estão acima de 65 anos, o que sugere um processo de
exclusão do idoso. Embora não esteja plenamente reconhecido, a ANS
deve também atuar em defesa do consumidor.56 A agência ANS tem
como política de impacto, a implantação do ressarcimento ao SUS, na
medida em que pacientes com planos privados são atendidos pelo SUS.
Na questão das operadoras, seria desejável que houvesse, por parte dos
órgãos públicos e também do Judiciário, critérios diversos de molde a
diferenciar as cooperativas de serviços médicos das grandes seguradoras
e da Medicina de Grupo. A função reguladora poderá ser de prevenção,
de controle e de solidariedade.57 As regulações podem ainda ser técnicas
ou operativas e de fomento.
20. O dever de informar
Neste campo da atividade suplementar, aberta à iniciativa privada,
impõe-se deveres às operadoras e, em especial, o dever de prestar informações à ANS e ao consumidor. Neste aspecto, a jurisprudência, modo
geral, se encaminha por fulminar as cláusulas limitativas de procedimentos e cobertura sem o devido destaque.58 Considerando que a agência é
depositária de prerrogativa legal igual à da Receita Federal, não é possível invocar-se o sigilo ou segredo médico. Não são informados nomes,
mas códigos. As empresas operadoras têm o dever de exibir à agência
reguladora os seus contratos, ajustando-se às recomendações expedidas.
A agência ANS, de sua parte, tem o dever de assegurar o contraditório
às operadoras, isto é, defesa com os recursos a ela inerentes. O poder
______________
O consumidor tem a defesa genérica do Código do Consumidor e a específica administrativa da Agência
Reguladora.
58
Revista do Direito do Consumidor. n. 35. p. 310.
59
Recentíssima decisão, 10/2000, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo. “Se a doença é coberta pelo contrato não
se mostra razoável a limitação a seu tratamento.” A operadora foi a Golden Cross, a decisão é da 2a Seção
do STJ, face às divergências anteriores.
57
98
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geral de cautela, a precaução e o Código do Consumidor legitimam, pelo
que se pode verificar, a eventual suspensão preventiva de novas vendas
de planos, na presença da possibilidade de grave dano ao consumidor.
Em qualquer caso, a operadora tem asseguradas as vias judiciais, em
face de discordância com o agir da administração. A ANS tem o dever
de agir procurando harmonizar o aparentemente inconciliável, isto é, a
saúde e o lucro. Não sendo exigíveis do SUS tratamentos não previstos
na legislação e regras regenciais, não serão exigíveis hipóteses claramente excluídas dos contratos privados. Não se estão prestigiando as
letras miúdas de rodapé, mas as regras claramente estabelecidas, pois há
uma realidade que não se pode obscurecer, planos mais econômicos não
sustentam tecnologias de ponta ou situações extraordinárias. O Superior
Tribunal de Justiça já registra precedentes favoráveis aos consumidores
dos planos de saúde,59 em especial, vetando a limitação dos dias de internação, bem como na questão dos reajustes abusivos, desrespeitantes
da percentagem estabelecida pela ANS. Em precedente originário do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região,60 estabeleceu-se que o INSS
e operadora de Plano de saúde na modalidade de autogestão pública
(FUNCEF) não podem discriminar homossexuais e seus companheiros e
companheiras em questões referentes a benefícios pecuniários e serviços
de saúde. O INSS, em imediato e correto atendimento à ordem judicial,
regulamentou a situação mediante portaria.61 Na vertente do saneamento básico, como elemento garantidor da
saúde pública, há um precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, Relatora Desembargadora Federal Assusete Magalhães, AC nº
1999.010.00.68900-9/AC, 2a Turma, anulando licitação e contratos na
questão envolvendo o Canal da Maternidade e a estação de tratamento
de água de Rio Branco, com fundamentação também na dimensão do
direito à saúde.
Na questão do tratamento médico no exterior, negando a ordem para
débito à conta do SUS, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, AMS nº 1998.010.0007673-/
DF, no mesmo sentido, do mesmo Relator o AMS nº 01000637528.
______________
Apelação Cível nº 96.04.55333-0.
Sobre exclusão da cobertura de plano de saúde, verificar o precedente REsp 2290078/SP, Rel. Ministro
Ruy Rosado de Aguiar em 09.11.91, DJU de 07.02.2000.
60
61
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
99
A dedução de despesas com aquisição de óculos e lentes de contato
para efeitos de Imposto de Renda foi permitida em decisão na AGA nº
1999.04.01.028336-2/RS, 2a Turma, Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, Relatora Juíza Tania Terezinha Cardoso Escobar, “pelo simples
fato da ação se tratar de Direito à saúde”, com inspirada fundamentação
em face de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal da 4ª Região.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, tendo como Relator o Desembargador Federal Chalu Barbosa, concedeu pensão mensal a menor
contaminado pelo vírus HIV, em transfusão sangüínea pelo SUS, na AC
nº 97.02.24798/RJ.
Precedentes do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Juiz Francisco Falcão, em 05.12.97, AMS nº 96.00554055-1, reconhece direito
de saque do FGTS para atender despesas com saúde, reconhecendo a
fundamentalidade do direito.
Precedente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Relator Desembargador Pedro Rotta, reconhece a falta do serviço público médico,
condenando a União a ressarcir despesas, invocando o direito à vida em
tratamento de caráter emergencial. Determinada extração de peças para
instauração de inquérito policial.
Precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Relator Juiz
João Surreaux Chagas, com consistente fundamentação para negar a
internação hospitalar pelo SUS com “diferença de classe na AMS nº
96.04.09253-7/RS, em 17.10.96, RTRF 4ª Região, v. 26/314.
Precedentes do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Relatora a Desembargadora Federal Tanyra Vargas, em 10.10.95, AC nº 93.02.07789-6/
RJ, reconheceu a obrigação de indenizar decorrente do mau funcionamento dos serviços de saúde do INAMPS, omissão do Estado na área da
saúde, em face do asseguramento a todos do Direito à saúde.
O torrencial número de liminares deferidas pelos juízes federais, concedendo a liberação de cruzados novos bloqueados (Plano Collor) para
assegurar vida digna e tratamento de saúde aos doentes e idosos, deixou
sedimentado nos anais jurídicos nacionais que os planos econômicos não
se sobrepõem ao direito à vida e à saúde, isto é, o controle da inflação
______________
62 Verifique-se Folha de São Paulo. 18.10.2000. O cigarro e as perdas. Ministro José Serra.
100
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deve pautar-se por não violá-los.
Ação Civil Pública para impedir a comercialização de carne alegadamente contaminada (carne de Chernobyl) face aos riscos à saúde pública
e face ao asseguramento de saúde como um direito de todos e dever do
Estado (TRF-4ª Região, AC nº 89.04.01659-2/RS, Rel. Juiz Cal Garcia).
Ação Civil Pública para proibir o uso de substâncias fumígenas em
aeronaves, ao abrigo da proibição da Lei nº 9.294/96 e do artigo 5o do
Decreto nº 2.018/97, teve concedida liminar de caráter nacional, decisão
mantida pelo AI nº 1998.04.01.078679-2/RS, TRF-4ª Região, Relator
Juiz José Germano da Silva, que fundamentou o seu voto no direito à
saúde dos não-fumantes. Superado o argumento da União de intromissão
indevida do Judiciário na Administração, pelo fato do Decreto nº 2.018/97
expressamente ter permitido a prática. A campanha antitabagista ganha
a adesão ministerial.62 21. A saúde como um dever - a vigilância sanitária
Prosseguindo, e enfrentando ainda na dimensão da saúde como um
dever do Estado e também dos particulares vinculados às atividades
mencionadas nos campos ocupacionais abrangidos pelos itens do artigo
200 da Constituição Federal de 1988, examinamos agora a atividade
de vigilância sanitária, e o cumprimento de seu dever fundamental em
relação à saúde. Trata-se de regulação com o objetivo de controle e
prevenção.
Introduzindo esta questão, uma referência histórica:
21.1 A questão da saúde no primeiro milênio
Registra Duby,63 em estudo que realizou sobre as epidemias e medos
vigorantes no ano 1000 entre as populações européias, que o estado sanitário da Europa era comparável ao da África negra em 1900 e “Diante de
um mal desconhecido, o terror é imenso. O único recurso é o sobrenatural.
______________
DUBY, Georges in Ano 1000, Ano 2000, na pista dos nossos Medos. O Medo das epidemias. Unesp.
Transmitida por parasitas, pulgas e ratos, e veio da Ásia aos portos venezianos e genoveses.
65
TEIXEIRA, Maria da Glória et alii. Seleção das doenças de notificação compulsória. IESUS, VII, jan./
mar./1998.
63
64
66
Verifique-se Folha de São Paulo. 18.10.2000. Rotavírus já matou 15 crianças no Acre.
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101
Ondas de mortalidade grassavam e refluíram tão misteriosamente como
haviam aparecido”. A situação tornou-se especialmente grave em 1347
por ocasião da peste negra.64 Nas cidades não era mais possível enterrar os mortos, eram jogados
sem mortalha em valas cavadas às pressas. Durante o Verão de 1348,
um terço da população européia sucumbiu. O macabro instalou-se na
literatura. As cidades de Veneza e Gênova foram as primeiras, e Veneza,
em 1377, mediante legislação introduziu um dever referente à saúde,
a primeira lista de doenças de notificação compulsória e, em 1851, lá
realizou-se a Primeira Conferência Sanitária Internacional.65 Assim, em uma primeira abordagem é possível concluir a antiguidade deste dever fundamental. No segundo milênio, os noticiários trazem
preocupação crescente, especialmente com o crescimento de doenças na
África e nos países menos desenvolvidos, o que leva à convicção de que
ainda estão no primeiro milênio.66 22. O dever de notificar e a segurança coletiva,
a ordem pública sanitária
Considerando o disposto no artigo 196 da Constituição Federal de
1988, redução do risco de doenças, persiste entre nós a obrigatoriedade
de notificar a ocorrência de determinadas doenças. Inscreve-se o ato notificatório como dever dos agentes laborantes nos serviços de saúde em
benefício de toda a coletividade e da ordem sanitária.67 Atualmente, a
questão vem focada na Portaria nº 993, de 04.09.2000, que divulga lista
de doenças sujeitas à notificação compulsória.
Feito este registro e constatando que no 1o milênio já se erigia a notificação compulsória como um dever, é de lembrar que as providências
sanitárias no Brasil nem sempre se desenvolveram de forma tranqüila e
sem contestações.
É de triste lembrança a Revolta da Vacina no Governo Rodrigues
Alves, onde até Rui Barbosa se voltou contra a vacinação compulsória.
______________
Doenças sujeitas à notificação compulsória. Portaria Ministerial. Febre amarela, Poliomielite, Dengue,
Sarampo, Cólera, Difteria, Meningite, Doença de Chagas, Tétano, Hanseníase, AIDS, Tuberculose, Malária,
Raiva, Peste.
68
Risco sanitário é noticiado pela imprensa do Rio, por ocasião das chamados “bailes funk”.
69
Verifiquem-se dados publicados pela Folha de São Paulo. “A luta contra o tabagismo”, artigo do médico José
67
102
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23. O dever de esclarecer
A condução da questão sanitária realmente evoluiu no caso da vacinação, e esclarecimentos e boas campanhas publicitárias conduzem as
populações a se convencer de que realmente é necessário a tomada de
medidas preventivas tendentes a evitar os graves danos à saúde. 68 24. O dever de instrumentar subsídios técnicos
em defesa da saúde pública
Há em andamento a batalha antitabagista que enfrenta forte oposição
de alguns setores dos meios de comunicação que, afinal, necessitam ser
convencidos. O propósito do Ministério da Saúde de proibir a propaganda de cigarros recebeu parecer contrário na Comissão de Ciência e
Tecnologia da Câmara. Nesta questão, parece que não há argumentos
para superar a soberana salvação da saúde pública,69 e do direito à saúde.
25. O dever da propaganda ética e estética
Outro registro é sobre o controle das doenças sexualmente transmissíveis pelo uso de preservativos. A propaganda governamental, inicialmente
alvo de críticas de toda ordem e inclusive demandas judiciais reparatórias
por alegado dano moral,70 acabou por ser reconduzida a parâmetros de
maior apuro estético e eficiência.71 26. Dever de legislar – acompanhando o progresso científico
No aspecto do controle sanitário verifica-se que até o presente se
estrutura com base em legislação da década de 1970. O Decreto-Lei nº
986 é o suporte legal, havendo, ainda, a Lei nº 5.991/73 a propósito do
_________________________________________________________
Rosemberg,
Presidente do Comitê Controlador do Tabagismo no Brasil, cumprindo aos 84 anos o seu dever.
Ver AC nº 2000.04.01.032458-6/RS. TRF-4ª Região, Relator Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, julg. em
29.06.2000, DJU de 16.08.2000.
71
Verifique-se Folha de São Paulo, 16.10.2000. Resolução limita propaganda de Remédio, fundamento
legal, Lei n. 9.294/96, e constitucional, artigo 220, § 3º, inc. II, e § 4º.
72
Folha de São Paulo. 16 out. 2000. Noticia o propósito de editar-se Resolução via ANVS, restringindo a
propaganda de medicamentos no Brasil.
73
As vitaminas, os nutracêuticos, os cosméticos que prometem transformações (tirar rugas, manchas), a
engenharia genética, etc.
70
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103
comércio varejista de alimentos, a Lei nº 6.360/76 para o comércio de
medicamentos e o Decreto nº 79.094, que regulamentou esta última.72 Constata-se o verdadeiro esforço interpretativo que deve ser feito,
pois inúmeras novidades tecnológicas, farmacêuticas e alimentares
ingressavam no cotidiano das pessoas,73 sendo urgente uma atualização
legislativa para facilitar e aperfeiçoar a atividade da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária, que foi criada pela Lei nº 9.792/99. A agência
“ANVS” vincula-se por “contrato de gestão” ao Ministério da Saúde.
A ANVS faz o controle finalístico e realiza o registro federal para os
artigos que a lei submete a tal registro. As autorizações para o funcionamento de estabelecimentos sujeitos ao controle sanitário e são feitas pelo
Município. O Estado-membro também exerce atividade de vigilância
sanitária, sendo, assim, o sistema sanitário uma rede complexa. A União
está autorizada a intervir no caso de urgência sanitária. O Brasil, face às
suas dimensões continentais, não pode centralizar ou concentrar estas
atividades. O papel básico da ANVS é de auditoria no sistema, fazendo
“termos de ajuste”, com os Estados e os Municípios, com repasse de recursos federais para a verificação de riscos sanitários. Nesta seara, tendo
em vista a atuação dos agentes sanitários estaduais e municipais, fica mais
tênue a questão da competência federal, especialmente considerando a
origem múltipla dos recursos dirigidos a esta finalidade.
27. O dever de evitar o risco sanitário
Nesta faceta do dever como relação à saúde, há de se lembrar que a
União pode e deve intervir quando se verificar o perigo ou risco sanitário.
Bem de ver que sempre os medicamentos ou atividades terapêuticas ou
estéticas envolvem riscos, não há ausência de riscos, o risco é gerenciado.
O dever de atuar surge no caso de ultrapassada a situação gerencial. São
relativamente recentes as apreensões de medicamentos falsos como as
pílulas anticoncepcionais e antibióticos. A produção nacional de drogas
______________
Folha de São Paulo. 19.08.2000. “Polícia Federal fecha laboratório da ecstasy em São Paulo”.
O primeiro modelo de legislação sanitária está na Bíblia. Levítico XIII, medidas preventivas contra a lepra.
76
Uma questão antiga é a das vítimas da talidomida, caso recente a falsificação do remédio Androcur.
77
A questão é apenas objeto de auto-regulação pelo CONAR.
74
75
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sintéticas psicoativas e sua distribuição, prática que se generaliza,74 também demanda a atuação da ANVS e do DENARC.75, 76 28. O dever de coibir práticas abusivas: oferta de medicamentos
pelas farmácias, propagandas abusivas
Fazendo uma reflexão sobre a possibilidade de impor deveres a
serem cobrados dos particulares na questão e sob o enfoque de direito
à saúde, há a prática bastante comum de ocorrer “oferta de remédios”
pelas farmácias. Basta refletirmos que se para a compra de qualquer
medicamento no exterior há enormes exigências, como receituários
especiais até para colírios e analgésicos, conclui-se que aqui há muito
espaço para práticas puramente comerciais. Mediante intermediação
legislativa, estas “ofertas” poderiam ser restringidas, pois elas atuam
na ignorância do consumidor que não sabe que a automedicação causa
incontáveis malefícios.77 29. O dever de exigir a presença de farmacêuticos
Outra questão é a presença contínua de farmacêuticos nas farmácias
e drogarias. Inúmeras demandas judiciais procuram liberar os estabelecimentos das exigências do Conselho de Farmácia e Secretaria Estadual
de Vigilância Sanitária, sob a alegação de serem meramente corporativas.
Na verdade, não é assim, a presença do farmacêutico tem fundamento
legal e técnico e se insere no genérico dever de proteção à saúde pública.
Anote-se que a Lei nº 5.991/73, artigos 15 e 44, fixa a competência da
vigilância sanitária estadual. A Lei nº 3.820/60, artigo 10, a do Conselho
de Farmácia.78, 79 ______________
O TRF-4ª Região tem precedentes majoritários que não fazem esta limitação, considerando sempre a
competência do Conselho de Farmácia.
79
Recente Medida Provisória, MP nº 2039-20/2000, alargou a exigência da presença contínua de farmacêuticos também para os distribuidores de medicamentos reeditando exigência já declarado não-razoável pelo
STF, RE 87200-SP, Rel. Min. Leitão de Abreu (examinava o Decreto nº 74.170/74, atualmente artigo 11,
MP 2134-27/2001. Precedente TRF-4ª Região, AI nº 2001.04.01.011377-4/RS.
80
SHOR, Nestor. Unifesp. Medicina alternativa. Folha de São Paulo. Caderno Mais. 27.07.2000.
78
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105
30. O dever de investigar as terapias alternativas
O aumento da procura por terapias alternativas é creditada pelos
estu-diosos80 à ignorância da população e ao fato de a medicina não dar
conta de todas as doenças. São práticas deste jaez a Aura-Soma, Cura
prânica, Iridologia, Cromoterapia, Reflexologia, Reike, Urinoterapia.
A comunidade científica não tem poupado críticas e seria de se esperar
que a ANVS dirigisse um olhar mais investigativo e crítico para estas
atividades, pois enquanto o trabalho médico é mal remunerado, em geral,
enormes somas são gastas pelos carentes de saúde e esperança sem os
resultados prometidos.
31. O dever de investigar as terapias estéticas
A vulgarização de práticas como o bronzeamento artificial, mesoterapia, drenagem linfática, lipoaspiração e outros sem prescrição médica ou
farmacêutica, isto é, sem um responsável técnico ou em local adequado,
estaria a recomendar atuação fiscalizatória municipal. Não são raras as
ocorrências letais envolvendo estas terapias.
32. O dever de incentivar a produção de medicamentos genéricos
O alto preço dos medicamentos e a submissão do consumidor a posições monopolíticas da indústria farmacêutica internacional, impulsionaram a edição da Lei dos Genéricos – Lei nº 9.787, de 10.02.99. A idéia
é a de que a cópia e o original sejam absolutamente intercambiáveis.
Atualmente, foram concedidos 150 registros para 60 drogas, incluídas
no RENAME – “Relação Nacional de Medicamentos Essenciais”. A
ausência de embalagens sofisticadas, o barateamento do custo do produto
essencial é uma necessidade dos países pobres. Não se entende, então,
a Portaria nº 97/97, da Secretaria de Vigilância Sanitária, que proibiu
a manipulação de retinóides. A produção no Brasil era monopolizada
por um laboratório internacional e pela manipulação por farmacêutico
______________
Verifique-se AI 1999.04.01.108463-3/RS, Relatora Juíza Marga Barth Tessler, com a seguinte ementa:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OPERADORES DE PLANO DE SAÚDE. DEVER DE
INFORMAR.
1. A determinação contida na Portaria nº 271/1999, objeto dos artigos 20 e 32 da Lei 9.656/1998, para que
as operadoras de planos de saúde e seguros privados de assistência à saúde forneçam os dados cadastrais
81
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responsável se obtinha o produto, destinado ao tratamento de câncer de
pele por um terço do preço. Há precedente do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região prestigiando a Portaria, AC nº 1998.04.069818-0/SC, sob a
visão da precariedade do direito à manipulação de fórmulas. Não posso
concordar com a tese da precariedade, até porque a tendência é de se banir
a precariedade das relações de administração. Há, todavia, precedente
que autoriza a manipulação, considerando o direito à saúde e a irrazoabilidade da proibição (Apelação Cível nº 2000.04.01.082463-7/RS).
33. O dever de prestar informações estatísticas e cadastrais
A legislação de regência impõe aos operadores da área de saúde a
obrigação de prestar informações cadastrais e estatísticas, não havendo
sustentação na negativa – Lei nº 9.556/98, artigo 20, Portaria nº 271. A
obrigação fundamenta-se como um dever em relação ao direito à saúde,
não sendo invocável a preservação do sigilo de terceiros. Há, todavia,
precedente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sentido contrário, AGA nº 1999.04.01.108463/RS. Em sentido oposto, obrigando
prestadora de serviços a informar, existe precedente mais recente.81 34. A faculdade de prescrever: a prescrição médica
Intimamente ligada à prática de a medicina, não há como limitar,
restringir ou dirigir o ato da prescrição médica. É a liberdade técnica e
científica do profissional até porque é ele o único responsável pelo medicamento que receita, em caso de equívoco ou erro médico. O dever dos
órgãos públicos e das operadoras inclui, certamente, retribuição digna
ao profissional médico e seus auxiliares. Não se concebe que o cumprimento do dever com a saúde se sustente no aviltamento da retribuição
paga ao médico.
35. O dever de auditar: auditoria no SUS e nos
_________________________________________________________
dos seus beneficiários ao Ministério da Saúde, não viola direito de sigilo de terceiros.
2. O dever de não informar não existe, ao contrário, o dever de informar é que está implicitamente previsto
no artigo 197 da Constituição Federal de 1988.
3. Agravo de instrumento improvido.”
82
Jornal da ANPR, 15. Brasília.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
107
gastos públicos, dever da União
A Emenda Constitucional nº 29, de 13.09.2000, acrescentou o item III
ao § 3º do artigo 198 da Constituição Federal de 1988, no sentido de que
a Lei Complementar é que instituirá as normas de fiscalização, avaliação
e controle de despesas com saúde. Lembre-se que, neste particular, a
atuação competente e efetiva do Ministério Público Federal,82 por seu
Eminente Procurador da República/DF, Humberto Jacques, resultou na
criação do SIOPS – Sistema de Informações sobre Orçamento Público
da Saúde –, vinculado ao Ministério da Saúde. O sistema permite saber,
afinal, o montante gasto com saúde no Brasil.
36. Sindicabilidade dos gastos com saúde
Saliente-se que poderíamos pensar que os gastos com saúde, as
opções administrativas feitas nas três esferas governamentais seriam
insindicáveis, judicialmente voltadas que estariam sobre critérios de
conveniência e oportunidade.
Refletindo sobre a questão, transparece claro que tudo o que tem custos
para o contribuinte é sindicável. É questão de educação e de um olhar
atento e comprometido em concretizar ao máximo o prometido direito à
saúde previsto na Carta de 1988. Gastos suntuosos, despropositados83 e
destoantes da realidade dramática que nos toma de assalto, não poderão
ser prestigiados.
Tudo o que tem custo para o contribuinte é sindicável judicialmente,
todas as opções das autoridades públicas dos três entes da federação
estão sujeitas ao controle de mérito, finalístico. As opções devem atender razoavelmente os princípios constitucionais fixados, sendo, neste
particular, decisiva a lição de Juarez Freitas em obra fundamental sobre
a matéria.84 “O intérprete constitucional, sabedor de que os princípios
constitucionais jamais devem ser eliminados mutuamente, ainda quando
em colisão ou contradição cuida de conciliá-los”.
CONCLUSÃO
Para concluir estas reflexões sobre o direito à saúde, na dimensão de
um dever, com certeza há relevantes argumentos a sustentar este dever,
na sua fundamentalidade, dever do Estado, dever das pessoas, da fa108
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
Primer Congreso de Magistrados Federales.
Argentina, Brasil y México.
Florianópolis, 2001
Declaración
En la ciudad de Florianópolis, el 23 de mayo de 2001, concluyeron
las sesiones del “Primer Congreso de Jueces Federales de los Estados
Unidos Mexicanos, la República Argentina y la República Federativa de
Brasil”, con la concurrencia de jueces de distintas jerarquías de dichos
países, con competencia federal.
Los asistentes tuvieron en cuenta especialmente, los lazos de hermandad entre sus patrias, la analogía de sus funciones, el cambio de
experiencias mantenido y las ideas expuestas por los miembros de las
distintas delegaciones nacionales.
Consideraron las dificultades que afectan al servicio de justicia, las
nuevas cuestiones producidas por la creación de instituciones de control
y gestión externas a los Poderes Judiciales, las necesidades de capacitación de todos los agentes judiciales, la conveniencia de un mayor uso
de los recursos informáticos, las menesterosidades presupuestarias, las
transformaciones operadas en diversas áreas - entre las que se tuvo particularmente en cuenta la protección del ambiente -, y otros problemas
comunes.
Concluyeron en la conveniencia del fortalecimiento efectivo del Poder
Judicial, en cada uno de los respectivos ordenamientos institucionales,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
109
con la debida atención de sus necesidades materiales, la promoción de
una imagen positiva y veraz de la actividad que desarrollan los jueces
en general, y positiva y veraz de la actividad que desarrollan los jueces
en general, y señaladamente las magistraturas federales, a las que corresponde asegurar una concreta unión nacional y la preservación de la
paz social, especialmente en una época rica en novedades y cambios, así
como proveer soluciones que eviten males futuros.
Como medidas a adoptar en lo inmediato, asumieron la difusión de las
deliberaciones y conclusiones, en los países propios, y la organización
de nuevos Congresos de jueces federales, dejando asentado los asistentes de México y la República Argentina, su disposición a recibirlos para
tales eventos.
Ratificando la histórica fraternidad entre sus pueblos, suscriben la
presente, en sendos ejemplares en español y portugués, en representación, respectivamente, de los jueces argentinos, brasileños y mexicanos
asistentes, el Doctor Sergio Dugo, Juez de la Cámara Federal de Apelaciones de La Plata, el Doctor Vladimir Passos de Freitas, Corregidor
110
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 13-110, 2001
ACÓRDÃOS
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111
Branca
112
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DIREITO ADMINISTRATIVO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
113
Branca
114
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1998.04.01.030971-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Alcides Vettorazzi
Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Edgard Lippmann
Apelantes: Jorge Correia Karan e outros
Advogados: Drs. Fabricio Touguinha de Castro e outros
Dr. Luciano Rohde
Apelada: União Federal
Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams
EMENTA
Direito Constitucional. Ferimento da isonomia. Aplicação do método
interpretativo de concretização. Extensão dos benefícios do art. 53, ADCT
aos apelantes, integrantes do chamado “Batalhão de Suez”.
O art. 53 do ADCT prevê benefícios aos cidadãos que se enquadrem
no conceito de ex-combatente, insculpido, este, em norma infraconstitucional. Por se tratar de Constituição aberta, pelo método interpretativo de
concretização, é de se concluir que o Constituinte pretendeu beneficiar
aqueles que participaram – efetivamente – de operações bélicas, sendo
desnecessário constar do texto em comento em que situação histórica
tal participação se deu. Assim, a norma constitucional interpretada é
concretizada para se estender os benefícios a todos que comprovem que
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efetivamente participaram de operações consideradas de guerra, como
forma de evitar que o dispositivo constitucional em apreço venha a ferir
um princípio maior da Carta Constitucional – a isonomia.
Apelo provido. Condenação da ré no pagamento dos atrasados requeridos, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora fixados
em 1% ao mês. Honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, a cargo da vencida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Relator, dar provimento à apelação, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de dezembro de 2000.
Juiz Edgard Lippmann, Relator p/Acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Alcides Vettorazzi: Jorge Correia Karan, Elio Marino, Hélio Ignácio dos Santos, José Luiz Antunes Pereira e Totil Ramos
Oliveira dos Santos apelam da r. sentença (fls. 107/110), ao fundamento
de que,
“pode-se depreender que, enquanto os autores deduzem seu pedido com base na aplicação analógica da legislação que contempla o direito ao pretendido benefício apenas
aos ex-combatentes que atuaram efetivamente na 2ª Guerra Mundial, resta evidente o
próprio reconhecimento da ausência de base legal ou constitucional à almejada pensão
especial.(...) a apreciação da questão não refoge à análise das peculiaridades próprias
à guerra que acabou ensejando a contemplação de benefício assaz vantajoso em sede
constitucional (art. 53 do ADCT), quando não apenas sua magnitude e duração, que
resultou em várias baixas às Forças Armadas nacionais, mas a própria repercussão das
respectivas conseqüências físicas e psicológicas nos ex-combatentes que efetivamente
tomaram parte nas operações na Itália e seus familiares, legitimaram o reconhecimento da Nação àqueles heróicos participantes, concretizado, então, pela concessão de
benefício especial, independentemente de eventual invalidez e até acumulável com
aposentadoria ou pensão previdenciária. Ou seja, foi a excepcionalidade da Segunda
Guerra Mundial que levou o constituinte à extensão das vantagens próprias àqueles
combatentes, no que se acaba revelando absolutamente legítima, portanto, a interpretação restritiva de que o STJ se vem servindo quando da apreciação de lides e envol-
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vendo pensão especial militar com fulcro em legislação de guerra. Assim, segundo
precedente daquela Corte, que bem serve à presente hipótese, ex-combatente é aquele
que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra
Mundial, nos termos da Lei nº 5.315, 12.09.67. Não preenchendo o impetrante os
requisitos da lei, ex-combatente não é. (por trecho da ementa referente ao julgamento
do MS nº 91.761-DF, acórdão publicado no DJU de 02.12.91, p.17502). Do mesmo
modo, não se considera ex-combatente, para fins dos referidos diplomas legais, com
vistas à percepção de pensão especial, aquele que apenas participou de patrulhamento
do litoral brasileiro, só se elege como tal, alguém que tenha, efetivamente, participado
de operações bélicas no teatro da Segunda Guerra Mundial, como membro das Forças
Armadas ou da Marinha Mercante (REsp. nº 129.737-CE, DJU 18-08-97, p.37934).”
julgou improcedente pleito deduzido contra a União Federal, condenando-os de verba honorária em 10% sobre o valor atualizado da causa.
Nas razões de recurso (fls. 113/120), os apelantes/autores alegam,
em síntese, que,
“prevendo a Constituição Federal em seus Atos das Disposições Constitucionais
Transitórias, art. 53, pensão especial a ex-combatente, e elevando esta mesma Carta
Magna em seu preâmbulo o direito de igualdade à dogma constitucional, ratificando
esta orientação em seu artigo 5º, não se pode falar em não estender aos Apelantes os
benefícios concedidos aos igualmente ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial.
(...) Por analogia, levando-se em conta a igualdade que aos cidadãos é merecida, e que
é direito de todos, justo seria aplicar-se a estes militares do 20 º Contingente, ‘Batalhão de Suez’, os mesmos direitos que são garantidos aos militares que participaram
da Segunda Guerra Mundial, e que, diga-se de passagem, passaram pelas mesmas
crises, frustrações e decepções que todo pracinha, em terras estranhas, vendo corpos
mutilados, cidades arrasadas e sofrendo baixas em suas fileiras, também passou. (...)
chega-se à inevitável conclusão de que o preconceito com que se trata o pracinha do
20º Contingente, ‘Batalhão de Suez’ é taxativamente inconstitucional e dizer que não
existe lei que ampare seu direito à pensão especial, objeto ora pleiteado, é uma afronta
ao direito de igualdade dos cidadãos, garantido pela nossa Constituição Federal que é
soberana e indiscutível.”
Com contra-razões (fls. 122/128), subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Alcides Vettorazzi: Cuida-se de apelação sobre pensão
especial à ex-combatente.
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Assim estabelece o art. 1º da Lei 5.315/67:
“Art.1º - Considera-se ex-combatente, para efeito da aplicação do art. 178 da
Constituição do Brasil, todo aquele que tenha participado efetivamente de operações
bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Força do Exército, da Força
Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e que, no caso de militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com
isso retornado à vida civil definitivamente.
§ 1º - A prova da participação efetiva em operações bélicas será fornecida ao interessado pelos Ministérios Militares.
§ 2º - Além da fornecida pelos Ministros Militares, constituem, também, dados de
informação para fazer prova de ter tomado parte efetiva em operações bélicas:
...
a) no Exército:
I – o diploma da Medalha de Campanha ou o certificado de ter servido no Teatro de
Operações da Itália, para o componente da Força Expedicionária Brasileira;
II – o certificado de que tenha participado efetivamente em missões de vigilância e
segurança do litoral, como integrante de guarnição de ilhas oceânicas ou de unidades
que se deslocaram de suas sedes para o cumprimento daquelas missões.”
Dita ainda o inciso II do art. 53 do ADCT/88:
“Art. 53 Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas
durante a Segunda Guerra mundial, nos termos da Lei nº 5.315/67, serão assegurados
os seguintes direitos:
(...).
II – pensão especial correspondente à deixada por segundo-tenente das Forças
Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários,
ressalvado o direito de opção.”
Verifica-se dos autos que os apelantes não comprovaram a situação
de ex-combatente, conforme determina a Lei nº 5.315/67, não havendo
como lhes reconhecer o direito à Pensão Especial pleiteada como prevê
a CF/88.
Não consta dos autos nenhuma indicação nos assentamentos dos
apelantes referente à participação dos mesmos em operações bélicas,
tampouco, diploma, medalha de campanha ou certificado de que tenham
participado de missões de vigilância no litoral como determina a Lei
supracitada. Não pode assim o Judiciário determinar que tal condição
seja reconhecida, uma vez que não foram preenchidos os requisitos
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previstos na legislação.
É entendimento pacífico deste Tribunal: o ex-combatente que tem
direito à pensão especial definida no art. 53 do ADCT é aquele que comprovou a sua participação efetiva em operações bélicas de acordo com
o art. 1º da Lei 5.315/67. Então se o militar não participou efetivamente
de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, não lhe assiste
direito à pensão pleiteada. Mesmo porque o art. 53 do ADCT é auto-aplicável, porquanto não prevê legislação regulamentadora.
Já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“CONSTITUCIONAL. MILITAR. EX-COMBATENTE. CONCEITO. PENSÃO
ESPECIAL. ADCT/88, art. 53, II. LEI 5.315, DE 67.
I – O ADCT/88, art. 53, caput, não conceitua o ex-combatente, deixando para a
Lei 5.315/67 defini-lo. É na Lei 5.315/67, portanto, que se deve buscar o conceito de
ex-combatente que fará jus aos benefícios inscritos nos incisos do citado art. 53, ADCT.
A questão, pois, de índole infraconstitucional, não integra o contencioso constitucional.
II – Caso em que poderia ocorrer ofensa indireta ao art. 53, ADCT, o que não autoriza a admissão do recurso extraordinário.
III– R.E não-conhecido. (RE nº 204.825/RN, 2ª Turma, Min. Carlos Velloso, DJU
05.03.99)”.
Isonomicamente, inaplicáveis, ao caso, a Lei 5.315/67 e o art. 53 do
ADCT, soa a Súmula 339 do Superior Tribunal Federal, porquanto “Não
cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.”
Isto posto, voto no sentido de negar provimento à apelação.
VOTO-VISTA (DIVERGENTE)
O Exmo. Sr. Juiz Edgard Lippmann: Sem embargo da invejável cultura do eminente Relator, aliás, um dos mais destacados Magistrados
Federais que distinguem este Colegiado, concessa venia, ouso divergir
do judicioso voto apresentado, o que faço pelos seguintes fundamentos:
Os apelantes, todos, ex-integrantes do III Batalhão do 2º Regimento
de Infantaria, denominado “Batalhão de Suez”, por força do Decreto Legislativo nº 61, de 1956, pretendem, com base no princípio da isonomia
e na aplicação da analogia, a concessão da pensão especial prevista no
artigo 53 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias concedida
aos ex-combatentes que tenham efetivamente participado de operações
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bélicas durante a 2ª Guerra Mundial.
A decisão de primeiro grau, confirmada pelo voto do relator, foi no
sentido de que a definição do que seja ex-combatente deve emanar da
lei, e não do julgador, aplicando o método de interpretação autêntica,
administrada pelo próprio legislador, concluindo que os apelantes não
comprovaram o enquadramento na definição de ex-combatente nos termos do artigo 1º da Lei 5.315/67.
a) O princípio da isonomia – Violação
O fundamento dos apelantes se baseia no princípio da isonomia, alegando que os mesmos sofreram discriminação por não serem incluídos
no artigo 53 do ADCT.
Mas como podemos descrever “igualdade”? A primeiro, qualquer
descrição de igualdade deve responder a duas indagações: Igualdade entre
quem? Igualdade em que? A igualdade é um valor humano genérico, e o
seu conceito e valor pressupõem a presença de uma pluralidade de entes,
cabendo estabelecer que tipo de relação existe entre eles.
Aristóteles vinculou a idéia de igualdade à idéia de justiça, ambas
no aspecto formal. A justiça formal consiste em um “princípio de ação,
segundo o qual os seres da mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma”, identificando a justiça e igualdade formais. Para
ele seria injusto tratar diferentemente os escravos, mas não seria injusto
tratá-los de maneira diversa de seus senhores. Assim, a justiça material
seria a especificação da justiça formal, chegando-se às fórmulas: a) cada
um segundo a sua necessidade; b) cada um segundo os seus méritos; c)
a cada um a mesma coisa.
No entanto, de todas as determinações históricas, a única que foi
universalmente acolhida é a que afirma que todos são iguais perante
a lei, ou que a lei é igual para todos. Apesar de sua universalidade,
o princípio da isonomia tem dado lugar a diversas interpretações. As
Constituições brasileiras, desde o Império, inscreveram o princípio da
igualdade, no sentido de que a lei trata a todos igualmente, sem levar em
consideração a distinção de grupos, isto é, a idéia de isonomia formal
própria do liberalismo.
Contudo, não deve ser esse o sentido da expressão constitucional,
cabendo ao julgador uma interpretação sistemática, com as exigências
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da justiça social para atingir a ordem econômica e social.
A doutrina e a jurisprudência já firmaram entendimento no sentido
de que o princípio da igualdade perante a lei é um princípio dirigido ao
legislador e ao julgador, exigindo que as normas jurídicas não contenham
distinções que não sejam autorizadas pela própria Constituição Federal.
Ao afirmar que todos são iguais perante a lei, a Constituição assegura a
isonomia, mas tanto ela como a lei infraconstitucional podem desigualar.
É pacífica na doutrina e na jurisprudência a afirmação que o princípio
da isonomia consiste em “tratar igualmente os desiguais na medida em
que se desigualam”.
No caso que se apresenta para o julgamento, o problema está em saber
se os apelantes são iguais ou desiguais aos ex-combatentes da 2ª Guerra
Mundial, sendo necessário investigar o fator de discriminação utilizado
na norma e se há correlação entre esse elemento de discriminação e o
efeito jurídico atribuído à norma. O problema da isonomia só pode ser
resolvido a partir da consideração: elemento discriminador x finalidade
da norma.
Em análise aos documentos coletados aos autos, verifico que fator de
discriminação da norma contida no artigo 53 do ADCT é a participação
efetiva de operações bélicas na Segunda Guerra Mundial e a finalidade
da norma é beneficiar esses ex-combatentes com uma pensão especial.
A conclusão a que chego é que a norma constitucional ao excluir os ex-combatentes do Batalhão de Suez apresentou uma restrição casuística
que visivelmente afronta o princípio da isonomia.
Não há dúvida de que o nosso sistema não admite a adoção de normas singulares, individuais, que visem a restringir direitos. Segundo o
constitucionalista português J.J.Gomes Canotilho (Direito Constitucional, p. 626), a lei restritiva inconstitucional é toda norma que imponha
restrições aos direitos, liberdades e garantias de uma pessoa ou de várias
pessoas determinadas, ou ainda, que imponha restrições a uma pessoa
ou a um círculo de pessoas que, embora não determinadas, podem ser
determináveis. No caso específico, os apelantes e os ex-combatentes da
II Guerra Mundial requerem do legislador tratamento isonômico.
b) Da analogia – Inaplicabilidade
Os apelantes, ao invocarem o princípio da isonomia, requerem, com
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base na analogia, a aplicação do artigo 53 do ADCT para fins de concessão da pensão especial.
Para se utilizar a analogia é necessário que se afirme que a Constituição
comporta lacunas. Na verdade, a Constituição não regula tudo aquilo que,
em tese, dela poderia ser objeto, por não constituir um sistema fechado, e,
portanto, há possibilidade da existência de lacunas perante a Constituição
em sentido formal. Celso Ribeiro Bastos explica que para se verificar
lacuna constitucional, é necessário que se preencham certos pressupostos:
“primeiro que a situação obviamente não esteja prevista na Constituição.
Segundo, que exista uma outra situação análoga à anterior que torne a
omissão relativamente à primeira insatisfatória. Isto é: nos causa uma
sensação de falta de razoabilidade. E, finalmente, que este vazio não
possa ser coberto pela via de interpretação, ainda que extensiva.” (p. 71)
Paulo Bonavides muito bem distingue a interpretação analógica da
extensiva, estabelecendo que “a primeira patenteia sempre uma lacuna,
uma ausência de norma expressa, de modo que ao intérprete se faculta
buscar ‘um novo direito’ com apoio na identidade de fundamento. Já
na interpretação extensiva existe a norma, que, embora deficiente ou
imperfeita, contém uma disposição aplicável”. (Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 2000, p.404)
Diante disso, é que deixo de aplicar a analogia no caso que se apresenta para julgamento, posto que no caso do artigo 53 do ADCT não
entendo que tenha havido uma efetiva lacuna, mas, sim, uma omissão
constitucional cujo problema será resolvido via interpretação, e não pela
aplicação da analogia.
c) Método interpretativo de concretização
Sou partidário do método interpretativo de concretização (Hesse),
segundo o qual a concretização e a compreensão só são possíveis em
face de um problema concreto, sendo que a determinação do sentido da
norma e sua aplicação a um caso concreto constituem um único processo.
Esse método difere daqueles que fazem da compreensão da norma
geral e abstrata e de sua aplicação dois momentos distintos e separados.
O método concretista possibilita que o intérprete, onde houver obscuridade, determine o conteúdo material da Constituição, de forma que
o conteúdo material da Constituição é obtido pelo ato interpretativo.
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Hesse justifica o método concretista constitucional, afirmando não
haver interpretação constitucional, independente de problemas concretos.
Portanto, o método concretista de interpretação gravita em torno de três
elementos básicos: “a norma que se vai concretizar, a compreensão prévia
do intérprete e o problema concreto a resolver.” O método concretista
aplica um “procedimento tópico de interpretação”, cuja finalidade é a
busca de orientações, pontos de vista ou critérios-chaves, adotados consoante a norma e o problema objeto da concretização. Nada mais é do
que uma espécie de metodologia positivista – empírico e casuístico – que
aplica as categorias constitucionais para fins de chegar a uma solução
direta do problema em questão, levando em consideração a realidade
concreta. O método concretista deixa de lado formalismos abstratos.
(Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 397-398)
No campo do Direito Constitucional, a questão da eficácia social das
normas tem merecido especial atenção dos juristas, visto ser nesse campo
que é possível verificar, com nitidez, os contrastes entre a realidade(ser)
e a normatividade(dever-ser). Dar concretude ao ideário constitucional
não é tarefa exclusiva do Judiciário, mas é dele o papel mais importante.
Em razão disso, é necessário abandonar a orientação segundo a qual
a interpretação do direito é mera operação mecânica, meramente silogística, fundamentada tão-somente em fórmulas e formas positivamente
estabelecidas. Não se trata, é bom que se diga, de substituir a ideologia
constitucional por ideologias pessoais, ou mesmo de fazer sucumbir as
normas criadas pelo Estado Democrático de Direito diante das normas
dos sistemas ditos alternativos.
A Constituição é a aberta e, por conseqüência, a interpretação também
o é. A compreensão da Constituição deve ser a mais dilatada possível. O
artigo 53 do ADCT fez somente repetir o que a norma infraconstitucional
considerava ex-combatentes, ou seja, tão-somente aqueles que participaram da II Guerra Mundial, nas condições lá dispostas, sem ponderar o
constituinte o postulado da isonomia, deixando de lado os ex-combatentes
do Batalhão de Suez, enviados em missão de paz, mas que se viram em
frente a um conflito. O princípio da isonomia, concebido como direito
fundamental regulado pelo princípio da efetividade, não é interpretado,
mas, sim, concretizado.
O Juiz tem por incumbência proteger os direitos fundamentais, fazenR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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do da concretização uma ação essencial para desempenho dessa tarefa,
e concretizar nada mais é do que dilatar o conteúdo constitucional,
aperfeiçoá-los de tal sorte que o conceito de ex-combatente previsto
na Lei 5.315/67 possa ser estendido aos apelantes que efetivamente
prestaram serviço militar na força de paz da ONU no Canal de Suez,
fazendo jus à concessão de pensão especial do artigo 53 do ADCT. Para
se corporificar tal assertiva, apego-me na própria definição dada pelas
Forças Armadas quanto à expressão “operação de guerra” como sendo:
“operações militares conduzidas pelas Forças Armadas em um ou mais
Teatro de Operações(espaço físico limitado) contra um inimigo, em
situação de guerra (declaração de guerra)”.
Foi com base no método interpretativo de concretização, que muitas
vezes se afasta do teor literal da Constituição, que os Tribunais Suíços
“interpretando o art. 4º de sua Constituição Federal, segundo o qual
‘todos os suíços são iguais perante a lei’, chegaram, a partir daí, a uma
aplicação, por via concretizante, da máxima normativa e constitucional
de que ‘todos os homens são iguais perante a lei’, incluindo aí os estrangeiros”. (Paulo Bonavides, p. 558)
Destaca-se aqui a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul (Apel. Cível nº 594077356, 4ª Câm. Cível, Rel. Des.
Ramon Georg Von Berg, j. 29.08.94):
“FUNCIONÁRIO PÚBLICO. APOSENTADORIA. CONTAGEM EM DOBRO
DO TEMPO DE SERVIÇO NO ‘BATALHÃO DE SUEZ’.
Se a finalidade da norma era conceder benefício ao cidadão que com o risco da
própria vida prestou inestimáveis serviços ao seu país e ao mundo, não pode a Administração pretender impor-lhe interpretação restritiva. Ação procedente. Sentença
mantida. Apelo desprovido e Reexame necessário julgado prejudicado”.
Para ilustrar, derradeiramente, a tese ora aplicada, registro o fato de
que em reconhecimento a patriótica atuação de inúmeros brasileiros que
participaram no multicitado “Batalhão de Suez”, os quais, por ironia do
destino, tombaram por terra no palco sangrento daquela guerra, em razão
do ato de bravura vários de seus integrantes foram distinguidos com
nome de rua nesta e em outras capitais do País, v.g., “Carlos A. Ilha de
Macedo”. Ainda mais, curiosamente se tem notícia de que os militares
da ativa (corpo efetivo) que participaram do palco de operações lograram
promoção na carreira, ao passo que os militares temporários – como é o
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caso dos Apelantes –, jamais obtiveram qualquer vantagem funcional,
conforme afirmado nos autos, circunstância que estaria a demonstrar o
malferimento do princípio da isonomia.
Face ao exposto e o mais que dos autos consta, voto no sentido de
dar provimento ao apelo, para o fim de deferir o pedido na forma como
postulado na exordial, impondo à Apelada o pagamento das verbas atrasadas devidamente atualizadas monetariamente pelos critérios utilizados
pela Justiça Federal, além dos juros de mora de 1% ao mês, e das custas
processuais. Honorários de Advogado de 10% incidente sobre o valor
da condenação.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1998.04.01.054251-9/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Alcides Vettorazzi
Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Edgard Lippmann
Apelantes: Aldair Luiz Vieira e outros
Advogados: Drs. Alexandre Duarte Lindenmeyer e outros
Apelante: Fundação Universidade do Rio Grande
Advogados: Drs. Paulo Roberto Rubira e outros
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Rio Grande/RS
EMENTA
Ação civil pública. Direito Constitucional. Servidor. Provimento de
cargo público de forma derivada após a Constituição/88. Prescrição
inocorrente. Legalidade. Segurança jurídica.
Afastada a prescrição, por se tratar de discussão acerca da constitucionalidade do ato impugnado.
O provimento de cargo público por meio de concurso interno, regulado
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fartamente pela legislação vigente à época, só poderia ser desconstituído
após a declaração de inconstitucionalidade de lei, pelo Pretório Excelso,
ou de ato administrativo que vedasse tal modalidade de provimento.
Praticado o ato legalmente, e considerada a boa-fé dos servidores que a
ele se submeteram, em nome da segurança das relações jurídicas, é de
ser mantido o ato objurgado, já convalidado pelo tempo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Relator, dar provimento às apelações e à
remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2001.
Juiz Edgard Lippmann, Relator p/Acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Alcides Vettorazzi: Cuidam os autos de Ação Civil
Pública, movida pelo Ministério Público Federal, através da qual pretende-se a desconstituição dos provimentos de cargos irregulares levados a
efeito junto à Fundação Universidade do Rio Grande, com o retorno dos
servidores ao status quo ante, e a determinação para que esta não mais
proveja cargos através de provimento derivado, mas apenas por meio de
concurso público de provas ou de provas e títulos.
A sentença proferida às fls. 5220/5250, excluiu da lide os réus Leusa
Maria Fernandes Moraes, Walda Cleni Varela de Barros, Silmar Dummer
e Ivete Martins Pinto, em relação aos quais extinguiu o processo sem
julgamento do mérito. De igual sorte, extinguiu o processo sem julgamento do mérito “quanto ao pedido de proibição de provimento de cargos
por meios derivados; assim como quanto à pretensão de preservação dos
princípios constitucionais da isonomia e da moralidade pública, à vista
de que a questão está sub judice perante o Egrégio Supremo Tribunal
Federal, inexistindo interesse de litigar neste grau de jurisdição.” No
mais, julgou procedente o pedido de desconstituição de provimento de
cargos públicos por meio de ascensão ou outros meios derivados, realizados pela Fundação Universidade do Rio Grande posteriormente à
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promulgação da Constituição Federal de 1988, condenando a parte-ré a
anular as respectivas investiduras e determinando o retorno dos demais
servidores qualificados na inicial ao status quo ante, de modo a que não
mais exerçam cargos a que foram alçados por ascensão ou qualquer outro
meio derivado de provimento, não mais percebendo a remuneração de
tais cargos.
A liminar determinando o retorno ao status quo ante dos servidores
ascendidos antes da Constituição Federal de 1988 (fl. 65/66), concedida
em 07.11.95, não foi cumprida pela Fundação-ré, conforme justificativa
apresentada às fls. 2097/2100 e às fls. 5182/5184, em face do que o
julgador singular em sua sentença imprimiu efeito suspensivo à mesma
para que viesse a ser cumprida tão logo confirmada por esta E. Corte.
Da decisão de primeiro grau, apelaram os litisconsortes passivos e a
Fundação Universidade do Rio Grande.
Os servidores, em suas razões (fls. 5256/5279; 5281/5305; 5311/5335;
5339/5364; 5365/5389; 5391/5415; 5424/5446; 5449/5473; 5477/5501 e
5505/5529), reprisam argumentos expendidos na contestação fortes em
que os atos administrativos praticados visando a desconstituir os ora
atacados estão alcançados pela prescrição qüinqüenal com previsão no
Direito Administrativo. Ressaltam os prejuízos que advirão se mantido
o julgado, destacando que a ascensão dos servidores deu-se sob autorização de norma legal então vigente, pois praticada antes da Ação Direta
de Inconstitucionalidade 837-4/DF, através da qual foi concedida liminar
com efeitos apenas ex nunc, suspendendo a execução dos concursos
internos para ascensão funcional de servidores. Acrescem que, tomando
conhecimento da referida liminar, a FURG absteve-se de praticar novos
concursos internos e ascensões funcionais, pelo que a manutenção da
sentença implicará ofensa a atos jurídicos perfeitos e ao direito líquido
e certo dos demandantes. Apontam os diplomas legais autorizadores da
ascensão funcional, representados pelos arts. 26 do Anexo ao Decreto
nº 94.664/87, 22 da Portaria 475/87 e 8º, 10 e 17 da Lei nº 8.112/90,
sobre os quais não pesava dúvida quanto à constitucionalidade, quando
da ascensão dos recorrentes. Salientam que a própria norma legal previa
a realização de concurso público apenas para as vagas não-aproveitadas
por ascensão, transferência ou movimentação, afirmando que, se o administrador agisse em contrário, estaria ferindo o princípio da reserva legal
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previsto no art. 37 da Constituição Federal. Dizem que a reversão dos
recorrentes aos cargos que anteriormente ocupavam ficaria impossibilitada quando fossem encontrados ocupados por outros servidores estáveis,
oriundos de concursos públicos, situação que acarretaria na colocação
em disponibilidade remunerada de servidores, em prejuízo muito maior
ao erário público do que o apontado pelo Ministério Público Federal em
sua inicial. Argumentam também que a ascensão dos réus se deu entre
1988 e meados de 1992, antes da edição da Portaria 1.779-SAF, de
25.07.92, determinando que as administrações federais se abstivessem
de tal prática. Defendem que as normas legais referentes ao acesso ou à
ascensão funcional anteriores à Constituição Federal de 1988 foram por
esta recepcionadas. Destacam aplicar-se ao caso os princípios do direito
adquirido e da irredutibilidade salarial, acrescentando que se mantida a
sentença também se violará o princípio da segurança jurídica, reforçando
que os critérios adotados pela administração universitária constituíram-se
em atos válidos resguardados pelo princípio da legalidade. Concluem
pela improcedência da Ação Civil Pública.
Em suas razões de apelo(fls. 5535/5553), a Fundação Universidade
do Rio Grande aduz que agiu em cumprimento ao princípio da legalidade
quanto aos servidores ascendidos, abstendo-se de provê-los desta forma
após a concessão de liminar na ADIn que suspendeu a execução dos
chamados concursos internos para ascensão funcional dos servidores.
Atesta que os concursos internos foram realizados em atendimento à Lei
nº 7.596/87, que criou o Plano Único de Classificação e Retribuição de
Cargos e Empregos, aprovado pelo Decreto nº 94.664/87, na Lei 8.112/90
e no art. 39 da Constituição Federal de 1988. Afirma que, do art. 26 do
PUCRCE, conclui-se que somente poderia se realizar concurso público
para preencher vagas que restassem de ascensão funcional, transferência
ou movimentação, acrescentando que, até o advento da Lei 8.112/90, era
o PUCRCE que comandava o regime jurídico das Instituições Federais
de Ensino. Ressalta que também a Lei nº 8.112/90 previa expressamente
a figura da ascensão como forma de provimento de cargo público, o que
também justifica esta prática desde a sua entrada em vigor. Defende que
a ascensão funcional era legal e legítima, constituindo-se em ato jurídico
perfeito, também aplicando-se ao caso os princípios do direito adquirido
e da irredutibilidade salarial. Reforça que também não foi declarada a
128
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
inconstitucionalidade dos dispositivos legais estando apenas suspensos
pela medida liminar concedida pelo STF em ADIn. Menciona decisões
do Tribunal de Contas da União entendendo que a suspensão aplicada
pelo STF não pode retroagir no tempo, desconstituindo atos praticados
antes da medida preventiva concedida. No que diz com o art. 37, I e II,
da Constituição Federal, destaca comportar diferentes interpretações, eis
que a ascensão encontrava-se prevista em lei e ainda porque, mesmo a
Constituição Federal de 1988 não mais se referindo à primeira investidura, em nenhum outro momento fala não poder haver outra forma de
provimento, ao contrário, prevê expressamente o aproveitamento, a
readaptação, a revisão, a reintegração e a recondução. Argúi não ser a
ascensão inconstitucional, por reduzir o acesso a outros brasileiros, eis
que a ela poderiam concorrer todos os que preenchessem os requisitos
estabelecidos em lei. Afirma que a decisão recorrida acarretará tanto
prejuízos materiais e morais aos servidores atingidos, como prejuízos
à continuidade do serviço público na medida em que a reversão dos
servidores ascendidos aos cargos anteriormente ocupados culminará
na colocação de um igual número de servidores em disponibilidade até
que sejam reaproveitados. Ressalta também não caber ao Administrador
questionar a constitucionalidade ou não das leis, mas cumpri-las face
ao princípio da reserva legal. Por fim, requereu o provimento ao apelo,
julgando-se improcedente a Ação Civil Pública, com a inversão dos ônus
sucumbenciais.
Com contra-razões (fls. 5561/5567), subiram os autos a esta E. Corte.
A douta Procuradoria Regional da República opina pela improvimento
dos recursos.
É o relatório. Dispensada a revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Alcides Vettorazzi: Em primeiro plano, cumpre
afastar a preliminar de prescrição lançada pelos réus, acompanhando
entendimento exposto pela eminente Juíza Luiza Dias Cassales em
voto proferido na AC n. 97.04.25431-8/SC, justamente uma Ação Civil
Pública onde se discutia matéria similar à destes autos, do qual destaco:
“A prejudicial de prescrição qüinqüenal argüida pelo litisconsorte deve ser rejeitada. O artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, ao regular a prescrição qüinqüenal, refere-se
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às ações que tratam das dívidas passivas da União, Estados e Municípios e de todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública. No caso dos autos, inexiste qualquer das hipóteses previstas pelo referido dispositivo, ou seja, obviamente a ação não
foi dirigida contra a Fazenda Pública, tampouco o seu objeto não visa à cobrança de
qualquer dívida da União Federal.” (DJ 23.02.2000)
A questão a ser deslindada, em sede de apelação e remessa oficial, diz
com a possibilidade ou não de produzirem efeitos as ascensões funcionais
ocorridas após o advento da Carta Constitucional de 1988, no âmbito da
Fundação Universidade do Rio Grande.
A matéria não é nova neste Tribunal, ao que se vê das seguintes
decisões:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVIMENTO DERIVADO DE CARGO PÚBLICO. PROIBIÇÃO.
PRESCRIÇÃO.
Não corre prazo de prescrição da pretensão anulatória de ato administrativo inconstitucional porque a inconstitucionalidade não convalesce nunca. A prescrição só pode
atingir os efeitos materiais decorrentes do ato inconstitucional.
Ao prever a existência de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos para investidura em cargo público, a Constituição Federal de 1988
não mais autoriza as formas derivadas de provimento, tais como ascensão, progressão,
acesso etc.
Ao julgar procedente a ADIn 838-4/DF, o Supremo Tribunal Federal baniu do
ordenamento jurídico a possibilidade de a administração prover cargos sem concurso
público, o que fez coisa julgada erga omnes.
Não há direito adquirido de servidores à ascensão a cargos criados anteriormente à
Constituição porque a inconstitucionalidade atinge a forma de provimento e não o cargo.
Não se pode acenar com o princípio da segurança jurídica para relevar ato administrativo inconstitucional, vez que se estaria negando vigência à Lei Maior.
Remessa oficial e apelação parcialmente providas, tão-só para limitar a decisão ao
provimento constitutivo negativo de anulação de atos administrativos inconstitucionais.” (3ª T, AC 1998.04.01077205-7/RS, Relator Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia,
DJ 11.10.2000)
“ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. INOCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. ASCENSÃO FUNCIONAL. ARTIGO 37, II, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE.
A presente ação civil pública foi proposta objetivando a declaração de nulidade de
atos de ascensão e progressão funcionais praticados pelo TRE/SC, sob o argumento de
ofensa ao art. 37, II, da Constituição Federal, tratando-se, portanto, de interesse difuso, estando legitimado o Ministério Público para a propositura desta ação, conforme
130
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expressamente previsto no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.
O artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, ao regular a prescrição qüinqüenal , refere-se
às ações que tratam das dívidas passivas da União, Estados e Municípios e de todo e
qualquer direito contra a Fazenda Pública, inexisitindo, no caso dos autos, qualquer
das hipóteses previstas pelo referido dispositivo.
A partir da Constituição Federal de 1988 não mais se admite provimento de cargo
público mediante a ascensão funcional, que é forma de investidura derivada. Precedentes dos Tribunais Superiores.” (3ª T, AC 97.04.25431-8/SC, Relatora: Juíza Luiza
Dias Cassales, DJ 23.02.2000, p. 168)
A ascensão funcional dos servidores arrolados na presente Ação Civil
Pública dada após a Carta Federal de 1988 prolongou-se até o ano de
1992, quando afirmam os réus ter sido determinado que as administrações
federais se abstivessem de tal prática, através da Portaria 1779-SAF,
de 25.07.92.
O centro das alegações dos réus volta-se em defender que os concursos
internos realizados deram-se sob o albergue da lei, primeiramente representada pelo que dispuseram a Lei nº 7.596/87 e o Decreto regulamentar
nº 94.664/87, aos quais se seguiu o Regime Jurídico dos Servidores
Públicos da União consolidado pela Lei nº 8.112/90.
Não paira dúvida no sentido de que a Constituição Federal, por meio
de seu art. 37, II, baniu do sistema jurídico a possibilidade de ascensão
funcional de servidores públicos, largamente utilizada sob a égide da
Carta Federal anterior, através da qual exigia-se a realização de concurso
público apenas para primeira investidura em cargo público.
A atual Constituição, suprimindo a expressão “primeira investidura”,
assim dispôs:
“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo
em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
Por mais de uma vez, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou
acerca da necessidade de concurso público e vedação de outras formas
de provimento (ADIns nºs 231-7/RJ, 245-7/RJ e 837-DF).
ADIn nº 231-7-RJ:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos.
O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos
é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público
isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para
o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou
de provas e títulos, não o sendo, porém, para os cargos subseqüentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento
que é a ‘promoção’.
Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a
qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas
ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção,
sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de
cargos isolados.
O inciso II do artigo 37 da Constituição Federal também não permite o ‘aproveitamento’, uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o
concurso exigido pelo mencionado dispositivo.
Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucionais os artigos 77 e 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do
Estado do Rio de Janeiro.” (ADIn nº 231-7-RJ, Rel.: Min. Moreira Alves, DJ 13.11.92)
ADIn nº 248-1/RJ:
“ADIn — Constituição do Estado do Rio de Janeiro (ADCT, arts. 69 e 74) — Provimento derivado de cargos públicos (transferência e transformação de cargos) — Ofensa
ao postulado do concurso público — Usurpação do poder de iniciativa constitucionalmente reservado ao Chefe do Executivo — Procedência da ação.
Os Estados-membros encontram-se vinculados, em face de explícita previsão
constitucional (art. 37, caput), aos princípios que regem a Administração Pública,
dentre os quais ressalta, como vetor condicionante da atividade estatal, a exigência de
observância do postulado do concurso público (art. 37, II).
A partir da Constituição de 1988, a imprescindibilidade do certame público não mais
se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos
públicos, impondo-se às pessoas estatais como regra geral de observância compulsória.
A transformação de cargos e a transferência de servidores para outros cargos ou
para categorias funcionais diversas traduzem, quando desacompanhadas da prévia
realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, formas inconstitucionais de provimento no Serviço Público, pois implicam o ingresso do servidor em
cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido. Insuficiência, para
esse efeito, da mera prova de títulos e da realização de concurso interno. Ofensa ao
princípio da isonomia.
A iniciativa reservada das leis que versem o regime jurídico dos servidores públicos revela-se, enquanto prerrogativa conferida pela Carta Política ao Chefe do Poder
Executivo, projeção específica do princípio da separação de poderes.
Incide em inconstitucionalidade formal a norma inscrita em Constituição do
Estado que, subtraindo a disciplina da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe
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sobre provimento de cargos que integram a estrutura jurídico-administrativa do Poder
Executivo local.
A supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas as eventuais exceções proclamadas no próprio texto constitucional, que contra
elas seja invocado o direito adquirido. Doutrina e jurisprudência” (ADIn nº 248-1/RJ,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 08.04.94, p. 7.222).
ADIn nº 837-4/DF:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Formas de provimento derivado. Inconstitucionalidade.
- Tendo sido editado o Plano de Classificação dos Cargos do Poder Judiciário posteriormente à propositura desta ação direta, ficou ela prejudicada quanto aos servidores
desse Poder.
- No mais, esta Corte, a partir do julgamento da ADIn 231, firmou o entendimento
de que são inconstitucionais as formas de provimento derivado representadas pela
ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos
públicos. Outros precedentes: ADIn 245 e ADIn 97.
- Inconstitucionalidade no que concerne às normas da Lei nº 8.112/90, inciso III do
art. 8º; das expressões ascensão e acesso, no parágrafo único do art. 10; das expressões
acesso e ascensão no § 4º do art. 13; das expressões ou ascensão e ou ascender no art.
17; e do inciso IV do art. 033.
- Ação conhecida em parte, e nessa parte julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos e das expressões acima referidas” (ADIn nº 837-4/DF, Rel.
Min. Moreira Alves, DJ de 25.06.99)
Percebe-se, pois, que a nova ordem Constitucional não recepcionou
a legislação infraconstitucional que dispunha sobre o provimento de
cargos mediante ascensão funcional, ao contrário, tais normas restaram
tacitamente revogadas com o seu advento.
De igual sorte, a Lei n. 8.112/90, ao prever a ascensão como forma
de provimento de cargo público, também veio em descompasso com a
orientação trazida pela Constituição Federal de 1988, segundo a qual é
inadmissível qualquer forma de provimento em cargo inicial de carreira
ou em cargo isolado, sem a prévia aprovação em concurso público de
provas ou de provas e títulos.
A forma de provimento através de ascensão funcional acabou por excluir o acesso ao serviço público de potenciais candidatos que poderiam
nele ingressar através de regular concurso público, impedindo, também,
uma ampla aferição da capacidade entre os concorrentes.
As nomeações relacionadas pela própria Fundação Universidade do
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Rio Grande, constantes das fls. 17/27, demonstram a ocorrência da mais
variada forma de ascensão funcional, observada em relação aos seguintes cargos: de Servente de Limpeza para Porteiro, e deste para Auxiliar
Administrativo; de Vigilante para Técnico em Edificações; de Auxiliar
Administrativo para Assistente em Administração; de Vigilante para Assistente em Administração; de Agente Administrativo para Bibliotecário;
de Artífice de Artes Gráficas para Advogado; de Auxiliar Administrativo
para Técnico em Secretariado; de Auxiliar Administrativo, para Assistente
em Administração e, após, para Economista; de Porteiro para Auxiliar
Técnico de Veterinária e Zootecnia; de Servente de Limpeza para Operador de Caixa, dentre muitas outras.
Uma vez praticado pela Administração ato em afronta à Lei Maior,
merecem ser desconstituídos os provimentos irregulares, com o retorno
dos servidores ao status quo ante, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e desprovidos de qualquer carga de eficácia jurídica (RTJ
146/461), mormente em se considerando já ter o Supremo Tribunal
Federal se pronunciado quanto à inconstitucionalidade desta forma derivada de provimento.
Também, não é o caso de se reconhecer violação ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos e existência de direito adquirido. Quanto
a este, ensina a doutrina que não pode existir contra a Constituição,
conforme leciona Celso Ribeiro Bastos:
“De fato, se não pode haver nem mesmo, como se viu no item anterior, direito
adquirido contra a lei, não pode haver, obviamente, direito adquirido em afronta à
Constituição. O ato assim praticado é inconstitucional e conseqüentemente passível de
anulação.” (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, p. 191)
Já o acréscimo nos vencimentos dos servidores, dado à vista de seu
ingresso em outros cargos, teve sua origem em atos nulos, posto que
ancorados em normas não-recepcionadas pela Constituição Federal de
1988, ou declaradas inconstitucionais, não estando, assim, protegido pelo
princípio da irredutibilidade.
Isto posto, voto no sentido de negar provimento às apelações e à
remessa oficial.
VOTO DIVERGENTE
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O Exmo. Sr. Juiz Edgard Lippmann: Sem embargo da invejável cultura
jurídica do eminente Juiz-Relator, concessa venia, a solução jurídica
ofertada no referido voto me parece questionável, em parte, diante do
cotejo com a farta prova documental e oral carreada aos autos, conclusão
que se extrai pelos seguintes aspectos.
Se por um lado relevante a tese exposta no judicioso voto, o que bem
mostra a elevada cultura jurídica do ilustre relator, por outro, entendo
que o caso dos autos contempla algumas peculiaridades que me fazem
dissentir da linha adotada pelo eminente Relator.
A matéria não é nova nesta Corte de Justiça (conforme se infere dos
precedentes colacionados no judicioso voto em análise) – exame da
constitucionalidade quanto à forma de provimento derivado de cargo
público (seja em ascensão ou progressão funcional) –, especialmente
porque o Pretório Excelso já sedimentou o entendimento de sua manifesta inconstitucionalidade por malferir a garantia da livre acessibilidade
aos cargos públicos, bem como da observância obrigatória do regular
concurso público(art. 37, II, CF/88).
No caso destes autos, estamos diante do exame sobre a possibilidade
ou não de produzirem efeitos as ascensões funcionais ocorridas no âmbito
da Fundação Universidade do Rio Grande, até o ano de 1992, logo, após
o advento da atual Carta Magna.
Para o desate da questão, registro que o concurso interno objurgado
deu--se nos estritos limites do contido na Lei nº 7.596/87 e no Decreto
regulamentar nº 94.664/87, ambos submetidos aos ditames da Lei nº
8.112/90. Pois bem, entendo como correta a interpretação dada pelo
ilustre Relator – inconstitucionalidade dos concursos internos para provimento derivado –, apenas para casos em que tal ato administrativo
tenha sido editado após o julgamento da questão pelo Pretório Excelso
(seja em 1992 na ADIn 231-7/RS, seja em 1994 na ADIn 248-1/RS).
Assim concluo, por que tal modalidade de concurso vinha sendo adotada reiteradamente pela administração pública, sem que, sob a égide
da normatividade constitucional anterior, subsistisse qualquer empeço
a tanto. Registre-se que o procedimento veio calcado em expressas
disposições legais como antes mencionado, logo, acobertado pela presunção de legalidade e legitimidade de seus atos. Foi somente através
da Portaria 1.779-SAF, de 25.07.92, que a administração pública veio
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a determinar que se coibisse tal modalidade de provimento derivado.
Aqui a primeira indagação que se lança. Onde estaria a segurança
jurídica das relações estabelecidas conforme a legislação? Como se
proceder hoje à correção de tal alegada anormalidade sem prejuízo do
evidente tumulto administrativo que a revisão dos provimentos virá
ocasionar? Analisando a matéria, entendo que resta impresente alegada
má-fé por parte da Apelante.
A tese, quanto à manutenção de tais atos administrativos, ganhou ares
da pacificidade tanto na esfera administrativa como na judicial. Naquela, aponto o Parecer nº AGU/MF- 06/99 (anexo ao Parecer GM-002),
publicado no DOU de 20.04.2000, no seguinte sentido:
“ASCENSÕES FUNCIONAIS
I – Com a Constituição de 1988 ficaram banidas as formas derivadas de provimento
de cargo público, como a ascensão e o acesso. (Parecer CGR/CS-56, de 1992, ADIn
nº 837)
II – Precedentes no direito brasileiro admitem que, por razões de segurança jurídica,
se possa obstar à revisão do ato com base na lei decretada inconstitucional.
III – O legislador brasileiro garantiu expressamente a segurança jurídica: O direito
de a administração anular os atos administrativos de que decorrem efeitos favoráveis
para os destinatários decai em cinco anos, contados da data que foram praticados, salvo
comprovada má-fé (Lei nº 9.784/99, art. 54, caput).
IV – Nos casos dos autos, as formas derivadas de provimento de cargo público se
deram há mais de dez anos. Não houve má-fé, mas aplicação da lei então vigente, e,
ainda, inquestionada.
V – A segurança das relações jurídicas e a lei impedem a revisão dos atos de ascensão
funcional de que trata estes autos.”
Da mesma forma, nesta Corte de Justiça, se, por um lado, existam
precedentes na linha como acenado pelo ilustre Relator, por outro
existem vários outros em sentido diametralmente oposto. Aponto, a título de ilustração, a Suspensão de Execução de Liminar nº
2000.04.01.050064-9/RS, no voto do ilustre Presidente, Juiz Fábio
Bittencourt da Rosa, após o exame da preliminar foi no sentido de negar provimento ao pedido, decisão que foi acompanhada pelo Plenário,
inclusive em Agravo lançado contra tal decisão. A tônica dos votos
pautou-se no sentido de prestigiar o princípio da legalidade associado
ao da segurança jurídica, bem como o da economicidade e com ela o
da continuidade da prestação do serviço público, bem como da boa-fé
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e confiança.
Dentro desta linha de raciocínio, trago à consideração recente precedente (julgado em 31.10.2000) desta Eg. 4ª Turma, em decisão unânime,
onde figurou como Relator o ilustre Juiz Convocado, Dr. Marcos Roberto
Araújo dos Santos, na AC 97.04.08268-1/RS, com a ementa seguinte:
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ANULAÇÃO DE
ASCENSÃO FUNCIONAL.
1 – A questão da proibição de qualquer investidura sem concurso público pressupõe,
também, o provimento derivado mediante ascensão funcional, por concurso interno.
Neste aspecto, decisão liminar tomada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na
ADIn 837-4, em 11 de fevereiro de 1993, na qual foi dado efeito ex nunc à suspensão
de eficácia dos dispositivos legais que tratavam de acesso ou ascensão de servidores
públicos. Nesta decisão restou indeclinável a intenção da Suprema Corte com a suspensão da eficácia de tais dispositivos inconstitucionais, ex nunc, a fim de evitar que,
a partir de então, fosse impossibilitada a ocorrência de concursos internos como os
ora questionados. A ascensão funcional questionada ocorreu em 1989, bem antes da
decisão ora citada, portanto sob a vigência dos dispositivos legais cuja incidência foi
suspensa pela decisão do STF.
2 – Inexistindo nulidades quanto ao certame, descabida é a anulação do concurso
público pelo fato de a remuneração atual do cargo de vigilante ser inferior à remuneração do antigo cargo ocupado pelo autor, antes do concurso, de recepcionista, por ser
fato alheio à regularidade do concurso público.
3 – Apelação do autor improvida.”
Derradeiramente, não posso deixar de registrar que a conclusão ora
exposta tem perfeita conformação, analogicamente, com a recente inovação do Estatuto Processual Civil procedido através da Lei nº 9.868,
de 10.11.99, onde ao dispor sobre o processo e o julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória perante o STF,
expressamente, em seu artigo 27, recomenda:
“Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões
de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria
de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado.”
À vista do exposto, em conclusão, com a vênia do ilustre Relator, voto
no sentido de dar provimento aos apelos e à remessa oficial, na forma
da fundamentação supra.
É o voto.
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137
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº
1999.04.01.091413-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Dr. Cezar Saldanha Souza Junior
Apelado: João Cláudio de Souza Guetter
Advogada: Dra. Cristiane Paraskevi Campos Kollia
Remetente: Juízo Federal da 7ª Vara Federal de Curitiba/PR
EMENTA
Direito Administrativo. Veículo usado. Importação declarada ilegítima por decisão judicial. Apreensão do bem em poder de terceiro.
Não se pode ter por abusivo ou ilegal o ato da autoridade administrativa que, amparada em sentença judicial transitada em julgado, determina
a apreensão de veículo usado cuja importação foi declarada ilegítima.
Ainda que negasse a força vinculativa da sentença em face do terceiro
de boa-fé, seria indispensável que essa circunstância ficasse evidenciada
no processo. Todavia, a existência ou não de boa-fé é matéria eminentemente fática e, quando controvertida, não é passível de elucidação no
rito especial do mandado de segurança. Havendo controvérsia sobre o
fato essencial da tese da impetração, não se pode considerar presente o
direito líquido e certo invocado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso e à remessa, nos
termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de novembro de 2000.
Juiz Teori Albino Zavascki, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki: Trata-se de apelação (fls.
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133/143) em mandado de segurança contra sentença que obstou a apreensão de veículo importado irregularmente.
A sentença (fls. 123/128) fundou-se (a) na boa-fé do adquirente e
(b) na impossibilidade de penalizar terceiro pelo ato praticado pelo
importador.
O recurso busca a reforma da sentença sustentando que não se pode
privilegiar interesses individuais em detrimento de interesses coletivos:
o veículo entrou no mercado de consumo nacional concorrendo de forma
desleal com os similares brasileiros, agravando o déficit da balança de
pagamento e acentuando os já preocupantes índices de desemprego que
assolam a indústria nacional (fls. 134/143).
Com contra-razões (fls. 146/156).
É o relatório.
À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki: Sustenta o impetrante, e
esse é o fundamento básico da impetração, que, como terceiro de boa-fé, não pode ser prejudicado pela ilicitude praticada pelo importador.
Todavia, essa alegação de boa-fé do adquirente é contestada pela autoridade impetrada, com argumentos bem razoáveis. Diz ela, a propósito,
que a nota fiscal deixava expresso que se tratava de veículo estrangeiro
usado, sendo que a proibição de importação de tais veículos decorria
de ato normativo público, que não era e nem poderia ser desconhecida
de quem quer que seja. Ademais, as condições vantajosas do preço da
venda, relativamente aos concorrentes nacionais, e o amplo noticiário
da imprensa sobre a precariedade das importações, constituíam também
indicativos da insubsistência, consideradas as condições do homem comum, do desconhecimento quanto à origem do bem.
Sobre o tema, em casos análogos, esta Turma já decidiu o seguinte:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO USADO. ALEGAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE BEM POR TERCEIRO DE BOA-FÉ. ILEGALIDADE.
1. A importação de veículo usado foi declarada ilegal, por decisão judicial, inviabilizando a regular utilização desse bem no território nacional, ainda que adquirido
por terceiro de boa-fé, sob pena de ver-se iludibriada a proibição contida na PRT-8
DECEX.” (AMS nº 97.04.59568-9/PR, 3ª Turma, Rel. Juíza Luiza Dias Cassales, DJ
03.02.99, pág. 590)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
139
“ADMINISTRATIVO. IMPORTAÇÃO DE VEÍCULO USADO. ALIENAÇÃO.
APREENSÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ.
1. A irregularidade da importação do bem objeto deste mandamus restou decretada
nos autos do mandado de segurança 94.04.25032-5/PR, cuja sentença foi reformada
por este TRF-4R.
2. O exame da boa-fé na aquisição de automóveis importados usados deve ser feito
caso a caso, sendo que o juiz ao decidir deve fazer prevalecer a verdade real sobre a
formal, privilegiando a prova dos autos em detrimento de conceitos genéricos.
3. Não pode ser reconhecido como terceiro de boa-fé o pai dos donos da firma
alienante, que figura como indiciado em inquérito policial (DPF) e denunciado em
processo criminal perante a justiça comum, à vista de condutas ilícitas envolvendo a
comercialização de automóveis em operações idênticas à presente.
4. Recurso voluntário e remessa oficial providos”. (AMS nº 97.04.58570-5/PR, 3º
Turma, Rel. Juíza Marga Barth Tessler, DJ 23.09.98, pág. 577)
Aos argumentos invocados nos precedentes, acrescente-se que, conforme se verifica do documento de fl.19, o ato da autoridade impetrada
nada mais representa que o cumprimento de uma decisão do Supremo
Tribunal Federal, que considerou ilegítima a importação do veículo em
causa. Ora, não é razoável que, sem motivos relevantes, se deixe de dar
efetividade a essa decisão judicial. Não se pode ter por abusivo, em princípio, o ato da autoridade administrativa tendente a cumprir uma sentença
transitada em julgado. Por outro lado, ainda que se adotasse a tese de que
a referida decisão não vincula o terceiro de boa-fé, seria indispensável
que essa circunstância ficasse evidenciada no processo. Ora, a existência
ou não de boa-fé é matéria eminentemente fática. Quando controvertida,
como aqui o foi, não seria no rito especial do mandado de segurança
que se produziria a prova indispensável para a sua elucidação. Havendo
controvérsia sobre o fato essencial da tese da impetração, não se pode
considerar presente o direito líquido e certo invocado. Assim, e na linha
dos precedentes da Turma, dou provimento ao recurso e à remessa para
reformar a sentença e denegar a ordem.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.04.01.110764-5/RS
140
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales
Apelante: Luiz de Oliveira Gomes - Sucessão e outros
Advogada: Dra. Mara Alaides Modernel Mendes
Apelada: União Federal
Advogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva
Apelado: Estado do Rio Grande do Sul
Advogada: Dra. Adriana Krieger de Mello Bampi
Apelada: Zelia do Valle Zogbi
Advogada: Dra. Lucimere Flores Brum
EMENTA
Civil. Administrativo. Usucapião especial. Lei nº 6.969/81. Terrenos
de marinha. Área em processo de desapropriação. Falta de prova hábil
da localização do imóvel e suas dimensões.
1- O autor foi intimado para juntar a planta do imóvel usucapiendo,
o que deixou de fazer.
2- O croquis juntado com a inicial não substituiu a planta do imóvel
porque não contém as dimensões e as confrontações, o que impossibilita
saber se as terras de marinha e acrescidos abrangem todo o imóvel ou
parcela dele.
3- Terrenos de marinha e seus acrescidos pertencem à União Federal
e não podem ser objeto de usucapião.
4- Quando a ação de usucapião foi proposta, em junho de 1982, a
área usucapienda estava na posse da Companhia de Desenvolvimento
Comercial e Industrial do Rio Grande do Sul - CEDIC, por força do Auto
de Imissão de Posse, lavrado no dia 8 de junho de 1978 (fl. 57), juntado
aos autos da ação de desapropriação por ela ajuizada (por delegação).
5- Outros óbices ainda podem ser apontados que impedem a procedência da ação com fundamento na Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de
1981, a saber: a) o imóvel usucapiendo não está em zona rural, e sim
em zona de expansão urbana; b) o usucapiendo não comprovou que não
é titular de outro imóvel.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
141
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do
relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 01 de junho de 2000.
Juíza Luiza Dias Cassales, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales: Esta ação de usucapião foi
ajuizada por Luiz de Oliveira Gomes, perante a Justiça Estadual, em
junho de 1982, com fundamento na Lei nº 6.969/81.
A petição inicial veio acompanhada do croquis de fl. 08. Por despacho
de fl. 11, foi determinada a intimação do autor para que junte a planta
do imóvel que pretende usucapir, tendo em vista a imprestabilidade do
croquis juntado com a inicial.
O Município de Rio Grande, por seu procurador, informa que a área
usucapienda está situada em zona de expansão urbana e que teria sido
desapropriada pela Companhia de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Rio Grande do Sul- CEDIC (fl. 33).
A União Federal, pelo Procurador da República, juntou à fl. 40 a
manifestação do Delegado do Serviço do Patrimônio da União, dando
conta de que parte da área a ser usucapida pertence à União Federal,
por se tratar de terreno de marinha e acrescidos. Ponderou, ainda, que
o autor não comprovou que não possui outra propriedade.
As contestantes Anna Maria Zogbi Vossler e Zélia do Valle Zogbi,
proprietárias do imóvel usucapiendo, dizem que esse imóvel foi desapropriado pela Companhia de Desenvolvimento Industrial e Comercial
do Rio Grande do Sul - CEDIC, que foi imitida na posse do imóvel em
dezembro de 1977, tendo, inclusive, pago o valor da indenização. Alega
que o imóvel é de natureza urbana, não podendo ser objeto de usucapião
com base na Lei nº 6.969/81.
À fl. 54, foi juntada certidão da Prefeitura Municipal, que faz certa a
transformação do trecho da Estrada de Rodagem Rio Grande-Cassino
em avenida, denominada “Avenida Itália”.
A Companhia de Desenvolvimento Industrial e Comercial - CEDIC, em sua contestação, diz que se encontra na posse do imóvel,
por determinação judicial. Afirma que o autor era empregado de
142
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Edmundo B. Costa, em nome de quem possuía o imóvel. Acontece que,
por ocasião da desapropriação, Edmundo B. Costa foi devidamente indenizado. Junta (fl. 57) o Auto de Imissão de Posse, datado de 28 de junho
de 1978; correspondência enviada a Edmundo B. Costa e recebida por
Luiz de Oliveira Gomes (documentos de fls. 58/59); guia de depósito do
valor da indenização (fl. 62); Alvará de levantamento das importâncias
depositadas (fl. 72).
Tendo em vista a manifestação da União Federal de interesse no feito,
os autos foram remetidos para a Justiça Federal.
Em virtude da morte do autor, sua sucessão habilitou-se no processo,
o que foi deferido, tendo em vista a inexistência de impugnação.
A CEDIC foi extinta pela Lei nº 10.359, publicada no DO de 17.01.95.
O Estado do Rio Grande do Sul passa a integrar a lide e informa, por
petição de fl. 309, que parte da área usucapienda invade faixa de domínio
do Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem - DAER.
O documento juntado às fls. 298 a 302 comprova que em 1993 a
CEDIC desistiu da ação de desapropriação.
O Douto Órgão do Ministério Público Federal opina pela improcedência do pedido, no parecer juntado às fls. 312 até 316.
A r.sentença julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito, com
fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil, por entender
não devidamente comprovada a posse com animus domini.
Da r. sentença foi interposto recurso de apelação. Em suas razões de
recurso, diz a apelante, em suma, que não existe qualquer documento
que comprove que o autor era mero servidor do real detentor do imóvel.
Alega, também, que apenas parte do imóvel está situado em terreno de
marinha.
Todos os requeridos apresentaram contra-razões.
O Douto Órgão do Ministério Público, com assento nesta Corte, opinou pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales: De acordo com o croquis
juntado com a inicial (fl. 08), o imóvel usucapiendo está situado entre o
Saco da Mangueira e a Estrada - hoje Avenida - que liga a cidade de Rio
143
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Grande com o Balneário Cassino. Dito croquis não passa de um esboço
e não contém dados fundamentais para o deslinde da controvérsia, qual
seja, o da medida existente entre as margens do Saco da Mangueira e da
Av. Itália, para que se possa estabelecer se é todo o terreno ou apenas
parte dele que está situado dentro da área de marinha e acrescidos.
Aliás, o Douto Juiz Estadual, que processou parte desta ação, verificando a inexistência da planta do imóvel e a imprestabilidade do aludido
croquis para substituí-la, intimou o autor, por despacho de fl. 11, para
juntar a planta do imóvel, o que não foi feito.
Portanto, tendo em vista a inércia do autor em cumprir a determinação judicial de juntar a planta do imóvel usucapiendo e a deficiência do
croquis, em referência, deve-se entender, como fez a r. sentença apelada,
que toda a área usucapienda está situada em terras de marinha e seus
acrescidos. Terrenos de marinha e seus acrescidos pertencem à União
Federal e não podem ser objeto de usucapião.
Não fosse por isso, esta ação também não merece prosperar porque,
quando foi proposta, em junho de 1982, a área estava na posse da Companhia de Desenvolvimento Comercial e Industrial do Rio Grande do
Sul - CEDIC, por força do Auto de Imissão de Posse, lavrado no dia 8
de junho de 1978 (fl. 57), juntado aos autos da ação de desapropriação
por ela ajuizada (por delegação). Esse Auto de Imissão de Posse prevaleceu até novembro de 1993, quando houve desistência da ação de
desapropriação (fls. 292-299).
Enquanto em poder do Estado do Rio Grande do Sul, o imóvel não
poderia ser objeto de usucapião.
E mais, há afirmações, amparadas em início de prova escrita, que o
autor, hoje falecido, no período em que esteve no imóvel, estava como
preposto do real possuidor, que, inclusive, recebeu parte da indenização
na ação de desapropriação. Hoje o imóvel está ocupado por Marco Aurélio Arriegue e Alexandra Maria Arriegue, na qualidade de comodatários.
Outros óbices ainda podem ser apontados que impedem a procedência
da ação com fundamento na Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981,
a saber: a) o imóvel usucapiendo não está em zona rural, e sim em zona
de expansão urbana; b) o usucapiendo não comprovou que não é titular
de outro imóvel.
Isto posto, nego provimento ao recurso.
144
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.04.01.112449-7/PR
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales
Apelante: Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER
Advogado: Dr. Sebastião Domingos Pinto
Apelados: Olímpio Moreira Paes e s/m
Advogados: Drs. Otelio Renato Baroni e outro
Remetente: Juízo Substituto da 2ª Vara Federal de Curitiba/PR
EMENTA
Administrativo e Civil. Desapropriação indireta. Limitação administrativa. Prescrição. Nulidades do laudo pericial. Nulidade do processo
por ausência de alegações finais. Nulidade da intimação da sentença.
Nulidade da sentença extra petita.
1 - Nas chamadas ações de desapropriação indireta, verdadeiras reivincatórias, a prescrição é vintenária e não qüinqüenal.
2 - A lei nova regula para o futuro, não podendo retroagir para atingir
situações passadas já devidamente constituídas.
3 - O laudo pericial é meramente informativo não obrigando ao Juiz.
Irregularidades meramente administrativas referentes à situação profissional do Perito do Juízo não invalidam o laudo. No caso, a suspensão do
registro do Perito no órgão de classe só foi levantada após ter ocorrido
a preclusão. Não foi alegado qualquer prejuízo decorrente do fato de o
Perito do Juízo estar suspenso do CREA. Ademais, no processo existem
mais dois laudos, nenhum deles impugnados.
4 - Não se pronunciam nulidades processuais quando tiver ocorrido a
preclusão e não for comprovado prejuízo à parte que a alega.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
145
5 - Confrontando o pedido constante na inicial com a sentença, bem
se verifica que não houve julgamento extra petita.
6 - A limitação administrativa é gratuita. Contudo, tanto a Doutrina
como a Jurisprudência entendem que cessa a gratuidade quando dita
limitação for de tal ordem que torne o imóvel imprestável para o uso ou
que lhe reduza de forma considerável o valor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e à remessa
oficial, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de novembro de 2000.
Juíza Luiza Dias Cassales, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales: Da r. sentença que, na ação
ordinária de indenização por desapropriação indireta, julgou parcialmente
procedente a ação para condenar o DNER a pagar aos autores Olímpio
Moreira Paes e Ieda Moreira Paes a indenização de R$ 20.837,25 (vinte
mil, oitocentos e trinta e sete reais e vinte e cinco centavos), e ao espólio
de João Skraba a indenização de R$ 11.812,50 (onze mil, oitocentos e
doze reais e cinqüenta centavos), acrescida de correção monetária, desde
11.09.97 e de juros compensatórios, de 12% ao ano, desde 19 de dezembro
de 1979, e moratórios, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão,
cumuláveis e incidentes sobre o valor atualizado da indenização, mais
honorários advocatícios de 2% sobre o valor da condenação, devendo
o réu restituir 20% dos honorários periciais e das custas adiantadas, foi
interposto recurso de apelação.
Em suas razões de recurso, argúi a prescrição, que, em se tratando
de órgão público, é qüinqüenal e não vintenária. Levanta a nulidade do
laudo pericial, que foi assinado por profissional com o registro suspenso pelo órgão regulador de sua categoria profissional. Pondera que as
limitações administrativas não são indenizáveis. Afirma que não foram
as partes intimadas para apresentar suas alegações finais, o que causa
146
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
a nulidade do processo. Afirma que a sentença foi extra petita porque
concedeu indenização por limitação administrativa, não requerida na inicial. Diz que a Prefeitura Municipal de Araucária é litisconsorte passiva
obrigatória nesta ação, motivo pelo qual o processo deve ser anulado ab
initio. No mérito, diz que, em 1979, efetuou a duplicação da BR 476 e
que essa duplicação ocorreu dentro da faixa de domínio de 60 metros
de largura, já existente desde 1957, portanto, nada tem que indenizar.
A área non aedificandi é apenas uma limitação administrativa, que não
enseja pagamento de qualquer indenização.
Foram apresentadas contra-razões.
O Douto Órgão do Ministério Público Federal opina pelo desprovimento da apelação.
É o relatório
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales: Não se aplica à espécie o
prazo prescricional previsto pela Medida Provisória nº 1.703/98, tendo
em vista que, como é curial, a lei dispõe para o futuro, não podendo
alcançar situações pretéritas, já devidamente constituídas. Esta ação
foi ajuizada nos idos de 1982, motivo pelo qual a ela se aplica o prazo
de prescrição vintenária, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, então vigente. Por se tratar de verdadeira ação reivindicatória,
entendeu a Corte Suprema, o prazo prescricional é o estabelecido pelo
Código Civil para as ações de natureza real. Assim sendo, no caso, não
se aplicam as legislações apontadas pelo apelante que estabelecem que o
prazo prescricional das ações a serem intentadas contra a União Federal
e suas autarquias é qüinqüenal.
Quer o apelante que o processo seja anulado porque o laudo oficial
foi elaborado por profissional com o registro suspenso pelo Conselho de
Classe; por falta de intimação das partes para alegações finais; porque
o Município de Araucária não integrou a lide como litisconsorte obrigatório; porque a sentença é extra petita. Por falta de intimação pessoal
da sentença.
O fato de o laudo oficial ter sido elaborado por profissional que está
com seu registro suspenso não ocasiona a nulidade do processo. A um,
porque o laudo é meramente informativo do juízo; a dois, porque não
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
147
apontou a autarquia apelante qualquer tipo de prejuízo decorrente do fato
de o Perito do Juízo estar com seu registro suspenso pelo órgão de sua
classe; a três, porque ocorreu a preclusão, tendo em vista que o DNER
se manifestou sobre o laudo oficial, não levantando qualquer óbice em
relação à sua qualidade técnica. Ao contrário, ao se manifestar sobre o
referido laudo, destacou que veio ele corroborar a tese da contestação e
as informações prestadas por seu Assistente Técnico. De mais a mais, nos
autos existem mais dois laudos, o realizado em 1983, por determinação
do Juízo, e o do Assistente Técnico da autarquia apelante.
De fato, depois de as partes terem se manifestado várias vezes no
processo e retirado os autos para exame, finalmente, em 23 de setembro
de 1998, 16 anos depois da propositura da ação, determinou a MM. Juíza
que os autos voltassem conclusos para sentença (fl. 260). Deste despacho foram as partes intimadas e contra ele não se rebelaram, ocorrendo,
assim, a preclusão. Também, quanto à pretensa nulidade por ausência
de alegações finais, não apontou o apelante a ocorrência de qualquer
tipo de prejuízo.
Entende a autarquia apelante que o Município de Araucária seria litisconsorte obrigatório, porque a rodovia em questão foi construída pelo
Estado do Paraná, em 1949. A responsabilidade do DNER decorreria,
tão-só, de sua duplicação, que ocorreu em 1979. Como os imóveis dos
autores estão encravados entre a BR 476 e a Av. Victor Ferreira do Amaral,
o Município de Araucária deveria ter feito parte da relação processual,
como litisconsorte obrigatório. Contudo, sem razão o apelante, toda a
discussão ficou restrita à área non aedificandi que acompanha a faixa
de domínio da BR 476, que pertence ao DNER. Nem por abstração
poder-se-ia entender qualquer tipo de responsabilidade do Município
em relação a uma limitação administrativa imposta por órgão da Administração Federal.
A ausência de intimação pessoal do representante legal da autarquia
apelante não causa a nulidade do processo, visto que o objetivo da intimação foi alcançado, uma vez que o recurso de apelação foi interposto
tempestivamente. Nossa legislação processual civil não autoriza que
seja declarada a nulidade de um ato que alcançou seus objetivos e não
causou nenhum prejuízo à parte, apenas porque não foi realizado na
forma estabelecida pela lei.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Finalmente, propugna o DNER pela nulidade da r. sentença que seria
extra petita porque concedeu uma indenização que não foi objeto do
pedido. Mais uma vez engana-se a autarquia apelante. Como bem se
constata do exame do pedido (fl. 05), abrange ele qualquer tipo de indenização, mesmo em relação às áreas não-ocupadas, se ficar comprovado
que a utilização do remanescente se tornou não-utilizável, o que é o caso.
No mérito, a matéria comporta algumas considerações.
Na verdade, o que está dando origem à indenização estabelecida pela
r. sentença não é a apropriação, propriamente dita, de áreas dos terrenos
dos apelados, e sim a limitação administrativa que os impede de construir sobre as referidas áreas que, em virtude da ampliação da rodovia,
passaram a fazer parte de área non aedificandi.
É pacífico, tanto na Doutrina como na Jurisprudência que, em princípio,
“a limitação administrativa é toda a imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem
pública, condicionadora do exercício de direitos ou atividades particulares às exigências
do bem-estar social.” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, p. 600)
Portanto, uma das características da limitação administrativa é a sua
gratuidade.
Contudo, tanto a Doutrina como a Jurisprudência estabelecem limites
para essa gratuidade. Não será gratuita, ensejando, pois, direito à indenização, a limitação administrativa que torne inútil o imóvel ou que lhe
reduza de tal forma a utilização a ponto de ter reduzido o seu valor. Já
Hely Lopes Meirelles ensinava em 1981 que as limitações administrativas: “Encontram seus lindes nos direitos individuais assegurados pela
Constituição e devem expressar-se em forma legal. Só são legítimas
quando representam razoáveis medidas de condicionamento do uso da
propriedade, em benefício do bem-estar social (Constituição da República, art. 160, III), e não impedem a utilização da coisa segundo sua
destinação natural.” (ob. cit., p. 600/601). Doutrinadores mais modernos, como Diógenes Gasparini (in Direito Administrativo, Ed. Saraiva,
1995, p. 424) e José Carlos de Moraes Salles (in A desapropriação à
Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 3ª Edição, pp. 761/762), seguem
a lição do saudoso Mestre, que, aliás, sustentava-se nos ensinamentos
de Bielsa, no sentido de que a limitação administrativa, para ser gratuita,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
149
não pode promover o aniquilamento da propriedade e impossibilitar o
seu aproveitamento econômico. Se a limitação administrativa for de tal
ordem que impossibilite a utilização da faixa para qualquer outro fim,
pontifica José Carlos de Moraes Salles, eqüivalerá, então, a verdadeira
expropriação, devendo, em tal caso, ser indenizada a área atingida.
Nesse mesmo sentido, já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de
Justiça, nos REsps 16860/SP e 38861/SP, citados pelo Douto Procurador
da República em seu parecer.
No caso em exame, os terrenos urbanos dos recorridos foram atingidos, ou na sua totalidade ou em cerca de 60%, ficando o restante impróprio
para a construção, como bem analisou o Douto Procurador da República
no trecho de seu parecer que passo a transcrever:
“Conforme as cópias das Certidões do Registro de Propriedade dos autores nas
folhas 10 e 17, Olímpio Moreira Paes e sua esposa possuem um terreno situado na zona
urbana da cidade de Araucária, com área de 1.057,50 m² (um mil e cinqüenta e sete
metros e cinqüenta decímetros quadrados), enquanto o espólio de João Skraba possui
duas glebas de terra também situadas na cidade de Araucária totalizando 1.060,00 m²
(um mil e sessenta metros quadrados).
Para o primeiro autor acima citado, a construção da BR-116 atingiu mais da metade
de seu terreno, chegando especificamente ao total de 661,50 m² (seiscentos e sessenta
e um metros e cinqüenta decímetros quadrados), já o segundo, a faixa não edificável
alcançou a extensão de 375 m² (trezentos e setenta e cinco metros quadrados), sendo
que o restante do que era seu foi totalmente atingido pela construção da rodovia a título
de desapropriação indireta não mais indenizável pelo transcurso do prazo vintenário.
Assim, pelo que se conclui, inicialmente, é muito grande a dimensão de terras
atingidas para ambos os proprietários, a um porque no primeiro caso correspondeu a
quase 60% (sessenta por cento) da propriedade do autor; e a dois, porque no segundo
caso atingiu o restante de terra que ainda cabia ao espólio.”
Diante disso, a espécie está dentro das exceções da gratuidade das
limitações administrativas. Os imóveis foram por ela de tal forma atingidos, que perderam seu valor e tornaram-se de difícil utilização, motivo
pelo qual devem ser indenizados.
Isto posto, nego provimento ao recurso e à remessa oficial.
É o voto.
150
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.70.08.002946-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti
Apelante: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Anésio Rossi Junior e outros
Apelantes: Paulo Calixto Ramos e outro
Advogado: Dr. Luiz Roberto Rech
Apelados: (Os mesmos)
EMENTA
Responsabilidade civil. Ação de indenização. Dano moral. Ilegitimidade passiva. Inépcia. Tentativa de desocupação do imóvel. Negligência
da CEF. Prova do dano.
1. Preliminar de ilegitimidade rejeitada.
2. Não é necessário pedido certo e determinado, estando sujeita ao
arbítrio do magistrado a justa quantificação.
3. O ato negligente da Caixa Econômica Federal em não comunicar
a adjudicação do imóvel pelos ora autores foi causador de toda essa
situação vexatória e angustiante.
4. “Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do
fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam.
Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao
art. 334 do Código de Processo Civil” ( REsp nº 86.271/SP, 3ª Turma,
Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 09.12.97).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação da Caixa
Econômica Federal e da parte-autora, nos termos do relatório e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de dezembro de 2000.
Juiz Valdemar Capeletti, Relator.
RELATÓRIO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
151
O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti: Os autores ajuizaram a presente
ação de indenização por danos morais, sob o rito comum ordinário, contra
a Caixa Econômica Federal-CEF, pela qual pleiteiam a condenação pelo
danos morais sofridos, ficando ao arbítrio do juízo o quantum da condenação. Nos fundamentos da exordial, os autores foram surpreendidos
com a notícia de que deveriam desocupar a casa onde moravam, tendo
em vista um processo de execução. O oficial de justiça, por ser vizinho
da autora, avisou que passaria à tarde na sua casa para cumprir um mandado de desocupação; ela argumentou que a casa pertencia a eles, que
haviam adquirido em leilão há cinco meses atrás. A autora ficou muito
nervosa, pois seus filhos e vários vizinhos presenciaram a cena, onde o
oficial de Justiça afirmava que iria desocupar o imóvel e que voltaria com
reforço policial e um caminhão para cumprir o mandado de desocupação. A autora passou algumas horas com a angústia de ser desocupada
de sua moradia, até que depois de duas tentativas foi informada por um
funcionário da Caixa que a desocupação não seria mais feita. Alega ter
sofrido danos morais, pela angústia e vergonha que passou, em razão da
ameaça de ser desocupada da sua residência, da qual tinha certeza que
lhe pertencia. Alguns vizinhos presenciaram a discussão da autora com
o oficial de justiça. A CEF alega que o causador do dano foi o oficial
de justiça. Que ela não mandou fazer a desocupação. Em razão desses
fatos, requer a autora a procedência da ação para que a Caixa Econômica
Federal seja condenada a indenizar os danos morais, fundamentando seu
pedido com base no art. 159 e demais dispositivos aplicáveis à espécie.
O MM. Juiz sentenciante julgou procedente a ação, condenando a
ré ao pagamento, a título de danos morais, de R$ 1.500,00 (um mil e
quinhentos reais), corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento. Condenou, igualmente, em custas processuais e honorários
advocatícios, que fixou em R$ 300,00 ( trezentos reais).
Irresignada, alegou preliminarmente a CEF, a ilegitimidade passiva
da Caixa Econômica Federal, a inépcia da inicial. No mérito, aduz que
não foi causadora do dano, que não há nexo causal entre a sua conduta
e o dano moral sofrido pelos autores.
Refere a Caixa que é parte ilegítima na ação, uma vez que não foi
ela causadora do dano. Alega que não teve participação na atitude do
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Oficial de Justiça. Que este deveria pertencer ao pólo passivo da relação,
tendo em vista que foi ele quem provocou o constrangimento e angústia
sofridos pela autora.
Aduz que a inicial é inepta, em razão de os autores não terem feito um
pedido certo, sendo assim, careceria a ação, pois não há pedido líquido e
certo. Afirma que os autores não poderiam deixar a cargo do magistrado
a fixação do quantum da condenação.
Alega que não ficou provado o nexo causal entre a conduta da Caixa
e o dano sofrido pelos autores. Argumenta que, em nenhum momento,
a CEF ordenou tal procedimento do Oficial de Justiça e muito menos o
despacho do magistrado.
Por fim, espera a reforma da sentença, absolvendo a CEF da condenação imposta. Caso assim não se entenda, requer que seja reduzido o
valor da indenização em R$ 1000,00 ( mil reais).
A parte-autora, nas suas razões de apelação, requer a majoração da
condenação, tendo em vista que o valor arbitrado é ínfimo. Por conseqüência, requer a condenação da verba honorária no percentual de 20%
sobre o valor da condenação.
Após contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti: A assertiva da ilegitimidade
da CEF não procede, visto que por ato puramente negligente da Caixa
Econômica Federal foi ocasionada toda essa situação vexatória e angustiante pela qual passaram os autores. É óbvio que a ré não mandou
o magistrado despachar, nem o oficial de justiça cumprir o mandado.
Esses argumentos não consubstanciam em nada a defesa da ré, visto que
muito insuficientes.
O ato negligente da ré em não atualizar os dados referentes àquele
imóvel, quando o mesmo foi adjudicado pelos autores da ora ré, foi o
propiciador do fato da execução seguir seu trâmite, surtindo assim, a tentativa de despejo dos novos adquirentes, ora autores. Rejeito a preliminar.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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Nas ações de responsabilidade civil, onde se busca a recomposição dos
danos morais, não é necessário que o pedido seja certo e determinado,
ficando ao arbítrio do juiz, segundo seu bom senso, a justa quantificação
do dano. Sendo assim não é inepta a inicial.
Quanto ao mérito, as alegações de que não há nexo causal nem provas
que demonstrem o dano sofrido, tenho como improcedentes. O nexo
causal no caso em tese é irrefutável. Todos os constrangimentos vividos
pela parte-autora, a angústia de ser ameaçada de despejo, a recusa do
gerente da Caixa em explicar-lhe o que estava ocorrendo, a vergonha
que passou perante os vizinhos que transitavam pela rua e ficaram observando a discussão entre a autora e o oficial, presenciar seus filhos
chorando e não ter como acalmá-los; tudo isso causou um incômodo e
vexame incontestáveis. Tendo como única causadora a conduta negligente
da ré em não extinguir o processo de execução, tendo em vista que o
imóvel foi adjudicado pelos autores, estando a situação regularizada há
05 (cinco) meses.
No tocante à alegação que não há prova do dano, não merece prosperar, visto que como já consolidado na jurisprudência, o dano moral
prescinde de prova. A respeito disso, o Superior Tribunal de Justiça tem
firmado entendimento reiterado:
“Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor,
o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a
condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil” ( REsp nº
86.271/SP, 3ª Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 09.12.97).
No que tange ao quantum da indenização, tenho como correta a
quantificação, em razão da desocupação não ter-se efetivado e o fato
ter durado apenas algumas horas. Mantenho a sentença quanto aos
honorários sucumbenciais.
Voto, pois, no sentido de negar provimento ao recurso de apelação
da Caixa Econômica Federal e da parte-autora.
É o voto.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº
1999.71.04.003807-5/RS
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler
Apelante: Universidade de Passo Fundo
Advogado: Dr. Rodrigo Goldschmidt
Apelado: Santos Olavo Misturini
Advogados: Drs. Enio da Silva Barreto e outro
Remetente: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Passo Fundo/RS
EMENTA
Administrativo. Ensino superior. Exclusão do mestrado. Ampla defesa
e contraditório. Observância. Necessidade.
1. Mantida a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido,
decretando a nulidade do ato de exclusão do impetrante, pois não foi
observado o devido processo legal, ao impetrante não foi oportunizada
a ampla defesa e o contraditório.
2. Mesmo que a comissão não seja composta de juristas, deve ser
observado o devido processo legal na via administrativa, para que não
sejam aplicadas punições graves sem a devida apuração dos fatos.
3. Apelação e remessa oficial improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e á remessa oficial,
nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de abril de 2001.
Juíza Marga Barth Tessler, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler: Trata-se de mandado de
segurança contra ato do Reitor da Universidade de Passo Fundo que
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desligou o impetrante do mestrado em educação. Alega o impetrante que
o ato foi arbitrário, sem qualquer oportunidade de defesa.
A liminar foi indeferida.
A sentença julgou a lide da seguinte forma:
“(...)
Isso posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos vertidos na
inicial, extinguindo o processo com julgamento de mérito, para CONCEDER A SEGURANÇA no tocante à tese de nulidade do procedimento administrativo e de seu
ato conclusivo, que culminaram com o desligamento do impetrado do Programa de
Pós-Graduação e do Curso de Mestrado em Educação (...). Destarte, DECRETO a
nulidade do procedimento e ato administrativo supramencionados e ORDENO sejam
reestabelecidos integral e imediatamente, pela Universidade Federal de Passo Fundo,
todos os direitos do impetrante como aluno do referido curso, especialmente o de proceder à sua rematrícula neste semestre, ainda que já encerrado o período estabelecido
pela instituição educadora para tanto (...).
Destaco, ainda, a possibilidade de que a Universidade proceda à nova investigação
sobre os atos que reputa afrontantes à dignidade universitária, de acordo com o regulamento da instituição, desde que não desborde, para tanto, dos estritos lindes traçados
pela lei e pela Constituição (...). Deverá, assim, se persistir no desiderato de apurar
os fatos que reputa gravosos à imagem da instituição, proceder instaurando regular
processo administrativo contra o impetrado e proporcionando-lhe amplo direito de
defesa e contraditório.
Por fim, decreto a extinção do processo sem julgamento de mérito, forte no artigo
267, inciso IV, do CPC, no tocante ao pedido de reconhecimento da nulidade dos atos
de punição(repreensão e advertência), aplicados ao impetrante por força da relação de
trabalho que o liga à parte impetrada, em face da absoluta incompetência da Justiça
Federal para apreciar tal pretensão (...).
Prejudicada a análise e julgamento do pedido de imposição do acolhimento do
trancamento de matrícula do aluno-impetrante no curso de mestrado, em face da perda
de objeto do pleito (...).
Custas na forma da lei, sem divisão e compensação, à vista da sucumbência mínima
do impetrante (artigo 21, parágrafo único, do CPC). Sem honorários advocatícios (...)”.
O impetrante interpôs embargos de declaração, que foram rejeitados
pelo MM. Juízo a quo.
A Universidade de Passo Fundo apelou, dizendo que:
- a inicial deveria ter sido indeferida, pois a via mandamental não é a
adequada para a apreciação das alegações do impetrante. Ao contrário do
que entendeu a sentença, a questão do plágio da dissertação de mestrado
é extremamente importante para a solução da lide, matéria de fato que
exige dilação probatória. Com o ajuizamento da ação mandamental, foi
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prejudicado o direito de defesa da apelante, que teria como demonstrar
a ocorrência do plágio;
- a Universidade jamais alegou que os seus atos não eram suscetíveis
de apreciação pelo Judiciário. Apenas as considerações feitas nas informações foram desconsideradas, e a solução da lide foi dada apenas com
base em argumentos procedimentais;
- o impetrante não tem o direito líquido e certo pretendido, pois não
foi ocultado o fato de que estava sendo feita investigação sobre o já mencionado plágio. As reuniões serviram exatamente para o esclarecimento
da situação. O apelado é quem tentou impedir as investigações, deixando
de fornecer a documentação pertinente ao assunto. Por outro lado, não
se pode exigir na via administrativa o rigor formal da via judiciária.
Com contra-razões.
O Ministério Público Federal opinou pelo improvimento do recurso.
Feito sujeito a reexame necessário.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler: Em primeiro lugar, analiso
a preliminar de ausência de adequação da via eleita.
A Universidade de Passo Fundo pretende inserir no mandamus a
questão da ocorrência de plágio no projeto de dissertação de mestrado
do impetrante. Ocorre, entretanto, que a pretensão deduzida na inicial é
anterior, alega-se que todos os atos que envolveram a exclusão do impetrante foram arbitrários, sem o mínimo de formalidade, impossibilitando
a sua defesa.
A acusação de plágio não chega a ser discutida, pois a pretensão é
no sentido de que todos os atos sejam refeitos dentro do procedimento
exigido por lei. Logo, não há como afastar o direito à impetração de
mandado de segurança, existe um direito que, em princípio, pode ser
defendido em ação mandamental, qual seja, o direito ao devido processo
legal. Assim, correta a fundamentação da sentença sobre o tópico:
“(...) Os fatos (...) são incontroversos, sendo suficiente a prova documental constante
dos autos para a apreciação do objeto litigioso, pelo que está em pauta exame de direito
líquido e certo (...). Preenchido esse pressuposto básico, tenho por plenamente cabível
o mandado de segurança ora apreciado, não acedendo razão à autoridade dita coatora,
quando afirma, em suas informações, não ser possível admitir-se o writ no caso por
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estar pleiteando, a parte impetrante, provimento de cunho declaratório e condenatório
(...). Ocorre que do exposto na exordial deflui claramente sua intenção de que seja
apreciado – e, obviamente, revogado – ato que entende afrontante ao seu direito, que
tem por líquido e certo. Ora, se no comum das ações não se justificaria o indeferimento
da inicial nestas circunstâncias, em prejuízo dos princípios da economia, celeridade e
utilidade processual, na presente ação, que é de índole constitucional, com mais razão
se torna imperioso prestigiar o fim útil do processo, em detrimento da forma, extraindo
de toda a exposição realizada ao longo da peça inaugural, e não só do pedido formal
(...), a real pretensão do autor, que, no caso, é inequivocamente mandamental – em que
pese a inadequação dos verbos utilizados nos requerimentos finais (...)”
Fica muito clara a pretensão da parte impetrante, expedição de uma
ordem para o desfazimento de todas as penalidades impostas, possibilitando a continuidade do mestrado. O cunho mandamental do provimento
requerido é indiscutível. O fato de ter havido requerimento de provas é
irrelevante, pois o que interessa para a delimitação da lide são os fatos
narrados, dos quais surgirá a defesa.
Por outro lado, mesmo no âmbito do direito administrativo as punições
só podem ser aplicadas após a realização de um procedimento mínimo,
assegurando direito ao contraditório e à ampla defesa. E esta ação foi
ajuizada para discutir se houve obediência a esse mínimo legal ou se
a penalidade foi aplicada sem que houvesse oportunidade de defesa.
Trata-se, evidentemente, de uma discussão anterior à ocorrência do ato
imputado, qual seja, o plágio. Deve, portanto, ser rejeitada a preliminar.
Sobre o mérito, e aproveitando o que foi dito acima, discordo das
razões de apelo no ponto em que diz ser desnecessário observar formalidades. Certamente, o procedimento administrativo não tem todos os
requisitos e formalidades do procedimento judicial, nem é impulsionado
por juristas, mas, assim mesmo, deve respeitar o regimento e na ausência
deste, algumas regras básicas, para que não sejam cometidas arbitrariedades. Como bem salienta a inicial, o procedimento de investigação deve
ser iniciado mediante uma portaria, uma sindicância, de maneira formal
e com a devida publicidade.
A documentação trazida aos autos merece algumas considerações.
Na fl. 104, há cópia de uma correspondência enviada ao impetrante
em outubro de 1998, na qual ele é convocado para “tratar de assuntos
referentes a seu projeto de dissertação de mestrado”. O processo não
contém o teor dessa reunião. Já na correspondência cuja cópia está na
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fl. 105, o apelado foi novamente convocado para uma reunião, dessa vez
para “tratar do seu pedido de trancamento de Curso”. A ata da reunião
do dia 10 de março de 1998 foi juntada pela Universidade nas fls.142 e
seguintes. Transcrevo alguns trechos:
“(...) Reunimos para discutir a seguinte pauta: processo de trancamento do aluno
professor Santos O. Misturini e entrega do material (...). O coordenador da reunião, Prof.
Dr. Jaime Giolo, passou a relatar os fatos que envolvem o trabalho de texto destinado
para o exame de qualificação do aluno Santos Olavo Misturini, o relatório, na íntegra,
é o seguinte: Durante o segundo semestre de 1998, o aluno do curso de mestrado em
Educação da Universidade de Passo Fundo (...) entregou à sua orientadora, professora
doutora Maria Helena Bastos, o texto ‘Centralização e municipalização na gestão da
educação pública’, como sendo o primeiro capítulo do texto destinado para o exame de
qualificação. Na análise do documento, a professora orientadora detectou indícios de
cópia na principal parte do texto (...) apresenta um estilo redacional muito diferente do
restante (...). A primeira parte do referido texto não apenas difere da segunda parte, mas
também do próprio estilo do autor, manifestado em redações anteriores. Informado, o
coordenador do curso (...) reuniu a Comissão de Pós-Graduação do programa (CPG)
e a professora orientadora para analisar a questão. Na ocasião, a CPG e a professora
orientadora acharam por bem convocar o aluno (...) através do ofício datado de vinte
e dois de outubro de um mil novecentos e noventa e oito, para prestar esclarecimentos
sobre o assunto. A reunião entre a CPG, a professora orientadora e o aluno aconteceu
no dia vinte e oito de outubro (...). Colocado a par da situação, o aluno inicialmente
afirmou ser o autor do texto, mas aos poucos, face às (...) evidências apontadas pela
professora orientadora e pelos membros da CPG, passou a admitir que havia efetivamente tomado trechos de outros autores para compor o seu próprio texto, não fazendo,
porém, as devidas referências bibliográficas. A CPG e a professora orientadora insistiram para que fosse indicada a obra donde as passagens haviam sido tiradas. O aluno
alegou não se lembrar, no momento, das fontes utilizadas. Diante do fato (...) deram
até a segunda-feira seguinte, dia dois de novembro (...) para que o aluno entregasse o
material que serviu de base para o seu texto. O aluno (...) decidiu não fornecer (...) as
informações solicitadas (...) encaminhando, por sua vez,(...) solicitação de trancamento
do curso por um ano, a contar de primeiro de dezembro de um mil novecentos e noventa
e oito, alegando problemas de saúde (...). Em resposta, a CPG informou ao aluno (...)
que seu pedido de trancamento somente seria analisado depois da entrega do material
solicitado (...). Recusando-se a fornecer o material, o aluno (...) protocolou (...) novo
pedido de trancamento de curso, solicitando também que a ‘contradição (...) evidenciada no texto’ fosse considerada posteriormente como parte integrante do processo (...)
ensino aprendizagem. Buscando esclarecer o assunto, a CPG empreendeu uma série de
buscas bibliográficas até localizar o livro que serviu de fonte para o referido texto.(...)
O confronto dos textos indica que de fato o aluno (...) copiou partes (...) substanciais
do livro de L. Dowbor, adulterando, inclusive, determinados dados fornecidos pelo
autor (...). O conteúdo do relatório foi posto em discussão (...) solicitou esclarecimentos
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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ao aluno sobre o fato em questão, declarando este que nada iria referir. O prof. Jaime
insistiu para que o aluno (...) se pronunciasse sobre o assunto. Este manteve-se firme
na posição de não falar (...). Os presentes insistiram mais uma vez para que o aluno
prestasse esclarecimento. O aluno reconheceu que o texto em análise, exibido na reunião, era de sua lavra. O coordenador (...) apresentou o livro de Ladislau Dowbor (...)
e passou a mostrar página por página, a coincidência literal entre o livro e o texto (...).
Perguntado se conhecia o autor, o aluno disse que sim, mas negou conhecer o livro,
argumentando que o material utilizado, embora sendo do mesmo autor, foi extraído
de outros livros e revistas. O coordenador argumentou que o trabalho do aluno (...)
reproduz integralmente trechos e até títulos do livro apresentado.(...) O aluno Santos
colocou-se à disposição para refazer o trabalho, dizendo que gostaria de ter uma
chance. O professor (...) Muhl referiu a gravidade do fato (...) do aluno ser também
professor do curso de Pedagogia (...) o coordenador afirmou que havia notícias de que
o texto do aluno poderia ter sido compilado por um terceiro (...). O aluno (...) passou a
relatar o que segue: face às dificuldades de agradar a orientadora com os textos de sua
própria lavra, considerou que deveria contratar os serviços de uma terceira pessoa para
escrever seus trabalhos acadêmicos. A prof. Maria Helena negou qualquer dificuldade
de relacio­namento pessoal ou acadêmico, indicando ainda que esta não era a primeira
vez que o aluno entregava trabalhos com indícios de plágio. (...)”
O que se pode observar, primeiramente, é que, não obstante o apelado
soubesse que havia desconfianças em torno da lisura de seu trabalho, foi
convocado para essa reunião para tratar do pedido de trancamento do
curso, não havendo qualquer referência às supostas irregularidades. Os
responsáveis pelo setor de Pós-Graduação e Mestrado aproveitaram a
oportunidade para tentar esclarecer outros fatos. Mais ainda: o impetrante
confessou o alegado plágio, tanto que a ata acima transcrita registra a insistência da comissão, que inclusive condicionou a apreciação do pedido
de trancamento ao esclarecimento dos fatos. O objetivo era evidente, o
que se pretendia era a confissão, e não apenas que o apelado entregasse
materiais. Se os membros da comissão tinham o trabalho do aluno e
acharam o livro do qual havia sido extraído o texto, que outro material
haviam de solicitar? Era só instalar formalmente a comissão de inquérito
e comunicar o fato ao impetrante, abrindo-lhe prazo para a defesa.
É preciso enfatizar que realmente os estabelecimentos de ensino têm
o dever de zelar pela correta formação de seus alunos. O mestrado é
um curso de muita importância, pois dele sairão os futuros professores,
aqueles que terão a nobre missão de transmitir o conhecimento aos graduandos. Evidente que alguém que se propõe a trilhar tal curso precisa
ter nível de conhecimento não apenas em relação ao assunto que será
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
tema de sua dissertação, mas também deve ter domínio da língua, deve
saber expressar-se com certa desenvoltura. Tudo isso influi sobremaneira na qualidade do futuro professor, no nome que terá o curso de
mestrado e, principalmente, irá ser decisivo na qualidade dos futuros
profissionais que serão ensinados pelos mestres que saem desses cursos.
Trata-se de um ciclo, e é louvável a iniciativa da Universidade em tentar
coibir práticas que venham a denegrir a imagem do curso de mestrado,
comprometendo, indiretamente, a qualidade do ensino como um todo.
Justamente no mestrado em Pedagogia do ensino flagra-se uma atitude
profundamente distante da ética e do aprendizado, com razão a Universidade ao se indignar.
A Universidade, com razão, salienta a gravidade dos fatos envolvendo
o impetrante, dizendo que não pode ser obrigada a adotar um procedimento com excessivo rigor formal.
Ocorre, entretanto, que justamente os fatos mais graves são aqueles
que exigem mais cautelas na sua apuração, pois certamente a punição
também será muito grave, como no caso, a exclusão do curso.
O ordenamento jurídico, a Constituição Federal de 1988, traz exigências mínimas, procedimentos que não podem ser preteridos, sob pena de
aplicar-se uma penalidade gravíssima sem oportunidade de defesa. Na
hipótese em análise, se a Comissão pretendia ir a fundo na investigação
sobre a lisura do trabalho do impetrante, tinha não só o direito, mas o
dever de fazê-lo, desde que pelo procedimento correto, dando ao aluno a
mais ampla oportunidade de defesa. E não há como dizer que na reunião
acima transcrita foi dada essa oportunidade. É fácil perceber que se tratou
de um verdadeiro interrogatório, e não exatamente uma oportunidade de
esclarecimentos. O impetrante sequer foi devidamente intimado a prestar
esses esclarecimentos, já que a notificação aludia somente ao pedido de
trancamento do curso.
O ato de desligamento, por sua vez, está fundamentado:
a) no art. 7º, r, do Regimento Geral dos Programas de Pós-Graduação
Strictu Sensu da UPF:
“(...)
Art. 7º - Cabe à CPG:
(...)
r – resolver, dentro das atribuições legais, os casos omissos, ad referendum das
instâncias superiores.
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(...)”
b) no art. 3º, § 5º, r, do Regimento do Curso de Mestrado em Educação:
“(...)
Art. 3º - (...)
§ 5º - São atribuições da CPG:
(...)
r - resolver, dentro das atribuições legais, os casos omissos, ad referendum das
instâncias superiores.
(...)”
c) nos arts. 188 e 189, V, do Regimento Geral da UPF:
“(...)
art.188 – Os alunos da Universidade estão sujeitos às seguintes penalidades:
I – advertência;
II – repreensão;
III - suspensão de atividades escolares até oito (8) dias;
IV - suspensão de atividades escolares por trinta (30) ou mais dias;
V - desligamento.
(...)
art. 189 – As penas previstas no artigo anterior aplicam-se na forma seguinte:
(...)
V – desligamento:
a – por grave desacato à autoridade do Reitor, do Diretor da Unidade, do Superintendente do Campus, do Chefe de Departamento, de qualquer membro do corpo docente
ou de funcionário universitário;
b – por prática de atos atentatórios à ordem pública em virtude de condenação
criminal, transitada em julgado;
c – por prática de atos incompatíveis com a dignidade universitária.
(...)”
Por outro lado, o Regimento do Curso de Mestrado em Educação,
162
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
juntado nas fls. 73 e seguintes, é bem claro, arrola, no art. 16, as hipóteses
de exclusão do curso:
“(...)
art. 16 – O aluno será desligado do curso caso ocorra uma das seguintes hipóteses:
a) se obtiver conceito ‘D’ em qualquer atividade repetida;
b) se exceder o prazo de conclusão estabelecido no art. 3º;
c) se for reprovado duas vezes no exame de qualificação;
d) se não efetuar a matrícula no prazo estabelecido;
e) se tiver obtido conceito ‘C’ em mais de 50% das disciplinas realizadas para
integralizar o curso;
f) se não aprovado na argüição final da dissertação.
(...)”
A apelante quis, com certeza, enquadrar a atitude do aluno como
incompatível com a dignidade universitária. É óbvio que esses “atos
incompatíveis com a dignidade universitária” encerram conceitos indeterminados, têm uma abrangência muito grande, várias atitudes estariam
incluídas nesse conceito. Importante, então, assegurar-se a ampla defesa
e o contraditório nesses casos. A verdade somente é alcançada com o
amplo exercício do devido processo legal na via administrativa. O fato
de a Comissão não ser composta de juristas de forma alguma significa
que não devam ser observados os princí­pios constitucionais gerais que
regem o ato administrativo, como a legalidade, a publicidade, a tipicidade, a moralidade etc.
Assim, não obstante entender as razões e a preocupação da apelante,
compreender que seus motivos são os mais nobres, não há como dar
guarida a um ato de desligamento sem a possibilidade de defesa do mestrando. Os fatos devem ser corretamente apurados, para depois ocorrer a
punição. Deve, portanto, ser mantida a sentença que, inclusive, preservou
o direito de a Universidade prosseguir nas investigações, o que poderá
ser feito de imediato, sem aguardar o trânsito em julgado desta decisão.
Isso posto, nego provimento ao apelo e à remessa oficial.
É o voto.
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163
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.00.027279-6/RS
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb
Apelante: União Federal
Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams
Apelada: Vera Regina Baltar Garcia
Advogados: Drs. José Luis Wagner e outros
Dr. Humberto Acacio Trez Seadi
Drs. Lauro Wagner Magnago e outros
Remetente: Juízo Federal da 5ª Vara Federal de Porto Alegre/RS
EMENTA
Administrativo. Constitucional. Auditores fiscais aposentados e pensionistas. Gratificação de Desempenho de Atividade Tributária - GDTA.
Supressão. MP 1915-1/99. Arts. 5º, caput, e 40, § 8º, CF/88. Direito
reconhecido.
. A supressão da GDAT dos proventos dos inativos pela MP 19151/99 traduz redução de parcela remuneratória de ordem geral vinculada
ao simples exercício do cargo de todos os auditores fiscais, devendo
ser resguardado o direito dos aposentados e pensionistas que a vinham
percebendo por força da MP 1915-1/99, porque o art. 40, § 8º, da CF/88
assim o determina. Precedente do STF na SS nº 1.882-5-DF.
. Critério que estabelece discriminação entre os próprios inativos, ao
reservar a percepção da vantagem apenas àqueles cuja aposentadoria
é posterior a 30.06.99, sem que, para tanto, haja diversidade quanto às
condições fáticas ocorridas quando da concessão da aposentadoria ou
pensão.
. Sentença mantida, inclusive quanto aos consectários legais, com
redução dos honorários para 10% sobre o valor da condenação, na esteira dos precedentes da Turma, estabelecido o prequestionamento pelas
razões de decidir.
. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.
ACÓRDÃO
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Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido em parte o Juiz Amaury Chaves de Athayde
quanto aos honorários advocatícios, dar parcial provimento à apelação
e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de março de 2001.
Juíza Silvia Goraieb, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb: Trata-se de ação ordinária com
pedido de tutela antecipada, ajuizada por pensionista do Ministério da
Fazenda, objetivando a inclusão, nos seus proventos, da parcela denominada Gratificação de Desempenho de Atividade Tributária, nas mesmas
condições em que são pagas aos servidores em atividade.
Em contestação, a União alegou, em síntese, que a autora não tem
direito ao que pretende, um vez que a Administração agiu dentro da
legalidade, cumprindo o disposto na Medida Provisória nº 1.915-1/99,
não ofendendo direito líquido e certo.
Sobreveio sentença, onde o MM. Juízo a quo julgou procedente a
ação para condenar a ré ao pagamento dos proventos da pensão da autora sem aplicar o disposto no art. 16, § 5º, da MP 1.915/99, corrigidas
as diferenças desde quando devidas pelas ORTN, OTN, BTN, INPC,
IPC-r e IPC, mais os expurgos inflacionários de janeiro de 1989, março,
abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991 e juros de mora de 12% ao ano
calculados até o depósito da integralidade do débito. Fixou os honorários
advocatícios em 20% sobre o valor da condenação.
Apelou a União, repisando os argumentos dispendidos na contestação
quanto ao mérito e postulando a redução dos juros de mora para 6% ao
ano e dos honorários advocatícios.
Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
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A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb: Discute-se nos autos o direito
dos inativos à percepção da Gratificação de Desempenho de Atividade
Tributária instituída pela Medida Provisória nº 1.915-99, art. 7º, aos
integrantes da carreira da Auditoria da Receita Federal com base no art.
40, § 8º, da Constituição de 1988.
Em sua primeira edição, em 30.06.99, previa a norma provisória,
no art. 11, a aplicação da vantagem aos proventos de aposentadoria e
às pensões, sendo que a reedição, de 06.07.99, restringiu o direito nos
seguintes termos:
“Art. 16. Fica instituída a Gratificação de Desempenho de Atividade Tributária –
GDAT, devida aos integrantes da Carreira Auditoria da Receita Federal, Carreira Auditoria Fiscal da Previdência Social e Carreira Fiscalização do Trabalho, no percentual
de até cinqüenta por cento, incidente sobre o vencimento básico do servidor.
...
§ 5º O disposto neste artigo não se aplica às aposentadorias e pensões concedidas
até 30 de junho de 1999 a servidores da Carreira de Auditoria da Receita Federal e,
até 30 de julho de 1999, a servidores da Carreira da Auditoria Fiscal da Previdência
Social e Carreira Fiscalização do Trabalho.”
Inegável que o fundamento jurídico invocado é consistente, pois a
regra constitucional antes citada determina que sejam estendidos aos
aposentados e pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens concedidos
aos servidores em atividade.
Não se oponha à pretensão declinada na inicial o argumento de que a
GDAT é gratificação de produtividade e, por isso, não poderia ser aplicada
aos proventos e pensões, porque impossível auferir a produtividade de
inativos e pensionistas.
É que, ao contrário do alegado, a vantagem em comento configura
parcela remuneratória de ordem geral, ou seja, está diretamente vinculada
ao simples exercício do cargo de todos os auditores fiscais, tanto que a
Medida Provisória, em sua primeira edição, estabelecia sua aplicação
também aos inativos.
Mesmo que assim não fosse, obstáculo desta natureza foi afastado
pelo Supremo Tribunal Federal que decidiu no RE nº 117.073-2-SP, Rel.
Min. Marco Aurélio, DJ 12.03.99, nos seguintes termos:
“PROVENTOS DA APOSENTADORIA - VANTAGENS DO PESSOAL ATIVO
– PARCELA VARIÁVEL PELA PRODUTIVIDADE – AGENTE FISCAL DE REN-
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DAS – SÃO PAULO. A circunstância de ter-se parcela calculada a partir de parâmetros
alusivos à produtividade não afasta o direito dos inativos. O preceito no § 4º do artigo
40 da Constituição Federal revela a isonomia na plenitude maior, contemplando todo
e qualquer benefício.”
Por outro lado, cumpre considerar que, além de violar o art. 40, § 8º,
da CF/88, a norma impugnada afronta o art. 5º, caput, na medida em que
estabelece discriminação entre os inativos, ao reservar a percepção da
vantagem apenas àqueles cuja aposentadoria é posterior a 30 de junho de
1999, sem que para tanto haja qualquer diversidade quanto às condições
fáticas ocorridas quando da concessão da aposentadoria.
Seja qual for o aspecto considerado, é certo que a supressão contida
na MP 1.915-1/99 não pode ser tolerada, sob pena de atingir direitos
assegurados na Constituição.
A propósito, o Min. Carlos Velloso, na SS nº 1.882-5-DF, assim se
manifestou:
“A Medida Provisória nº 1.915, em sua redação primitiva, consignou, em seu artigo
11, que ‘o disposto nesta Medida Provisória produz efeitos financeiros a partir de 1º
de julho de 1999 e aplica-se aos proventos de aposentadoria e às pensões’. Entretanto,
em sua reedição, em 29 de julho de 1999, houve a inserção, dentre outros dispositivos,
do artigo 16, que em seu parágrafo 5º determinou que ‘o disposto neste artigo não se
aplica às aposentadorias e pensões concedidas até 30 de junho de 1999, a servidores
da Carreira da Auditoria da Receita Federal e, até 30 de julho de 1999, a servidores da
Carreira da Auditoria Fiscal da Previdência Social e Carreira Fiscalização do Trabalho’.
Assim, entendo que o Magistrado a quo apenas preservou uma situação inaugurada
com a edição da primeira Medida Provisória, em 29 de junho de 1999, que previa,
expressamente, a extensão das modificações introduzidas na Carreira Auditoria Fiscal
aos inativos e pensionistas, que inclusive se apresentava de acordo com o artigo 40,
parágrafo 8º, da Constituição Federal.
Ademais, não há que se falar que inexiste redução de salário na hipótese, porquanto houve extensão da vantagem aos inativos e pensionistas, na primeira redação da
Medida Provisória, que foi excluída das edições posteriores, inclusive com restrições
de ordem temporal.
A situação reclama cuidadosa análise, a fim de que não se transforme em periculum in mora inverso, já que as verbas aqui tratadas se revestem do caráter alimentar,
recomendando, por isto mesmo, a subsistência do ato decisório atacado.”
Assim, procede o pedido.
Juros de Mora:
O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que o percentual cabível
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a título de juros moratórios em débitos relativos aos vencimentos de servidores públicos é de 1% ao mês nos termos do art. 3º do Decreto-Lei nº
2.322/67, visto que tais prestações têm caráter eminentemente alimentar:
“PROCESSO CIVIL. JUROS. DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO E DE PROVENTOS. 28,86%.
No cálculo das diferenças de remuneração e de proventos devidos a servidores
públicos devem incidir juros moratórios na taxa de 1,0% ao mês, em face da natureza
alimentar da dívida. Precedentes do STJ.
Recurso conhecido e provido.” ( STJ, 5ª Turma, REsp 195964/SC, Rel. Min.
Gilson Dipp, DJ de 15.03.99, p. 283)
“PROCESSO CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. Decreto-Lei 75/66. DEL 2.322/87.
1. Sobre as diferenças resultantes do pagamento de reajuste nos vencimentos de
servidores federais devem incidir juros moratórios calculados à taxa de 1% ao mês,
em face da natureza alimentar da dívida.
2. Recurso conhecido e provido.” (STJ, 6ª Turma, REsp 175827/SC, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ de 07.12.98, p. 116)
Através da 3ª Seção, o entendimento restou pacificado naquela Corte,
no julgamento dos Embargos de Divergência 58.337/SP, cujo acórdão foi
ementado pelo Eminente Ministro Fernando Gonçalves nos seguintes
termos:
“ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. COMPLEMENTAÇÃO. DÉBITO.
JUROS MORATÓRIOS. TAXA.
1. Incidem juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês sobre dívida resultante
de complementação de aposentadoria, em face de sua natureza salarial. Não tem relevância eventual distinção entre débito de índole estatutária ou trabalhista, pois ambas
são de cunho eminentemente alimentar, sendo que quanto a esta última a taxa de 1%
(um por cento) é fixada pelo art. 3º, do Decreto-Lei nº 2.322, de 26 de fevereiro de
1967. Solução igual para situações idênticas.
2. Precedentes do STJ - REsp nº 5.657/SP- interpretação magnânima.
3. Embargos rejeitados.” (EREsp 58.337/SP, Rel. p/ ac. Min. Fernando Gonçalves,
DJ de 22.09.97. RSTJ 104:375-386)
A possibilidade de aplicação das disposições do Decreto-Lei nº
2.322/87, que regula os débitos de origem trabalhista, deve-se ao fato
de que as dívidas de salários, pensões, proventos de aposentadoria e
benefícios previdenciários são típicas dívidas de valor em razão de sua
natureza alimentar. Assim, com amparo no art. 5º da Lei de Introdução
ao Código Civil, impõe-se a adoção dos juros de mora de 1% ao mês,
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observando-se que também quanto à correção monetária das dívidas de
valor, em razão da sua relevância e finalidade, firmou-se a construção
jurisprudencial - hoje amplamente aceita nos Tribunais do País - que
determina sua incidência a partir do momento em que deveria ter sido
efetuado o pagamento.
Fica mantida, portanto, a sentença no tópico.
Sucumbência:
Os honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação, são reduzidos para 10% na esteira dos precedentes da Turma, que
entende adequado tal percentual para ações desta natureza.
Prequestionamento:
O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido,
pelas razões de decidir, o que dispensa consideração a respeito, vez que
deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado.
Em face do exposto, dou parcial provimento à apelação e à remessa
oficial.
É o voto.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: Peço vênia para divergir
da eminente Relatora no tocante ao trato dado aos honorários advocatícios. Confiro.
Ao fixar-se a honorária advocatícia sobre o valor da condenação,
porém, sem que se definam os correspondentes contornos, nos casos
em que a condenação mesma consubstancia o cumprimento de obrigação pecuniária, de trato periódico, sucessivo e ilimitado, a meu sentir,
incorre-se em imposição excessiva lançada contra o devedor, formada
a modo absolutamente indevido, eis que em situação cuja causa não se
lhe pode atribuir. Assim é porque, de fato, ao litigante em processo judicial não é dado responder pelo tempo transcorrido até a final solução
do litígio — senão nos casos de condutas típicas sujeitas a cominações
legais próprias, de que não se cuida in casu — e de definitiva resolução
de sua obrigação, enquanto se sirva regularmente dos meios de defesa
que a lei lhe garante.
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É o que se dá, máxime quando o obrigado é ente fazendário, ao qual,
ademais dos instrumentos de proteção de manejo voluntário, socorre o
sistema de duplo grau de jurisdição oficial. Afirmo-o tendo por induvidoso que subordinado a tal equação, ao devedor não se há de carregar
honorária advocatícia crescente em agravação progressiva.
Fosse de outra forma, estar-se-ia a alcançar situação carente da mais
mínima razoabilidade, data maxima venia. Tal ocorreria, para exemplificar, na hipótese de reexame — por força de recurso voluntário ou
oficial — de imposição sentencial de parcela indevida contra a Fazenda
Pública. Por indevida mesmo, tal parcela haveria de ser excluída na
quadra recursal, com provimento, pois, do recurso. Inobstante efeito
reverso, até aí estaria a progredir a ampliação da honorária, porquanto
periódica e constantemente ampliando-se a sua base, assim prosseguindo
adiante, até o total pagamento em regime constitucional de precatório.
É claro que não se pode contemplar esse elastecimento. Bem por
isso, a delimitação da base dos honorários advocatícios, no caso, eu a
tenho por absolutamente necessária. E para fazê-lo, vejo amparo legal
no Código de Processo Civil, quando dispõe sobre a fixação do valor da
causa, válida a transcrição do seu:
“Art. 260. Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma
prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo superior a
1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações.”
Não fora o suficiente, impõe-se notar que neste momento está apenas
a se cuidar de honorários da sucumbência no processo de conhecimento.
Por isso, não se pode omitir consideração ao fato de que, em oportuna
eventual execução no julgado, honorários próprios do processo executivo, com base então no valor atual em execução, ainda haverão de ser
contemplados forte no artigo 20, parágrafo 4º, in fine, do Código de
Processo Civil, remansosa a melhor jurisprudência, bastante representativos os julgados do egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante
os arestos a seguir:
“EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. HONORÁRIOS.
A execução de título judicial constitui processo autônomo, sendo devidos honorários advocatícios, ainda que não tenham sido opostos embargos. Recurso conhecido
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e provido.” REsp nº 159.845/RS, Rel. Min. COSTA LEITE, 3ª Turma, unânime, DJU
08.02.99, p. 277.
“EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
CABIMENTO.
Na execução por título judicial, é cabível a fixação de honorários advocatícios,
ainda que não embargada. Precedentes da Quarta Turma.
Recurso especial conhecido e provido.” REsp nº 141.013/RS, Rel. Min. BARROS
MONTEIRO, 4ª Turma, unânime, DJU 14.12.98, p. 245.
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO.
São devidos honorários na execução por título judicial ou extrajudicial, embargada
ou não, consoante a nova letra do § 4º do art. 20 do CPC.
Recurso conhecido e provido.” REsp nº 140.448/RS, Rel. Min. GILSON DIPP, 5ª
Turma, unânime, DJU 18.12.98, p. 374.
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 20, § 4º, DO CPC.
1 — Na execução fundada em título judicial são devidos os honorários advocatícios.
Precedente: REsp nº 140.403-RS, Corte Especial.
2 — Embargos de divergência rejeitados.” EREsp nº 159.291/RS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, 3ª Seção, unânime, DJU 14.12.98, p. 92.
Assim, e tomando por baliza a disposição pertinente (CPC, art. 260),
os honorários, à conta da parte vencida, reduzido o percentual para 10%
sobre o valor da condenação, delimitada essa base no somatório das
prestações vencidas ao tempo do aforamento da ação, mais uma anualidade de prestações então vincendas, com correção monetária e os juros
moratórios incidentes.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso voluntário e à
remessa oficial, com o fito de reduzir a verba honorária para 10% sobre
o valor da condenação, fixados em base delimitada.
É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.001996-0/SC
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales
Apelantes: Elmo Borkert e outros
Advogado: Dr. Homero Flesch
Apelado: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA
Advogados: Dra. Lúcia Helena Bertaso Goldani
Dr. Roberto Porto
EMENTA
Constitucional. Administrativo. Processo Civil. Desapropriação direta. Regularização fundiária. Retitulação às expensas do estado de Santa
Catarina. Cerceamento de defesa inexistente. Indenização não-devida.
Manutenção da extinção do processo sem julgamento do mérito, nos
termos do art. 267, inc. VI, do CPC. Honorários advocatícios devidos
pelos expropriados. Redução. Possibilidade.
1. Por convênio firmado entre o INCRA e o Estado de Santa Catarina
os expropriados foram retitulados às custas daquele Estado.
2. Em contrapartida, os expropriados, retitulados, outorgaram ao Estado de Santa Catarina procuração, por instrumento público, cedendo seus
direitos de indenização, decorrentes da desapropriação. Assim, o Estado
de Santa Catarina se sub-rogou ao preço da indenização no processo de
desapropriação.
3. À época em que contestaram a presente ação, os expropriados já
estavam de posse do título de propriedade fornecido pelo INCRA há
mais de 9 anos.
4. Ao cederem os direitos relacionados à indenização ao Estado de
Santa Catarina, os expropriados não têm legitimidade processual para
contestar o valor da indenização referente aos imóveis desapropriados.
5. A presente ação não comporta discussão sobre possíveis vícios que
maculariam as procurações concedidas pelos expropriados ao Estado de
Santa Catarina.
6. De mais a mais, procurações feitas por instrumento público gozam
de presunção juris tantum de validade e na ação de desapropriação não
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cabe nenhuma discussão além da fixação do justo preço.
7. Considerando que os expropriados são pequenos proprietários
rurais e por não se lhes atribuir qualquer possível má-fé, os honorários
advocatícios são reduzidos para R$ 500,00, para cada expropriado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos
do relatório e notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 16 de novembro de 2000.
Juíza Luiza Dias Cassales, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales: Da r. sentença que extinguiu
o processo sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC,
e condenou os expropriados ao pagamento de honorários advocatícios,
arbitrados em R$ 5.000,00 para cada um, sob o fundamento de que os
expropriados cederam os direitos relacionados à indenização do imóvel,
foi interposto recurso de apelação.
Em suas razões de recurso, os recorrentes argúem o cerceamento de
defesa, tendo em vista que não lhes foi propiciada oportunidade para
comprovarem que foram forçados a outorgar procuração ao Estado de
Santa Catarina. Afirmam que o INCRA denunciou o convênio realizado
com o Estado de Santa Catarina, o que, por si só, revoga as procurações
concedidas pelos recorrentes. Reporta-se à situação dos expropriados
Armando Rieger e Outros. Tece considerações sobre o processo de
desapropriação e sua finalidade. Finalmente, requer a redução da verba
honorária.
Juntou documentos, que, obviamente, não poderão ser objeto de exame
em grau de recurso.
O INCRA, em contra-razões, requer a condenação dos recorrentes
em litigância de má-fé.
O douto Procurador Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso.
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É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Luiza Dias Cassales: Esta ação de desapropriação
foi ajuizada em 29 de julho de 1976, com o objetivo único de:
“. . . permitir a regularização fundiária da área delimitada no decreto expropriatório.”
A razão da necessidade de regularização fundiária da área vem expressa na inicial da forma seguinte:
“. . . trata-se de região com elevada incidência de minifúndios, em que, inclusive,
ocorreu, em grande escala, duplicidade de registros imobiliários, eis que diversas
empresas ali efetuaram alienação a terceiros, levadas à transcrição no Registro de Imóveis. Assim, constituindo uma verdadeira colcha de retalhos, milhares de propriedades
surgiram na área, inclusive com intrusão de não proprietários, formando um quadro
de tensão social que obrigou o Governo Federal a tomar as providências necessárias
à desapropriação.”
E, a seguir, consta da inicial:
“. . . uma vez concretizada a desapropriação, o Autor promoverá as medidas
necessárias a que sejam titulados realmente aqueles que estão na posse das terras,
eliminando-se assim o elevado contingente dos que simplesmente possuem títulos de
propriedade (muitas vezes duvidosos), sem qualquer ligação de trabalho, ou social,
com as glebas propriamente ditas. Por essa razão, a desapropriação que se propõe não
abrange as benfeitorias porventura existentes nos lotes, eis que serão, exatamente,
aqueles aos quais elas pertencem que receberão, a final, a propriedade do solo.” (grifei)
Destaquei esses trechos da inicial para deixar bem clara a finalidade
da desapropriação, qual seja, a de, por meio de retitulação, promover
a regularidade da situação fundiária, fazendo com que, no caso de duplicidade de titulação, prevaleça, por meio da retitulação, o título de
quem está na posse da terra. Por isso, a maioria dos desapropriados, na
verdade, não perderam suas propriedades por força da desapropriação,
apenas tiveram regularizados seus títulos de domínio.
Como nada perderam, em meu entender, nada, além de um título firme,
poderão pretender ganhar, sob pena de enriquecimento ilícito.
Esta desapropriação foi proposta contra mais de 3.000 proprietários,
arrolados na relação das fls. 12 até 86 dos autos, daí por que foi necessário
o desmembramento do processo inicial.
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Como conseqüência de desmembramento, nestes autos, apenas está
em julgamento a situação dos expropriados Elmo Bockert, Edgar Bailke,
Norberto Bock, Guido Blank, Silvino Bier, Alziro Goldberk, Rudolpho
Buss, Nelson Maximo Nicaretta, Oreste Rabaioli, José Bruno Gabriel,
Mindo Orlando Henkel, Mathias Miotto, Hubert Neitzel, Hermínio Maldaner, Arlindo Altmann, Valentim Müller, Pedro da Costa, Alfredo Ilvo
Kich, Lindolfo E. Heller (fl. 213).
O desmembramento foi determinado por despacho de 23 de junho
de 1998 (fl. 184).
Em 15 de junho de 1998, os expropriados, acima nominados, apresentaram contestação. Rebelaram-se contra a avaliação de seus imóveis e
pediram juros moratórios, compensatórios e 40% a título de compensação
pelo deságio das TDAs. Omitiram o fato de ainda estarem, ou não, na
posse da terra e de terem, ou não, sido retitulados.
Todos eles apresentaram títulos de domínio de data anterior à propositura desta ação de desapropriação.
O INCRA contraditou a contestação.
Após destacar que o objetivo desta desapropriação foi a regularização
fundiária do perímetro do imóvel de Pepery, com 51.000 ha, situado nos
municípios de Mondaí, Descanso e Ipiranga, e que todos os expropriados
contestantes foram devidamente retitulados nas mesmas propriedades
das quais haviam sido desapropriados, tendo em vista que delas tinham
a posse, que, aliás, nunca perderam, informa que a retitulação foi feita
às custas do Estado de Santa Catarina, tendo em vista Convênio firmado
com o INCRA. Por força do que foi conveniado, o expropriante (INCRA)
promoveria a retitulação dos expropriados – possuidores, enquanto o
Estado de Santa Catarina pagou ao INCRA o montante decorrente da retitulação. Em contrapartida, os expropriados, retitulados, outorgariam ao
Estado de Santa Catarina procuração, por instrumento público, cedendo
seus direitos de indenização, decorrentes da desapropriação.
De fato, na Cláusula Segunda do aludido Convênio, ficou estabelecido
que o INCRA promoveria a retitulação dos proprietários - com posse
– dos imóveis desapropriados, enquanto o Estado de Santa Catarina pagaria ao INCRA, em nome dos titulandos, o montante por eles devido e
resultante da retitulação.
Em conseqüência do referido convênio e para ressarcir o Estado de
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Santa Catarina pelos pagamentos devidos ao INCRA, em conseqüência
da retitulação dos posseiros-proprietários dos imóveis desapropriados,
os beneficiários dessa operação de desapropriação e de retitulação outorgaram ao Estado de Santa Catarina procuração por instrumento público,
para que o Estado, em causa própria, pudesse:
“postular, administrativa ou judicialmente, direitos, res, ações de qualquer espécie, e
privilégios decorrentes da desapropriação de que trata o Decreto nº 74.391, de 12 de
agosto de 1974, retificado pelo Decreto nº 76.773, de 11 de dezembro de 1975, referente
a uma área de terras contidas no imóvel Pepery, localizada nesta Comarca, especialmente para levantar, junto à Justiça Federal, o depósito efetuado pelo INSTITUTO
NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA, visando à
cobertura das indenizações a que têm direito os referidos outorgantes, pelo ato de
desapossamento e redistribuição da terra. - Disseram mais, que, por este Instrumento,
cedem ao outorgado direitos e ações sobre as importâncias eventualmente devidas pelo
INCRA, ficando convencionada a sub-rogação do ESTADO DE SANTA CATARINA
nos mencionados direitos, por haver este assumido, junto ao expropriante, a responsabilidade pelo pagamento dos débitos dos outorgantes, decorrentes da redistribuição
dos imóveis e recebimento dos títulos de propriedade, quanto ao valor da terra nua,
medição e demarcação, bem como das taxas administrativas cotadas no título, conforme convênio firmado nesse sentido, em face do que os já mencionados outorgantes
recebem, neste ato, o mencionado ‘TÍTULO DEFINITIVO DE PROPRIEDADE’,
livre de quaisquer ônus.”
Procurações nestes termos foram assinadas, consoante documentos
juntados aos autos por Otmar Roloff e Ida Roloff (fl. 190), Edgar Bailke, Martha Hanna Bailke, Arsênio Bottega, Osmar Bottega e Terezinha
Eva De Souza Bottega (fl. 193), Elmo Borkert e Gilda Borkert (fl. 190),
Silvino Bier e Edith Bier (fl. 196), Alziro Goldbeck e Olga Goldbeck (fl.
199), Rudolpho Buss e Romilda Buss (fl. 201), Nelson Maximo Nicaretta e Maria Falcade Nicaretta (fl. 203), Oreste Natal Rabaioli e Alice
Formentini Rabaioli (fl. 205), José Bruno Gabriel e Elisabeta Gabriel
(fl. 207), Mindo Orlando Henkel (fl. 210), Mathias Miotto e Lourdes
Strapazzon Miotto (fl. 212), Hubert Neitzel e Mecilda Neitzel (fl. 214),
Hermindo Maldaner e Hedi Cecília Maldaner (fl. 216), Arlindo Altmann
e Helga Altmann (fl. 222), Valentin Müller e Anita Matilde Müller (fl.
224), Alfredo Ivo Kich e Ira Kich (fl. 226), Lindolfo Eduardo Heller e
Wilma Kunz Heller (fl. 231), Norberto Bock (fl. 236), Pedro da Costa
(fl. 237) e Guido Blank e Leoni Blank (fl. 195).
Todos os outorgantes das procurações acima arrolados, que são os
contestantes desta ação de desapropriação, foram devidamente retitu176
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lados, ou seja, receberam do INCRA o título definitivo das glebas das
quais haviam sido desapropriados unicamente para fins de regularização
fundiária, títulos esses expedidos durante o ano de 1979 e primeiros
meses do ano de 1980, consoante prova nos autos. O valor do título foi
pago ao INCRA, como já se viu, pelo Estado de Santa Catarina, que se
sub-rogou ao preço da indenização no processo de desapropriação.
Quando os expropriados contestaram esta ação, em 15 de junho de
1998, já estavam de posse do título de propriedade fornecido pelo INCRA
há mais de 9 anos.
Assim sendo, nenhum reparo merece a r. sentença que extinguiu o feito
e condenou os expropriados contestantes ao pagamento de honorários
advocatícios, porque, ao cederem os direitos relacionados à indenização ao Estado de Santa Catarina, não têm legitimidade processual para
contestar o valor da indenização referente aos imóveis desapropriados.
Os sucumbentes, em suas razões de recurso, alegam que o INCRA
teria denunciado o Convênio realizado com o Estado de Santa Catarina
porque não estaria ele cumprindo com a obrigação de reembolsá-los
pelos valores contidos nos títulos de propriedade distribuídos entre os
expropriados que comprovaram estar na posse do imóvel do qual eram
titulados. Mesmo que essa alegação possa ser verdadeira, visto que sobre
ela não foi juntada nenhuma prova, essa situação, se ocorrida, não aproveita aos apelantes que receberam seus títulos sem nada por eles pagar
e que, por isso mesmo, sob pena de enriquecimento ilícito, nada podem
receber a título de indenização.
Caso seja certo que o INCRA denunciou o Convênio, deverá ele buscar
o ressarcimento das importâncias que o Estado de Santa Catarina deixou
de lhe pagar no próprio valor depositado, por ocasião da propositura
desta ação de desapropriação.
Alegam, ainda, os recorrentes que teriam sido forçados a assinar as
aludidas procurações e que por não lhes ter sido propiciado fazer, neste
processo, tal prova, houve cerceamento de defesa. Contudo, data venia,
não comporta discussão, nesta ação de desapropriação, sobre possíveis
vícios que maculariam as procurações concedidas pelos expropriados
ao Estado de Santa Catarina. Além das ditas procurações, feitas por
instrumento público, gozarem de presunção juris tantum de validade,
na ação de desapropriação não cabe nenhuma discussão além da fixação
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
177
do justo preço. Todas as questões que não disserem respeito ao preço da
indenização deverão ser deduzidas em ação própria.
No que diz respeito aos ditos desapropriados Armando Rieger, Almira
Rieger, Aloisio Magerl e Lilia Maria Magerl, nada há que discutir, tendo
em vista que não fazem eles parte da relação processual nesta ação de
desapropriação.
Quanto aos demais argumentos das razões de apelação, apenas para
evitar embargos declaratórios que, se interpostos, serão considerados
protelatórios, repito o que já foi expendido neste voto. Os 19 expropriados, cujos nomes estão arrolados às fls. 2-3, que formam o pólo passivo
desta ação de desapropriação, jamais foram desapossados de suas terras.
Seus títulos de propriedade foram cancelados, em razão da desapropriação, e substituídos por outros títulos, sem qualquer desembolso. O valor
constante do título fornecido pelo INCRA, ou foi pago ao INCRA pelo
Estado de Santa Catarina, ou não foi pago por ninguém, estando o INCRA
no prejuízo. Por isso mesmo, não me parece rigorosa a manifestação do
douto Procurador Regional da República, Dr. Luís Alberto d’Azevedo
Aurvalle, que, no parecer da fl. 371, assim referiu:
“Não merece qualquer censura a r. sentença. Se pecou, fê-lo por omissão, ao não
aplicar aos Apelantes as penas da litigância de má-fé, haja vista terem deduzido pretensão contrária a fato incontroverso, dolosamente omitido, a saber: o fato de haverem
cedido seus direitos indenizatórios ao Estado de Santa Catarina.
Sua situação fática em nada se alterou pelo processo expropriatório: tiveram
simplesmente trocado o título de domínio (cancelamento da matrícula imobiliária e
concessão de retitulação pelo INCRA), sem qualquer ônus ou turbação possessória.”
Finalmente, no que se refere aos honorários advocatícios, considerando que os expropriados são pequenos proprietários rurais, tendo suas
propriedades áreas, na sua maioria, inferiores a 30 hectares, conhecedora
das dificuldades, até mesmo de sobrevivência, dos titulares de pequenas
propriedades rurais, e, ainda, por não lhes atribuir a possível má-fé a que
se referem o INCRA e o douto Procurador Regional, reduzo os honorários
advocatícios para R$ 500,00, para cada expropriado. No mais, mantenho
integralmente a r. sentença recorrida.
Isto posto, dou parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir a
verba honorária.
É o voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.045719-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti
Apelante: Rudder Segurança Ltda.
Advogados: Drs. Jacques Farinon e outros
Apelante: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Advogada: Dra. Ana Luiza Frota Lisboa
Apelados: Alan Ronaldo Herborn e outro
Advogado: Dr. Gustavo Harb Naime
Remetente: Juízo Federal da 5ª Vara Federal de Porto Alegre/RS
EMENTA
Remessa ex officio. Responsabilidade civil. Ação de indenização.
Relação de consumo. Dano material. Dano estético. Prova.
1. Sentença prolatada em 1ª instância sujeita ao duplo grau de jurisdição, já que, tendo sido proferida em 06 de agosto de 1999, após
a vigência da Lei n. 9.469, de 10 de julho de 1997, a qual estendeu às
Autarquias a aplicação do disposto no art. 475, caput e inciso II, do CPC.
2. Não-configuração do nexo de causalidade entre a relação de consumo e o dano sofrido.
3. Inexistência de provas quanto ao prejuízo patrimonial sofrido pelos
autores em decorrência do fato.
4. O dano estético somente pode vingar como causa de qualificação
quando gera impressão, se não de repugnância, pelo menos de desagrado,
acarretando vexame ao seu portador, o que não restou demonstrado no
caso concreto.
5. Os Autores, sendo os titulares dos direitos de ação e de obter sentença de mérito, devem trazer aos autos a existência do ato ou fato por
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179
eles descrito na inicial como ensejador do seu direito.
6. Ausência, nos autos, de prova material bastante que enseje a procedência da demanda.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento às apelações dos demandados, para
reformar a sentença, excluindo a condenação de indenização por danos
materiais e estéticos, devido à insuficiência de provas, e dar provimento
à remessa oficial, nos termos do relatório e notas taquigráficas, que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de julho de 2000.
Juiz Valdemar Capeletti, Relatório.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti: Os Autores ajuizaram a presente
ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos, solidariamente, contra a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e
Rudder Segurança Ltda., pela qual pleiteiam a condenação no valor de
R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Nos dizeres da exordial, os Autores levaram seu cachorro de estimação, que necessitava de tratamento
veterinário, à UFRGS, sendo que o serviço foi acertado no valor de R$
37,00 (trinta e sete reais) e, quando da retirada do animal, foi cobrado
o valor de R$ 57,00 (cinqüenta e sete reais). Os Autores, não concordando com o pagamento, recusaram-se a pagar e tentaram retirar-se do
estabelecimento, sendo impedidos pelos seguranças da ré Rudder, que
os retiraram do carro e os levaram para o interior do prédio com uso da
força física, tendo o autor Alan sofrido a fratura de um dente e, também,
ofensas verbais. Em razões desses fatos, os Autores pedem a condenação
solidária dos réus para a devida reparação do dano moral, decorrente da
agressão verbal e do trauma causado; estético, decorrente das lesões e
da perda do dente; e material, sendo este ressarcido pelas despesas com
tratamento médico e dentário. Por fim, os Autores requerem a condenação dos réus à indenização que for devida para integral reparação,
fundamentando seus pedidos nos arts. 76 e § único, 159, 1.521 e inc. III,
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e 1.538 do Código Civil; art. 5º, incisos III e V, da Constituição Federal;
nas Súmulas números 37 do STJ e 341 do STF.
A ré Rudder Segurança Ltda. ofereceu contestação. Preliminarmente,
alegou que há carência de ação em relação à autora Márcia por ilegitimidade ativa. No mérito, sustentou que os autores não têm direito à
indenização que pretendem, pois o autor Alan foi o único responsável
pelos ferimentos que sofreu e quem deu causa aos incidentes quando se
negou a pagar o valor que era devido. Impugnou o valor da indenização
pretendida, referindo que é absurdamente elevado. Pediu a improcedência
da ação.
A ré UFRGS, em contestação, preliminarmente, alegou que é carente
de ação a autora Márcia, pois não sofreu danos. No mérito, sustentou
que não houve dano e, portanto, nada deve ser indenizado. Manifestou
que o autor Alan agrediu os seguranças e servidores da UFRGS, que
inexistiu deformidade física e que as agressões foram mútuas. Insurge-se quanto aos valores da indenização por serem excessivos. Pediu a
improcedência da ação.
O MM. Juiz sentenciante julgou em parte procedente a ação, condenando os réus ao pagamento da indenização correspondente a R$
15.000,00 (quinze mil reais), a títulos de danos materiais e danos estéticos, com a incidência de juros moratórios, correção monetária e juros
de 12% ao ano, a contar da data do evento danoso, conforme a Súmula
nº 54 do STJ. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% do
valor atribuído à causa, devidamente atualizado desde o ajuizamento,
considerando-se o disposto na alínea c do art. 20 do CPC, ficando os
valores compensados reciprocamente entre as partes, assim como as
custas e despesas processuais, na forma do caput do art. 21 do CPC.
Irresignada, apelou a Rudder Segurança Ltda., sustentando que o Juiz
a quo caracterizou a relação jurídica entre as partes como de consumo,
sendo que tal relação era única e exclusiva com a ré UFRGS, pelo que
é descabida essa condenação.
Insurge-se quanto ao ônus da prova, com apoio no art. 333, inc. I,
do CPC, pelo qual incumbe ao Autor a prova dos fatos constitutivos do
seu direito, porquanto os Autores não teriam comprovado no decurso
processual os danos sofridos. Coloca, ainda, que restou comprovado que
as agressões físicas e ofensas verbais partiram, única e exclusivamente,
dos Autores.
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Alega, também, que nos autos não foram comprovados os gastos
realizados com o tratamento dentário, descabendo assim a condenação
por danos materiais. Aduz, ainda, que o Autor tendo realizado tratamento
dentário, corrigindo a deformidade causada, restou eliminado o dano
estético.
Por derradeiro, coloca que a condenação das rés ao pagamento da
quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) é descabida, no que se refere
aos danos estéticos e danos materiais.
Por seu turno, em apelação, a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul - UFRGS - insurge-se alegando a ausência de provas das supostas
agressões verbais e físicas, por parte de servidores ou seguranças; pelo
contrário, levados em consideração os depoimentos da instrução criminal, o autor Alan teria iniciado as agressões; em face disso, o direito à
indenização somente será cabível àquele que sofreu o dano e não deu
causa ao acontecimento.
Além disso, resta comprovada nos autos a atitude ilícita do demandante ao transacionar no processo-crime a extinção de punibilidade pela
aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.
Alega, também, que os Autores não comprovaram o montante econômico dos prejuízos sofridos a título de danos materiais, e que a condenação considerou o pedido da exordial destituído de qualquer comprovação.
Considera o dano estético descabido, pois não comprovada qualquer
lesão, marca, defeito, aleijão ou deformidade na fisionomia do autor Alan.
Assevera que a relação entre as partes não pode ser considerada como
de consumo, visto que a Universidade, por ser instituição de ensino
superior, vinculada à Administração Federal, é entidade que não visa ao
lucro e oferece serviços a preço de custo, para o aprimoramento de seus
cursos de graduação.
Sem contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti: A sentença proferida em 1ª
instância está sujeita ao duplo grau de jurisdição, já que proferida em
06 de agosto de 1999, após a vigência da Lei nº 9.469, de 10 de julho de
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1997, a qual estendeu às Autarquias a aplicação do disposto no art. 475,
caput e inciso II, do CPC.
Passo a analisar as questões suscitadas pelas apelantes.
No concernente à relação de consumo, que os Apelantes propugnam
pela sua inexistência, tenho que merece guarida, pois o fato extrapolou os
limites de tal relação. Conforme se verifica dos depoimentos pessoais dos
Autores, não há referência ao pagamento da consulta, restando concluída
a prestação do serviço. Não se configura, assim, o nexo de causalidade
entre o fato do consumo e o dano sofrido.
Nesse sentido, trago à colação a transcrição parcial de ambos os
depoimentos dos Autores, conforme se verifica às páginas 193 e 195,
respectivamente:
“(...). Que antes de se dirigir ao caixa a Sra. Sheila informou para o depoente que
poderia suspender o tratamento do animal e que então nada pagaria.
(...) e saiu do estabelecimento, indo em direção ao seu carro”. (Autor Alan Ronaldo Herborn)
(...).
“(...), a depoente e a Sra. Scheila decidiram cancelar o tratamento. Que então a
Sra. Scheila informou que o tratamento poderia ser cancelado. Então, sem atrito nem
discussão, a autora, seu marido e o cachorro deixaram o prédio e se dirigiram até o
carro.” (Autora Márcia Mariza Melo Cardoso)
(...).
Quanto ao ônus da prova, deve o Juiz, na sentença, somente socorrer-se das regras se pertinentes o non liquet quanto à prova, ou seja, se o
fato não se encontrar provado. Então o juiz deve perquirir quem tinha o
ônus de provar e dele não se desincumbiu. No presente caso, restaram
controversos os fatos alegados e as provas trazidas, insuficientes.
Os Autores, sendo os titulares dos direitos de ação e de obtenção da
sentença de mérito, deveriam trazer aos autos a existência do ato ou fato
por eles descrito na inicial como ensejador do seu direito. Na presente
ação, nota-se que os Autores não comprovaram os danos sofridos, ficando
unicamente demonstrada, conforme se verifica nos autos à folha 50, a
existência das agressões físicas recíprocas entre as partes, que causaram
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o dano físico ao autor Alan, com a fratura do dente incisivo central superior direito, conforme folha 17, e o dano sofrido pelo segurança Régis,
funcionário da apelante Rudder, ferido com mordidas no dorso da mão
esquerda e punho esquerdo, conforme folha 79. As demais alegações
não ficaram totalmente comprovadas.
Consoante as provas trazidas quanto ao dano material, são ineficazes,
uma vez que não comprovam os gastos dos Autores como, por exemplo,
despesas com consultas, médicos e medicamentos. Não há prova quanto
à real perda do dente.
Considero, pois, oportuno a transcrição das provas documentais expendidas pelos Autores. Verifica-se às págs. 26 e 27, respectivamente:
“Foi efetuado no paciente Alan Ronaldo Herborn uma reconstrução com resina
composta fotopolimerizável no dente de notação dentária 11 devido a uma fratura de
esmalte e dentina causada por provável impacto frontal”.
“ Atesto para devidos fins que foi realizada restauração de resina fotopolimerizável
no dente 11”.
Conforme demonstrado, tenho por evidente que não houve comprovação do montante despendido pelos Autores, bem como do dano financeiro em seu patrimônio. Diante disso, merecem guarida as apelações
dos demandados no que tange à inexistência de prova do dano material.
Quanto ao dano moral, cabe ressaltar que o Juiz de primeiro grau, no
decisum, entendeu inexistir a comprovação de sua efetivação. Destarte,
não há recurso nesse sentido por parte dos Apelados.
No que tange ao dano estético, este somente pode vingar, como causa
de qualificação, quando causa impressão, se não de repugnância, pelo
menos de desagrado, acarretando vexame ao seu portador, o que não
restou demonstrado no caso concreto. Então, a simples referência à perda
do dente não basta à demonstração do dano estético. Sem falar, ainda,
de que o laudo pericial aponta fratura, e não perda do dente. Além da
insegurança do laudo, nenhuma das testemunhas foi indagada acerca da
fealdade ou aspecto repugnante da vítima, em razão do ferimento sofrido.
Diante desse quadro, de absoluta insegurança quanto à comprovação
da causa de qualificação, tenho que os autos carecem de prova material o
bastante que permita a possibilidade de ensejar a procedência da demanda. Merece, portanto, ser acolhida a irresignação dos Apelantes no que
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tange à inexistência de prova em relação aos danos material e estético.
No que tange aos encargos da sucumbência, restaram integralmente
vencidos os Autores, devendo arcar por inteiro com os ônus sucumbenciais; contudo, levando-se em conta serem os mesmos hipossuficientes,
condeno-os ao pagamento de 5% do valor atualizado da causa.
Voto, pois, no sentido de dar provimento aos apelos dos demandados
para reformar a sentença, excluindo a condenação de indenização por
danos materiais e estéticos, devido à insuficiência de provas, e dar provimento à remessa oficial.
É o voto.
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2000.04.01.097455-6/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas
Impetrante: Sérgio Segovia da Silva
Advogado: Dr. Roosevelt Maurício Pereira
Impetrados: Juiz-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Diretora de Recursos Humanos do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região
EMENTA
Administrativo. Concurso público. Reserva de percentual de vagas
para candidatos portadores de deficiência física. Critério de arredondamento.
O critério a ser adotado pela Administração na destinação de um
percentual de vagas a candidatos portadores de deficiência física não
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pode tornar “letra morta” a regra protetiva do deficiente inscrita na
Constituição Federal e na Lei 8.112/90. Assim, se o edital do concurso
público reserva 10% das vagas a candidatos portadores de deficiência, é
razoável e justo que, num universo de 9 vagas, uma delas seja destinada
a um candidato deficiente. Aplica-se ao caso a regra de arredondamento
contida na Resolução 155/96 do Conselho da Justiça Federal, que prevê
que, na definição do número de vagas decorrente da aplicação do percentual destinado aos deficientes, se utilize o arredondamento para o
número inteiro imediatamente inferior nas frações menores do que 0,5
(cinco décimos) e imediatamente superior, se as frações forem maiores
ou iguais a 0,5 (cinco décimos). A regra do arredondamento está em
sintonia com decisão do Colendo STF em questão análoga, referente ao
quinto constitucional na composição dos Tribunais.
Portanto, inexiste violação a direito líquido e certo do candidato não
deficiente classificado em 9º lugar, que deixou de ser aproveitado em
face da nomeação do candidato classificado na 1ª colocação dentre os
deficientes.
Segurança denegada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide o Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de fevereiro de 2001.
Juiz Surreaux Chagas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas: Sérgio Segóvia da Silva impetra
Mandado de Segurança contra ato do Juiz-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e da Diretora de Recursos Humanos do mesmo
Tribunal, buscando compeli-los a nomeá-lo para a função de Auxiliar
Judiciário da circunscrição da Justiça Federal de Maringá/PR.
Refere que se inscreveu no concurso público para provimento de
cargos da Justiça Federal de Primeiro Grau da 4ª Região, concorrendo a
uma das vagas de Auxiliar Judiciário destinadas à circunscrição judiciária
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de Maringá/PR, para a qual haviam sido abertas cinco vagas, conforme Edital 01/99; que obteve a 9ª classificação no concurso; que outras
cinco vagas também surgiram depois do término do concurso e ainda
no seu prazo de validade; que o Edital 01/99 previa o preenchimento de
uma das vagas a cada dez por portador de deficiência física; que, após
o preenchimento de cinco vagas, foi dada posse ao candidato portador
de deficiência física, o que implica a inobservância do edital, que prevê
a nomeação dos candidatos deficientes na proporção de um candidato
para cada dez vagas oferecidas por categoria profissional.
Diz que protocolou requerimento de nomeação junto à Diretoria de
Recursos Humanos, tendo em vista que nove candidatos haviam sido
nomeados, oito sem deficiência mais o portador de deficiência; que a
nomeação do deficiente somente poderia ocorrer após a nomeação do
impetrante; que o pedido foi indeferido, tendo sido comunicado o resultado por ofício datado de 13.07.2000.
Alega que, além de não ter sido nomeado na ordem de sua aprovação,
também não foi nomeado para a vaga solicitada pelo Juiz Federal da 1ª
Vara de Maringá, conforme processo nº 00.40.01412-9-DRH, pedido que
foi indeferido sob o fundamento de que não havia tempo hábil para a
nomeação em face do termo final de validade do concurso estar previsto
para 30.07.2000.
Requer a concessão de liminar para que seja determinado às autoridades coatoras que procedam à nomeação do impetrante, invocando em prol
de sua tese a Súmula 15 do STF. Pede, outrossim, que seja determinada
a juntada aos autos dos Processos Administrativos nºs 00.40.01412-6DRH/DIRSAP e 00.40.01186-0-DRH/DIRSAP.
A liminar é indeferida.
As informações são prestadas.
O Ministério Público Federal opina pela denegação do writ.
É o relatório.
À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas: O impetrante busca compelir
as autoridades apontadas como coatoras a nomeá-lo para a função de
Auxiliar Judiciário da circunscrição da Justiça Federal de Maringá/PR.
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187
A tese em que se fundamenta o writ, em síntese, é a de que o impetrante teria sido preterido na nomeação para o cargo público, tendo sido
desrespeitada a ordem de classificação no concurso em face da nomeação
de candidato portador de deficiência.
A controvérsia não envolve a discussão sobre a reserva de um percentual das vagas para portador de deficiência física e sua legitimidade,
prevista no texto constitucional (art. 37, VIII), na lei de regência (Lei
8.112/90, art. 5º, §2º) e no edital, que fixou em 10% o percentual das
vagas destinadas aos deficientes. O impetrante impugna o critério adotado no provimento das vagas, entendendo que caberia ao candidato
deficiente a 10ª vaga.
O impetrante foi classificado em 9º lugar no certame, dentre os concorrentes não-portadores de deficiência. Foram nomeados ao todo nove
candidatos, dentre eles um portador de deficiência, classificado em 70º
lugar na listagem geral e em 1º dentre os deficientes (fl. 107). Portanto,
apenas os oito primeiros colocados dentre os não-deficientes foram
aproveitados.
O impetrante sustenta que, em havendo previsão no edital de destinação de 10% das vagas para deficientes (uma para cada dez), não caberia
a nomeação de um desses candidatos antes de preenchidas as nove primeiras vagas, das quais alega ter direito à nona, exatamente a que, em
seu dizer, teria sido destinada ao deficiente físico.
Nas informações, as autoridades impetradas esclarecem, inicialmente,
que o candidato deficiente físico não foi nomeado para a nona vaga,
mas para a quinta, em atendimento ao critério estabelecido na Resolução
155/96 do Conselho da Justiça Federal.
A Resolução em foco regulamenta a destinação de vagas aos portadores de deficiência física no âmbito do Conselho da Justiça Federal e
da Justiça Federal de 1º e 2º Graus, em atendimento ao disposto no art.
5º, § 2º, da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis
da União, das autarquias e das fundações públicas federais). O art. 2º,
par. único, dispõe sobre a regra de arredondamento:
“Art. 2º - No edital de abertura do concurso, deverão ser reservadas às pessoas
portadoras de deficiência até 20% (vinte por cento) das vagas nele oferecidas, ou das
que vierem a surgir no prazo de validade do concurso.
Parágrafo único - Na definição do número de vagas decorrente da aplicação do
188
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percentual a que se refere o caput deste artigo, utilizar-se-á arredondamento para o
número inteiro imediatamente inferior, em frações menores do que 0,5 (cinco décimos)
e para imediatamente superior, em frações maiores ou iguais a 0,5 (cinco décimos).”
O edital previa a destinação de 10% das vagas aos portadores de
deficiência. Inicialmente, havia cinco vagas a serem preenchidas. O
procedimento da Administração foi o de destinar a 5ª vaga ao candidato
deficiente classificado em 1º lugar dentre os portadores de deficiência. O
procedimento atende à regra de arredondamento contida na Resolução
155/96, pois, com o preenchimento da 5ª vaga, havia sido atingida a
fração de 0,5, que impunha a destinação de uma delas a deficiente físico
(10% de 5 vagas corresponde a 0,5 vaga, que deve ser arredondada para
uma vaga).
A regra do arredondamento é razoável, justa e está em sintonia com
a decisão proferida pelo colendo Supremo Tribunal Federal ao apreciar
a questão relativa ao quinto constitucional quando da ampliação do
número de membros deste TRF. Naquela oportunidade, o Relator da
ADIn, o eminente Ministro Carlos Velloso, assim se pronunciou sobre a
Resolução do Tribunal, que estabelecia em quatro os cargos destinados a
membros oriundos do Ministério Público e dos advogados, num universo
de vinte e três juízes:
“É relevante a argüição de inconstitucionalidade, ao que penso.
É que a Constituição, conforme vimos de ver, estabelece, expressamente, que um
quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais será composto de membros do
Ministério Público e dos advogados (C.F., art. 94; art. 107, I). Ora, se são vinte e três
os lugares, um quinto de vinte e três é igual a quatro vírgula seis (23:5=4,6). Se apenas
quatro lugares são preenchidos por advogados e membros do MP, o Tribunal não tem
completo o ‘quinto constitucional’. Concedo que, se a fração fosse inferior a meio
(0,5), seria possível o arredondamento para quatro, em obséquio aos quatro quintos da
magistratura de carreira, dado que, se um quinto se compõe de advogados e membros
do MP, tem-se que quatro quintos dos lugares são reservados aos juízes de carreira.
Todavia, se a fração é superior a meio, o arredondamento há de ser em favor do ‘quinto
constitucional’. (ADIn 1.171-5 – Medida Cautelar – julgada em 22.02.95)”
Outrossim, a prevalência da tese do impetrante – a de que apenas a
décima vaga deveria ser destinada ao candidato deficiente – resultaria em
desatendimento às normas constitucional, legal e do edital que prevêem
a reserva de vaga para portadores de deficiência. Como foram nove os
candidatos concursados nomeados, ao final nenhuma vaga teria sido
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
189
destinada aos deficientes.
Em situações semelhantes, os Tribunais Regionais Federais da 1ª e
da 2ª Regiões manifestaram-se pela prevalência da garantia assegurada
constitucio­nalmente aos portadores de deficiência física:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA MORALIDADE E DA IGUALDADE. CONCURSO
PÚBLICO. EDITAL. DEFICIENTE FÍSICO. RESERVA DE VAGAS. LEGITIMIDADE PASSIVA.
1. A reserva de vagas para portadores de deficiência física que não chega a corresponder sequer a uma vaga, viola os princípios constitucionais da moralidade e da igualdade.
2. Afigura-se como parte passiva legítima o Diretor do Senado Federal, eis que
firma o edital juntamente com a autoridade da FUB, mera prestadora de serviços,
contratada para realizar o concurso.” (TRF-1ª Região, AMS 96.01.38440-5, Rel. Juiz
Jirair Meguerian, DJU de 09.10.97)
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO REALIZADO PELO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO PARA A CATEGORIA DE
AGENTE DE PORTARIA. VAGA DESTINADA A DEFICIENTE FÍSICO. CF, ARTS.
37, VIII, C/C 5º, § 2º, DA LEI 8.112/90.
I. Interpretação do § 2º de tal art. 5º, no sentido de que serão reservadas até 20%
das vagas oferecidas, por categoria, para as pessoas portadoras de deficiência.
II. Sabendo-se o número de vagas oferecidas, no caso, sete, ter-se-ía de oferecer
um percentual que propiciasse, pelo menos, uma vaga para tal fim, pois caso contrário,
frustrar-se-ía a aplicação da lei e mesmo da CF, no pertinente.
III. Segurança concedida, nos termos do voto condutor.” (TRF-2ª Região, MS
95.02.18957-2, Rel. p/ acórdão Juiz Arnaldo Lima, DJU de 08.08.95)
Conclui-se que, na determinação da vaga destinada ao candidato portador de deficiência, a administração do Tribunal aplicou critérios que
resguardam os princípios constitucionais e legais que regem a matéria.
Outrossim, o impetrante alega que poderia ter sido nomeado para outra
vaga de auxiliar judiciário surgida posteriormente, e cujo preenchimento foi solicitado ao Tribunal pelo Juízo de Maringá, ainda no prazo de
validade do concurso, o que atenderia, por vias transversas, a seu pleito.
Aduz que o Tribunal indeferiu o pedido por entender que não havia tempo
hábil para a nomeação antes da caducidade do certame.
Ocorre que a decisão de prover ou não o cargo vago está na abrangência do poder discricionário da Administração, que a toma conforme
critérios de conveniência e oportunidade:
“Vencido o concurso, o primeiro colocado adquire direito subjetivo à nomeação
190
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
com preferência sobre qualquer outro, desde que a Administração se disponha a prover
o cargo, mas a conveniência e oportunidade do provimento ficam à inteira discrição do
Poder Público. O que não se admite é a nomeação de outro candidato que não o vencedor
do concurso, pois, nesse caso, haverá preterição do seu direito, salvo a exceção do art.
37, IV”. (Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed., p. 380).
O Tribunal entendeu não ser conveniente nem oportuno o preenchimento da vaga referida pelo impetrante, o que é absolutamente legítimo.
O candidato aprovado em concurso não tem direito à nomeação, mas,
sim, a que, se houver o provimento dos cargos, seja respeitada a ordem
de classificação no certame, de forma a não ser preterido (Súmula 15
do STF). E, como foi analisado anteriormente, não houve desrespeito à
ordem de classificação.
Portanto, não há qualquer violação a direito do impetrante, não
merecendo prosperar o mandamus.
Em face do exposto, denego a segurança.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.121053-9/RS
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler
Apelante: Ruth Jutta Konitz
Advogados: Dra. Eneida Teresinha Heinrich
Drs. Luciana Teixeira Esteves e outro
Apelante: Conselho Regional de Eng. Arquitetura e Agronomia do
RGS - CREA/RS
Advogados: Drs. José Estanislau Silveira Baptista e outros
Apelados: (Os mesmos)
191
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
EMENTA
Responsabilidade civil. Nexo de causalidade. Ocorrência de culpa
concorrente. Indenização indevida.
1. O nexo causal é o supedâneo da ação indenizatória baseada no art.
159 do Código Civil, que deve ser examinado pelo julgador independentemente da ausência de alegações da parte-ré, sobretudo em sede de
remessa oficial e em homenagem aos princípios do livre convencimento
e ao da busca da verdade real.
2. No caso, a parte manteve-se inerte apesar das diversas provocações da Autarquia fiscalizadora, quanto à regularização dos pagamentos
anteriormente avençados que se deram por via oblíqua ao pacto, culminando com julgamento à revelia como se os mesmos não tivessem sido
repassados à esfera jurídica da ré e notificação de cliente seu.
3. Certo que a referida inércia concorreu sobremaneira a consecução
dos danos alegados, em que pese o proceder alheio ao contrato no que
tangia ao método de pagamento, não há como responsabilizar a ré, o que
implica a total improcedência da ação.
4. Provido o recurso da ré e a remessa oficial, prejudicado o recurso
da parte-autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso da ré e à remessa oficial, prejudicado o
recurso da parte-autora, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de abril de 2001.
Juíza Marga Barth Tessler, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler: Versam os presentes autos
de apelações interpostas pelas partes contra sentença em “ação de indenização por danos – patrimonial e moral”, proposta pela primeira apelante
contra o segundo, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do
RS, pelo fato deste ter provocado os referidos danos em razão do cancelamento do registro funcional da autora e feito notificações num total
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
de quatro, comunicação a cliente seu, por conta de débito de anuidades
que não estavam em aberto.
Em contestação, a Autarquia-ré sustentou a parcial veracidade das
informações trazidas pela parte-autora; que, efetivamente, em razão do
acordo anteriormente firmado, ficou esta encarregada do recolhimento
de mais duas parcelas, tendo-as honrado pontualmente, mas que tal informação “só bem mais tarde chegou ao conhecimento do CREA-RS,
porque o referido banco não fez a devida comunicação de recebimento dos
atinentes DOCS”; alega ter somente feito uma comunicação da situação
“irregular” da parte-autora; que não comprovou ter sofrido danos material
ou moral em razão de tal comunicação; denunciou a lide ao Banrisul, o
que foi rejeitado pelo magistrado a quo e subsidiariamente impugnou o
alto valor pleiteado em indenização.
Sentenciando, reconheceu o juiz a ocorrência de dano moral; que os
fatos mencionados na inicial geraram sérios danos à imagem da autora;
que teria o réu agido negligentemente, notificando a profissional oito
meses após a quitação das parcelas e que a comunicação enviada ao seu
cliente causou limitações ao seu exercício profissional e sérios constrangimentos, apesar de indeferida a produção de prova testemunhal.
Apela a parte-autora, alegando cerceamento de defesa pela ausência
de produção de prova oral o que culminou com a improcedência da demanda no que tange aos danos patrimoniais, pois teria sido “impedida
de exercer sua profissão”, o que causa presunção de que perdera sua
clientela, requer a procedência do apelo para condenar também a ré em
danos patrimoniais apuráveis em liquidação de sentença.
A Autarquia-ré, renovando os mesmos argumentos trazidos em contestação, pugna pela improcedência da demanda, haja vista não ter restado
provado danos morais e patrimoniais apesar do erro que reconheceu;
junta provas, tal qual em contestação, de que a autora, ao contrário do
que alegara, adquiriu mais clientela, contratou mais obras e não deixou
de trabalhar em razão dos fatos alegados. Insurge-se, alternativamente,
contra o quantum indenizatório arbitrado, que considera excessivo.
A despeito da ausência de determinação expressa neste sentido, é caso
de reexame necessário.
É o relatório.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
193
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler: Como relatado, examino
nesta sede os recursos aviados, bem como o necessário reexame do julgado de acordo com o art. 10 da Lei 9.469/97.
Inicialmente, a natureza da lide nos força a fazer um exame da relação
de causalidade, supedâneo das ações indenizatórias, insculpido no art.
159 do Código Civil, não sem antes, também, examinar o que diz com
a revelia do art. 319 do Código Processual, onde consta a presunção de
veracidade dos fatos alegados e não contestados pelo réu.
Tratando-se de presunção relativa, pelo conjunto probatório, a tese
sustentada pela parte-autora, a despeito da ausência de contestação expressa, pode e deve resultar derrubada, sobretudo em reexame necessário,
em que pese ainda não ficar o magistrado adstrito ao alegado, no que diz
com o princípio do livre convencimento e o da busca da verdade real.
Rememorando a cronologia dos fatos, e esta não deve escapar dos
atentos olhos do julgador, apesar de não organizados nesta ordem os documentos juntados, verifico, lá na fl. 28 dos autos, o primeiro documento,
e trata-se de prova material, embrião de toda a controvérsia.
Naquele Termo de Acordo, convencionaram autora e ré, no item “3”,
que “As parcelas serão pagas diretamente no caixa localizado na sede do
CREA/RS ou nas inspetorias no interior do Estado, o qual após a quitação
das três parcelas dará quitação total da(s) respectiva(s) anuidade(s)”,
termo firmado em setembro de 1995.
Na fl. 30, vislumbro que a parte em vez de pagar no caixa, conforme
avençado, depositou na conta-corrente da Autarquia, a segunda parcela
três dias após à data aprazada e a terceira no dia certo, apesar de não haver
nos autos qualquer referência quanto à novação contratual ou avença verbal subsidiária, autorizativa de tal proceder, tampouco levantada pela ré.
Vai longe a diferença do possível controle de créditos operada com
pagamento contra circunstanciado recibo de caixa e mero depósito em
conta-corrente, máxime se é certo que o Banco não encaminha via de
depósito feito em conta-corrente ao respectivo correntista, ao qual também não interessa quem faz depósito e a que título.
Na fl. 29, pelo ofício nº 068/96, de fevereiro de 1996, entregue contra
aviso de recebimento, o CREA/RS, constatando a ausência dos paga194
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
mentos, solicita providências da parte.
No verso deste documento, encontra-se manuscrito que teria sido remetido em resposta, sem no entanto estar firmada pela autora, haja vista
constar apenas o seu nome, que cotejado com a assinatura da procuração
da fl. 15, verifica-se ictu oculi substancial diferença.
Logo abaixo, a data em caneta preta de 05.03.96, o horário de
“11h30min” e algo que parece uma rubrica, sem no entanto identificar
o autor.
Certamente, apesar de não contestado pela autarquia-ré, este documento não é bastante à conclusão de que a autora dirigiu-se formalmente
à autarquia para esclarecer que fizera os depósitos.
Seguindo na cronologia, tenho por examináveis, agora, as notificações encaminhadas pela Autarquia-ré, constantes nas fls. 18 a 24, todas
emitidas no mês de julho de 1996, e também entregues contra aviso de
recebimento à parte-autora, dando prazo legal de 10 dias, para regularizar
a situação ou contestá-la.
Lê-se lá, no item III do antepenúltimo campo, que o não-atendimento
ao disposto no item I dará origem a processo administrativo e após os
trâmites legais, a multa lá estipulada será lançada na Dívida Ativa e
cobrada judicialmente.
Nas fls. 25 e 31, agora, examino os ofícios da parte-ré, 256 e 273,
respectivamente, ambos de setembro de 1996, dando conta de que as
respectivas notificações foram julgadas a revelia por ausência de manifestação no prazo nelas estipulado, concedendo mais 60 (sessenta) dias
para que a situação fosse regularizada.
Paradoxalmente, prova inconteste de que a parte-autora saiu da inércia
depois destas três provocações não consta nos autos.
Tivesse havido manifestação da autora, não teria sido notificada e
julgada a revelia.
Agora, examino o último documento, haja vista que os demais tenho-os por desimportantes para dirimir a controvérsia.
Calca a alegação de que sofrera danos morais substancialmente no
documento da fl. 17, o ofício 1.051/97, remetido um ano e quatro meses
após a primeira provocação da autarquia-ré, ao Sr. José Lehmenn, porque a Câmara Especializada de Arquitetura, examinando o processo do
mesmo resolveu arquivá-lo ante a irregularidade da situação profissioR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
195
nal da parte-autora, por ele contratada para tocar uma obra, onde ainda
constava o indigitado débito.
Os fatos indicam que a autora manteve-se inerte desde o início.
Não há prova cabal, como já disse, de que a autora impugnou regularmente os débitos ou as notificações.
O pagamento da última parcela sequer identifica quem procedeu o
recolhimento e a que título. A parte-autora não realizou os últimos dois
pagamentos como se obrigava, limitando-se a fazer simples depósitos
em conta-corrente.
Demais disso, como bem referiu a autarquia-ré em contestação e nas
razões de apelação, não restaram demonstrados os danos materiais.
Quanto aos danos morais, poderiam ser presumidos, contudo, voltando
ao fundamento insculpido no art. 159 do Código Civil, “aquele que por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”, pergunto,
ante a cronologia dos fatos, se efetivamente concorreu a ré para os fatos
que sequer restaram demonstrados, senão só ocorreram – se ocorreram
– por inércia da parte-autora?
Acaso restou demonstrado o cerceamento de defesa na esfera administrativa que culminou com as comunicações do cancelamento do registro
funcional da parte-autora?
Não, muito antes pelo contrário, todos os prazos foram assegurados
e, num ano e quatro meses de inércia da autora, não restava outra providência que não a acertadamente tomada pela ré.
A parte-autora, contrariamente ao que avençou no acordo referido,
em vez de pagar no caixa contra recibo circunstanciado, deposita em
conta-corrente as parcelas que devia, depósitos, aliás, sem referência
dos motivos, sendo que o segundo tampouco o nome da autora traz, não
encaminha as cópias para o Conselho – pelo menos não provou isso – e
depois de manter-se na sombra dos acontecimentos por quase um ano e
meio, tendo esclarecido todo o problema um pouco antes de setembro
de 1997, conforme certidão da fl. 27, não merece ter procedência no
seu pleito, pois carente de relação de causa e efeito autorizativa da ação
indenizatória.
Assim, dou provimento ao recurso da ré e à remessa oficial para julgar
totalmente improcedente a ação, prejudicado o recurso da parte-autora.
196
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É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.135309-0/PR
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb
Apelantes: Clovis Jose Serafini e outros
Advogado: Dr. Paulo Cesar Hertt Grande
Apelada: Universidade Federal do Paraná
Advogada: Dra. Cynthia Maria Greca Schaffer
EMENTA
Administrativo. Constitucional. Adicional de gestão educacional.
Servidores inativos. Incorporação de “quintos” ou “décimos”. Art. 40,
§ 8º, CF. Lei 9.640/97. Lei 9.527/97 (art. 15,§ 1º). Direito reconhecido.
O Adicional de Gestão Educacional, instituído pela Lei 9.640/98,
para o servidor investido em cargo de direção ou função gratificada das
Instituições Federais de Ensino, é devido aos servidores inativos, incidindo sobre os “quintos” e “décimos” incorporados aos proventos da
aposentadoria, por força do art. 40, § 8º, CF, que determina igualdade
de tratamento remuneratório entre servidores ativos e inativos.
O adicional em questão constitui parcela componente da própria
remuneração do cargo em comissão, que não pode ser excluído para o
efeito de cálculo da chamada vantagem individual dos servidores inativos.
O procedimento atinente à transformação dos quintos ou décimos
já incorporados em vantagem pessoal e sua teórica desvinculação das
parcelas recebidas a esse título pelos servidores em atividade constitui
estratégia adotada justamente para melhor manipular a forma de reajuste a ser considerado, pois à vantagem pessoal foi atribuído reajuste de
acordo com a revisão geral da remuneração dos servidores – o que não
ocorre há muitos anos – enquanto o aumento de vencimentos concedido
por meio do adicional beneficia apenas os atuais detentores dos cargos e
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
funções já mencionados, resultando diferenças gritantes demonstradas
nos fundamentos através de cálculo que dispensa transcrição.
Como os décimos foram considerados na aposentadoria, e foram
transformados em vantagem pessoal pela Lei 9.527/97, em que pese não
existir expressa vedação no texto legal, a Administração adota entendimento no sentido de que não pode o AGE ser estendido aos inativos,
porque não recebem décimos, mas vantagem pessoal, conclusão esta
insustentável, porque seja qual for a denominação adotada – quintos,
décimos ou vantagem pessoal – é certo que existe o direito adquirido
à manutenção do mesmo padrão remuneratório havido por ocasião da
aposentadoria, visto que as parcelas já incorporadas não podem sofrer
redução em virtude da alteração da nomenclatura.
A vantagem pessoal guarda correspondência com os décimos e quintos recebidos na ativa e deve sofrer o mesmo reajuste destes últimos, sob
pena de haver a redução do valor recebido a título de vantagem pessoal
à época da aposentadoria.
A par do direito adquirido, aplicabilidade do art. 40, III, § 8º, CF/88,
que assegura a revisão dos proventos da aposentadoria na mesma proporção adotada para a remuneração dos servidores em atividade e que,
no caso dos autos, foi ostensivamente ignorada pelo legislador.
Possibilidade de o Poder Judiciário tutelar os direitos que paulatinamente vêm sendo suprimidos do patrimônio jurídico dos servidores
civis a pretexto de aplicação de conceitos doutrinários, que nem sempre
guardam correspondência com a realidade dos fatos.
No cipoal de medidas provisórias, leis, portarias, decretos e resoluções, deve o juiz identificar aquelas editadas a serviço da política atual
de aniquilamento do serviço público, sem qualquer respaldo nos princípios constitucionais, afastando sua aplicação sempre que esta redundar
na inobservância das garantias mínimas asseguradas ao servidor pela
Constituição.
Procedência do pedido, no sentido de ser incluído no cálculo da
vantagem pessoal o AGE a partir de sua instituição pela Lei 9.640/97,
devidamente atualizadas monetariamente as diferenças desde então pelo
IPC-r e pelos juros de mora, a contar da citação, no percentual de 1%
ao mês, na esteira da jurisprudência pacífica do STJ e deste Tribunal.
Sucumbência invertida, no percentual de 10% sobre o valor da con198
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
denação, na esteira dos precedentes da Turma.
Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido em parte o Juiz Amaury Chaves de Athayde
quanto aos honorários advocatícios, dar provimento à apelação, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de março de 2001.
Juíza Silvia Goraieb, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb: Trata-se de ação ordinária com
pedido de antecipação de tutela, ajuizada contra a UFPR, onde os autores objetivam o recebimento do Adicional de Gestão Educacional, nos
termos da Lei nº 9.640/98, incidente sobre os “quintos” e “décimos”
incorporados.
É sustentado, em síntese, que a criação do referido adicional deu
tratamento diferenciado entre os servidores ativos e inativos, e que foi
violado o princípio constitucional da irredutibilidade dos salários.
A antecipação de tutela foi indeferida.
Contestou a ré, alegando, preliminarmente, impossibilidade jurídica
do pedido. No mérito, sustentou que não há tratamento diferenciado
entre ativos e inativos.
Sobreveio sentença onde o MM. Juízo monocrático afastou a preliminar argüida pela ré e julgou improcedente o pedido, condenando os
autores ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre
o valor da causa.
Apelaram os autores reiterando os termos da inicial, para que seja
reformada a sentença, pois entenderam que os argumentos utilizados na
mesma foram insuficientes.
Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
199
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb: Versa o presente feito o direito à
percepção do Adicional de Gestão Educacional pelos servidores inativos
que incorporaram quintos ou décimos.
A vantagem em questão foi instituída pela Lei nº 9.640, de 25 de maio
de 1998, nos seguintes termos:
“ Art. 6º - A remuneração do servidor investido em Cargo de Direção ou Função
Gratificada das Instituições Federais de Ensino passa a ser paga na forma desta lei.
Art. 7º - É criado o Adicional de Gestão Educacional, devido aos ocupantes dos
cargos referidos no artigo anterior, observado o disposto no artigo seguinte.
Parágrafo único - Em função do disposto neste artigo, os valores de remuneração
atribuídos aos Cargos de Direção e Funções Gratificadas das Instituições Federais de
Ensino passam a ser os constantes dos Anexos V e VI desta Lei”.
A negativa da Administração de pagar a referida vantagem pecuniária aos inativos reside no fato de que não mais percebem quintos ou
décimos, uma vez que estas parcelas incorporadas aos proventos foram,
a partir da Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, transformadas em
“vantagem pessoal nominalmente identificada, sujeita exclusivamente à
atualização decorrente da revisão geral da remuneração dos servidores
públicos federais” (art. 15, § 1º).
Tal raciocínio, contudo, não subsiste ao mais singelo cotejo com os
princípios constitucionais que dizem com a irredutibilidade dos vencimentos, a isonomia e o direito adquirido.
Já é por demais conhecido o preceito contido no art. 40, § 8º, da CF/88,
que determina que os proventos de aposentadoria e as pensões sejam
revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar
a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos
aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens
posteriormente concedidos àqueles.
A paridade acima referida deixou de ser observada no caso dos
autores, porque o aumento da remuneração havido na retribuição dos
cargos de direção em conseqüência da criação do adicional em tela não
foi aplicado às parcelas incorporadas dos servidores inativos.
Sendo o Adicional de Gestão Educacional parcela componente da
própria remuneração do cargo em comissão, não poderia ser excluído
200
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
para o efeito de cálculo da chamada vantagem individual dos servidores
inativos, sob pena de infração ao art. 40, III, § 8º, antes citado.
Para que se compreenda bem a amplitude do prejuízo sofrido pelos
inativos é preciso conhecer os mecanismos utilizados pelo legislador
para burlar os princípios constitucionais que ainda podem favorecer o
funcionalismo público federal, assegurando a manutenção dos parcos
direitos que restaram após o início do Governo Fernando Henrique e as
emendas constitucionais que se seguiram.
Inicialmente, impõe-se a consideração de que a estrutura da remuneração do servidor público compreende um vencimento básico irrisório
ao qual são acrescentadas diversas gratificações e adicionais, conforme
sua área de atuação, que são incorporados ou não aos proventos de aposentadoria segundo sua natureza ou a vontade do legislador, gerando a
interminável discussão acerca da distinção entre vencimento e vencimentos e do conceito de remuneração.
Trata-se de uma estratégia adotada justamente para melhor manipular a forma de reajuste dos vencimentos, isto porque as gratificações
e adicionais são livremente reduzidos, suprimidos e desincorporados
dos proventos sob o argumento corrente na doutrina, assim como na
jurisprudência, de que “o servidor público não tem direito adquirido a
regime jurídico”.
Não foi outro o procedimento atinente à transformação dos quintos ou
décimos já incorporados em vantagem pessoal e sua teórica desvinculação das parcelas recebidas a esse título pelos servidores em atividade,
visando a atribuir reajustes diferenciados a uns e outros com espeque na
alegada diferença entre eles.
À vantagem pessoal foi atribuído reajuste de acordo com a revisão
geral da remuneração dos servidores. Considerando-se que esta revisão
geral não é efetuada há mais de seis anos, resulta que a vantagem pessoal
(quintos incorporados) tende a desaparecer, porque o seu valor é cada
vez menor.
Veja-se exatamente a situação dos autos.
Com a instituição do Adicional de Gestão Educacional, a remuneração
dos cargos de direção e das funções gratificadas das instituições federais
de ensino ficou assim definida (Anexos V e VI da Lei nº 9.640/98):
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
201
CD-4
- Vencimento: 187,02
- Representação mensal: 140,26
- Gratificação de atividade pelo desempenho de função (art. 14
da Lei Delegada nº 13/92): 618,67
- Adicional de gestão educacional: 1.854,05
- Total: 2.800,00
FG-6
- Vencimento : 22,05
- Gratificação de atividade pelo desempenho de função (art. 15
da Lei Delegada nº13/92): 36,60
- Adicional de gestão educacional: 29,13
- Total: 87,78
Observe-se que, como explicado acima, sendo o valor do vencimento
irrisório e persistindo a política governamental instituída em 1995 de
deixar os servidores públicos civis federais sem qualquer reajuste, foi
criado o adicional em questão como forma de atualizar a remuneração
dos ocupantes de cargos de direção e funções gratificadas.
À primeira vista, o procedimento poderia parecer contraditório, mas
não é: o reajuste concedido por meio do adicional beneficia apenas os
detentores dos referidos cargos e funções, enquanto um reajuste geral,
além de abranger a todos os servidores incidiria no vencimento básico
e, assim, repercutiria em todas as demais vantagens cuja base de cálculo
é aquele vencimento.
Tanto é verdadeiro o raciocínio, que o adicional não foi conferido aos
detentores da vantagem pessoal que, assim, sofreram verdadeira redução
de proventos desautorizada pela Constituição.
Quando aposentados, entre março de 1995 e julho de 1998, os autores
fizeram jus ao recebimento de décimos que, pela Lei nº 9.527/97, foram
transformados em vantagem pessoal.
Embora não exista expressa vedação na Lei nº 9.640/07, sustenta a
Administração que o Adicional de Gestão Educacional não pode ser es202
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
tendido aos inativos porque estes não recebem décimos, mas vantagem
pessoal.
Contudo, seja qual for a denominação adotada – quintos, décimos ou
vantagem pessoal - é certo que existe o direito adquirido à manutenção
do mesmo padrão remuneratório havido por ocasião da aposentadoria,
porque as parcelas já incorporadas não podem sofrer redução em virtude
da alteração da nomenclatura.
Argumenta-se que décimos e vantagem pessoal são parcelas distintas,
que não se confundem.
Data venia, como poderia haver uma vantagem pessoal pertencente
aos proventos de aposentadoria se não houvesse a correspondente vantagem pecuniária nos vencimentos percebidos na ativa?
Qual a origem dessa vantagem pessoal?
Poderia o legislador simplesmente criar uma vantagem pessoal da
mesma forma que instituiu uma gratificação nova ou um novo adicional?
A reflexão sobre estas e várias outras indagações que poderiam ser
postas permite concluir que a vantagem pessoal guarda correspondência com os décimos e quintos recebidos na ativa e deve sofrer o mesmo
reajuste destes últimos, apesar de ter sido instituída com a finalidade de
extinguir-se com o passar do tempo, em razão da política de ser atualizada
somente por ocasião do reajuste geral de vencimentos.
Afigura-se contrário à Constituição qualquer procedimento que acarrete a redução do valor recebido a título de vantagem pessoal à época
da aposentadoria.
Não fosse pelo fundamento do direito adquirido, deveria ainda ser
observada a disposição contida no art. 40, III, § 8º, da CF/88 que assegura
a revisão dos proventos da aposentadoria na mesma proporção adotada
para a remuneração dos servidores em atividade, e que, no caso dos autos,
foi ostensivamente ignorada pelo legislador.
Ainda a propósito da matéria, convém enfatizar o papel reservado
ao Poder Judiciário na tutela de direitos que paulatinamente vêm sendo
suprimidos do patrimônio jurídico dos servidores civis a pretexto de
aplicação de conceitos doutrinários que nem sempre guardam correspondência com a rea-lidade dos fatos.
No cipoal de medidas provisórias, leis, portarias, decretos e resoluções, deve o juiz identificar aquelas editadas a serviço da política atual
203
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
de aniquilamento do serviço público, sem qualquer respaldo nos princípios constitucio-nais, afastando sua aplicação sempre que esta redundar
na inobservância das garantias mínimas asseguradas ao servidor pela
Constituição.
Com estes fundamentos, reformo a sentença para julgar procedente
o pedido, condenando a ré a incluir no cálculo da vantagem pessoal o
Adicional de Gestão Educacional desde a sua instituição pela Lei nº
9.640/97, pagando as diferenças devidas corrigidas monetariamente
desde então pelo IPC-r e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, a
partir da citação, de acordo com os fundamentos abaixo.
Juros de mora
O Superior Tribunal de Justiça tem decidido que o percentual cabível
a título de juros moratórios em débitos relativos aos vencimentos de servidores públicos é de 1% ao mês nos termos do art. 3º do Decreto-Lei nº
2.322/67, visto que tais prestações têm caráter eminentemente alimentar:
“PROCESSO CIVIL. JUROS. DIFERENÇAS DE REMUNERAÇÃO E DE PROVENTOS. 28,86%.
No cálculo das diferenças de remuneração e de proventos devidos a servidores
públicos devem incidir juros moratórios na taxa de 1,0% ao mês, em face da natureza
alimentar da dívida. Precedentes do STJ.
Recurso conhecido e provido.” ( STJ, 5ª Turma, REsp 195964/SC, Rel. Min.
Gilson Dipp, DJ de 15.03.99, p. 283)
“PROCESSO CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. DEL 75/66. DEL 2.322/87.
1. Sobre as diferenças resultantes do pagamento de reajuste nos vencimentos de
servidores federais devem incidir juros moratórios calculados à taxa de 1% ao mês,
em face da natureza alimentar da dívida.
2. Recurso conhecido e provido.” (STJ, 6ª Turma, REsp 175827/SC, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJ de 07.12.98, p. 116)
Através da 3ª Seção, o entendimento restou pacificado naquela Corte,
no julgamento dos Embargos de Divergência 58.337/SP, cujo acórdão foi
ementado pelo Eminente Ministro Fernando Gonçalves nos seguintes
termos:
“ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. COMPLEMENTAÇÃO. DÉBITO.
JUROS MORATÓRIOS. TAXA.
1. Incidem juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês sobre dívida resultante
204
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
de complementação de aposentadoria, em face de sua natureza salarial. Não tem relevância eventual distinção entre débito de índole estatutária ou trabalhista, pois ambas
são de cunho eminentemente alimentar, sendo que quanto a esta última a taxa de 1%
(um por cento) é fixada pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322, de 26 de fevereiro de
1967. Solução igual para situações idênticas.
2. Precedentes do STJ - REsp nº 5.657/SP- interpretação magnânima.
3. Embargos rejeitados.” (EREsp 58.337/SP, Rel. p/ ac. Min. Fernando Gonçalves,
DJ de 22.09.97. RSTJ 104:375-386)
A possibilidade de aplicação das disposições do Decreto-Lei nº
2.322/87, que regula os débitos de origem trabalhista, deve-se ao fato
de que as dívidas de salários, pensões, proventos de aposentadoria e
benefícios previdenciários são típicas dívidas de valor em razão de sua
natureza alimentar. Assim, com amparo no art. 5º da Lei de Introdução
ao Código Civil, impõe-se a adoção dos juros de mora de 1% ao mês,
observando-se que também quanto à correção monetária das dívidas de
valor, em razão da sua relevância e finalidade, firmou-se a construção
jurisprudencial - hoje amplamente aceita nos Tribunais do País - que
determina sua incidência a partir do momento em que deveria ter sido
efetuado o pagamento.
Sucumbência
Com a reforma da sentença, são invertidos os ônus da sucumbência,
fixados os honorários em 10% sobre o valor da condenação, na esteira
dos precedentes da Turma.
Prequestionamento
O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido,
pelas razões de decidir, o que dispensa consideração a respeito, vez que
deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado.
Em face do exposto, dou provimento à apelação.
É o voto.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: Relativamente à questão central da lide, tenho a honra de acompanhar o brilhante voto da
eminente Relatora.
205
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Permito-me divergir, porém, no que concerne ao trato que Sua Excelência dá à honorária advocatícia.
Advindo da imposição sentencial, contra a parte vencida, obrigação
de efeito pecuniário, sobre a condenação é que devem ser computados
os honorários da sucumbência. Isso se faz dentro dos limites mínimo e
máximo estabelecidos pelo parágrafo 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil, não o transmudando o parágrafo 4º do mesmo artigo, quando
vencida for a Fazenda Pública, haja vista que ambos os dispositivos hão
de ser aplicados em concerto.
É claro, porém, que o próprio entendimento do valor da condenação
enquanto para servir de base para o cálculo dos honorários há de ser
bem definido.
Com efeito.
Ao fixar-se a honorária advocatícia sobre o valor da condenação,
porém, sem que se definam os correspondentes contornos, nos casos
em que a condenação mesma consubstancia o cumprimento de obrigação pecuniária, de trato periódico, sucessivo e ilimitado, a meu sentir,
incorre-se em imposição excessiva lançada contra o devedor, formada
a modo absolutamente indevido, eis que em situação cuja causa não se
lhe pode atribuir. Assim é porque, de fato, ao litigante em processo judicial não é dado responder pelo tempo transcorrido até a final solução
do litígio — senão nos casos de condutas típicas sujeitas a cominações
legais próprias, de que não se cuida in casu — e de definitiva resolução
de sua obrigação, enquanto se sirva regularmente dos meios de defesa
que a lei lhe garante.
É o que se dá, máxime quando o obrigado é ente fazendário, ao qual,
ademais dos instrumentos de proteção de manejo voluntário, socorre o
sistema de duplo grau de jurisdição oficial. Afirmo-o tendo por induvidoso que subordinado a tal equação, ao devedor não se há de carregar
honorária advocatícia crescente em agravação progressiva.
Fosse de outra forma, estar-se-ia a alcançar situação carente de mais
mínima razoabilidade, data maxima venia. Tal ocorreria, para exemplificar, na hipótese de reexame — por força de recurso voluntário ou
oficial — de imposição sentencial de parcela indevida contra a Fazenda
Pública. Por indevida mesmo, tal parcela haveria de ser excluída na
quadra recursal, com provimento, pois, do recurso. Inobstante efeito
206
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
reverso, até aí estaria a progredir a ampliação da honorária, porquanto
periódica e constantemente ampliando-se a sua base, assim prosseguindo
adiante, até o total pagamento em regime constitucional de precatório.
É claro que não se pode contemplar esse elastecimento. Bem por
isso, a delimitação da base dos honorários advocatícios, no caso, eu a
tenho por absolutamente necessária. E para fazê-lo, vejo amparo legal
no Código de Processo Civil, quando dispõe sobre a fixação do valor da
causa, válida a transcrição do seu:
“Art. 260. Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma
prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo superior a
1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações.”
Não fora o suficiente, impõe-se notar que neste momento está apenas
a se cuidar de honorários da sucumbência no processo de conhecimento.
Por isso, não se pode omitir consideração ao fato de que, em oportuna
eventual execução no julgado, honorários próprios do processo executivo, com base então no valor atual em execução, ainda haverão de ser
contemplados, forte no artigo 20, parágrafo 4º, in fine, do Código de
Processo Civil, remansosa a melhor jurisprudência, bastante representativos os julgados do egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante
os arestos a seguir:
“EXECUÇÃO. TÍTULO JUDICIAL. HONORÁRIOS.
A execução de título judicial constitui processo autônomo, sendo devidos honorários advocatícios, ainda que não tenham sido opostos embargos. Recurso conhecido
e provido.” REsp nº 159.845/RS, Rel. Min. Costa Leite, 3ª Turma, unânime, DJU
08.02.99, p. 277.
“EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
CABIMENTO.
Na execução por título judicial, é cabível a fixação de honorários advocatícios,
ainda que não embargada. Precedentes da Quarta Turma.
Recurso especial conhecido e provido.” REsp nº 141.013/RS, Rel. Min. Barros
Monteiro, 4ª Turma, unânime, DJU 14.12.98, p. 245.
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO.
São devidos honorários na execução por título judicial ou extrajudicial, embargada
ou não, consoante a nova letra do § 4º do art. 20 do CPC.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
207
Recurso conhecido e provido.” REsp nº 140.448/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª
Turma, unânime, DJU 18.12.98, p. 374.
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 20, § 4º, DO CPC.
1 - Na execução fundada em título judicial são devidos os honorários advocatícios.
Precedente: REsp nº 140.403-RS, Corte Especial.
2 - Embargos de divergência rejeitados.” EREsp nº 159.291/RS, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, 3ª Seção, unânime, DJU 14.12.98, p. 92.
Destarte, não obstante a douta Segunda Seção desta Corte, em relações da espécie, já haver se pronunciado pela não delimitação da base
de cálculo da verba em comento, permito-me insistir no seu cabimento,
agora acrescida a fundamentação, até para ensejar o reexame da matéria.
Assim, tomando por baliza a mesma disposição, no caso dos autos,
à conta da parte vencida, arbitro honorários na ordem de 10% sobre o
valor da condenação (CPC, art. 20, §§ 3º e 4º), delimitada essa base,
porém, no somatório das prestações vencidas ao tempo do aforamento da
ação, mais uma anualidade de prestações então vincendas, com correção
monetária e os juros moratórios incidentes.
Ante o exposto, com a explicitada disposição concernente à verba
honorária, e acompanhando a eminente Relatora no mais.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.137630-2/RS
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb
208
Apelantes: Lauro Schuck e outros
Advogado: Dr. Jorge do Couto e Silva
Apelante: União Federal
Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams
Apelados: (Os mesmos)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
EMENTA
Processual Civil. Embargos à execução. Ação expropriatória. Transação. Cumprimento parcial. Atraso. Juros de mora. Correção monetária.
Expurgos inflacionários. Honorários advocatícios.
. Homologada a transação, comprometendo-se a União a pagar o valor
no prazo de 30 dias e não o cumprindo, havendo saldo remanescente,
certa a existência de diferença em favor dos embargos.
. Cômputo de expurgos inflacionários existentes a partir da data da
transação até o efetivo pagamento, sem afronta à coisa julgada, segundo entendimento já consolidado em Súmulas deste Tribunal, porque tal
sistemática visa a preservar o valor real do débito.
. O Poder Judiciário não pode submeter suas decisões a verdadeiro
aviltamento, permitindo prejuízos para resguardar o enriquecimento
ilícito de quem não pagou na época devida e quer pagar valor irreal e
defasado.
. Sua destinação constitucional e a necessidade de tornar efetiva a sua
atuação impõem-se-lhe reconheça a faculdade de, ao julgar, fazer justiça
ao aplicar a lei, afastando vícios de manipulação dos índices oficiais de
correção monetária do débito, decorrente de política econômica.
. Juros moratórios devidos por expressa previsão legal e incidência
da Súmula 52 deste Tribunal.
. Honorários advocatícios devidos nos embargos à execução, majorados para 10% sobre o valor executado, porque não tratou a União de
quitar a parcela incontroversa.
. Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir.
. Recurso da União improvido.
. Apelação dos embargados provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da União e dar
provimento à apelação dos embargados, nos termos do relatório, voto
e notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 13 de março de 2001.
209
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Juíza Silvia Goraieb, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb: Trata-se de embargos à execução
opostos pela União a qual alega que, homologada transação em 08.02.90
em ação de desapropriação no valor de 2.872.751,30 BTNs mais 5% a
título de honorários advocatícios, houve o pagamento parcial em dezembro de 1990 equivalente a 1.583.816,11 BTNs, restando o saldo de
1.432.572,75 BTNs, devidamente pago em 16.10.96, já corrigido o débito
pela variação da BTN/UFIR, sendo improcedente o pagamento de juros
e expurgos inflacionários não determinados na transação.
Devidamente processado o feito, o MM. Juiz a quo rejeitou os embargos e condenou a embargante em honorários fixados em R$ 2.000,00.
Apelaram os embargados, postulando a elevação dos honorários, porquanto correspondentes apenas a 0.083% do valor da execução, deixando
o julgador singular de considerar o art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.
Também apelou a União sob o fundamento de que houve o pagamento
integral do débito em BTN, descabendo o acréscimo de juros e expurgos
inflacionários, os quais, se devidos, deveriam ser discutidos na via ordinária. Postula a exclusão dos honorários advocatícios por serem indevidos
quando se trata de execução contra a Fazenda Pública.
Contra-arrazoados os recursos, subiram os autos a esta Corte, onde
foram submetidos a Parecer do Ministério Público.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Silvia Goraieb: Consoante os documentos juntados aos autos, em 08.02.90, foi homologada transação entre as partes
pela qual a União comprometeu-se a pagar aos embargados, no prazo
de 30 dias, 2.872.751,30 BTNs, corrigidas até o pagamento pela BTN
mensal (fl. 49-50).
Em 05.12.90, efetuou o pagamento de Cr$ 140.000.000,00 e, em
16.10.96, depositou outra parcela no valor de R$ 1.267.397,11 (fl. 65),
restando ainda um saldo remanescente de R$ 4.759.552,59, para novembro de 1998, conforme planilha apresentada pela própria União (fl. 05).
Resta induvidosa, portanto, a existência de diferença em favor dos
210
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
embargados, cujo montante é objeto de discussão nos presentes embargos,
já que a embargante entende indevida a inclusão no cálculo dos expurgos
inflacionários e dos juros moratórios.
Em que pese o termo de transação, lavrado em 31.12.89, não se referir
aos expurgos inflacionários, prevendo tão-somente a correção pelo BTN,
é certo que não ofende a coisa julgada a integração dos expurgos verificados posteriormente à homologação, os quais são objeto de entendimento
pacificado na jurisprudência já sumulada nesta Casa.
É certo que não há excesso de execução pela atualização do débito
com a inclusão dos expurgos inflacionários, eis que tal sistemática visa,
unicamente, a preservar o valor real do débito, porque os índices oficiais
de correção monetária, de forma sistemática, jamais espelham a inflação
verdadeira, face às manipulações econômicas.
Partindo da certeza de que a atualização monetária não constitui um
plus, representando apenas mera atualização da moeda, frente ao processo
inflacionário, não há dúvidas que o Poder Judiciário não pode ficar inerte, submetendo suas decisões a verdadeiro aviltamento, permitindo que
aqueles que o procuram venham a sofrer prejuízos em seu patrimônio
para resguardar o enriquecimento ilícito de quem não pagou na época
devida e quer pagar em valor irreal e defasado.
Esta não é a missão do Poder Judiciário, segundo sua destinação
constitucional e a necessidade de tornar efetiva a sua atuação impõem-se-lhe reconheça a faculdade de, ao julgar, fazer justiça ao aplicar a lei,
visando a resguardar os fins sociais a que se dirige.
Por isso, quando existe previsão legal a regrar a atualização monetária
do débito, e os índices oficiais manipulados contiverem vícios decorrentes de expurgos, por razões de política econômica, devem eles ser
considerados como de real inflação e como tal ser computados no cálculo.
No caso dos autos, os expurgos postulados dizem respeito a período
posterior à formalização do acordo sobre o valor a ser pago e que não
foi na época devida, razão pela qual devem ser computados até o efetivo pagamento, ou seja, como no cálculo considerado não foi incluído
o expurgo inflacionário de janeiro/89, aqueles integrados devem ser
mantidos, por corresponderem à defasagem do valor acordado pela falta
de pagamento na época oportuna.
Por outro lado, também devidos os juros moratórios por expressa
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
211
previsão legal (art. 1.064 do Código Civil), deixando a União de comprovar de que modo teria havido a alegada incidência de juros sobre juros.
A respeito da matéria, aplicável a Súmula nº 52 deste Tribunal que
dispensa maiores considerações a respeito.
Assim sendo, irretocável a decisão monocrática que, a rigor segue
jurisprudência firme desta Casa.
Sucumbência
É mantida a condenação da União ao pagamento de honorários advocatícios, porquanto é entendimento já sedimentado na Turma o cabimento
de honorários nos embargos à execução.
Quanto ao valor arbitrado pelo julgador singular (R$ 2.000,00), a irresignação dos embargados deve ser analisada frente à realidade dos autos.
O arbitramento da verba honorária está adstrito ao critério de valoração, que deve estar perfeitamente delineado em lei processual.
Para isso, o artigo 20 do Código de Processo Civil fixa os parâmetros
que devem ser seguidos quando se depara com essa situação, determinando expressamente o seguinte:
“ART. 20 A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que
antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos
acasos em que o advogado funcionar em causa própria.
§ 1º ...........
§ 2º ...........
§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo
de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos:
a) o grau de zelo profissional;
b) o lugar da prestação do serviço;
c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço.
§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não
houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas
ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas
as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.”
No caso em exame, a matéria versada nos autos exigiu esforço do
procurador quando atuou no feito, o que impõe seja estabelecida uma
equação capaz de cumprir com o princípio da apreciação eqüitativa
consubstanciado no parágrafo 4º do art. 20 antes transcrito.
212
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Por outro lado, consoante entendimento da Turma, devem ser considerados o conteúdo econômico do pedido e a natureza da ação, sendo
apropriado para este caso o percentual de 10% sobre o valor da execução,
porque tendo sido a execução promovida posteriormente a 16.10.96,
quando remanescia em aberto expressiva parcela do débito, não seria
cabível a fixação de honorários apenas entre a diferença que a União
reconhece e aquela que o Tribunal entende devida, até porque não tratou
de efetuar o pagamento da parcela incontroversa.
Prequestionamento
O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido,
pelas razões de decidir, o que dispensa consideração a respeito, vez que
deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado.
Em face do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação
da União e dar provimento à apelação dos embargados.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.144768-0/PR e
2000.04.01.144769-2/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti
Apelante: União Federal
Advogado: Dr. José Diogo Cyrillo da Silva
Apelante: Cooperativa Agropecuária Mista do Vale do Ivaí Ltda.
Advogados: Dr. Renato de Oliveira
Dr. João Renato Bittencourt de Oliveira
Apelados: (Os mesmos)
EMENTA
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
213
Responsabilidade civil. Indenização. Incêndio. Contrato de locação
parcial de área. Obrigatoriedade da locatária em manter contrato de
seguro da área locada.
1. A responsabilidade civil extracontratual está contida no art. 159
do Código Civil, o qual se aplica ao agente que causar dano a outrem,
através de ação voluntária, negligência ou imprudência.
2. O art. 1.058, parágrafo único, do Código Civil define o caso fortuito
ou de força maior como o que se verifica no fato necessário, cujos efeitos
não era possível evitar ou impedir.
3. Não provada a culpa, esta não se pode presumir, tornando impossível a outorga do direito à reparação.
4. Resta comprovado, da simples leitura contratual, que a locatária
não estava obrigada a contratar seguro proporcional à parte locada; ao
contrário, o locador, pessoa jurídica de direito público, é quem deveria
manter segurados seus bens imóveis contra riscos de incêndios e eventuais sinistros.
.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da Cooperativa
Agropecuária Mista do Vale do Ivaí Ltda.- COPIVA e negar provimento
à apelação da União, nos termos do relatório e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de abril de 2001.
Juiz Valdemar Capeletti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti: Trata-se de ação ordinária ajuizada pelo Instituto Brasileiro do Café – IBC, autarquia federal, extinta
em 28.02.1992, com a publicação no D.O.U. da Exposição de Motivos
n.º 33, do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, através da
Lei n.º 8.029/90. Em decorrência da extinção do IBC, a UNIÃO assumiu
os direitos e obrigações pertinentes àquela autarquia, vindo daí que, doravante, é sucessora da mesma e, portanto, parte no presente processo.
214
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
A parte autora ingressou com ação de reparação de danos contra Cooperativa Mista do Vale do Ivaí Ltda. - COPIVA, sustentando que esta
agiu com omissão, negligência e imprudência em relação ao patrimônio
público, cabendo-lhe ressarcir os danos causados.
Informou que mantém com a requerida, há muitos anos, contrato
de locação parcial de área, na cidade de Ivaiporã/PR, sendo objeto do
contrato a utilização parcial pela COPIVA do armazém de propriedade
do IBC, exclusivamente para armazenamento de café, cereais, algodão
e sementes diversas.
Alegou que, no dia 24.03.1991, aproximadamente às 16 horas, o encarregado do armazém do IBC constatou um incêndio no local locado à
COPIVA, onde estava estocado algodão de propriedade desta. O sinistro
veio a atingir, além do algodão albergado, as sacas de café de propriedade
governamental. Informou que, após 5 (cinco) dias, o armazém do IBC
encontrava-se irremediavelmente destruído, continuando o estoque de
café em chamas. Aduziu, ainda, que, no mesmo mês de março, a COPIVA
enfrentou outros sinistros da mesma natureza e que não teve a cautela de
manter um funcionário especialmente designado à prevenção de incêndios. Pretendeu a caracterização da “culpa in vigilando”.
Por fim, requereu que a reparação dos danos sofridos fosse apurada
em liquidação de sentença, na forma dos arts. 603 e seguintes do Código
de Processo Civil. Pediu a procedência da ação, a intimação da União
como litisconsorte ativo necessário ou como assistente litisconsorcial
facultativo e a concessão dos privilégios da Fazenda Pública. Atribuiu à
causa o valor de Cr$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros).
Intimada, a União requereu sua admissão como assistente adesiva,
obtendo deferimento.
Citada, a COPIVA contestou o feito, sustentando que, na verdade,
foi vítima do incêndio. Alegou que o armazenamento de algodão não
pertencia à categoria capaz de oferecer dano ao prédio e aos produtos
estocados, e que usava adequadamente o prédio, cumprindo todas as especificações técnicas. Aduziu que o IBC sempre foi rigoroso e mantinha
permanentemente vigilância e fiscalização, através de seus prepostos.
Além disso, provia regularmente a manutenção do sistema elétrico do
armazém, através de funcionários especializados, visando à segurança
dos próprios bens e daqueles pertencentes ao IBC.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
215
Acrescentou que, no dia do incêndio, ao término do expediente, o armazém, os produtos e as mercadorias estavam em absoluta ordem. No que
tange à estocagem de algodão, alegou que este era prensado e enfardado
e que, após o período de “dormência”, quando se verifica a inexistência
de fagulhas, somente através de ação externa poderá incendiar.
Aduziu que a vigilância do prédio, das mercadorias e dos produtos
armazenados incumbia ao IBC, pois, em outubro de 1989, recebeu um
comunicado de que este havia contratado uma empresa especializada em
vigilância, “Miramar de Segurança S/C Ltda.”, para prestar serviços de
segurança 24 horas por dia, ocasião em que foi dispensada pelo autor de
prover a vigilância do imóvel locado, deixando de possuir as chaves dos
portões que dão acesso ao armazém. Destacou que o sinistro ocorreu no
período de vigência desse contrato.
Nesse contexto, manifestou sua intenção de reconvir, para receber
do requerente os prejuízos que sofreu com o incêndio. Mencionou que
o IBC, mesmo sabendo que o café demora vários dias para ser consumido pelo fogo, não tomou nenhuma providência para retirá-lo logo de
início, impedindo os funcionários da requerida de retirarem as sacas de
café ali armazenadas. Referiu que o IBC não mantém seguro sobre seus
bens móveis e imóveis, além de não possuir equipamentos de combate
a incêndio. Pediu a improcedência da ação. Juntou documentos.
Ajuizou, a COPIVA, ação de reconvenção nos mesmos fundamentos
da contestação.
Com a extinção do IBC, a União requereu que passasse a constar nos
autos como parte-autora, sendo-lhe deferido o pedido.
Em contestação à reconvenção, a União aduziu que no contrato não
havia qualquer cláusula que a eximisse da responsabilidade pela segurança e conservação do imóvel. Acrescentou que os vigias contratados
pelo IBC tomaram as providências necessárias ao combate do incêndio.
Alegou que, embora o contrato firmado com a reconvinte permitisse a
estocagem de algodão, esta assumiria os riscos que pudessem ocorrer
de tal fato, devendo ser aplicada a teoria objetiva. Requereu a improcedência da reconvenção.
Realizou-se a inquirição de 3 (três) testemunhas indicadas pela COPIVA. A União não requereu produção de provas.
Apresentadas razões finais, os autos foram anotados para sentença.
216
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Sobrevindo a sentença, o Juiz sentenciante, sem preliminares suscitadas, apreciou diretamente o mérito, fundamentando sua decisão na
ausência de nexo de causalidade entre o fato e a conduta da COPIVA,
pois nos autos do Inquérito Policial, instaurado para apurar as responsabilidades pela ocorrência do evento, restou concluído como indeterminada a origem do sinistro. Nesse contexto, concluiu como advento
da causa a isenção de responsabilidade do caso fortuito e força maior,
inviabilizando o pleito indenizatório, formulado tanto na demanda originalmente proposta, quanto na reconvenção que a sucedeu. Dessa forma,
julgou parcialmente procedente o pedido indenizatório formulado pela
União, devendo a COPIVA somente reparar os danos, que independem
de culpa, se não contratado o seguro a que estava obrigada a requerida,
decorrente da Cláusula Quinta do contrato de locação, que estabelece a
obrigatoriedade de manter a ré-locatária contrato de seguro relativamente
à área locada. O pedido reconvencional formulado pela COPIVA foi julgado improcedente. Foram estabelecidos os honorários advocatícios das
partes, em ambas as ações, a serem compensados, suportando cada uma
delas o respectivo pagamento, haja vista que a ré-reconvinte sucumbiu
em parcela mínima na ação indenizatória. Custas processuais a cargo de
cada um dos litigantes.
Inconformada, a União interpôs recurso de apelação, manifestando
que a sentença merece reforma no que tange à ocorrência de caso fortuito e força maior, argumentando que está suficientemente comprovada
a obrigação de ressarcimento total dos danos causados pela COPIVA.
Aduz, outrossim, que, os funcionários da COPIVA não receberam
treinamento especial para lidar com a mercadoria albergada e no combate a incêndios.
Sustenta que a empresa de vigilância contratada pelo IBC tinha como
função regular a entrada e a circulação de pessoas no armazém, ou
seja, proteger o local contra ação de terceiros, portanto, não era de sua
obrigação verificar as condições do produto armazenado, bem como de
mantê-lo em ordem. Insurge-se contra o advento da causa de isenção de
responsabilidade de caso fortuito ou força maior, porque o requisito de
inevitabilidade não está presente. Junta jurisprudência.
Por derradeiro, requer a alteração da sentença no tocante à compensação dos valores referentes aos honorários, bem como a procedência
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do recurso, para reformar a sentença, condenando a parte apelada ao
pagamento do valor total do prejuízo causado, com a conseqüente condenação nas verbas sucumbenciais.
Por seu turno, apelou a COPIVA, pleiteando a reforma do decisum
no tocante à obrigatoriedade desta em manter contrato de seguro relativamente à área locada, visto que a parte-autora não fundamentou a
ação nesse sentido. Assim, inocorrendo sustentação na inicial, de que
o dever de indenizar decorre de obrigação contratual, o julgamento foi
extra petita.
Além disso, manifesta que houve equívoco por parte do julgador ao
interpretar o contrato de locação, primeiramente, porque refere a Cláusula Quinta do referido contrato como sendo a cláusula que obrigava a
COPIVA a manter seguro do imóvel, quando, na verdade, foi à Cláusula
Quarta a que pretendeu se referir. Em segundo lugar, equívoco maior
reside na sua interpretação, pois a referida cláusula não obrigava a Apelante a manter contrato de seguro do imóvel locado, mas tão-somente a
custear as despesas relativas ao seguro na proporção de sua locação, ou
seja, a obrigação de manter o seguro não era da COPIVA, mas sim do IBC.
Assevera que a Cláusula em questão está consignada no item “despesas”, e não naqueles itens considerados obrigações principais; que é
impossível contratar seguro de área parcial do imóvel; que a Cláusula
Décima ressalva o direito do locador de retomar o espaço locado e que
este era ora reduzido ora ampliado, porquanto totalmente inviável a
contração de seguro, conforme prova acostada à fl. 24; que a Cláusula
Oitava, item 5, dispõe que a COPIVA é obrigada tão-somente a ressarcir
o IBC do seguro do imóvel, todavia este não possuía contrato de seguro
dos seus imóveis, sendo, portanto, impossível ressarci-lo.
Por derradeiro, sustenta que a COPIVA não estava obrigada a contratar
seguro, porquanto está desobrigada de reparar o dano por essa causa; requer a improcedência da ação proposta pelo IBC; e a reforma do decisum
no que toca aos honorários advocatícios, levando-se em conta o valor
indenizatório pleiteado na ação proposta pelo IBC e o valor pretendido
na reconvenção ajuizada pela COPIVA.
Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
À douta revisão.
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VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Valdemar Capeletti: Passo a examinar o recurso de
apelação interposto pela Cooperativa Agropecuária Mista do Vale do
Ivaí Ltda. - COPIVA, visto que o seu fundamento versa sobre a não-obrigatoriedade de contratação de seguro proporcional à área locada
do imóvel. Na seqüência, analisarei a questão controvertida ventilada
no apelo da União, qual seja a extensão da culpa da locatária e a caracterização do caso fortuito, ou de força maior, como advento de isenção
do dever de indenizar.
Pleiteia a COPIVA a reforma da sentença no tocante à parcial procedência do pedido ajuizado pelo IBC, ora sucedido pela União, que teve
como fundamento a obrigação da locatária de contratar seguro. Para tanto,
faz-se necessário interpretar o contrato de locação anexado ao processo.
Trago à colação a Cláusula Quarta do referido contrato, na qual restou
embasada a r. decisão monocrática:
“CLÁUSULA QUARTA – DAS DESPESAS
Correrá por conta da COPIVA a execução dos serviços concernentes à preservação,
manutenção e conservação da área locada, asseio e higiene, vigilância, seguros e taxas
devidas aos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, tudo proporcionalmente
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Branca
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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
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Branca
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 97.04.39566-3/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz José Germano da Silva
Apelante: Silvio Paulo dos Santos Ribeiro
Advogados: Dr. Amadeu de Almeida Weinmann
Dr. Hermann Homem de Carvalho Roenick
Apelante: Ministério Público
Advogado: Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Apelados: Os mesmos
EMENTA
Penal. Processo Penal. Estelionato contra a Previdência. Configuração. Crime continuado (eventualmente permanente). Prescrição e
nulidades. Inocorrência. Omissão relevante. Comissão.
1. Consistindo em recebimento fraudulento de benefício previdenciário, o estelionato renova-se a cada mês. Havendo recurso do Ministério
Público pleiteando a majoração da pena, não há reconhecer a prescrição
retroativa.
2. A nulidade relativa deve ser argüida na primeira oportunidade e
com demonstração do prejuízo. O Código de Processo Penal não exige a
oitiva da defesa sobre desistência de testemunha do Ministério Público.
3. Se a soma das penas mínimas cominadas é superior a um ano, não
há cogitar do benefício do artigo 89 da Lei nº 9.099/95. Precedentes.
4. É de se ter por configurado o crime de estelionato se o agente, apoR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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sentado por doença mental, assume cargo estadual, omitindo tal situação
e permanecendo no gozo do benefício. Tipifica-se o mesmo delito se o
agente, durante as perícias médicas, simula sintomas de alienação mental
e presta informações falsas ao examinador.
5. A pena de multa deve guardar consonância com a privativa de
liberdade aplicada na sentença.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar parcial provimento a ambos os recursos
de apelação, nos termos do relatório e notas taquigráficas, que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 1999.
Juiz José Germano da Silva, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz José Germano da Silva: Trata-se de apelações (do
acusado e do MPF) contra sentença que julgou “PARCIALMENTE
PROCEDENTE o pedido condenatório veiculado pelo Ministério Público Federal para o efeito de condenar o réu Sílvio Paulo dos Santos
Ribeiro, ao início qualificado, às penas de 07 (sete) anos de reclusão e
de 170 (cento e setenta) dias-multa à razão unitária de 01 (um) salário
mínimo (observados os meses antes referenciados acerca da consumação
dos delitos continuados), por infração à norma do art. 171 (por duas vezes), parágrafo 3º (uma vez), c/c os arts. 69 e71, todos do Código Penal
Brasileiro, mais as custas processuais”, em regime inicial semi-aberto.
A denúncia assim se manifestou:
“O denunciado acima qualificado foi empregado do Banco do Estado do Rio Grande
do Sul no período de 20.03.67 a 28.07.70, conforme informação à fl. 119.
Em 29.07.70 (fl. 119), ou em 05.08.70 (fl. 236), o denunciado entrou em gozo de
auxílio-doença junto ao então Instituto Nacional de Previdência Social - INPS, benefício
este que se prolongou até a data de 31.03.76.
A partir de 01.08.76, o denunciado passou a perceber do INPS o benefício de
aposentadoria por invalidez, que perdurou até 30.04.79 (informação a fls. 236/237).
De 26.05.83 a 31.12.86, o denunciado novamente entrou em gozo de auxílio-doença
junto ao INPS, e, de 01.01.87 a 30.09.94, o referido benefício foi transformado em
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
aposentadoria por invalidez (informação a fl. 225).
A incapacidade alegada, via de regra, era de ordem mental, como se verifica dos
laudos médicos de fls. 239 e seguintes. Por ocasião de entrevistas médicas, referiu,
inclusive, que esteve internado durante um ano na Clínica Pinel (fls. 273v. e 282), o
que não foi confirmado pela citada Clínica (fls. 215 e 220).
Verifica-se, assim, que o denunciado esteve alegadamente incapacitado para o
trabalho, recebendo benefícios previdenciários por isto, nos períodos de 29.07.70 ou
05.08.70 até 31.03.76, de 01.08.76 até 30.04.79 e de 26.05.83 até 30.09.94.
Somente no último período referido, o denunciado percebeu do atual Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a quantia de R$ 22.246,22, equivalentes a 35.840,53
UFIRs, conforme cálculo juntado a fls. 227/230.
Além disto, o denunciado também percebeu da Fundação BANRISUL de Seguridade Social, desde o mês de outubro de 1976 até, no mínimo, o mês de junho de 1994,
suplementação de aposentadoria por invalidez, cujo benefício, em data de 13.06.94,
correspondia a 37,60 URVs, de acordo com informação de fls. 119/121.
Embora haja percebido os benefícios previdenciários durante os períodos acima por
incapacidade para o trabalho, o denunciado, em data de 17.01.78, foi nomeado Delegado
de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul e passou, desde então e até os dias atuais,
a exercer diferentes funções junto à Secretaria de Justiça, no Instituto Psiquiátrico
Forense Maurício Cardoso da SUSEPE, lecionando em cursos de formação de agente
de segurança penitenciária e monitor penitenciário, integrando o Conselho Estadual
de Entorpecentes etc., conforme se pode verificar de seus assentamentos funcionais
juntados a fls. 124/130 e 146/159.
Em relação à Fundação BANRISUL de Seguridade Social, ainda é de referir-se que
o denunciado continuou a perceber o benefício de suplementação de aposentadoria
por invalidez mesmo após haver rescindido seu contrato de trabalho com o Banco do
Estado do Rio Grande do Sul S/A, como consta do documento de fl. 176.
O denunciado, portanto, percebeu benefícios previdenciários por incapacidade para
o trabalho do Instituto Nacional do Seguro Social - auxílio-doença e aposentadoria
por invalidez -, nos períodos de 17.01.78 até 30.04.79 e de 26.05.83 até 30.09.94,
e da Fundação BANRISUL de Seguridade Social - suplementação de aposentadoria
por invalidez -, desde 17.01.78 até o mês de junho de 1994, ambos de forma indevida
e fraudulenta, alegando doença mental que o incapacitava para o trabalho, induzindo
e mantendo em erro a autarquia previdenciária e a fundação bancária, pois desempenhava atividade laboral junto ao Estado do Rio Grande do Sul, tendo, assim, plena
capacidade para o trabalho.
Assim agindo, o denunciado antes qualificado praticou o delito de estelionato,
previsto no art. 171, caput, do Código Penal, por duas vezes, em concurso material uma contra o INSS e outra contra a Fundação Banrisul -, sendo que ambas de forma
continuada e com o acréscimo previsto no parágrafo terceiro do dispositivo citado”
(fls. 03 a 05).
O Ministério Público, em seu recurso, pede que a pena-base seja
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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aumentada para 3 (três) anos de reclusão e a multa para 185 dias-multa
(ao argumento de que todas as variantes operacionais são desfavoráveis
ao acusado), bem como que a majoração pela continuidade delitiva seja
no percentual máximo (2/3), (em razão do elevado número de condutas
- 150 e 210 vezes).
O acusado S.P.S.R., em seu apelo, argúi (1) a prescrição da ação penal
(porque os fatos teriam ocorrido em 26 de maio de 1983, e a denúncia foi
recebida em 07 de junho de 1995, decorridos mais de 12 anos, previstos
no art. 109, III, do Código Penal); sustenta (2) a nulidade do processo
(porque não houve concordância da defesa quanto à desistência de oitiva
de testemunha da acusação); e (3) a nulidade do processo (porque não
lhe foi deferida a suspensão dele, com base na Lei 9.099/95).
No mérito, sustenta a legalidade e a moralidade de sua aposentadoria por invalidez porque o art. 12 da Lei nº 8.213/91 expressamente o
exclui do Regime Geral da Previdência Social e porque o seu retorno à
atividade não foi na mesma função que exercia anteriormente, daí por
que inaplicável o art. 46 da Lei 8.213/91, como quer a sentença. Após
longas considerações, onde historia os fatos desde a sua origem e a brilhante carreira do acusado (advogado, professor, Delegado de Polícia e
administrador público) culmina por requerer a sua absolvição.
O recurso do MPF foi contra-arrazoado.
Parecer ministerial opinando pelo provimento do recurso da acusação
e desprovimento do apelo da defesa.
A defesa, posteriormente, requereu a juntada aos autos das conclusões do inquérito instaurado no INSS contra a testemunha Luiz Carlos
Ribas Reiffel, que opinou no sentido da ausência de infração por aquele
procurador autárquico. Requerem também a juntada de sentença absolutória em processo onde fora acusado pela prática do delito do art. 306,
parágrafo único, do Código Penal.
Houve pedido de preferência no julgamento pela acusação e pela
defesa.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz José Germano da Silva: Examino inicialmente o
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pedido de reconhecimento da prescrição da ação penal, feito pelo acusado.
Do exame da denúncia, verifica-se que a acusação é de prática de
estelionato por duas vezes, em concurso material, uma contra o INSS e
outra contra a Fundação Banrisul, ambas de forma continuada e a primeira com o acréscimo do parágrafo 3º do artigo 171 do Código Penal.
Portanto, a acusação não levou em consideração, neste processo, os
benefícios percebidos do INSS no período de 28.07.70 até 30.04.79,
pois, em caso contrário, o estelionato não seria apenas “por duas vezes,
em concurso material - uma contra o INSS e outra contra a Fundação
Banrisul” (fl. 05). Os períodos questionados são, assim, de 26.05.83 a
30.09.94, em relação ao INSS, e de outubro de 1976 a junho de 1994,
em relação à Fundação Banrisul.
Por seu turno, sustenta o recorrente que se encontrava incapacitado
para o exercício das funções de Delegado de Polícia Estadual (RS)
desde 03 de junho de 1981 e que o laudo que atestou tal incapacidade
foi “desconstituído” pela Justiça em 1995. Conclui que esteve realmente
doente de 1981 a 1995. Alega que, por outro lado, “licenciou-se, por
imposição de laudo médico”, perante o INSS, em 25 de maio de 1983.
Pretende que a prescrição seja contada desde esta data e, tendo a denúncia
sido recebida somente em 07 de junho de 1995, teriam transcorrido mais
de doze anos (no seu entender) e, pois, prescrita a ação penal “à luz do
art. 109, III, do Código Penal”.
Não está correto o raciocínio do acusado.
Como visto, a denúncia e a sentença enquadraram o acusado no
artigo 171 do Código Penal duas vezes (concurso material), na forma
continuada. Consideraram, assim, que ele praticou centenas de condutas
em cada série delitiva, sendo que a primeira delas se encerrou em junho
de 1994 (contra a Fundação Banrisul), e a segunda, em 30 de setembro
de 1994 (contra o INSS).
Ora, como no concurso de crimes a prescrição é contada sobre a
pena de cada um deles isoladamente, bem como tendo em vista as penas
abstratamente cominadas - 5 anos (artigo 171, CP) e 7 anos e 8 meses
(artigo 171, § 3º, CP) -, com prescrições em 12 anos (artigo 109, III,
CP), se operou a prescrição em abstrato em relação apenas às infrações
praticadas antes de 7 de junho de 1983.
Além disso, não se pode ainda falar em prescrição retroativa, porque
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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o Ministério Público Federal interpôs apelação, exatamente visando ao
aumento das penas.
De outra parte, a conclusão semelhante (ausência de prescrição) se
chegaria se os delitos praticados fossem considerados “eventualmente
permanentes”, hipótese em que incidiria a norma do art. 111, III, do
Código Penal. É que, nesta hipótese, o prazo de 12 (doze) anos teria
iniciado a sua contagem apenas quando da cessação das condutas (junho
e setembro de 1994).
A questão da incapacidade do acusado entre 1981 e 1995, além de não
ter sido reconhecida pela Justiça Estadual, conforme ele mesmo aduz,
não tem relevância em relação à prescrição.
Assim, qualquer que seja o ângulo sob o qual se examine a questão,
não há prescrição a ser reconhecida, salvo em relação às condutas praticadas antes de 07 de junho de 1983.
A alegação de nulidade pela desistência da testemunha Aldo Sudbrack
da Gama não é nova e já foi devidamente dirimida na sentença, nada
tendo sido trazido de novo:
“Primeiro de tudo, porquanto variadas foram as manifestações da defesa constituída
nos autos deste processo-crime após a homologação referenciada, de que são exemplos:
os requerimentos para substituição de testemunhas (fls. 387, 391, 428 e 429); as audiências para colheita de testemunhos da denúncia e de defesa (fls. 378, 386, 422, 428,
449/458 e 516/517); as oportunidades de vista de juntada de documentos (fls. 479/481
e 515 - , em ambas oportunidades por prazo de 05 dias) e manifestações escritas (fls.
521/522 e 531/532). Em todas essas oportunidades, silenciou a defesa acerca do vício
que, agora, pretende ver reconhecido. É dizer, vários momentos lhe foram concedidos,
sem que houvesse contrariedade à ausência de intimação da homologação da desistência. Não poderá, portanto, somente na fase das alegações finais, vencidas todas aquelas
oportunidades, agitar preliminar de nulidade, sob aquele fundamento.
Não somente isso.
Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a nulidade, no processo
penal, só haverá de ser tida como tal quando o prejuízo alegado pela defesa vier concreta
e objetivamente demonstrado. Por outras palavras, é insuficiente para caracterizá-lo a
simples alegação genérica, sem indicação, para o caso concreto, de que qualidades era
portadora a testemunha para fazer ver ao Juízo até que ponto sua inquirição poderia,
de alguma forma ou de outra, influenciar na descoberta da verdade real e no convencimento judicial acerca dos fatos (art. 566, CPP).
Transcrevo a orientação citada:
‘Em tema de nulidade no processo penal, as vigas mestras do sistema assentam-se
nas seguintes assertivas: (a) ao argüir-se nulidades, dever-se-á indicar de modo objetivo os prejuízos correspondentes, com influência na apuração da verdade substancial
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e reflexo na decisão da causa; (b) em princípio, as nulidades consideram-se sanadas se
não forem argüidas no tempo oportuno, por inércia da parte’ (STJ, REsp. nº 80.355/
PR, DJU 08.11.96, p.43.277).
Ademais disso, agora no campo doutrinário, preleciona Ada Pellegrini Grinover et
alii, in As Nulidades no Processo Penal, Editora Malheiros, 2ª ed., p. 127, com indicação
de jurisprudência, aí inclusa a do Supremo Tribunal Federal, que:
‘O código não exige a oitiva da defesa sobre a desistência de testemunha pelo Ministério Público. Deve, assim, o advogado do réu, se pretender ouvir a mesma pessoa,
incluí-la no rol que apresentar, ou ainda, substituir uma testemunha por ela’.
No caso em tela, observo que a defesa, nas oportunidades já aludidas, poderia ter
substituído, se assim o quisesse ter feito, uma das testemunhas por ela arroladas por
aquela que, nesse passo, reputa sobremaneira importante para o deslinde da ação
penal. Todavia, restou inerte”. (fls. 798/800) - Grifos no original
Rejeito esta preliminar.
A terceira prefacial diz respeito à nulidade do processo em face da
não-concessão do benefício da Lei 9.099/95.
No que concerne ao art. 89 da referida lei, a matéria já foi objeto
de requerimento e decisão em primeiro grau, tendo sido decidido que
o acusado não fazia jus à suspensão do processo, em razão de que
estava sujeito, mesmo em tese, a pena superiores a 1 (um) ano, para
cada uma das séries delitivas.
Em alegações finais, a matéria foi novamente ventilada - apesar de não
ter havido recurso da decisão anterior -, agora sob a forma de preliminar
de nulidade, como é feito também na apelação.
Mas também aqui não tem razão o recorrente, não havendo nenhuma
nulidade a ser sanada, porquanto corretamente indeferida a suspensão
do processo, conforme vem decidindo esta Colenda 1ª Turma em hipóteses de concursos de crimes e de continuidade delitiva, em que as
penas somadas montam em mais de 1 (um) ano de reclusão (HC nº
1999.04.01.043439-9/SC, julgado em 28.09.99, Relator Juiz José Luiz
B. Germano da Silva, unânime).
Vencidas as preliminares, passo ao exame do mérito.
Os fatos, como se vê dos documentos do processo, podem ser assim
resumidos. O acusado iniciou a trabalhar na Cooperativa de Consumo
dos Bancários do RS, em 04.04.63, com 18 anos de idade (nasceu em
26.03.45), onde foi “auxiliar” até 31.01.64. Depois trabalhou como auxiR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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liar de inspetoria, em 1966, na Mesbla S.A, por apenas 8 dias. Em 20 de
março de 1967, passou a ser contínuo do Banco do Estado do RS, onde
ficou até 04.09.79 (fls. 34 a 36). Durante este período (1967 a 1979),
obteve, no antigo INPS, o benefício de auxílio-doença, em 28.07.70,
que perdurou até 31.03.76. Cinco meses após ter alta, aposentou-se por
invalidez (doença mental) em 01.08.76, permanecendo nesta condição
até 30.04.79, quando obteve alta. Neste interregno, isto é, enquanto
estava aposentado, obteve, em outubro de 1976, a complementação da
aposentadoria que vinha recebendo, verba esta que passou a ser paga
pela Fundação Banrisul, da qual era segurado por força de seu emprego
no referido BERGS.
Em 17 de janeiro de 1978, enquanto recebia estes dois benefícios - aposentadoria do INPS e complementação da Fundação Banrisul, concursou-se
e foi nomeado Delegado de Polícia do Estado do RS. Esta aposentadoria
por invalidez cessou em 30.04.79, como dito, mas a complementação
dela pela Fundação Banrisul continuou sendo paga até o mês de junho
de 1994, quando foi suspensa. Este é um dos delitos imputados ao réu: a
manutenção do recebimento desta complementação após sua nomeação
como Delegado de Polícia.
Em 1º de junho de 1981, o acusado foi contratado como advogado de
Reci e Moraes Ltda., permanecendo nesta condição até 30.04.82. Depois,
em 1º de maio de 1982, foi contratado advogado (retificado para gerente)
do Bailão Santos Ltda. (fls. 36 dos autos e 13 do apenso). Em outubro
de 1979, inscrevera-se como advogado autônomo no INPS, passando a
contribuir também nesta condição.
Com base nestas contribuições requereu e obteve, em 26.05.83,
auxílio-doença, por estar incapaz para o trabalho, com o diagnóstico
298.90 (Psicose não-especificada). Este benefício foi convertido em
aposentadoria por invalidez, em 1º de janeiro de 1987, com o mesmo
diagnóstico (fls. 278/282). Tal benefício só veio a ser cancelado em
30.09.94, quando o réu pediu e teve deferida a sua alta (fl. 293). Este é
o outro estelionato imputado ao réu.
Este o resumo dos fatos relevantes que, além de serem incontroversos,
estão alicerçados por prova documental, como destacado na sentença.
Defende-se o réu com os artigos 12 e 46 da Lei nº 8.213/91.
Ora, como bem apanhado na decisão recorrida, o art. 12 (“O servidor
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civil ou militar da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, é excluído
do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado nesta lei, desde
que esteja sujeito a sistema próprio de previdência social”) não serve
aos propósitos do acusado, porque visa
“meramente afirmar que servidores públicos (lato sensu) não participam dos benefícios
conferidos aos segurados, obrigatórios ou facultativos, da Previdência Social (arts. 11 e
12, Lei nº 8.213/91). Diferente é a ótica penal. Para esta, é suficiente que alguém, tendo
recorrido às benesses do Regime Previdenciário e, por isso mesmo, vinculando-se à
Lei de regência, há de estar ciente de que, ao iniciar qualquer outra atividade (a Lei não
faz distinção alguma, justamente para evitar a continuação da percepção fraudulenta de
benefícios), tem o dever moral e legal de comunicar ao ente previdenciário a respeito
disso. A partir do momento em que se omite, continuando a perceber vantagens patrimoniais, inicia, ipso facto, a manter o INPS/INSS em erro” (fls. 827/828).
Por outro lado, o art. 46 da mesma Lei 8.213/91 (“O aposentado por
invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno”)
“desponta com toda a sua higidez, impondo, como imperativo lógico de sua normatividade, o dever de o beneficiário de parcelas previdenciárias comunicar oficialmente ao
INSS o início de outra atividade remunerada, assim como determinava a norma que o
precedia (art. 120 do Decreto nº 83.080/79), vigente no ano de 1983, quando SÍLVIO,
na parte que aqui interessa, começou a perceber parcelas previdenciárias. É, antes de
tudo, um dever moral.
Comentando o art. 46 do atual Regime do Plano de Benefícios da Previdência Social, que, em essência, nada altera a normatização anterior, Wladimir Novaes Martinez,
em sua obra Comentários à Lei Básica da Previdência Social, ed. LTr, 2ª ed., p. 202,
assim leciona:
‘O retorno do percipiente de aposentadoria por invalidez ao trabalho dá-se após
a alta médica, ou seja, depois de ter recuperada a capacidade para o desempenho de
suas funções, aplicando-se, então, o disposto no art. 47. Isto, nos termos do artigo em
epígrafe, voluntariamente, isto é, por vontade própria do segurado.
Este último regressando ao labor, normalmente, pressupõe a higidez do trabalhador, impondo-se, em conseqüência, o cancelamento do benefício, desde o início das
atividades.
O RBPS não faz distinção entre titular de aposentadoria por invalidez provisória ou
definitiva, nem tampouco disciplina, como fazia o art. 120 do Decreto nº 83.080/79,
a situação daquele que, tendo reiniciado o trabalho, e não se sentindo em condições,
requer novamente o mesmo benefício, logo em seguida.
O art. 46 do RBPS regra o segurado que se julga capaz para o trabalho e seu direito
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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de pedir nova avaliação médica.
Receber o benefício por incapacidade e trabalhar constitui burla à lei previdenciária, matéria a ser vista à luz do disposto no art. 130 do RBPS” (grifei) (fls. 829 a 831).
Parece irrespondível que, tendo o acusado recebido o benefício
porque era incapaz de trabalhar (por ser psicótico), deveria ele tão logo
recuperasse tal capacidade, comunicar o fato ao órgão previdenciário,
porque cessou a própria causa, a razão do recebimento deste benefício.
E não importa que o retorno tenha se dado em um cargo estadual,
porque se existe a capacidade de trabalhar é porque não existe a razão a
causa para o recebimento do benefício.
Mas há um fato que agrava sobremaneira a situação do acusado. É
que a sua aposentadoria pública (INPS/INSS) foi extinta em 30.04.79,
quando ele próprio solicitou alta do benefício (fls. 265/266).
Assim, a contar desta data ele passou a receber a complementação
de um benefício sem que tivesse direito ao principal (a aposentadoria
pública).
Depois desta alta é que, como visto, ele começou suas contribuições
como advogado e como gerente do “bailão” que culminaram com seus
novos pedidos de benefícios (auxílio-doença em 26.05.83 e nova aposentadoria por invalidez em 31.12.86). Ressalte-se que tais benefícios
foram requeridos e deferidos também com base em incapacidade para o
trabalho por doença mental, quando o acusado já era, desde 1978, Delegado de Polícia (ainda que readaptado para assessor administrativo).
É interessante notar que, além desta função, o réu exercia a advocacia
(testemunho da fl. 424 de um de seus colegas de escritório), pelo menos
de 1981 a 1988 ou 1989, o que também lhe rendeu problemas com a
OAB (idem).
Assim, ao contrário do que refere a sentença, estes benefícios são
posteriores ao seu retorno ao trabalho, o que agrava a situação: não se
trata de mera omissão em comunicar, mas, sim, o cometimento concreto
do delito contra a Previdência, através do ato comissivo de requerer novo
benefício por invalidez.
Sustenta o acusado que, nas perícias a que se submeteu, pedia para
não ser aposentado (fl. 766) e que, portanto, não é responsável pelo deferimento deste benefício.
É importante examinar o contexto de tais pedidos, transcrevendo as
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anotações dos médicos que o examinaram, em tais ocasiões:
No dia 16.08.83:
- História da doença atual “Queixa de mal-estar. Não consegue trabalhar. Deseja suicidar. Está
em tratamento com psiquiatra.”
- Relatório “ ...ansioso idéias suicidas. Posição existencial muito negativa; ninguém presta e ele também, por isso deseja morrer.”
- Diagnóstico “Psicose - 298.90” (fl. 270v.)
No dia 08.11.83:
- História da doença atual “Esgotamento, mas não quer se aposentar. Refere precisar da perícia a qual se refere como ‘humilhação’. Toma Gardenal e Neozine.
Descuidado”.
- Relatório “..., fala monótona; afeto hipomodulado. Sente-se mal no hospital”.
- Diagnóstico “Depressão ! Psicose? Incapaz, quadro depressivo...” (fl. 271v.)
No dia 24.02.84:
- História da doença atual “Fala sem cessar, não quer baixar (tem de...), já foi aposentado (mas
‘levantou’ sua aposentadoria)”.
- Relatório “Tem medo de ser aposentado. Ansiedade (ilegível). Trata-se.”
- Diagnóstico “Psicose (299?) . 29890” (fl. 272v.)
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No dia 11.11.85:
- História da doença atual “Está separado da esposa .. não gosta de ser inquirido, já sofreu
muitas perdas ... entrou em parafuso. Durante toda a conversa mantém
olhar fixo no espaço. Tem internação psiquiátrica prévia. Mantém sorriso
inexpressivo todo o tempo.”
- Relatório “Rígido, confuso, sem juízo crítico,...”.
- Diagnóstico “Psicose. 298.9/0” (fl. 276v.)
No dia 25.04.86 (última perícia antes da transformação do auxílio-doença em aposentadoria invalidez):
- História “Diz que anda depressivo. Diz que esteve hospitalizado na Pinel
(1ano)...; não dorme bem à noite. Fez uso de ... (...)”.
- Relatório “Lúcido, coerente. Bom porte físico. Não tem receitas ou atestado.
Diz que separou da esposa e... o perturbou. Bem falante.
Depressivo”.
- Diagnóstico “Psicose (?). 298.9/0” (fl. 278v.)
Na mesma época em que prestava tais informações aos médicos da
Previdência, o acusado exercia seu cargo na Polícia Estadual, onde fora
nomeado para integrar o Conselho Estadual de Entorpecentes (fl. 132),
advogava (fl. 424), lecionava e assistia a cursos (fls. 881/882). Em juízo
afirma que nunca esteve internado na Clínica Pinel, negando que tivesse
afirmado isto aos médicos da Previdência (fl. 331). Também não consta do
processo que alguma vez tenha feito tratamento psiquiátrico ou ingerido
medicação psiquiátrica.
Assim tenho que procedem as acusações, porque o réu deliberadamente enganou os médicos da Previdência. Este o ardil.
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A defesa não impugna a dosimetria das penas. Entretanto, o recurso
ministerial o faz, pleiteando o aumento da pena privativa de liberdade
para um total de 11 anos e 8 meses de reclusão e da pena pecuniária para
185 dias--multa para cada delito.
No que concerne à pena-base de dois anos de reclusão, tenho que não
procede o apelo da acusação. Além das razões já expostas na sentença,
anoto que o acusado restou absolvido nos dois outros feitos a que respondeu, na Justiça Estadual (fl. 959). Portanto, não procede a alegação
de que todas as circunstâncias do art. 59 lhe são desfavoráveis. Além
disso, como destacado na sentença, ele é tecnicamente primário. Assim,
adequada a fixação da pena-base em 2 (dois) anos de reclusão. Pelo menos
quanto ao estelionato perpetrado contra o INSS.
Quanto ao outro - praticado contra a Fundação Banrisul - tenho que
a sentença merece um pequeno reparo, porque considerou como se fossem idênticas as circunstâncias dos dois crimes, quando, em realidade,
naquele (INSS), como dito, a conduta do acusado foi comissiva, tendo
ele atuado positivamente para obter o benefício pretendido, ludibriando
os psiquiatras da Previdência. Enquanto, neste (Banrisul), a conduta foi
omissiva, limitando-se a não-comunicação à Fundação do seu retorno
ao trabalho.
Portanto, iníqua a fixação de pena-base idêntica quando as circunstâncias foram diversas.
Em razão disso, altero a sentença para estabelecer a pena-base em 1
(um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e não mais nos 2 (dois) anos de
reclusão lá fixados.
Da mesma forma, merece confirmação a sentença quanto ao aumento
pela continuidade delitiva, em metade. É certo que as infrações são em
número muito elevado. Entretanto, algumas já teriam sido alcançadas
pela prescrição (ver preliminar deste voto), se considerada a prescrição
retroativa, pelas penas ora fixadas.
De outra parte, algumas circunstâncias da prática de cada série de
infrações permitem afirmar que uma tem vinculação com a outra, ainda
que não se possa reconhecer a continuidade entre a série praticada contra
o INSS e a praticada contra a Fundação Banrisul.
Assim, mantenho a sentença quanto à pena privativa de liberdade fixada para o estelionato contra o INSS (quatro anos de reclusão) e reduzo
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a mesma para privativa de liberdade para o estelionato praticado contra
a Fundação Banrisul para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
O recurso ministerial também merece ser provido parcialmente, no
que respeita à pena de multa. E assim é porque os mesmos critérios utilizados pela sentença e neste voto para a fixação da pena-base privativa
de liberdade, levariam a uma pena de multa de 100 (cem) dias-multa e
120 (cento e vinte) dias-multa para cada um dos delitos e não apenas os
170 dias-multa fixados na sentença para as mesmas infrações.
Assim, observados os próprios parâmetros da sentença, aumento a
pena de multa, fixando-a em 100 (cem) dias-multa para o delito contra a
Fundação Banrisul e, para o outro, contra o INSS, em 120 (cento e vinte)
dias-multa, à razão unitária de 1 (um) salário mínimo.
Em conseqüência, fica o acusado S. P. S. R. condenado às penas de
06 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão e de 220 (duzentos e vinte)
dias-multa à razão unitária de 1 (um) salário mínimo, por infração à
norma do artigo 171 (por duas vezes), § 3º (uma vez), combinados com
os artigos 69 e 71 do Código Penal.
Ante o exposto, dou parcial provimento a ambos os recursos.
É o voto.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1998.04.01.015177-4/RS
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Maria Lúcia Luz Leiria
Apelante: Ministério Público
Advogado: Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Apelado: D.A.A.
EMENTA
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Aposentadoria rural. Regime de economia familiar. Aposentadoria
urbana. Cumulação. Impossibilidade. Estelionato qualificado. Inocorrência. Rejeição da denúncia.
É indevida a aposentadoria rural em regime de economia familiar
quando o segurado já percebe aposentadoria urbana, não constituindo,
porém, crime o fato de o beneficiário requerer aquele benefício, mormente quando pessoa humilde, sem conhecimento da lei previdenciária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e manter a rejeição da denúncia,
nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de março de 2001.
Juíza Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de apelação
interposta contra decisão que, forte no art. 43, I, do CPP, rejeitou a denúncia oferecida contra D.A.A., como incurso no art. 171, caput, c/c §
3º do Código Penal.
A ação penal ajuizada contra o ora apelado decorre de possível fraude,
mediante a qual o apelado omitiu o fato de ser aposentado pela prefeitura
e apresentou documentos para se aposentar como rurícola, tendo recebido,
indevidamente, o valor de 4.830,99 UFIRs dos cofres do INSS.
O MM. Juízo Federal rejeitou a denúncia ao fundamento de que não
se caracterizou o estelionato e, portanto, de ser atípico o fato ora descrito.
Em suas razões de apelo, o Ministério Público Federal afirma que
estão presentes todos os elementos que caracterizam o crime de estelionato imputado ao ora apelado, devendo ser reformada a decisão de
primeiro grau.
O digno representante do Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso interposto.
É o relatório.
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erro, obtendo ilicitamente a concessão de aposentadoria rural indevida,
eis que já beneficiário da previdência social urbana como aposentado
pela prefeitura municipal.
Compulsando os autos, verifico que não há indícios de uso de artifício,
ardil ou qualquer outro meio fraudulento para a obtenção do referido
benefício. O réu apresentou termo de homologação firmado pela Promotora de Justiça do Município de Santana do Livramento, pedido de
encaminhamento de aposentadoria rural e Folha de Informação Rural
firmados pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Santana do Livramento, termos de declaração de que exercia atividade
em regime de economia familiar em seu estabelecimento rural, certidão
de casamento, comprovantes de pagamento do ITR em nome da esposa, notas fiscais de produtor emitidas por Leontina G. da Luz e outros
e formal de partilha relativo à área rural, além de cópia do documento
de identidade (fls. 9-23). A pedido da autarquia previdenciária, foram
apresentados comprovantes de vacinação do gado e um talão de notas
fiscais de produtor (fls. 27, 28 e 32).
Concedida a aposentadoria rural ao réu, como segurado especial, produtor em regime de economia familiar, posteriormente foi “constatada a
necessidade de reavaliação da documentação que embasou a concessão
do benefício em referência” (fl. 35).
Chamado a prestar esclarecimentos, o réu declarou ser aposentado
como funcionário público municipal desde 1992, depois de trabalhar por
trinta e cinco anos, e que, há mais de vinte anos, mora, não-permanentemente, no campo, onde cria algumas cabeças de gado e planta pequenas
roças para consumo da família (fl. 37). Em razões de recurso, esclarece
que é aposentado por tempo de serviço como funcionário público municipal e que recebe aposentadoria rural por idade (fl. 46).
Os documentos apresentados estão de acordo com o estipulado pelo
artigo 106, parágrafo único, da Lei 8.213/91, comprovando o exercício
de atividade laborativa rurícola, nos termos do artigo 143, inciso II, da
mesma lei (redação anterior à Lei 9.063/95).
Impossível, porém, enquadrar o acusado como segurado especial,
uma vez que não se configurou o regime de economia familiar. Neste
sentido, a legislação pertinente prevê:
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“art. 11 - São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoa física:
...
VI - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário
rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam atividades,
individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxílio eventual
de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores
de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente,
com o grupo familiar respectivo.
§ 1° Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos
membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições
de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
...”
No caso, a atividade rurícola ocorreu de maneira subsidiária, não
sendo fonte exclusiva de renda. Assim, não ficou caracterizado o regime
de economia familiar, considerando que os rendimentos do réu provêm,
principalmente, de aposentadoria estatutária.
Tal fato, no entanto, não deve levar à conclusão de que atuou o
acusado de maneira ardilosa, com vistas a lesar a previdência social.
Pedreiro aposentado (fl. 39), o réu é pessoa de poucas letras, razão pela
qual é razoável que não tivesse conhecimento da incompatibilidade do
recebimento de duas aposentadorias, urbana e rural. Se recebeu ambos os
benefícios, estes foram concedidos pela própria autarquia previdenciária
que, ao analisar o pedido, não teve os cuidados necessários para verificar
se a aposentadoria rural por idade era devida ou não ao requerente.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a rejeição
da denúncia.
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HABEAS CORPUS Nº 2000.04.01.105416-5/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro
Impetrantes: Francisco de Assis do Rego Monteiro Rocha e outro
Impetrado: Juízo Substituto da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/
PR
Paciente: C.D.B.C.J.
EMENTA
Habeas corpus. Direito de apelar em liberdade. Antecedentes. Princípio da presunção de inocência: art. 5º, LVII, CF/88. Artigo 594 do CPP.
Ordem pública. Instrução criminal. Aplicação da lei penal.
1 - Em decorrência do princípio constitucional da presunção de inocência, insculpido no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal de 1988,
no sentido de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”, extrai-se que a prisão provisória somente é admitida em caráter excepcional, nas hipóteses onde
fique plenamente demonstrada a sua necessidade. 2 - Nesse contexto,
a regra inscrita no artigo 594 do Código de Processo Penal deve ser
interpretada em consonância com os aludidos princípios constitucionais, condicionando-se a negativa de apelar em liberdade à existência
de fatores concretos e objetivos que demonstrem que o status libertatis
do condenado representa ameaça efetiva à ordem pública, à ordem
econômica ou à aplicação da lei penal (art. 312-CPP). 3 - A existência
de outros procedimentos criminais movidos contra o réu não é motivo
suficiente para a decretação da custódia cautelar, mormente, na espécie,
em que o acusado respondeu todo o processo em liberdade. Precedentes.
4 – Encerrada a fase probatória, não há falar em prisão cautelar como
forma de assegurar a instrução criminal. De igual forma, não se justifica a
negativa ao paciente de apelar em liberdade em um determinado processo como meio de garantir a idoneidade da fase instrutória de outros. Se
efetivamente há essa necessidade, a prisão preventiva deve ser decretada
nesses feitos, e não em procedimento diverso. 5 – A circunstância de
ter o réu, durante a tramitação do feito, em mais de uma oportunidade,
e com expressa autorização judicial, empreendido viagem ao exterior
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sem deixar de comparecer a todos os atos processuais para os quais fora
intimado, sendo posteriormente, preso nas dependências da Vara, elide,
em princípio, a presunção de que, após o trânsito em julgado da decisão
condenatória, empreenderá fuga, frustrando, assim, a aplicação da lei
penal. 6 – Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 19 de outubro de 2000.
Juiz Élcio Pinheiro de Castro, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de habeas corpus,
com pedido liminar, impetrado por Francisco de Assis do Rêgo Monteiro
Rocha e outros, em favor de C.D.B.C.J., contra ato do MM. Juiz Substituto da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba - Dr. Moser Vhoss - que
negou ao paciente o direito de apelar em liberdade.
Consoante se depreende dos autos, em sentença proferida na Ação
Penal nº 97.0010542-3, o paciente foi condenado às penas de 04 (quatro)
anos e 05 (cinco) meses de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa, no valor
unitário de 15 (quinze) vezes o valor do salário mínimo vigente à época
dos fatos, pela prática, em continuidade delitiva (art. 71 - CP) de crimes
tipificados no artigo 304, c/c os arts. 298 e 299, todos do Código Penal,
pelo uso indevido, em ocasiões diversas, de 04 (quatro) procurações
falsas destinadas a instruir processos perante a Justiça Federal.
Nessa decisão, a ilustre autoridade impetrada fundamenta a necessidade da prisão ante tempus do paciente como garantia da ordem pública,
por conveniência da instrução criminal, bem como para assegurar a futura
aplicação da lei penal. Aduz que o acusado, além de responder a outros
procedimentos criminais, continuou praticando ilícitos, porquanto está
envolvido em inquérito policial que apura possível existência de crime
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consistente na falsificação de guias DARFs referentes à empresa Libre
Importação e Exportação Ltda., havendo, ainda, evidências de que C.
promoveu a instauração fraudulenta de um inquérito, na Polícia Civil,
imputando indevidamente esse fato a terceira pessoa (Derli de Souza).
Por fim, considerando haver indícios de provável fuga do paciente, caso
sobrevenha condenação definitiva, fundamenta a prisão como forma de
garantir a efetiva aplicação da lei penal.
Contra esse decisum foi impetrado o presente habeas corpus. Os
defensores do paciente sustentam, em síntese, que, além de o réu ser
primário, com bons antecedentes e residência fixa, a simples instauração
de um inquérito policial, cujos fatos ainda estão sendo investigados, não
tem o condão de justificar a segregação antecipada. Asseveram inexistir perigo quanto à aplicação da lei penal, visto que o acusado sempre
compareceu a todos os atos do processo para o qual fora intimado, sendo
preso dentro da própria Vara Federal, circunstância que elide qualquer
presunção de fuga.
Nesse contexto, alegando constrangimento ilegal à locomoção do
paciente, requerem a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma, para que ele possa apelar em liberdade da sentença
condenatória.
A liminar foi deferida (fls. 2020-2026).
A ínclita autoridade impetrada prestou informações, sustentando a
manutenção do ato guerreado (fls. 2040-2047). Juntou cópias de peças
processuais (fls. 2048-3847).
Oficiando nos autos, o ilustre agente da douta Procuradoria da República, Roberto Luís Oppermann Thomé, ofertou parecer opinando pela
denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: A decisão deferitória
da medida de urgência praticamente esgotou o exame da matéria. Em
razão disso, para evitar a desnecessária tautologia, tomo a liberdade de
reproduzir seu conteúdo:
“Ab initio cabe referir que, em exame perfunctório dos presentes autos, consoante
bem analisado pela ilustre autoridade impetrada, o acusado efetivamente não possui
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comportamento exemplar, visto que, além da ação penal referente a este writ, responde a outros procedimentos criminais perante a Justiça Federal pela prática de crimes
contra a ordem tributária (Lei nº 8.137/90) e contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei
7.492/86). Houve a decretação, inclusive, em mais de uma oportunidade, de sua prisão
preventiva, que foram posteriormente revogadas mediante habeas corpus, ora por esta
Corte, ora pelo Superior Tribunal de Justiça. Em virtude desses fatos delituosos foram
instaurados os respectivos procedimentos criminais, nos quais o réu está sendo severamente punido. Exemplo disso é a presente ação penal, cuja sanção in abstracto ao
crime de uso de documento falso varia entre 01 (um) e 05 (cinco) anos, e o paciente
foi condenado, em continuidade delitiva (art. 71 - CP), à pena de reclusão de 04 (quatro) anos e 05 (cinco) meses, ou seja, quase o máximo da reprimenda cominada. Entretanto, a vexata quaestio do presente mandamus não diz respeito à indubitável reprovabilidade dos fatos delituosos atribuídos ao paciente, mas, sim, em definir se até o
trânsito em julgado dessas ações penais é imprescindível sua segregação cautelar.
Nesse aspecto, considerando o princípio constitucional da presunção de inocência,
insculpido no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal de 1988, no sentido de que
‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’, aliado ao disposto no inc. LXVI do referido artigo constitucional determinando que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’, extrai-se que a prisão cautelar somente é admitida em caráter excepcional, nas hipóteses onde fique plenamente demonstrada a sua
necessidade. Diante disso, a regra inscrita no artigo 594 do Código de Processo Penal
- impedindo o apelo em liberdade do réu que não for primário ou não tiver bons antecedentes - deve ser interpretada em consonância com os aludidos princípios constitucionais, condicionando-se a negativa de apelar em liberdade à existência de fatores
concretos e objetivos que demonstrem que o status libertatis do condenado representa ameaça à ordem pública, à ordem econômica ou à aplicação da lei penal (art. 312CPP). A existência de outros processos movidos contra o réu não é motivo suficiente
para decretar a prisão ante tempus, mormente nas hipóteses em que o acusado respondeu o processo em liberdade. Este foi o entendimento manifestado pela 1ª Turma
deste Tribunal no julgamento do habeas corpus nº 1998.04.01.047958-5, Rel. Juiz
Amir José Finocchiaro Sarti, DJU de 23.09.98, pág. 508, que, por unanimidade, assim
decidiu: ‘HABEAS CORPUS - ANTECEDENTES - CUSTÓDIA CAUTELAR - NECESSIDADE. Tendo o acusado respondido solto o processo, somente deverá recolher-se à prisão para apelar de sentença condenatória, mesmo tendo antecedentes, se suficientemente demonstrada a necessidade da custódia cautelar, nas hipóteses previstas
no art. 312 do CPP.’ No mesmo sentido cabe referir a decisão tomada pela 2ª Turma
desta Corte ao apreciar o habeas corpus nº 2000.04.01.038608-7/RS (Rel. Juiz Vilson
Darós, DJU 19.07.2000, p. 179), onde ficou assentado que ‘apesar da edição da Súmula nº 09 do Superior Tribunal de Justiça, a exigência do recolhimento do réu à prisão
para apelar está vinculada à efetiva necessidade, que deve ser verificada a partir dos
elementos contidos nos autos, não bastando a invocação pura e simples dos maus antecedentes. Ainda que declarados os maus antecedentes dos pacientes na sentença de
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primeiro grau, estes responderam a todo o processo em liberdade, sem que tivesse sido
decretada a sua prisão preventiva ante-riormente, devendo ser justificada, por outros
meios, a necessidade da prisão processual, que não a mera e simples invocação do
famigerado preceito contido no art. 594 do Código de Processo Penal’. O Egrégio STJ,
no julgamento do Recurso de Habeas Corpus nº 8.831/SP (Rel. Ministro Vicente Leal,
DJU de 27.11.99) também decidiu que ‘se o réu permaneceu em liberdade durante o
longo curso da instrução criminal e não se demonstrou no dispositivo da sentença
presença de alguma das circunstâncias inscritas no art. 312 do CPP, a exigência de
recolhimento à prisão para apelar é descabida, passível de desconstituição por via de
habeas corpus, sendo irrelevante mera referência a maus antecedentes’. Diante desse
quadro, o fato de tramitarem outras ações penais contra o ora paciente não é motivo,
por si só, para justificar sua segregação antes do trânsito em julgado desses feitos.
Aliás, a própria decisão impugnada, por ocasião da dosimetria da pena, aduz ‘que o
réu não registra antecedentes, posto ser cediço que inquéritos e processos em andamento e condenações pendentes de recurso não se enquadram no conceito dos mesmos’.
Nada obstante, constato que este não é o único fundamento da segregação antecipada.
Relata a ilustre autoridade apontada como coatora que, após a tramitação da presente
ação penal, foi instaurado inquérito policial onde se apura possível envolvimento do
acusado em falsificações de guias DARF’s referentes à empresa Libre Importação e
Exportação Ltda., havendo, ainda, evidências de que C. promoveu a instauração fraudulenta de um inquérito, na Polícia Civil, imputando indevidamente esse fato a terceira pessoa. Além disso, aponta o envolvimento do paciente em possíveis outras fraudes.
Diante desses fatos, fundamenta que ‘a prisão preventiva do réu se justifica para assegurar a idoneidade da instrução criminal, sendo, por isso, medida conveniente e, em
verdade, necessária, no caso em questão, para evitar que atos fraudulentos como os
antes mencionados tornem a ocorrer, gerando repercussão não apenas sobre o presente processo, mas, inclusive, sobre diversos outros procedimentos aos quais o acusado
responde, alguns dos quais situam-se na fase de inquirição de testemunhas, e outros
ainda na fase das investigações realizadas pela autoridade policial’. Primeiramente,
não se pode negar haver indícios do possível envolvimento do paciente na instauração
de um inquérito policial contra um tal de Derli de Souza, em que foi atribuído a este a
suposta falsificação das guias DARF’s. Entretanto, essa situação ainda não está consolidada, restando prematura a conclusão antecipada de que foi o acusado quem efetivamente falsificou as referidas guias, e deu causa, assim, à instauração indevida da
mencionada investigação policial, cuja definição se dará a posteriori. Conforme reconhece o MM. Juízo a quo ‘bem verdade que todos os elementos que apontam para a
produção fraudulenta de um inquérito na Polícia Civil objetivando acobertar a responsabilidade criminal investigada pela Polícia Federal, haverão de ser analisados em
processo criminal autônomo; é certo, também, que é nesse processo autônomo que,
afinal, será definido se o acusado C. é ou não responsável pela produção dessa fraude’.
Diante disso, mostra-se precipitada a custódia ante tempus do paciente com base nesse fundamento. Não se pode presumir a culpabilidade do réu por este fato, quando a
Constituição Federal expressamente consagra o princípio da presunção de inocência
(art. 5º, LVII). Por outra parte, tampouco se justifica a prisão do paciente como forma
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de ‘assegurar a idoneidade da instrução criminal’ quando essa já se encontra encerrada,
visto que foi prolatada sentença condenatória. A respeito do tema, Fernando da Costa
Tourinho Filho (in Processo Penal, Saraiva, 20ª edição, Vol. 3, p. 472) é taxativo ao
afirmar que ‘a custódia cautelar só pode ser decretada até o oferecimento das ‘alegações
finais’, que encerram a fase instrutória. Melhor diria: até a fase do art. 499.’ Logo,
encerrada a fase probatória, não há falar em prisão cautelar como forma de ‘assegurar
a idoneidade da instrução criminal’. Nesse sentido, trago à colação ementa do seguinte julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: ‘PROCESSUAL PENAL. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO
DURANTE TODO O PROCESSO. 1 - Após o advento da Constituição Federal de
1988, introduzindo no sistema jurídico pátrio o princípio da presunção de inocência,
não basta à luz do art. 594 do CPP, para o acusado que respondeu o processo em liberdade, invocar-se a condição de crime hediondo como forma de condicionar eventual
recurso de apelação ao prévio recolhimento à prisão. Faz-se mister decisão fundamentada onde se coloque em destaque a necessidade da custódia, que se dá quando verificadas, in concreto, as hipóteses autorizadoras da medida prevista no art. 312 do CPP,
excluída, evidentemente, a causa relativa à conveniência da instrução criminal. Precedentes do STJ.’ (6ª Turma, Habeas Corpus nº 8.606/MG, Rel. Ministro Fernando
Gonçalves, DJU de 17.05.99, p. 243). De outro lado, mostra-se descabida a prisão do
paciente como forma de assegurar a instrução dos outros feitos criminais aos quais o
acusado responde. Não se justifica a negativa ao paciente para apelar em liberdade em
um determinado processo como meio de garantir a idoneidade da fase instrutória em
outros. Se efetivamente há essa necessidade, a prisão preventiva deve ser decretada
nesses feitos, e não em procedimento diverso. Derradeiro fundamento da negativa ao
paciente para apelar da sentença em liberdade repousa no fato de que ele estaria atentando contra a efetiva aplicação da lei penal, em caso de condenação definitiva. Tal
assertiva decorre do fato de que, no período entre 27.06.2000, quando foi cassada liminar concedida em habeas corpus impetrado perante esta Corte, e 06.07.2000, ocasião
em que o STJ restituiu sua liberdade, não foi ele encontrado para o cumprimento do
mandado de prisão que, até a decisão da Corte Superior, possuía plena eficácia. Diante disso, concluiu a ínclita autoridade impetrada: ‘há, pois, indicação de que o acusado
ocultou-se para que não houvesse cumprimento da ordem de prisão preventiva então
vigente, e a presunção havida é a de que, se mantido em liberdade, em havendo condenação definitiva, com eventual expedição de nova ordem de prisão, outra vez não
encontrará ele receios e escrúpulos que o impeçam de lançar-se novamente para local
onde não mais possa ser encontrado para aplicação da lei penal’. Entretanto, os fatos
concretos e objetivos constantes nos autos não permitem chegar a essa conclusão.
Primeiramente, deve ser dito que a referida prisão foi considerada ilegal pelo Egrégio
Superior Tribunal de Justiça, não cabendo cogitar, nesse momento, se aquela decisão
foi correta. Segundo aspecto que elide a presunção de fuga do paciente está relacionado com a certidão acostada aos autos à fl. 32, exarada pelo Diretor da Secretaria da 2ª
Vara Federal Criminal de Curitiba/PR, atestando ‘que todos os pedidos de viagem para
o exterior formulado pelo acusado ora nominado, foram deferidos por este juízo. CerR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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tifico, ainda que constam destes autos o comparecimento do acusado a todos os atos
processuais que fora intimado e que fazia-se necessária a sua presença’. Nesse contexto, o comportamento do réu, durante a instrução dos processos aos quais responde, não
dá respaldo a presunção de que, em caso de condenação definitiva, empreenderá fuga
frustrando a aplicação da lei penal, mormente na espécie em que o acusado, em mais
de uma oportunidade, e com expressa autorização judicial, foi ao exterior sem deixar
de comparecer a todos os atos processuais para os quais fora intimado, sendo, posteriormente, preso nas dependências da Vara Federal. Consoante bem decidiu a 6ª Turma
do STJ, por ocasião do julgamento do habeas corpus nº 11.826/MA (Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 27.03.2000, p. 137) ‘a prisão preventiva - dado o seu caráter de antecipação da sanção - é excepcional e somente encontra justificativa na necessidade, exigindo a sua decretação elementos concretos, configuradores, na realidade,
de uma das hipóteses previstas no art. 312 do Código de Processo Penal, com integral
exclusão, portanto, de simples presunções, sempre de conteúdo abstrato”.
Complementando esse decisum, necessário tecer algumas considerações no tocante aos informes prestados às fls. 2040-2047. Sustentando a
manutenção do ato hostilizado, especialmente no tocante à ordem pública,
aduz o MM. Juiz impetrado
“ser indevido que se exija, para caracterização de uma situação de ‘risco’ para a ordem
pública, fatos cabalmente provados e já submetidos a um julgamento judicial definitivo
que os tenha contabilizado em desfavor do paciente”.
Assevera, ainda, que
“entendimento contrário a esse ora exposto parece implicar tornar-se inócuo o preceito do art. 312 do Código de Processo Penal: de efeito, se aqueles fatos tomados em
desabono de determinado réu, que caracterizam os pressupostos da prisão preventiva,
devem mesmo ter sua ocorrência reconhecida numa sentença judicial já passada em
julgado para que somente depois tal medida coercitiva possa ser decretada, então essa
mencionada decretação, em verdade, já nem mais teria razão de ocorrer, já que se poderia, nesse caso, cuidar para que o réu em questão fosse segregado de modo a desde
logo principiar o cumprimento da pena definitivamente imposta na sentença referida,
ao invés de submetê-lo à custódia cautelar”.
Nesse aspecto, a toda evidência, assiste razão ao ilustre julgador singular, sendo, indubitavelmente, desnecessário, para a prisão provisória,
que as condutas, em tese, ilícitas, praticadas pelo acusado e representativas de ameaça à ordem pública, já tenham sido reconhecidas como
procedentes em decisão transitada em julgado. Como é cediço, basta
para a custódia cautelar a existência de prova da materialidade e indícios
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
suficientes de autoria, nos termos preconizados pelo artigo 312, in fine,
do estatuto penal adjetivo.
Entretanto, para a decretação da medida extrema, dado seu caráter de
antecipação da sanção, a análise dos pressupostos suso arrolados deve
ser feita cum granus salis, restringindo-se àquelas hipóteses em que
haja elementos concretos e objetivos apontando para a necessidade da
medida coercitiva, especialmente nos casos em que o acusado respondeu o processo em liberdade. Conforme bem preleciona Ada Pellegrini
Grinover e outros (in As Nulidades no Processo Penal, Editora Revista
dos Tribunais, 6ª ed., 1999, p. 290)
“a sumariedade ou superficialidade da cognição, com efeito, não se confundem com
o arbítrio ou qualquer forma de automatismo no que se refere aos provimentos que
importem restrição ao direito de liberdade; ademais, se a lei se contenta com mero juízo
de probabilidade relativamente ao fumus boni juris, o mesmo não pode ser afirmado
quanto ao periculum libertatis, que deve obrigatoriamente resultar de avaliação mais
aprofundada sobre as circunstâncias que indicam a necessidade da medida excepcional”.
Nesse contexto, entendo que a simples existência de inquérito policial em que se investigam fatos controvertidos - de um lado, o paciente
atribui a prática de crime de falsificação de determinadas guias à terceira
pessoa – Derli de Souza – e, por outro lado, ele aduz que o fato delituoso
foi praticado por C. – torna prematura a conclusão antecipada, com base
em tais dados, da existência dos pressupostos legais para a prisão cautelar. Não se está exigindo o trânsito em julgado de decisão condenatória,
apenas considerando que a situação fática é complexa e duvidosa quanto
à autoria dos atos criminosos citados. Caso o Ministério Público tivesse
efetuado sua opinio delicti com o oferecimento da peça acusatória e esta
fosse recebida, a situação seria outra, porquanto, nessa hipótese, já haveria uma cognição sumária no tocante aos pressupostos legais da prisão
ante tempus, quais sejam, prova da materialidade e indícios de autoria.
Diante desse quadro, em face da precariedade do inquérito policial
inconcluso, considero que não há elementos seguros de que a conduta
do paciente representa ameaça à ordem pública.
Outro ponto que merece destaque diz respeito aos decretos prisionais
lavrados contra o paciente, posteriormente revogados, ora por esta Corte,
ora pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Nesse tópico, propugna a
ínclita autoridade impetrada que seja levado em consideração o enten247
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
dimento do Juiz condutor do processo quanto à necessidade da medida
coercitiva. Assim se manifestou o MM. Juiz a quo:
“Cabe frisar, aliás, que em quatro ocasiões, já foi decretada a prisão preventiva
do paciente, sendo que todos os decretos foram exarados por magistrados diversos. O
signatário destas informações é, pois, o quinto julgador que decreta a prisão cautelar do
paciente, fazendo-o, é sempre conveniente frisar, com base em fatos e motivos diversos daqueles nos quais se embasaram os outros magistrados. Este juízo não se abstém
de respeitosamente clamar, enfim, no sentido de que, se por V. Exa. entendido como
cabível no caso em enfoque, também o princípio do prestígio ao julgador que mais
perto conduz o processo venha a ser considerado (consoante precedente do Superior
Tribunal de Justiça: Habeas Corpus nº 542/GO, autos nº 90.000131685, Rel. Min. Cid
Flaquer Scartezzini, DJU 27.05.97), seja quando de eventual análise quanto à mantença
dos efeitos da liminar que deferiu a colocação do paciente em liberdade, seja quando
da decisão atinente ao mérito propriamente dito da impetração.”
Ab initio, insta registrar que, geralmente, se considera, em vários
aspectos processuais, tais como prisão preventiva, fixação da pena etc.,
a posição privilegiada do magistrado instrutor do feito, visto estar mais
perto, no tempo e no espaço, dos fatos e dos acusados. Em virtude disso,
suas decisões são de extrema relevância na aplicação do direito, devendo
as instâncias supe-riores considerar tal aspecto em seus julgados. Aliás,
este julgador, em particular, tem privilegiado as decisões monocráticas.
Entretanto, tal circunstância não pode ser considerada de forma
absoluta. Precisa ser devidamente analisada, levando-se em conta as
peculiaridades do caso concreto. E essa é a situação dos autos. Em que
pesem as doutas razões da ínclita autoridade apontada como coatora,
não há como manter prisão preventiva por conveniência da instrução
criminal quando esta fase processual já se encontra encerrada, bem
como, conforme já referido na decisão liminar, ‘mostra-se descabida a
prisão do paciente como forma de assegurar a instrução dos outros feitos
criminais aos quais o acusado responde. Não se justifica a negativa ao
paciente para apelar em liberdade em um determinado processo como
meio de garantir a idoneidade da fase instrutória em outros. Se efetivamente há essa necessidade, a prisão preventiva deve ser decretada nesses
feitos, e não em procedimento diverso’. De igual forma, não há como
permanecer custódia cautelar para assegurar a aplicação da lei penal
quando há certidão nos autos atestando que o acusado, em mais de uma
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.078690-9/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz José Germano da Silva
Apelante: G. L.
Advogado: Dr. Nadyr Zimmermann
Apelante: C. R. R. S.
Advogado: Dr. William Esperidiao David
Apelante: N. R. A.
Advogado: Dr. Julio Goes Militao da Silva
Apelante: P. C. J.
Advogados: Dr. Ali Fauaz
Dr. William Esperidiao David
Apelado: Ministério Público
Advogado: Dr. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
EMENTA
Penal e Processo Penal. Crime de moeda falsa e quadrilha comprovados. Nulidade. Consumação do delito de quadrilha. Organização
criminosa. Apelação em liberdade. Regime inicial fechado. Pena-base.
Lei 9.714/98. Substituição.
1. Não havendo prejuízo, incabível a declaração de nulidade, consoante o art. 563 do CPP.
2. A prática do delito de moeda falsa e quadrilha restou plenamente
comprovada nos autos.
3. O crime de quadrilha consuma-se no momento em que ocorre a
associação de mais de três pessoas para a prática de crimes, independentemente dos delitos que seus participantes venham a praticar.
4. Bastam os requisitos exigíveis para o crime do art. 288 do Código
Penal, para configurar a organização criminosa.
5. Plenamente aplicável ao caso dos autos o art. 9º e 10 da Lei nº
9.034/95, os quais estabelecem, respectivamente, que o réu não poderá
apelar em liberdade e que o regime inicial será o fechado para o cumprimento da pena.
6. Pena-base acima do mínimo legal, diante do conjunto de circunsR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
249
tâncias judiciais desfavoráveis.
7. Não atendidos os requisitos subjetivos e objetivos, incabível a
aplicação das penas restritivas de direitos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de março de 2001.
Juiz José Germano da Silva, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz José Germano da Silva: Trata-se de ação penal
promovida pelo Ministério Público contra G. L., N. M., C. R. R. S., N.
R. A. e P. C. J., denunciados como incursos nas sanções dos artigos 289,
caput, e 288 do Código Penal.
Segundo narra a peça acusatória:
“Os denunciados G. L., N. M., C. R. R. S., N. R. A. e P. C. J., conscientes da ilicitude da conduta que perpetrariam, associaram-se de forma permanente para o fim
de cometerem crimes, especialmente a fabricação e introdução de moeda falsa no
território nacional.
Para tanto no dia 10 de fevereiro de 1999, os Denunciados G. L. e C. R. R. S.
alugaram um ‘barracão’ localizado na Rua Eucário Terezio de Carvalho, nº 346, na
cidade de Contenda/PR (doc. Fl. 39), onde seriam instalados os equipamentos para a
contrafação da moeda.
A seguir, os denunciados N. R. A. e P. C. J. adquiriram junto a uma empresa denominada LONK, uma ‘matriz de corte’ pelo preço de R$ 2.600,00, representados por
dois cheques no valor de R$ 1.300,00 (fl. 77), devolvidos pelo Banco sacado por serem
objeto de furto. N. e P. também foram os responsáveis pela aquisição de matéria-prima
para a contrafação da moeda junto à empresa Aço Trio Comércio de Aços Especiais Ltda.
No seio da organização criminosa, os Denunciados G. L. e N. M., que detinham
conhecimento técnico suficiente, ficaram encarregados de operar as máquinas para
a confecção da moeda, enquanto os demais Denunciados responsabilizaram-se pela
introdução da moeda falsa em circulação.
No dia 10 de março de 1999, por volta das 17h30min, Policiais da Polícia Civil do
Estado do Paraná lograram localizar em poder dos Denunciados G. L., C. R. R. S. e N.
250
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
M., 19.560 moedas falsas de R$ 1,00 (um real), acondicionadas em sacos plásticos e
mantidas no interior do ‘barracão’ antes referenciado e que seriam objeto de distribuição
ou introdução em circulação nos Estados do Paraná e São Paulo”.
A denúncia foi recebida em 30.03.99.
Processado o feito, sobreveio sentença, às fls. 417/442, julgando
parcialmente procedente a denúncia para o fim de:
- Absolver o réu N. M., com fulcro no artigo 386, inciso IV, do Código
de Processo Penal;
- Condenar os réus G. L. às penas de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e
20 (vinte) dias de reclusão e multa de 30 (trinta) dias-multa na base de
1/10 do salário mínimo vigente à época dos fatos; N. R. A. às penas de
6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinqüenta) dias-multa,
na base de 2 (dois) salários mínimos vigentes em março/99; e P. C. J. às
penas de 3 (três) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 26
(vinte e seis) dias-multa, na base de 1/30 do salário mínimo vigente em
março/99, pela prática dos delitos previstos nos artigos 288 e 289, caput,
c.c o artigo 69, todos do Código Penal;
- Condenar o réu C. R. R. S. nas penas do mesmo artigo 288, à pena
de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, absolvendo-o da imputação referente ao artigo 289, caput, com base no artigo 386, inciso VI,
do Código de Processo Penal.
Inconformado com a sentença proferida, o réu C. R., interpõe recurso
de apelação, sustentando, em síntese, que não restou tipificado o crime
do art. 288 do Código Penal, que exige um número mínimo de quatro
agentes. Alega que “Se P. C. J. era quase um empregado, naturalmente,
não pode ser considerado como integrante da quadrilha”. Aduz que a
estabilidade e permanência não ficaram comprovadas, não havendo,
portanto, a configuração do crime de quadrilha.
P. C. também apela, alegando, basicamente, em relação ao crime de
moeda falsa, que a ele foi atribuído o fato de ter ido por duas vezes até
a empresa LONK, junto com N., para levar e buscar uma ferramenta.
Este fato foi confirmado pelas testemunhas Klaus e Daniel. Entretanto,
tanto na polícia como em juízo, negou qualquer envolvimento com a
falsificação de moedas. O fato de ter acompanhado N. até a empresa
LONK foi apenas para fazer companhia, pois estava sem fazer nada.
Alega que não foi preso em flagrante no local, nunca esteve no Barracão
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
251
na cidade de Contendas. Assim, o simples fato de ter acompanhado N.
até a referida empresa não faz do apelante co-autor no crime de moeda
falsa. Em relação ao crime de quadrilha, sustenta que como não teve
nenhuma participação na falsificação de moedas, pela lógica não pode o
apelante fazer parte de quadrilha ou bando, mesmo porque não há prova
nos autos da existência de uma societa criminis. Alega, ainda, que não
se aplica os arts. 9º e 10 da Lei nº 9.034/95. Requer a redução da pena-base ao mínimo legal.
O réu N. A. apela, aduzindo que não há prova nos autos de que o apelante tivesse qualquer participação no ilícito penal, que não estava no local
do crime quando os co-réus foram presos em flagrante, não locou imóvel
algum para o cometimento do crime e não obteve qualquer vantagem
com o objeto criminoso. Alega a inexistência do crime de quadrilha ou
bando, porquanto não caracterizados seus elementos. Por fim, insurge-se quanto à penalidade aplicada pelo crime de moeda falsa, bem como
pela determinação do regime inicial fechado para o seu cumprimento.
O réu G. L. interpõe recurso de apelação, sustentando, em síntese,
preliminarmente, que a sentença é nula de pleno direito, tendo em vista
o cerceamento de defesa em prejuízo do recorrente. Alega que quando os
autos já se encontravam conclusos para sentença, o Ministério Público
requereu a juntada de uma petição, pedindo a revogação da liberdade
provisória e opinou para que a pena aplicada fosse elevada. Desta petição,
não houve oportunidade de manifestação para as defesas. No mérito, requer a redução da penalidade por ser réu primário e de bons antecedentes,
devendo ficar no mínimo legal. Postula a aplicação das penas restritivas
de direitos. Aduz, por fim, não haver prova da associação permanente
e que não há crime de quadrilha quando o acordo é para um só crime.
Os recursos de C. R. e P. C. foram contra-arrazoados.
O Ministério Público Federal oferece parecer, opinando pela rejeição
da preliminar argüida por G. e, no mérito, negar provimento às apelações.
É o relatório.
À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz José Germano da Silva: Inicialmente, cabe frisar que
o voto enfrentará os recursos conjuntamente na parte que lhe é comum
252
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
(negativa de autoria; configuração ou não do crime de quadrilha – art.
228 CP; ausência de estabilidade e permanência; arts. 9º e 10 da Lei nº
9.034/95) e de forma específica nas questões que dizem respeito a cada
apelante.
Os recursos não merecem prosperar.
Primeiramente, cabe afastar a preliminar de nulidade de sentença
alegada pelo réu G. L., eis que inocorrente no caso.
Nesse sentido, vale transcrever o entendimento ministerial que, ao
enfrentar a questão, assim se pronunciou (fls. 519/520):
“O fato de os acusados não terem tido vista da petição de fls. 378/379 em momento
algum pode ser alçado a cerceamento de defesa, porquanto naquela peça o Ministério
Público somente participou ao Doutor Juiz o descumprimento das condições da liberdade provisória concedida aos recorrentes em função da prática de novo e idêntico
delito. Assim, se concomitantemente postulou a revogação do benefício, a decretação
da preventiva e o recolhimento como pressuposto de eventual recurso, o pedido, obviamente, prescinde da audiência dos acusados, pois estava em sintonia com os arts.
310, caput, 312 e 594 do CPP.
Quanto ao aditamento às alegações finais, o pleito foi rechaçado (fl. 424), de forma
que estando ausente o prejuízo, não cabe reconhecer-se nulidade (art. 563, CPP)”.
De fato, o MM. Juízo sentenciante à fl. 443 dos autos, afastou a incidência do art. 291 do Código Penal, asseverando:
“Por fim vale dizer que a ação de fabricar ou guardar os maquinismos e objetos
destinados à falsificação das moedas, tipificado no artigo 291 do Código Penal, resta
absorvida pela figura delituosa deste artigo 289, configurando o chamado crime progressivo, consoante autorizada doutrina”.
Assim sendo, não havendo prejuízo, incabível a declaração de nulidade, consoante o art. 563 do Código de Processo Penal.
Nessa esteira, é a jurisprudência do STJ:
“Processual Penal. Nulidade sem prejuízo. Inexistência. (...) Aplicação do princípio
do pas de nullité sans grief, informativo do título ‘Das Nulidades’, constante da lei
processual penal (CPP, art. 563)” (RSTJ 17/383). “Nulidade Processual. Prejuízo para
a defesa. Arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal. Sem a prova da ocorrência
de prejuízo para a acusação ou para a defesa, não se anula nenhum ato processual”
(RSTJ 17/172).
“PROCESSUAL PENAL. NULIDADES. JUNTADAS DE DOCUMENTOS.
PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA. TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO. RECOLHIMENTO À PRISÃO. CRIME GRAVE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
253
INOCORRÊNCIA.
- Em tema de nulidade no processo penal, o princípio fundamental que norteia o
sistema preconiza que para o reconhecimento da nulidade do ato processual é necessário que se demonstre, de modo objetivo, os prejuízos conseqüentes, com influência
na apuração da verdade substancial e reflexo na decisão da causa (CPP, art. 566).
- Recurso ordinário desprovido”. (STJ, RHC nº 5082/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente
Leal, unânime, in DJ 05.08.96, p. 26421)
No tocante ao mérito, melhor sorte não têm os apelantes, porquanto
a prática do delito previsto no artigo 289 do Código Penal, assim como
a prática do crime de quadrilha, ficaram devidamente comprovadas nos
autos.
Para tanto, reporto-me ao parecer ministerial (fls. 520/521) que sintetizou como se passaram os fatos, concluindo pelo acerto da sentença
prolatada:
“12. Ao contrário do alegado à fl. 501, as palavras de G., salvo naquilo em que,
como autodefesa, procuravam descaracterizar a quadrilha, via quantitativo numérico
(a suposta nenhuma participação de P.), mostraram-se em harmonia com as provas
documentais e orais, notadamente os depoimentos do proprietário do barracão alugado
para a instalação dos petrechos da falsificação e da empresa LONK (M., fls. 133/135, e
Klaus, fls. 139/143), que desmascararam a tentativa de N. em fazer-se passar por outras
pessoas, seja o acusado C. ou um tal ‘R.’.
13. Com efeito, a r. decisão recorrida é uma ode à lógica e ao bom senso, haja vista
que empreendeu circunstanciado exame do contexto em que deram os fatos.
14. Senão vejamos.
15. Ainda em dezembro de 1998, N., ciente dos conhecimentos técnicos de G.,
propôs a esse – então em dificuldades com o insucesso de seu negócio – o fabrico de
moeda falsa (fls. 04/IPL, 67/70 e 269/274 em juízo). C., que tinha um álibi para vir
com regularidade a Curitiba (tratamento médico), foi cooptado para distribuição do
produto criminoso em São Paulo, sua residência; no entanto, mesmo que tenha dado
segurança às atividades do bando (fls. 130/133), diante do flagrante não chegou a pôr
em prática o derrame. P., por seu lado, acostumado a colaborar com N. (fl. 393), cerrou
fileiras junto ao esquema do grupo, dispondo-se a prestar-lhe o auxílio que lhe fosse
possível: introdução em circulação do falso, mão-de-obra de apoio ao serviço de G. (fls.
135/143). N., enquanto big boss, era o homem do dinheiro e da logística: aluguel do
barracão, compra do material necessário (fls. 124/125/IPL e 133/135, 139/143 em juízo).
16. Perfeita a comparação feita pelo Doutor Juiz a uma sociedade de capital e
indústria (fl. 414, in fine).
17. Igualmente correta a percepção de Sua Excelência ao divisar a estratégia defensiva (fl. 421), porquanto os apelantes centraram fogo na exclusão da responsabilidade
de C. e P., de modo a derrubar o art. 288 do CP.
254
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
18. Olvidando o elenco probatório, disseram faltar estabilidade e permanência ao
pactum sceleris, bem como que um único crime teria sido cometido, de forma não
habitual.
19. O precedente citado no decisório hostilizado demonstrou o equívoco da tese,
enquanto que o termo de apreensão, o contrato de locação, os cheques e a perícia de
fls. 12, 39, 76/77 e 84/87 (IPL) revelaram-se bastantes em si, ou seja, o grupo estava
em atividade há pelo menos três meses, com específica divisão de tarefas, tendo sido
confeccionadas neste espaço de tempo 19.560 moedas falsas, dado revelador de sua
alta periculosidade”.
Dessa forma, não resta dúvida quanto à configuração dos delitos de
moeda falsa e quadrilha, restando afastadas as alegações dos réus de
negativa de autoria do delito de moeda falsa e ausência de estabilidade
e permanência que configura a quadrilha.
Afastando as alegações de negativa de autoria feita pelos réus P. C. e
N. A., inclusive o testemunho de Indiamara Regina de Lima, com muita
acuidade, asseverou o MM. Juízo a quo:
“A testemunha Klaus Hermann Steinhausser, ouvida em juízo (fl. 139), proprietária de uma empresa de matrizes e moldes, afirma que foi procurado por N. A. na
companhia do réu P. C. J. para fazer a verificação de uma ferramenta que havia sido
encomendada dias antes. Segundo seu relato, estavam ali para saber se estava ou não
pronta. De sua narrativa, ainda, depreende-se que havia sido requisitada por ‘Jacó’,
que pretendia transformá-la de estampo único para três estampos. A ferramenta a ser
modificada foi levada por P. C. N. lá compareceu para buscá-la. Vale transcrever parte
de seu depoimento:
‘O P. levou uma ferramenta, que depois o R. e o P. foram buscar. Era uma ferramenta tipo unestampo, uma ferramenta para a gente fazer fiação, que eles diziam que
era para estampar arruelas. E no mesmo dia que eles foram buscar eles levaram daí a
outra ferramenta, tanto que essa primeira ferramenta que a gente afiou, eles queriam
que a gente modificasse o sistema de molas, que era mola prata e que estava estragado
e a gente tentou fazer uma outra modificação, como era feriado e o comércio aqui de
Curitiba estava parado, e não funcionou então eles trouxeram de novo, daí simplesmente
a gente tentou arrumar alguma coisa e eles levaram de volta embora’.
Cumpre observar que a testemunha quando se refere a R., está mencionando o réu
N. A. e que quando se refere a ‘eles’ está mencionando este réu e o réu P. C., conforme
ficou esclarecido em seu depoimento.
A mesma testemunha dá detalhes preciosos a respeito de seu contato com ambos,
que tomavam informações a respeito das ferramentas procurando saber o melhor modo
de se chegar àquilo que se pretendia. Chega a dizer que ‘estranhou’ o tipo de encomenda, pois lhe foi informado que seriam utilizadas na fabricação de arruelas, mas as
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características da ferramenta fugiam ao normalmente utilizado neste tipo de atividade.
Segundo seu relato na fase policial, ainda, ‘P. tratava dos assuntos ligados a operação
do maquinário, enquanto R. não entendia qualquer coisa do assunto, aparentando ser
apenas o responsável pelo dinheiro’ (f. 96, I.P.).
Isso é suficiente a derrubar a alegação do réu N. de que esteve na referida empresa
apenas para ‘fazer um favor’ para o réu C. R. R. S., não tendo idéia do uso que seria
feito de tal ferramenta. Ora, mesmo que não entendesse nada do assunto – tecnicamente
falando – acompanhou todas as explicações dadas pela testemunha acima, que o tomou
como diretamente interessado na utilidade da ferramenta. Como era a realidade, aliás’
(fls. 423/424).
(...)
Sem qualquer consistência, desta forma, o depoimento da testemunha Indiamara
Regina de Lima, a que se apega a defesa para tentar fazer prevalecer a sua tese. As
palavras dessa testemunha no sentido de que o réu C. R. teria estado em certa tarde na
loja de N. pedindo que fosse buscar algo com uma certa camionete, não são capazes de
imprimir a este Juízo qualquer dúvida a respeito das conclusões aqui já lançadas. E para
essa conclusão utilizou-se de elementos de provas bastante diretos que não podem ser
afastados por um único testemunho, bastante vago por sinal. Vale observar que o réu
Carlos Roberto nega a existência desse diálogo e que por esse depoimento responde a
testemunha a uma ação penal neste Juízo pelo crime do artigo 342 do Código Penal,
que em breve será decidida” (fl. 426).
Tampouco há dúvida quanto à conduta de P. C., a qual foi muito bem
apreciada na sentença, nesses termos (fl. 427):
“A conduta de P. C. encaixa-se nesse contexto como um verdadeiro auxiliar de N.
A., com plena consciência dos objetivos das ordens que dele recebia. Assim, não tem
qualquer consistência suas afirmações de que compareceu na empresa Lonk, ora a pedido
de N., ora a pedido de C. R., apenas porque ‘conhecia o endereço’ e para acompanhar
N., porque ‘estava sem fazer nada’ e seria ‘rapidinho’. Totalmente inverídica a afirmação também de que esteve em referida empresa apenas por uma vez. Sabe-se que lá
esteve por pelo menos duas vezes, nas quais demonstrou um interesse muito maior do
que aquele de quem queria apenas saber, por ‘simples curiosidade’, ‘para que servia’
a tal ferramenta” (fl. 427).
Da mesma forma, correta a sentença, afastando a alegação de não-configuração do delito de quadrilha. A esse respeito, restou decidido:
“O vínculo associativo é perfeitamente detectável, sendo que os integrantes da associação tinham funções adredemente definidas, cada qual colaborando de uma forma
ou de outra para a consumação dos crimes, conforme suas habilidades e circunstâncias
pessoais. A forma acertada para a divisão dos lucros também demonstra a intenção
societária, ainda que com relação ao réu P. C. J. possa se atribuir um vínculo quase
que empregatício nessa sociedade.
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A permanência dessa associação também se apresenta de forma clara, pois o próprio
réu G. L. admite que inicialmente procedeu a um trabalho de pesquisa do processo de
cunhagem, molde e tudo que se fazia necessário para a produção iniciar, o que levou
cerca de três ou quatro meses. Nesse período a participação dos réus N. A. e P. C. J.
era providenciar o equipamento indicado por G., enquanto C. Roberto aguardava para
entrar com o serviço de distribuição, de tudo consciente, como já visto. Embora não
se tenha prova da efetiva distribuição das moedas (e por isso não se pode condená-lo
pelo crime do artigo 289), a anuência deste último para com os demais integrantes da
associação, revela uma cooperação tática necessária para o perfeito desenvolvimento
do plano, pois a distribuição assim poderia ser feita com muito mais eficácia. O fato
de residir em outro Estado, observe-se, deixa essa conclusão bem nítida, podendo ser
incluída aí uma função logística conveniente aos rumos do empreendimento ilícito”
(fls. 432/433).
Quanto à configuração do delito de quadrilha, nesse sentido é o entendimento de Rodolfo Tigre Maia (Obra: O Estado Desorganizado contra
o Crime Organizado, Ed. Lumen Juris, 1997, p. 59):
“O ilícito em questão, que é formal e permanente (antecipando-se, pois, a valoração normativa para a própria ação para além de qualquer resultado fenomênico e
protraindo-se temporalmente seu momento consumativo com reflexos na sua flagrância),
consuma-se no estágio que a doutrina clássica designou por momento associativo, qual
seja, quando reúnem-se, concomitantemente ou cumulativamente, pelo menos quatro
agentes irmanados no mesmo escopo de cometer crimes. Como esclarece aresto lapidar
do Pretório Excelso, ‘o crime de quadrilha se consuma, em relação aos fundadores, no
momento em que aperfeiçoada a convergência de vontades entre mais de três pessoas,
e, quanto àqueles que venham posteriormente a integrar-se ao bando já formado, no
momento da adesão de cada qual; crime formal, nem depende, a formação consumada
da quadrilha, da realização ulterior de qualquer delito compreendido no âmbito de
suas projetadas atividades criminosas, nem, conseqüentemente, a imputação do crime
coletivo a cada um dos partícipes da organização reclama que se lhe possa atribuir
participação concreta na comissão de algum dos crimes-fim da associação” (STF, HC
70.919-2, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 29.04.94, p. 9731)
Nesse sentido, já decidiu este Egrégio Tribunal:
“HABEAS CORPUS. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. DENÚNCIA. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO POSTERIORMENTE
PARA AVERIGUAR POSSÍVEL PRÁTICA DO CRIME DE QUADRILHA OU BANDO. DUPLICIDADE DE PROCEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. INDEPENDÊNCIA
JURÍDICO-PENAL DO DELITO DE QUADRILHA.
1. O crime de quadrilha ou bando (art. 288 – CP) é independente dos delitos que
seus participantes venham a praticar, cuja consumação ocorre com a simples associação
de mais de três pessoas para a prática de crimes.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
257
Omissis” (TRF-4, HC nº 2000.04.01.016103-0/RS, 2ª Turma, Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro, in DJU 19.04.2000, p. 132)
“PENAL. ART. 288 E ART. 171, CAPUT E PAR.3º, DO CP-40. PROVA DO
ENVOLVIMENTO DE QUATRO PESSOAS. Comprovado nos autos que houve a
participação de pelo menos quatro pessoas nas fraudes perpetradas, configura-se o
delito de quadrilha”. (TRF-4, ACR nº 96.04.42968-0/RS, 1ª Turma, Rel. Luiz Carlos
de Castro Lugon, in DJ 19.12.97, p. 7646)
Assim sendo, não procede a alegação de que não há crime de quadrilha
quando o acordo é para um só crime, assim como repelida a alegação
de que o réu P. não pode ser considerado como integrante da quadrilha,
pois era um quase empregado.
A propósito a seguinte lição:
“Aduza-se, ainda, que ao contrário do concurso de agentes atuando em co-autoria,
não há necessidade aqui de compartilhamento pelos sujeitos ativos do domínio do
modelo típico, qual seja, a estrutura organizativa da quadrilha poderá ser verticalizada,
restringindo-se o comando desta e o conseqüente controle da prática do fato a apenas
um de seus componentes, inobstante presentes a comunhão de vontades e a divisão de
trabalho, requisito comum às duas situações. Igualmente não há necessidade sequer
que todos os componentes se conheçam ou habitualmente se encontrem” (Rodolfo
Tigre Maia, obra citada, p. 60).
Ademais, nesse sentido é a jurisprudência:
“É factível a condenação de três pessoas pelo crime, desde que comprovada a
participação de um quarto elemento ainda que de identidade desconhecida ou que, no
mesmo diapasão, não se exclui a presença da quadrilha pelo fato de um ou alguns de
seus componentes não serem passíveis de punição em virtude de razões pessoais como
a menoridade ou a inimputabilidade; que evidenciada satisfatoriamente a estabilidade
e a permanência de contingente de pelo menos quatro agentes objetivando prática
delituosa, ‘não há falar em simples participação criminosa’ mas sim em quadrilha”.
(Rodolfo Tigre Maia, obra citada, p. 61)
No que se refere à insurgência quanto à aplicação dos artigos 9º e 10
da Lei nº 9.034/95, não merece prosperar.
Com efeito, estabelece o art. 1º da Lei nº 9.034/95:
“Art. 1º - Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios
que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando”.
Rodolfo Tigre Maia, na sua obra, em comentário ao referido artigo,
assevera às fls. 55/56:
258
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
“O primeiro artigo da LOC inquestionavelmente categoriza crime oriundo de organização criminosa como o praticado por quadrilha ou bando, conduzindo inevitavelmente
a uma identidade aproximativa entre as duas expressões: organização criminosa é a
quadrilha que tenha cometido um ou mais crimes. ‘...é inegável que a Lei de Regência
forneceu um conceito de OC equiparando-a, ou pelo menos as suas ações, ao conceito
legal de quadrilha ou bando. Não se criou, pois, qualquer requisito adicional dependente
de integração hermenêutica pelos operadores do direito para determinar-se a presença
de uma organização criminosa: bastará – tão-somente – a presença dos requisitos tradicionalmente exigíveis para o crime descrito no art. 288 do CP desde que associados
a efetiva prática de pelo menos um crime”.
Portanto, plenamente aplicável ao caso dos autos os arts. 9º e 10 da
Lei nº 9.034/95, os quais estabelecem, respectivamente, que o réu não
poderá apelar em liberdade, e que o regime inicial será fechado para o
cumprimento da pena.
Perfeita, portanto, a sentença judicial que determinou o recolhimento
à prisão para apelar, mormente que os réus já se encontravam presos
preventivamente. Ademais, é entendimento sumular do STJ de que “A
exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência” (Súmula nº 9).
Quanto à aplicação do regime inicial fechado, não merece reforma a
sentença, eis que em consonância com o entendimento jurisprudencial:
“CRIME. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PENA REGIME INICIAL.
Omissis.
Verificada a omissão quanto ao regime prisional na apelação, são admissíveis os
embargos para suprir a falha apontada. Se os fatos descritos na denúncia se passaram
em data posterior à vigência da LEI-9034/95, o regime inicial para o cumprimento da
pena será necessariamente o fechado”. (TRF-4, EDAC nº 97.04.56806-1/PR, 1ª Turma,
Rel. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, unânime, in DJ 07.10.98, p. 372)
“O regime prisional fechado se amolda aos ditames da Lei nº 9.034/95, o que retira
a alegação de constrangimento ilegal”. (STJ, RHC nº 5.304, 5ª Turma, Rel. Min. Cid
Flaquer Scartezzini, DJ 27.05.96, p. 17.881)
A respeito da inconformidade dos réus quanto à penalidade aplicada,
melhor sorte não têm os apelantes, porquanto o MM. Juiz a quo fixou as
penas de forma necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção
do crime. Diante da presença do conjunto de circunstâncias judiciais
desfavoráveis aos réus, estipulou a pena-base acima do mínimo legal,
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em consonância com o entendimento jurisprudencial. Nesse sentido, o
seguinte julgado:
“Em sendo as moduladoras circunstâncias judiciais desfavoráveis, excetuando-se
a conduta social do réu abonada por testemunhas, impõe-se a fixação da pena-base
acima do mínimo legal”. (TR4, ACR nº 97.04.37601-4/RS, 1ª Turma, Rel. Gilson Dipp,
unânime, in DJ 29.04.98, p. 000505).
Aliás, outro não foi o entendimento do Ministério Público, exarado
nesses termos:
“As circunstâncias judiciais, minorantes e dirimentes legais foram avaliadas com
precisão, de forma a individualizar corretamente a solução aflitiva, seja pelo recrudescimento da situação de N. como líder do grupo ou pela premiação da confissão de G.
ou, ainda, o reconhecimento da menor participação de P.” (fl. 522).
Por fim, cabe proceder à análise do cabimento ou não da Lei nº
9.714/98.
Em relação ao réu N., afastada a aplicação das penas restritivas de
direitos, tendo em vista o não-preenchimento do requisito objetivo exigido pelo art. 44, inciso I, do Código Penal.
Quanto ao réu G. L., apesar de preenchido o requisito objetivo exigi-
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DIREITO PREVIDENCIÁRIO
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branca
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EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 95.04.48246-5/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas
Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Jaqueline Maggioni Piazza
Embargado: Jose Germano Pires
Advogados: Drs. Waldir Francescheto e outro
EMENTA
Previdenciário. Limitação do benefício ao valor máximo do salário-de-contribuição vigente quando da concessão. Processo Civil. Embargos
infringentes. Interesse processual.
Se o benefício foi concedido no coeficiente de cálculo de 100%, o
salário-de-benefício e a renda mensal inicial têm o mesmo valor. Assim,
é irrelevante se o teto do salário-de-contribuição será aplicado como
limitador sobre o salário-de-benefício e, depois, sobre a renda mensal
inicial, como determina a lei, ou se apenas ao final, depois de todas as
operações matemáticas que envolvem o cálculo, como propugnado no
voto divergente. Nos dois casos, o resultado será o mesmo.
A carência de ação por falta de interesse resulta caracterizada porquanto não há qualquer interesse por parte do segurado no provimento
jurisdicional preconizado no voto divergente que, embora devesse em tese
prevalecer, por mais se aproximar do entendimento firmado do Tribunal,
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é sem utilidade para a parte.
A falta de interesse processual, como condição da ação, pode e deve
ser conhecida de ofício em sede de embargos infringentes.
Embargos Infringentes providos em parte para extinguir o processo
sem exame do mérito em relação ao momento de aplicação do teto do
salário-de-contribuição.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por maioria, dar provimento parcial aos embargos infringentes,
nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de novembro de 2000.
Juiz João Surreaux Chagas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas: O Instituto Nacional do Seguro
Social – INSS opõe Embargos Infringentes contra acórdão da 5ª Turma
do Tribunal que, por maioria de votos, afasta a limitação do salário-de-benefício e da renda mensal inicial ao teto do salário-de-contribuição,
prevista nos arts. 29, § 2º, e 33 da Lei 8.213/91.
O embargante pretende a prevalência do voto vencido, que entende
ser constitucional a limitação da renda mensal prevista nos arts. 29, § 2º,
e 33 da Lei 8.213/91, mas que o limite deve ser aplicado após todas as
operações matemáticas necessárias à apuração da renda mensal inicial,
ou seja, após a aplicação do coeficiente correspondente ao benefício.
Os embargos são contra-arrazoados.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas: A controvérsia diz respeito à
limitação do salário-de-benefício e da renda mensal ao teto do salário-de-contribuição vigente, prevista respectivamente nos arts. 29, § 2º, e
33 da Lei 8.213/91.
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O voto condutor do acórdão, de lavra do eminente Juiz Élcio Pinheiro
de Castro, entende indevida a aplicação de ambos os limites no cálculo da
renda mensal inicial. O voto, na parte em que se configura a divergência,
está assim redigido:
“(...)
Concluiu ainda o eminente juiz monocrático pela aplicação do te­to de dez salários-de-contribuição somente após todas as operações mate­máticas, com o que não se
conformam autor e réu, argumentando o pri­meiro ser inconstitucional qualquer redução
na média das trinta e seis últi­mas contribuições realizadas, sustentando o segundo a
legitimidade da limi­tação de que trata o parágrafo 2º do art. 29 da Lei 8.213/91.
Assiste razão ao Segurado, porquanto em atenção ao art. 202 da Constituição Federal
deixou o legislador averbado nas disposições transitó­rias da Lei 8.213/91:
Art. 135 – ‘Os salários-de-contribuição utilizados no cálcu­lo do valor de benefício
serão considerados respeitando-se os limites mínimo e máximo vigentes nos meses a
que se referirem’.
Art. 136 – ‘Ficam eliminados o menor e o maior valor-teto para o cálculo do
salário-de-benefício’.
Logo, não poderia a Administração Previdenciária aplicar qual­quer redução, tanto
no cálculo do salário-de-benefício como na renda men­sal inicial.
(...)
Frente a esse quadro, dou parcial provimento aos recursos para afastar da condenação
o recálculo da renda inicial à luz da Súmula 2 deste Tribunal, bem como à revisão com
apoio no artigo 58 do ADCT e nela incluir a revisão do benefício sem as limitações do
art. 29 e art. 33 da Lei 8.213. Pela parcial derrota responderá o Segurado com a verba
honorária que fixo em R$ 50,00 (cinqüenta reais), ficando, contudo, suspensa sua exigibilidade nos termos da previsão contida no art. 12 da Lei 1.060/50, por beneficiário
da Justiça Gratuita, ora deferida, mantidos os demais termos da sentença recorrida.”
O voto vencido, de autoria da eminente Juíza Maria Lúcia Luz Leiria,
afasta a aplicação do teto previsto no art. 29, § 2º, da Lei 8.213/91 ao
salário-de-benefício, entendendo aplicável o teto limitador somente após
efetuadas todas as operações matemáticas do cálculo da renda mensal
ini-cial. O voto tem a seguinte redação.
“Com a maxima venia divirjo do eminente relator, tão-somente, quanto à aplicação
do artigo 29, § 2º, e do artigo 33 da Lei 8.213/91.
Grande número de ações, referentes ao denominado teto do salário-de-benefício,
ou seja, a existência ou não de limita­dores a todas as operações que resultam no valor
inicial do bene­ficio previdenciário, vêm sendo ajuizadas.
As normas infraconstitucionais relativas ao sistema previdenciário estão inseridas
em contexto amplo que faz com que o aplicador da lei, num primeiro passo, tenha que
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enfrentar a sistematização das normas para que não retire de dispositivos isolados o
comando do legislador para aplicar ou não qualquer teto li­mitador ao cálculo do qual
resultará o valor de benefício a ser concedido.
Ora, sendo constitucionalmente previsto que o siste­ma previdenciário atenda ao
princípio da reciprocidade entre con­tribuição e prestação (art. 201), os limites impostos
pelo art. 136 da Lei nº 8.213/91 não implicam afronta ao art. 202 da Consti­tuição Federal,
ou seja, à preservação do valor real do benefício, porque justamente esta preservação
está em linha direta à correção dos salários-de-contribuição e atrelada aos critérios da
lei regulamentadora, por expressa disposição constitucional.
A Constituição Federal em seu art. 201, parágrafo 2º, refere que ‘é assegurado o
reajustamento dos benefícios para pre­servar-lhes, em caráter permanente, o valor real,
conforme crité­rios definidos em lei’. Entendo que a expressão ‘critérios defini­dos em
lei’ permite a fixação de tetos à renda mensal inicial.
Assim, inexiste ilegalidade no procedimento da Au­tarquia em observar o teto de
benefício nos termos dos artigos 33 e 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91, não ferindo, então,
o princípio cons­titucional da preservação do valor real do beneficio.
Contudo, deve ser observado o correto momento pa­ra aplicação do teto, conforme
se vê do disposto no artigo 26 da Lei nº 8.870/94, in verbis:
‘Os benefícios concedidos nos termos da Lei nº 8.213/91, de 24 de julho de 1991,
com data de início entre 5 de abril de 1991 e 31 de dezembro de 1993, cuja renda
mensal inicial tenha sido calcu­lada sobre o salário-de-benefício inferior à média dos
36 últimos salários-de-contribuição, em decorrência do disposto no § 2º do art. 29 da
referida lei, serão revistos a partir da competência abril de 1994, mediante a aplicação
do percentual corresponden­te à diferença entre a média mencionada neste artigo e o
salá­rio-de-benefício considerado para a concessão.
Parágrafo único. Os benefícios revistos nos termos do caput des­te artigo não
poderão resultar superiores ao teto do salário-de-­contribuição vigente na competência
de abril de 1994.’
Ou seja, tal dispositivo veio estabelecer a correta for­ma de aplicação dos tetos limitadores da renda mensal inicial. Até então, o referido teto de benefício era aplicado
antes de finalizadas todas as operações matemáticas para apuração do valor inicial do
benefício, isto é, no momento em que se obtinha a média do período básico de cálculo (salário-de-benefício) e antes de aplicado o devido coeficiente, o que diminuía,
sensivelmente, o valor do benefício.
O citado artigo dirimiu as dúvidas existentes acerca do correto momento de aplicação
do teto limitador disposto nos artigos 33 e 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91.
Portanto, tomando-se como base para aplicação das normas previdenciárias o sistema
de contribuição e prestação e aplicando-se de acordo com a interpretação sistemática
de todo o Plano de Custeio e Benefícios da Previdência Social, tenho que a norma do
artigo 136 da Lei 8.213/91 deve ser aplicada em con­junto com o disposto no artigo
anterior, 135 da mesma Lei, o que nos remete à inexistência de teto limitador para
a primeira opera­ção, ou seja, para o cálculo do salário-de-benefício, quando, en­tão,
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somam-se todos os salários-de-contribuição.
Desta forma, resta claro que a limitação da renda mensal inicial é constitucional e
deve ser aplicada após todas as operações matemáticas necessárias à apuração da renda
mensal inicial, ou seja, após a aplicação do coeficiente correspondente ao beneficio.
Assim sendo, voto no sentido de dar parcial provi­mento ao recurso de apelação
da Autarquia para afastar da conde­nação o recálculo da renda inicial à luz da Súmula
nº 02 deste Tribunal, bem como, a revisão conforme o disposto no art. 58 do ADCT e
negar provimento ao recurso de apelação do Autor.”
No Superior Tribunal de Justiça, está pacificado o entendimento no
sentido de que é aplicável a limitação do salário-de-benefício prevista
no art. 29, § 2º, da Lei 8.213/91, bem como a renda mensal de que trata
o art. 33 da mesma Lei, conforme precedentes da Terceira Seção daquela
Corte, que transcrevo:
“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. VALOR INICIAL. BENEFÍCIO.
TETO LIMITE.
1. Os arts. 29, § 2º, e 33 da Lei 8.213/91, dando cumprimento ao preceito constitu-cional previsto no art. 202, ao fixarem a forma de cálculo do valor inicial do benefício,
estabeleceram que o salário-de-benefício observasse o limite máximo do salário-de-contribuição.
2. O art. 136 da Lei 8.213/91 deve ser interpretado em face da legislação previdenciária como um todo, razão pela qual trata-se de regra geral, que visa impedir a incidência
de qualquer tipo de limitação na relação entre o salário-de-contribuição e o salário-de-benefício, não havendo falar em eliminação dos respectivos tetos. Precedentes.
3. Embargos rejeitados.” (Embargos de Divergência no REsp 195437/SP, 3ª Seção,
Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 19.06.2.000)
“ PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS. VALOR INICIAL. TETO. SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. VALOR MÁXIMO. ARTS. 29 E 33 DA LEI 8.213/91.
Art. 29 da Lei 8.213/91: ‘O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de
um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na
data inicial do benefício’.
Segundo precedentes, após o somatório e a apuração da média, deve ser observado
o valor limite do salário-de-benefício, conforme estipulado pelo art. 29, § 2º.
Embargos acolhidos.” (Embargos de Divergência no REsp 192.051/SP, 3ª Seção,
Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 18.10.99)
Os precedentes são claros no sentido de que o teto deve ser aplicado
exatamente conforme previsto na lei, ou seja, incidindo já sobre o salário-de-benefício, antes da aplicação do coeficiente de cálculo.
No mesmo sentido, são os acórdãos proferidos no julgamento dos
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Embargos de Divergência no REsp 189.218/SP, Rel. Min. Gilson Dipp,
DJU de 22.03.2000, e no 178.651/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJU de
06.12.99.
A Terceira Seção do Tribunal, na esteira do entendimento emanado
do Colendo STJ, passou também a julgar legítima a aplicação do tetos
conforme prevista nos arts. 29, § 2º, e 33 da Lei 8.213/91:
“EMBARGOS INFRINGENTES. TETO. ART. 29, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91.
1. Inexistência de inconstitucionalidade na aplicação dos tetos limitadores
dos benefícios previdenciários. Precedentes da 3ª Seção e do Egrégio STJ.
2. A aplicação do teto do art. 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 deve dar-se nos exatos termos
propostos pelo referido dispositivo. Voto vencido no sentido de sua aplicação após todas
as operações matemáticas necessárias à apuração da renda mensal inicial.
3. A observância do aludido teto-limitador não interfere na observância da regra
ditada pelo art. 26 da Lei nº 8.870/94 para os benefícios concedidos no período compreendido entre 05.04.91 e 21.12.93, regra esta que vem sendo cumprida pelo Instituto
Previdenciário.” (EIAC 95.04.44656-6, Rel. p/ acórdão Juíza Virgínia Scheibe, por
maioria, DJU de 05.04.2000)
No caso, o voto vencido, que afasta apenas a aplicação do art. 29, §
2º, da Lei 8.213/91, para que o teto limitador seja aplicado somente após
todas as operações matemáticas que envolvem o cálculo da renda mensal
inicial, é o que mais se aproxima do entendimento pacificado no STJ e
predominante neste Tribunal.
Portanto, a tese sustentada no voto vencedor resta rejeitada; o voto
vencido, por sua vez, mereceria prevalecer.
Contudo, há uma particularidade importante nos autos que há de ser
observada. É que o benefício foi concedido no coeficiente de cálculo de
100%, conforme doc. de fl. 116. Nesse caso, o salário-de-benefício e a
renda mensal inicial têm o mesmo valor. Assim, é irrelevante o momento
em que será aplicado o teto, se sobre o salário-de-benefício e, depois,
sobre a renda mensal inicial, como determina a lei, ou se apenas ao final,
depois de aplicado o coeficiente de cálculo, conforme propugnado no
voto vencido. Nos dois casos, o resultado será o mesmo.
Com efeito, a execução do julgado não produz diferença alguma em
favor do segurado. O autor não tem qualquer interesse no provimento
jurisdicional oferecido, que lhe é inútil.
O interesse processual, como condição da ação, pode e deve ser
conhecido, mesmo de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição,
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conforme disposto no art. 267, § 3º, do CPC.
A questão, embora não seja objeto da divergência em que se funda o
recurso, pode ser conhecida em sede de embargos infringentes, desde que
o recurso preencha os requisitos de admissibilidade para ser conhecido.
Essa é a lição do eminente processualista José Carlos Barbosa Moreira:
“Convém ressaltar que ao colegiado só é lícito examinar quaisquer questões relativas ao processo e às ‘condições da ação’ se e na medida em que puder conhecer dos
embargos, por satisfeitos todos os requisitos de admissibilidade do recurso, inclusive
e notadamente a divergência no seio do órgão a quo. Nesse caso (e nessa medida),
contudo, antes de entrar na apreciação da matéria impugnada, o colegiado não apenas
pode, mas deve proceder ao exame das aludidas questões, desde que, é claro, não estejam preclusas. Assim, por exemplo, quanto a eventuais nulidades que atinjam o feito
de modo genérico (v.g., falta de intimação do Ministério Público, se era obrigatória:
art. 246 e parágrafo único), ou que atinjam especificamente o acórdão embargado (v.g.,
incompetência absoluta do órgão a quo, julgamento ultra ou extra petitum na apelação
ou na ação rescisória). De modo algum é preciso que no órgão a quo tenha ocorrido
dissídio acerca dessas questões.” (Comentários ao Código de Processo Civil. 8ª ed. V.
5. Forense, 1999, p. 531)
Este também é o posicionamento sustentado pelo eminente Juiz José
Luiz Borges Germano da Silva: Além do efeito devolutivo, os infringentes
têm também efeito translativo, pelo qual o órgão julgador pode examinar
de ofício todas as questões de ordem pública (artigo 515, §§ 1º e 2º,
do CPC c/c 267, § 3º e 301, § 4º, do CPC).(Embargos Infringentes, in:
RTRF/4ª Região, v. 32, p. 25).
Este entendimento doutrinário é corroborado por diversos precedentes
do Colendo Superior Tribunal de Justiça, dentre os quais transcrevo os
seguintes, a título exemplificativo:
“LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
Em embargos infringentes pode o Tribunal, de ofício, verificando a ausência de
litisconsortes necessários, anular o feito e determinar a providência de que trata o art.
47, par. único, do CPC.
Recurso especial não conhecido” (REsp 50.010, 4ª Turma, Rel. Min. Fontes de
Alencar, DJU de 25.08.97).
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. LIMITES.
1. Os embargos infringentes devem ser, em tese, examinados dentro dos limites
impostos pelo voto vencido.
2. O ordenamento jurídico formal brasileiro não permite que, em embargos infringentes, aprecie-se matéria não discutida no voto vencido, salvo, excepcionalmente, quando
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ocorrer ausência evidente de pressupostos processuais para a ação e for manifesta a
incompetência absoluta, o que obriga o Tribunal a conhecê-las de ofício.
3. Se a matéria do acórdão rescindendo era controvertida nos Tribunais, na época
em que foi proferido o julgamento, bem foi posto o entendimento de não cabimento
da rescisória.” (Embargos Infringentes na AR nº 380/SP, 1ª Seção, Rel. Min. José
Delgado, DJU de 03.06.96)
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. CPC, ART. 530. CONHECIMENTO DE OFÍCIO DE MATÉRIA RELATIVA A FALTA DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS, NÃO OBJETO DO DISSÍDIO JUSTIFICADOR DOS
EMBARGOS. POSSIBILIDADE.
1. Cabe à Seção deste Tribunal, ao conhecer de embargos infringentes, examinar
de ofício questões relativas à falta de pressupostos processuais, ainda que, no acórdão
embargado, não tenha ocorrido dissídio quanto a essas questões.
2. No caso, ao julgar improcedente, por maioria, ação rescisória, a Seção, implicitamente, por unanimidade, se deu por competente para apreciá-la. Todavia, o Excelso
Pretório decidiu que esta Corte só tem competência para julgar rescisória de acórdãos
do Tribunal Federal de Recursos relativos à matéria da competência originária deste,
que passaram para sua competência, hipótese a que não se refere este feito.
3. Embargos conhecidos, a fim de anular os atos decisórios praticados no processo,
com a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região.” (Embargos Infringentes em AR nº 195, 1ª Seção, Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJU de 03.05.93)
Assim, é pacífica a possibilidade de se reconhecer, de ofício, em sede
de embargos infringentes, a falta de interesse processual.
Concluindo, afasto a determinação de desconsiderar o teto no cálculo
do salário-de-benefício e na renda mensal inicial, preconizada no voto
condutor. Outrossim, a condenação imposta no voto vencido, que, em
tese, mereceria acolhida por estar mais próxima do entendimento jurisprudencial majoritário, carece de interesse processual, pois é inútil ao
autor. Assim, no relativo à aplicação do teto do salário-de-contribuição
apenas ao final do cálculo da renda mensal inicial, o processo merece
ser extinto sem exame do mérito por falta de interesse, na forma do art.
267, VI, do CPC.
Ressalto que a única condenação imposta nos autos à autarquia é a de
deixar de aplicar o teto ao salário-de-benefício. A condenação à aplicação da Súmula 02/TRF e do art. 58 das DCT, estabelecida na sentença,
foi afastada por unanimidade no julgamento da apelação da autarquia.
Outrossim, esta decisão em anda prejudica eventual direito do autor à
revisão prevista no art. 26 da Lei 8.870/94, cuja abrangência transborda
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os limites desta ação.
Em face do exposto, dou provimento parcial aos embargos infringentes
para que, rejeitada a não-aplicação dos limites previstos nos arts. 29, §
2º, e 33 da Lei 8.213/91 preconizada no voto vencedor, julgar extinto
o processo sem exame do mérito por falta de interesse processual em
relação à aplicação do teto do salário-de-contribuição apenas após a efetivação de todas as operações matemáticas do cálculo da renda mensal
inicial, propugnada no voto vencido.
Em face da improcedência dos demais pedidos, condeno o autor em
honorários de advogado, que fixo em 10% do valor atualizado da causa,
ficando a imposição suspensa na forma do art. 12 da Lei 1.060/50, tendo
em vista o benefício de Assistência Judiciária Gratuita concedido pelo
Relator das apelações (fl. 128).
É o voto.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 97.04.04822-0/SC
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde
Parte-Autora: Saly Nascimento Maurício
Parte-Ré: Instituto Nacional do Seguro Social
Suscitante: 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Suscitada: 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Advogados: Dra. Maria Olívia de Brito Ramos
Dr. Cesar Correa Guedes
Dr. Vilson João Tomaz
EMENTA
Processo Civil. Conflito negativo de competência - Turmas de Seções
diversas. Ex-combatente integrante da Marinha Mercante Nacional.
Aposentadoria e pensão derivada. Natureza jurídica da relação.
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1. É de natureza previdenciária a relação jurídica atinente à aposentadoria (e à ulterior pensão derivada) de integrante da Marinha Mercante
Nacional, sendo o trabalhador segurado da Previdência Social, não
o transmudando o fato da qualificação do benefício pelo regramento
direcionado à condição pessoal de ex-combatente na Segunda Guerra
Mundial.
2. Define-se a competência para o processo e julgamento do recurso
à Turma da Seção especializada em matéria previdenciária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria,
vencido o Juiz José Germano da Silva, conhecer do conflito de competência e declarar competente a egrégia 6ª Turma, suscitada, nos termos
do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 1º de fevereiro de 2001 (data do julgamento).
Juiz Amaury Chaves de Athayde, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de conflito
negativo de competência estabelecido entre as doutas 3ª e 6ª Turmas,
integrantes da 2ª e 3ª Seções deste Tribunal, respectivamente, suscitado
pela primeira (fl. 82) nos autos da apelação cível interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social — INSS contra a r. sentença prolatada
em ação ordinária promovida por Saly Nascimento Maurício, perante o
MM. Juiz de Direito da Comarca de Laguna/SC, visando à revisão da
pensão que percebe pelo falecimento do seu esposo, mediante a revisão
da aposentadoria desse com atendimento aos preceitos legais que lhe
asseguravam a condição de ex-combatente na Segunda Guerra Mundial,
como integrante da Marinha Mercante Nacional, acrescidos os efeitos
pecuniários pertinentes.
O douto órgão do Ministério Público Federal opina pela procedência
do conflito (fls. 90/91).
Apresento o feito em Mesa.
É o relatório. Sem revisão.
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VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: A douta 6ª Turma, ao
firmar pela declinação da competência para o processo e julgamento do
feito a uma das Turmas da Segunda Seção, fê-lo a pressuposto de que
a pensão de que cuida os autos é estatutária consubstanciando matéria
predominantemente administrativa (fl. 74). A douta 3ª Turma (fl. 81),
a móvel de privilegiar a celeridade e a utilidade processual, suscitou o
conflito negativo tendo presente que em não sendo a questão em liça
matéria previdenciária objeto de delegação, impunha-se a anulação da
v. sentença proferida pelo MM. Juízo Estadual.
Penso haver equívoco na afirmativa de que a pensão que interessa
ao processo é de ordem estatutária. Não se indica que o finado esposo
da autora, integrante da Marinha Mercante Nacional, fosse funcionário
público. Ele era trabalhador na iniciativa privada, segurado da Previdência Social. O fato de a sua aposentadoria, como base à ulterior pensão
direcionada à viúva, incidir regramento referido à pessoal condição de
ex-combatente na Segunda Guerra Mundial, ainda que a princípio assente
em disposições de legislação de ordem transcedente, não transmuda a
natureza jurídica originária daquela relação.
A qualificação da aposentadoria do segurado e a ulterior pensão, para
o caso, não obstante desborde do regime geral da legislação orgânica
da Previdência Social, merecendo trato específico (Lei nº 5.689/71, art.
1º, I e II), configura, antes, um plus que se mantém atrelado ao liame
originário. Tal como não se há de contestar que é de fundo estatutário
a aposentadoria, e pensão posterior, do funcionário público - mesmo
com os acréscimos vinculados à pessoal condição de ex-combatente - ,
não se há de o fazer no tocante à aposentadoria, e posterior pensão, de
segurado da Previdência social - com os quais acréscimos vinculados
à sobreditacondição pessoal - essas as quais, aliás, correm à conta dos
cofres da autarquia previdenciária certo que a eles mesmos são recolhidas
as correspectivas contribuições preparatórias.
Sob a ótica oferecida, pois, impende concluir que a matéria versada
nos autos é, efetivamente, de natureza previdenciária.
Por isso - afastado o objetivo de evitar o decreto da anulação da v.
sentença, que, se fosse o caso, impor-se-ia ser ditado para o resguardo
da ordem jurídica -, em consonância com o comando regimental (art.
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2º, § 2º, III), a competência para o processo e julgamento do recurso
incumbe a douta 6ª Turma deste Pretório, à qual fora distribuído o feito.
De resto, é válido notar que as Turmas da Seção Previdenciária desta
Corte já há tempo vêm apreciando a matéria, como o demonstram os rr.
precedentes a seguir, aos quais me reporto unicamente no que interessa
para a definição do conflito, abstraindo, logicamente, a solução de mérito:
“PREVIDÊNCIA SOCIAL. MARÍTIMO EX-COMBATENTE. APOSENTADORIA
COM BENEFÍCIO DECORRENTE DA LEI 5698/71. PAGAMENTO DE ATRASADOS COM CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE QUANDO DEVERIAM TER SIDO
PAGAS AS PARCELAS E JUROS LEGAIS DA CITAÇÃO.
Não tendo a Lei 5698/71 revogado inteiramente a LEI 1756/52, visto que ressalvou os direitos adquiridos dos segurados e de seus dependentes, é devido ao EX-COMBATENTE que reúne as exigências legais para assim ser considerado, quando da
aposentadoria, o valor correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício,
definido e delimitado na legislação previdenciária comum. Precedentes. Apelação
improvida.” (AC nº 97.04.63934-1/SC, Relator Juiz Edgard A. Lippmann Junior, Sexta
Turma, unânime, DJ 31.03.99, p. 411).
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE EX-COMBATENTE. LEI
1756/52. LEI 3807/60 ( LOPS ).
1. A viúva de EX-COMBATENTE cujo benefício foi concedido com amparo na LEI
1756/52 faz jus à PENSÃO no percentual estabelecido pela Lei 3807/60, porque este
diploma legal assegurou todos os direitos estabelecidos pelas legislações anteriores
mas ressalvou os casos em que os outorgados pela nova lei fossem mais vantajosos.
...” ( AC nº 95.04.36209-5/SC, Relator Juiz Carlos Sobrinho, Sexta Turma, unânime,
DJ 03.03.99, p. 661).
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO DE VIÚVA DE MARINHEIRO DA MARINHA
MERCANTE. CÁLCULO DO BENEFÍCIO SOBRE PROVENTOS DO POSTO
IMEDIATAMENTE SUPERIOR. LEI 1756/52.
Comprovado ter o esposo da Autora integrado guarnição de embarcação que navegou, por mais de duas oportunidades, em zonas de ataques de submarinos durante a
2a. Guerra Mundial, o benefício deve ser calculado sobre os proventos do cargo imediatamente superior ao de marinheiro, no caso, contramestre ( ART. 1º, PAR-ÚNICO,
da LEI 1756/52 ).” ( AC nº 92.04.09189-4/SC, Relator Juíza Maria Lúcia Luz Leiria,
Quinta Turma, unânime, DJ 04.11.98, p. 502).(Sublinhei)(Sublinhei)
Em igual sentido:
AC nº 95.04.36725-9/SC, QUINTA TURMA, DJ 10.02.99, p. 551;
AC nº 96.04.31851-9/RS, QUINTA TURMA, DJ 20.01.99, p. 525; AC
nº 96.04.07613-2/RS, QUINTA TURMA, DJ 11.11.98, p. 625; AC nº
274
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
96.04.06384-7/SC, SEXTA TURMA, DJ 21.10.98, p. 912; e, finalmente,
AC n° 94.04.20302-5/SC, SEXTA TURMA, DJ 11.06.97, p. 42.922.”
Ante o exposto
Julgo procedente o conflito. Faço-o para fixar a competência da douta
6ª Turma deste Tribunal, suscitada.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 97.04.63085-9/RS
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Angelo Jose Cichocki
Apelada: Maria Deolinda de Miranda Machado
Advogados: Drs. Ives Agamenon Leite Lucas e outros
Remetente: Juízo Substituto da 3ª Vara Fed. Previdenciária
de Porto Alegre/RS
EMENTA
Previdenciário. Revisão de benefício. Contribuinte em dobro. Escala
de salário-base.1. O contribuinte em dobro contribuía para a Previdência
Social com base no salário declarado, não se enquadrando nas hipóteses
da escala de salário-base, sistemática que foi alterada com a entrada em
vigor da Lei 8.212/91, que criou a categoria de segurado facultativo, a
qual, abrangendo o antigo contribuinte em dobro, possibilitou ao mesmo o enquadramento na escala de salário-base, sujeito à observância do
interstício.
2. As contribuições vertidas como contribuinte em dobro servem para
completar o interstício legal da escala de salário-base.
3. O cálculo da renda inicial deve ser realizado com base nos valores
efetivamente recolhidos, observados a escala de salários e os interstícios
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
275
previstos no art. 29 da Lei nº 8.212/91.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e à remessa oficial,
nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2001.
Juíza Virgínia Scheibe, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe: Trata-se de remessa oficial e
de apelação interposta pelo INSS contra sentença de procedência que o
condenou a:
a) revisar a renda mensal inicial do benefício do falecido esposo da
autora (AV em 25.03.94), a partir do reenquadramento dos salários-de-contribuição considerados no PBC da seguinte forma: enquadrar as
contribuições de 03.91 na classe 3; enquadrar as contribuições de 04.91
a 03.92 na classe 4 e enquadrar as contribuições de 04.92 a 02.94 na
classe 5;
b) revisar a renda mensal inicial do benefício da autora (Pensão em
24.05.94), a partir da renda mensal inicial de seu falecido marido revisada,
bem como os valores dos proventos da pensão daí decorrentes;
c) pagar as diferenças apuradas, acrescidas de correção monetária,
desde o vencimento de cada parcela, e de juros de 6% a.a., a contar da
citação, bem como honorários advocatícios de 10% sobre o valor da
condenação.
Em suas razões recursais, o INSS sustenta que, tendo o falecido se
filiado ao sistema da Previdência na qualidade de contribuinte em dobro,
em 01.91, mas tendo anteriormente contribuído como empregado na
classe “3”, até 12.90, deveria, obrigatoriamente, iniciar suas contribuições
na classe “3” e, para progredir na escala, deveria respeitar o interstício
necessário, a teor do disposto no § 3º do art. 29 da Lei nº 8.212/91.
Assim, aduz que, como mudou de categoria, as anteriores contribuições
276
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
efetivadas na classe “3” não são consideradas para fins de interstícios.
Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe: O recurso é tempestivo (fl. 94).
Insurge-se a Autarquia Previdenciária contra a sentença que a condenou a revisar a renda mensal inicial do benefício do falecido marido
da autora (AV em 25.03.94) e, posteriormente, a renda mensal inicial
do benefício desta (Pensão em 24.05.94), a partir do reenquadramento
dos salários-de-contribuição considerados no PBC, da seguinte forma:
enquadrar as contribuições de 03.91 na classe 3; enquadrar as contribuições de 04.91 a 03.92 na classe 4 e enquadrar as contribuições de 04.92
a 02.94 na classe 5.
Tenho que não mereça acolhida o recurso.
Primeiramente, há que se deixar assentado que, no período de janeiro/91 a outubro/91, o falecido marido da Autora estava enquadrado
na categoria de contribuinte em dobro, como comprova o documento
da fl. 47, pelo qual se entende, segundo Wladimir Novaes Martinez,
aquele “trabalhador não mais exercente de atividades, desempregado
ou cessante de atividades, dentro ou fora do período de manutenção da
qualidade de segurado, desejoso de permanecer no RGPS” (in Comentários à Lei Básica da Previdência Social, Tomo I, ed. LTr, 2ª ed., p.
328). Nessa situação, passou a contribuir por si e por seu empregador,
isto é, recolhia o mesmo percentual que lhe era descontado na ativa,
mais o percentual anteriormente a cargo do empregador. Frise-se que
passou a integrar tal categoria quando ainda vigente a legislação anterior,
Decreto nº 83.081/79, que não dava respaldo à progressão para a classe
superior na escala de salário-base. Tal categoria de segurado contribuía
para a Previdência Social com base no salário declarado e, portanto, não
se enquadrava nas hipóteses da escala de salário-base.
Dispunha o art. 53 do referido diploma legal:
“Art. 53. O salário declarado do contribuinte de que trata o art. 9º (contribuinte em
dobro) não pode ser superior ao último salário-de-contribuição quando em atividade,
considerado no seu valor mensal, nem inferior ao salário mínimo mensal de adulto.
§ 1º. O contribuinte pode, a qualquer tempo, reduzir o salário declarado até o limite
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
277
inferior de que trata este artigo, mas não pode elevá-lo, ressalvado o disposto no § 2º.
§ 2º. O valor do salário declarado pode ser reajustado pelo contribuinte com intervalos mínimos idênticos aos de alteração do salário mínimo, mediante aplicação,
ao seu salário-de-contribuição, do fator de reajustamento salarial referente ao mês da
última alteração do salário mínimo.” (grifo nosso)
Todavia, a Lei nº 8.212/91 alterou a sistemática anterior, criando a
categoria do segurado facultativo, que abrangeu o antigo contribuinte
em dobro, e, conforme arts. 28, III, e 29, § 8º, passou o mesmo a usufruir
da possibilidade de enquadrar-se na escala de salários-base, sujeito à
observância do interstício. Em face de tais considerações, não fazia jus
à progressão na escala de salário-base até o advento da Lei de Custeio,
em julho/91, mas a partir de então deveria submeter-se às novas regras
e poderia ser enquadrado na escala, devendo o INSS assim considerar
seus recolhimentos.
A propósito do tema, confira-se o precedente desta Turma:
“Previdenciário. Contribuinte em dobro. Salário declarado.
1. Para os contribuintes dobristas, o cálculo da contribuição e das prestações pecuniárias era efetuado com base no salário declarado, que correspondia, para o caso
do ex-empregado, ao próprio salário-de-contribuição, ou seja, o último sobre o qual o
segurado contribuiu ou devia ter contribuído, quando em atividade (art. 53 do Decreto
nº 83.081/79). Este o limite máximo do salário declarado.
2. Até o advento da Lei nº 8.213/91 diverso era o tratamento do segurado facultativo
e do chamado ‘contribuinte em dobro’. Este, contribuindo sobre o salário declarado,
não tinha direito à progressão na escala do salário-base e, uma vez feito seu enquadramento inicial, sua contribuição somente era alterada pela variação do salário mínimo.
3. A Lei nº 8.213/91 inovou na matéria, alargando o conceito de segurado facultativo, de modo a abranger o antigo ‘dobrista’, possibilitando a contribuição, não mais
pelo salário declarado, mas sim pelo salário-base, permitida sua elevação. Necessário,
contudo, o reenquadramento, nos termos do art. 29, § 8º, e a observância dos interstícios
quando da alteração para classe imediatamente superior.” (AC nº 95.04.56315-5-PR,
278
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Rel. Juíza Maria Lúcia Leiria, DJ 18.11.98)
Cessado tal período, contribuindo como autônomo, ficou submetido
à escala de salário-base, não tendo liberdade irrestrita para fixar seus
salários-de-contribuição, posto que tais segurados devem observar,
conforme o caso, as disposições do art. 137 da CLPS/84, c/c art. 43 do
Decreto nº 83.081/79, art. 3º do Decreto nº 97.968/89 e art. 29 da Lei nº
8.212/91, com suas alterações, respeitando rigorosamente os interstícios
legais - prazo mínimo de permanência em uma classe, antes do acesso
à imediatamente superior.
In casu, não se encontram nos autos informações completas sobre
todas as contribuições do segurado, constatando-se dos documentos
trazidos as seguintes contribuições:
TABELA DE SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO:
MÊS SC DO AUTOR
SC DO INSS
CLASSE
( INSS )
3/91
127.120,80
41.210,033
4/91
127.120,80
41.210,033
5/91
127.120,80
41.210,033
6/91
127.120,80
41.210,033
7/91
127.120,80
41.210,033
8/91
170.000,00
55.110,173
9/91
420.000,00 136.155,193
10/91
420.000,00 136.155,193
11/91
420.000,00 168.000,004
12/91
420.000,00 168.000,004
1/92
923.262,76 369.305,104
2/91
420.000,00 369.305,104
3/92
420.000,00 369.305,104
4/92
420.000,00 369.305,104
5/92
2.126.842,49 850.736,994
6/92
2.126.842,49 850.736,994
7/92
2.126.842,49 850.736,994
8/92
2.126.842,49 850.736,994
9/92
4.780.863,20 1.912.345,314
10/92 4.780.863,20 1.912.345,314
11/92 4.780.863,20 1.912.345,314
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
279
12/92
1/93
2/93
3/93
4/93
5/93
6/93
7/93
8/93
9/93
10/93
11/93
12/93
1/94
2/94
4.780.863,20 1.912.345,314
11.532.054,23 5.766.027,145
11.532.054,23 5.766.027,145
15.760.858,52 7.880.429,295
15.760.858,52 7.880.429,295
30.214,0915.107.366,10 5
30.214,0921.219.655,35 7
72.654,0421.219.655,35 5
50.613,12
25.306,555
86.414,97
43.207,475
108.165,62
54.082,795
135.120,49
67.560,225
168.751,98
84.375,965
295.795,39 147.897,645
385.273,50 192.636,705
Veja-se ainda que os salários-de-contribuição anteriores ao PBC,
extraídos do doc. de fl. 20, são os seguintes:
TABELA DE SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO:
MÊS
SC DO AUTOR
CLASSE EQUIVALENTE
1/905.510,14
2/9010.765,20
3/9017.898,42
4/9016.890,36
5/90
40.422,92
6/9055.852,21
7/9046.110,14
8/9021.434,12
9/9042.405,31
10/9028.117,81
11/9029.879,07
12/90
-
1/9192.168,10
2/91118.860,00
5
6
6
6
(acima do teto máximo)
idem
idem
5
9
5
4
10
10
O procedimento da Autarquia encontra-se esclarecido pelo documento de fl. 47, onde se verifica que o segurado foi enquadrado como
contribuinte em dobro de janeiro/91 a outubro/91, considerando o INSS
280
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
contribuições na classe 3 de janeiro/91 a dezembro/91; na classe 4 de
janeiro/92 a dezembro/92 e na classe 5 de janeiro/93 a fevereiro/94.
O INSS argumenta que, ao deixar o emprego em dezembro/90, o falecido tinha média de salários na classe 3 e, ao filiar-se, em janeiro/91,
como contribuinte em dobro, deveria ter começado a contribuir na classe
3 e ali permanecido por doze meses, pois, tendo mudado de categoria, não
seriam consideradas as anteriores contribuições nessa classe para fins de
interstícios. Entretanto, assim não teria procedido o segurado, que teria
passado suas contribuições diretamente para a classe 10, contrariando as
disposições dos arts. 29,§§ 3º, 8º, 11º e 12º, da Lei nº 8.212/91.
Efetivamente, por força do já citado art. 53 do Decreto nº 83.081/79,
no período em que contribuiu como “dobrista” até a vigência da Lei
nº 8.212/91, o ex-segurado não poderia ter salário declarado superior
ao último salário-de-contribuição da atividade, nem poderia aquele ser
elevado, a não ser na hipótese do § 2º do referido artigo. De outra parte,
sujeito à escala de salário-base a partir de julho/91, a Autarquia não
está obrigada a considerar, indiscriminadamente, o valor do salário-de-contribuição praticado pelo segurado se desrespeitados os interstícios
e o regime de progressão de classes da escala, podendo suprimir o excedente ao limite legal para fins de cálculo do benefício, posicionando
o segurado na classe a que tinha direito de estar.
Todavia, não procede o argumento do INSS no sentido de que, por ter
mudado de categoria – de empregado para contribuinte em dobro - não
poderia ter considerado as anteriores contribuições ao Autor na classe 3.
É que a troca de categoria não afeta o direito de progressão do segurado, o que também não ocorreria em caso de interrupção das contribuições, quando não há perda da qualidade de segurado. Ainda quando o
segurado usa da faculdade legal de regredir na escala, não há empeços a
que avance à classe superior considerando o período em que contribuiu
na classe de onde regrediu para fins de progressão, na forma do art. 29,
§ 12, da Lei nº 8.212/91.
Nesta linha o precedente desta Casa:
“Previdenciário. Revisão da renda mensal inicial do benefício. Salário-de-contribuição do autônomo. Enquadramento e progressão na escala de salário-base. Interrupção
nas contribuições. Juros de mora.
1. Embora a lei confira ao segurado opção para avançar, permanecer ou regredir
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
281
na escala de salário-base, o contribuinte não dispõe de autonomia de vontade para
reenquadrar-se em função do tempo de filiação, devendo respeitar os interstícios legais
e a progressão prevista.
2. A interrupção das contribuições sobre a escala de salário-base não afeta o direito
de progressão do segurado, se não houve a perda da qualidade de segurado.
3. O exercício do direito de regressão não impede o avanço à classe superior, porquanto o período em que o segurado contribuiu na classe de onde regrediu é considerado
para fins de progressão.
4. Os juros de mora são devidos a contar da citação.” (AC nº 96.04.44282-1-PR,
Rel. Juiz Carlos Sobrinho, DJ 14.04.99)
Assim, as contribuições recolhidas como “dobrista” servem para completar o interstício legal, ainda que não sirvam para alçar as contribuições
a uma classe superior no período anterior à disciplina da Lei de Custeio, já
que o salário declarado não podia ser elevado, como se viu da disposição
legal supracitada.
Portanto, considerando-se os recolhimentos feitos pelo Autor no período anterior ao PBC e tendo o INSS enquadrado os mesmos, em 03.91,
na classe 3 (adequadamente, já que o segurado não poderia, contribuinte
em dobro que era então, ter elevado o salário declarado), deve ser mantida
a sentença que condenou a Autarquia a reenquadrar as contribuições, a
partir de 04.91 até 03.92 na classe 4, e de 04.92 a 02.94 na classe 5, já
que cumpridos os interstícios legais, de 12, 12 e 24 meses, respectivamente (art. 29 da Lei nº 8.212/91).
A propósito do tema colho a jurisprudência desta Casa:
“Previdenciário. Revisão de benefício. PBC. Mudança de classe. Interstícios.
1. O segurado somente pode evoluir na escala do salário-base, mudando de uma
classe para outra superior, somente após cumprir o respectivo interstício.
2. Apelação improvida.” (AC nº 97.04.28653-8-PR, Rel. Juiz Nylson Paim de
Abreu, DJ 31.03.99)
“Previdenciário. Escala do salário-base. Reajuste do benefício de maio de 1993.
Comprovação.
1. Se o segurado não obedeceu à escala do salário-base, suprimindo uma das
respectivas classes, não há como acolher a sua irresignação, sendo correto o procedimento do INSS que suprimiu o excedente ao limite legal dos salários-de-contribuição,
posicionando-o na classe que haveria de observar para o recolhimento das contribuições
previdenciárias.
2. Tendo o Instituto Previdenciário demonstrado a aplicação do índice de 28,25%,
em maio de 1993, para o reajuste dos benefícios com DIB em abril daquele ano, inca-
282
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
bível o inconformismo do requerente.
3. Apelação improvida.” (AC nº 94.04.40556-6-RS. Rel. Juiz Nylson Paim de
Abreu, DJ 27.05.98)
“Previdenciário. Segurado autônomo, sujeito à escala de salário-base. Necessidade
de respeito aos interstícios para progressão de classes salariais. Correta fixação da renda
mensal inicial feita pelo INSS.
1. Sendo o apelado segurado autônomo, está obrigado a contribuir segundo a escala
de salário-base, devendo respeitar os interstícios para progresso nas classes salariais,
sob pena de não ver adotados, para fins de fixação da renda mensal inicial, os salários-de-contribuição sobre os quais efetivamente contribuiu.
2. Caso em que o segurado saltou da classe 5 para a classe 6, sem cumprir o interstício mínimo, tendo o INSS corretamente enquadrado os salários-de-contribuição na
classe 5, até o final do período básico de cálculo.
3. Apelo do INSS improvido.” (AC nº 95.04.07837-0-SC, Rel. Juíza Cláudia Cristofani, convocada, DJ 16.09.98)
Assim, tenho por bem negar provimento ao apelo e à remessa oficial.
É o voto.
REMESSA EX OFFICIO EM MS Nº 1998.04.01.076047-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon
Parte-Autora: Maristela Benvegnu
Advogados: Drs. Jaime Antonio Bridi e outro
Parte-Ré: Chefe do Posto Especial do Seguro Social
do INSS/Passo Fundo
Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Passo Fundo/RS
EMENTA
Previdenciário. Cômputo de tempo de serviço. Empresário, autônomo
ou equiparado. Recolhimento de contribuições previdenciárias. Decadência. Indenização. Controvérsia sobre a natureza do vínculo laboral.
Dilação probatória. Extinção sem julgamento do mérito.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
283
1. A relação jurídica de custeio é conexa à relação jurídica de previdência social; para certas categorias, a Previdência exige a comprovação da
contribuição, para que o segurado tenha o direito à prestação correspondente. Os descontos das contribuições previdenciárias dos empregados
presumem-se feitos oportuna e regularmente pela empresa; todavia, igual
presunção não se estende aos segurados obrigados ao recolhimento por
iniciativa própria.
2. Se o empresário, autônomo ou equiparado não cumprir a obrigação
de pagar a contribuição, não pode exigir a prestação conexa oriunda da
relação jurídica de previdência social. Para a contabilização do tempo de
serviço, estas categorias de segurados devem fazer prova das respectivas
contribuições. A decadência do direito de a autarquia cobrar as contribuições previdenciárias tem como contraponto a impossibilidade de o
segurado computar o período de vinculação à Previdência para efeito de
benefício previdenciário.
3. A legislação previdenciária em vigor oportunizou o aproveitamento
do tempo de serviço e estes segurados, para fins de obtenção de benefício,
mediante a comprovação do exercício da atividade e a satisfação das
contribuições previdenciárias pertinentes. Não há falar em decadência do
direito de exigir a satisfação de valores para contabilização do tempo de
serviço das indigitadas categorias, pois a lei criou a faculdade de recolhimento a posteriori (malnominada como “indenização”), nem mesmo
existindo uma obrigação sobre a qual possa se contemplar extinção do
direito de exigir. Ao segurado é que lhe foi propiciado, como favor legal,
um recolhimento de contribuições atrasadas e não-exigíveis.
4. A contribuição previdenciária deve ser cobrada em valor correspondente à época do fato gerador, com os consectários legais até quando
ocorrida a decadência; após tal ocasião, somente pode incidir a correção
monetária, porque não se há de fazer incidir juros e multa sobre um
principal já extinto.
5. A principal questão ventilada na inicial diz respeito à natureza do
vínculo laboral da parte impetrante. Uma vez que a controvérsia demanda
dilação probatória, inexistindo prova preconstituída da relação empregatícia, impõe-se a extinção do processo, sem julgamento do mérito, ante
a inadequação da via processual eleita.
ACÓRDÃO
284
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, de ofício, julgar o processo extinto, sem julgamento do
mérito, prejudicada a remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de dezembro de 2000.
Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon: Maristela Benvegnu
impetrou mandado de segurança contra ato do Chefe do Posto do INSS,
para que seja expedida a certidão de tempo de serviço relativa ao período
de 01.10.71 a 31.12.75, em que trabalhou como empregada em escritório
de contabilidade, no Município de São Domingos do Sul, desempenhando tarefas de escrituração, datilografia, cobrança e serviços de estafeta,
comprovada mediante laudo de exame documentoscópico-grafotécnico.
Argumentou que a autarquia, apesar de reconhecer o tempo de serviço,
está exigindo o recolhimento de contribuições como autônoma, quando,
na realidade, desempenhou a atividade como empregada. Afirmou, ainda,
que o valor exigido não corresponde ao salário percebido à época, que
correspondia a um salário mínimo mensal, além de haver-se consumado
a decadência do crédito tributário.
Prestadas as informações (fls. 33/34) e emitido parecer pelo Ministério
Público (fls. 36/39), sobreveio sentença que concedeu a segurança, para o
efeito de determinar ao impetrado que tome as providências necessárias
a fim de expedir a certidão de tempo de serviço em nome da impetrante,
referente ao período de 20.10.71 a 30.12.75, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao período (fls.
41/47).
Sem recurso voluntário, vieram os autos a esta Corte por força de
remessa oficial, manifestando-se o Ministério Público Federal.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon: Segundo as informações prestadas pela autoridade impetrada, requerida foi aposentadoria
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por tempo de serviço — e não simples certidão —, que foi indeferida
por falta de tempo de atividade suficiente. A segurada interpôs recurso à
Junta de Recursos da Previdência Social, postulando o cômputo do tempo
de serviço como empregada do escritório de contabilidade de Evaldo
Jacinto Benvegnu e Arnaldo Eloi Benvegnu, mediante a apresentação
de laudo de exame documentoscópico de lançamentos realizados por ela
em livros fiscais, solicitando a realização de justificação administrativa.
A autarquia entendeu comprovada a atividade da segurada no período
de 20.10.71 a 30.12.75 na condição de prestadora de serviço autônoma,
ante a ausência de elementos de prova que configurassem o vínculo empregatício; no entanto, foi mantido o indeferimento do benefício, pois
a impetrante não efetuou o recolhimento das contribuições pertinentes.
O MM. Juízo a quo acolheu a tese de ilegitimidade da cobrança de
valores a título de contribuições previdenciárias, porquanto a exigência
foi atingida pela decadência. Entendeu que o ente responsável pelo
lançamento do débito, em não o promovendo na época própria, deixou
ausente constituição do crédito tributário, tornando indevida a exigência
do recolhimento da obrigação fiscal.
Correta a sentença no que tange à natureza tributária da figura em
exame. Já de princípio, há que se afastar a denominação “indenização”,
forjada no intuito de mascarar a índole de tributo, pois não se trata de
recomposição de dano, de reposição de prejuízo. Indenização, termo
oriundo do Latim, indemnis (não-vulnerado, íntegro), segundo o Novo
Dicionário Jurídico Brasileiro, de José Náufel (Ícone Editora, 8ª Edição,
p. 620), é “reparação de um dano causado ao patrimônio de alguém, resultante de um ato ou um fato, pessoal, ou de terceiro por quem legalmente
se responde, doloso ou culposo”; ou “reparação a que está obrigado todo
aquele que comete um ato ilícito.”
A natureza tributária das contribuições previdenciárias vem sendo
afirmada há longos anos. Já nos idos de 1969, J. Motta Maia (in Novo
Sistema Tributário Nacional, Mabri, Rio de Janeiro, 2ª Edição, p. 106)
prelecionava:
“83. AS TAXAS E CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS — Surge, aqui, o problema crucial das contribuições ou taxas parafiscais, a serem cobradas e aplicadas pelas
entidades paraestatais, aquelas que se destacam do corpo da administração direta para
se constituírem em unidades autônomas que, sem deixarem de ser de natureza pública,
se diferenciam da administração pública tradicional pela sua forma de ação, mais liberta
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das peias da burocracia tradicional. Esse, o espírito dos entes autônomos, na sistemática do direito público moderno, em que pese o fato de eles, aqui e em outros países,
se terem transformado, regredindo em seus objetivos que eram de maior liberdade de
movimentos, um meio termo entre o serviço público e a empresa privada.
Argumenta-se, ainda agora, muito menos do que dantes, que as contribuições parafiscais não estão contempladas no vigente sistema tributário e que por contribuição
só deve ser entendida a de melhoria, expressamente referida no Código Tributário
(Código Tributário Nacional, arts. 5º e 81, dentre outros).
Essa assertiva assenta em um preconceito que poderíamos dizer de categoria semântica. Questão de palavras, nada mais. Sob a denominação de contribuições, taxas
e até de impostos, vigoram várias contribuições parafiscais, como o Imposto sindical,
sem que deixassem de ser contribuições ou taxas parafiscais. Como temos afirmado,
há um certo casuísmo, para não dizer uma espécie de pudor técnico, na denominação
das contribuições parafiscais, que se evita denominar de taxas, para não confundir com
as taxas de conceito tradicional, de caráter fiscal. Em outros países, onde se discute
parafiscalidade, não há esse escrúpulo infundado, porque se visa, antes de tudo, a fixar
um conceito, não simplesmente a forma. Esse receio não é partilhado por tratadistas
eminentes como os srs. Aliomar Baleeiro e Rubens Gomes de Souza, que, na discussão
do antigo projeto de Código Tributário Nacional, sempre aludiram às taxas de natureza
parafiscal, e que na doutrina nacional ora são designadas por imposto, taxa ou contribuições (Projeto de Lei nº 4.834-A, de 1954).
As contribuições parafiscais, mesmo antes da permissão constitucional para fins de
intervenção no domínio econômico, (Constituição de 1967, art. 157, § 9º, V) já estavam
previstas no Código Tributário, ao prever a instituição de taxas a serem cobradas e
aplicadas por serviços públicos autônomos ou serviço público prestado ao contribuinte,
serviços públicos específicos destacados em unidades autônomas de intervenção, de
utilidade ou necessidade públicas.
As unidades autônomas são as entidades paraestatais, autônomas porque autárquicas, órgãos de vários graus ou grupos profissionais, que se desprendem do corpo do
Estado, mas a ele ficam vinculados para execução de tarefas básicas, específicas, com
o fito de que elas se realizem de forma mais flexível, sem os espartilhos da burocracia
tradicional. Com esse desprendimento do velho tronco da árvore do Estado, os entes
autônomos continuam a ser uma parte do Estado, uma parte destacada, com delegação para praticar atos que são peculiares ou privativos do Estado. A delegação é para
que elas, as entidades autônomas, possam praticar certos atos que já não podem ser
suportados pela máquina burocrática tradicional. Daí aquilo que Baleeiro assinala com
muita propriedade, como uma delegação do Estado; e Rubens Gomes de Souza, que
considera a taxa parafiscal como ‘tributo exigido do contribuinte que, por sua atividade
ou interesse, provoca a necessidade de serviço específico ou de despesa especial por
parte da pessoa de direito público.’”
O mestre Geraldo Ataliba, com a percuciência que lhe é peculiar,
assim se manifesta a respeito:
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“A designação contribuição parafiscal não retira a um tributo seu caráter tributário.
Qualquer que seja o nome com que se batize, ‘toda obrigação pecuniária ex lege em
benefício de pessoa pública ou com finalidades de utilidade pública’ é tributo e se submete ao chamado regime tributário: conjunto de princípios e normas constitucionais,
que regulam a exigência coativa de prestações pecuniárias pelo estado. Este regime se
caracteriza pelos princípios da isonomia (art. 153, § 1º), estrita legalidade (art. 153, §
29, 2ª parte), relação de administração (Ruy Cirne Lima, Princípios, p. 51), não discricionariedade administrativa etc.
Os tributos parafiscais, conforme a consistência da sua hipótese de incidência, podem
revestir a natureza de imposto, ou taxa, ou contribuição. Conforme o caso, obedecerão
ao regime peculiar de cada qual.
A chamada contribuição previdenciária, por exemplo, é um imposto para o empregador, e uma taxa para o empregado. As chamadas ‘contribuições’ cobradas como
seu adicional são impostos, como imposto é o tributo que tem o singularmente curioso
nome de ‘salário-educação’. São impostos, também, os “depósitos” (sic) a que se refere
a lei do PIS.
É preciso deixar insistentemente sublinhado que a invocação do termo parafiscal
não exime o legislador de obedecer à Constituição, nem o administrador de obedecer
à lei. Obrigação tributária ex lege é tributo e deve obedecer ao regime tributário (v.
Apontamentos de Direito Tributário, Geraldo Ataliba, p. 154), receba o nomen iuris
de contribuição ou outro qualquer e mesmo que venha acompanhada do miraculoso
adjetivo parafiscal.
Em suma, importa ficar claro, inequívoco e inquestionável que a circunstância
de um tributo ser batizado de ‘contribuição parafiscal’ não implica necessariamente
natureza específica de contribuição (art. 4º do CTN), nem permite que se posterguem
as exigências constitucionais que disciplinam e limitam a tributação.
É imperioso deixarmos definitivamente para trás, enterrada inexoravelmente no
passado, a mentalidade primária que supõe — muito ingênua ou muito industriosamente — que a alegação do caráter parafiscal autoriza a desobediência aos cânones
constitucionais limitatórios da tributação.
O grande João Mangabeira, estudando o empréstimo compulsório — à época em
que pouco debatido tinha sido o assunto — ao refutar os arautos da tese de que de
tributo não se tratava, escreveu, saborosamente:
‘Não basta, para burlar a Constituição, fazer-se uso de nome falso. Porque a lei,
ou a autoridade policial, estabelecesse que se poderia ‘compulsoriamente’ convidar e
levar alguém a repousar ou veranear num presídio, com a tabuleta ‘clínica de repouso’
ou ‘estação balneária’, ninguém se deixaria lograr por esse embuste e não haveria Juiz
que não acudisse ao preso com a garantia do habeas corpus.”
A mim não me empolga a tese de que, em sendo facultativa, a mal-apelidada “indenização” refugiria ao Direito Tributário, porque é essencial
a compulsoriedade na índole de tributo. A contribuição previdenciária é
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obrigatória; excepcionalmente, empresta-se-lhe facultatividade. Quando
a lei estabelece uma isenção ou imunidade, retira — e de modo bem mais
absoluto — a obrigatoriedade da espécie tributária abonada; e nem por
isso perde ela sua natureza de tributo.
A decadência, conforme é consabido, extingue o próprio fundo de
direito. Em desaparecendo o direito ele-mesmo, ter-se-á, no âmbito do
Direito Tributário, que o crédito não-levantado no prazo legal não mais
pode ser exigido, e nem pode ser pago; o recolhimento de tributo caduco
ensejaria restituição de indébito. Assim, no rigor da técnica, um crédito
coberto pela decadência passa a mera abstração, a um nada absoluto. A
questão que ora se põe — e que corresponde à pedra-de-toque da questão
em exame — é se o legislador pode “ressuscitar” aquilo que a decadência
fez desaparecer. A resposta negativa levaria, in casu, ao esvaziamento
do texto legal. Se o pagamento serôdio é condição para a contagem do
tempo, em não sendo possível o recolhimento, inviabilizar-se-ia o benefício da contagem do tempo para obtenção de aposentadoria. Equivocado
pretender-se que o contribuinte viesse a beneficiar-se apenas da parte da
lei que lhe traz vantagem.
O prazo de decadência houve sua origem na necessidade de preservar
a tranqüilidade jurídica, essencial à vida em sociedade, evitando que o
contribuinte viva no sobressalto de, a qualquer momento, deparar-se com
responsabilidades tributárias desenterradas de passado remoto, talvez
decorrente de devassa na contabilidade ensejada por perseguição política.
O pressuposto fático de gênese do instituto, a meu sentir, impede que o
legislador faça reviver a obrigação fiscal em sua compulsoriedade. Todavia, em repristinando o crédito finado em termos opcionais, não causa
o legislador dano qualquer ao contribuinte que lhe venha a retirar a paz
imprescindível ao desenvolvimento normal de suas atividades.
Ainda que correta a linha de raciocínio adotada pela sentença recorrida,
não se pode olvidar que a relação jurídica de custeio é conexa à relação
jurídica de previdência social. Em certas situações, a Previdência exige
a comprovação da contribuição para que o segurado tenha o direito à
prestação correspondente. Os descontos das contribuições previdenciárias
dos empregados presumem-se feitos oportuna e regularmente pela empresa; todavia, igual presunção não se estende aos segurados obrigados
ao recolhimento por iniciativa própria.
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Tratando-se de filiação obrigatória na condição de empresário, autônomo ou a este equiparado, a obrigatoriedade de recolher as contribuições é do próprio segurado. Se o sujeito passivo dessa obrigação não a
cumprir, não pode exigir a prestação conexa oriunda da relação jurídica
de previdência social. Para a contabilização do tempo de serviço, estas
categorias de segurados devem fazer prova das respectivas contribuições,
pois não lhes é dado beneficiarem-se da própria omissão. A decadência
do direito de a autarquia cobrar as contribuições previdenciárias tem
como contraponto a impossibilidade do segurado computar o período
de vinculação à Previdência para efeito de benefício previdenciário.
Destarte, a decadência do crédito tributário afeta, na mesma medida, o
direito do segurado à contagem do tempo de serviço.
A legislação previdenciária em vigor, todavia, oportunizou o aproveitamento do tempo de serviço do segurado empresário, autônomo ou
equiparado, para fins de obtenção de benefício, mediante a comprovação
do exercício da atividade e a satisfação das contribuições previdenciárias
pertinentes. A medida resgata a possibilidade de contabilização do tempo
de serviço de tais categorias, antes impedida em face da ausência das
contribuições, o que provocava a perda da qualidade de segurado, e, em
conseqüência, a caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade. É
impositivo, então, que o segurado, para fins de aproveitamento do tempo
de serviço, verta os valores reclamados pelo Instituto.
Ora, em se tratando de um direito renascido, não há falar em decadência, pois não possuía a entidade previdenciária, antes do novel diploma legal, direito potestativo a exercer. Como a lei criou a faculdade
de recolhimento a posteriori (malnominada como “indenização”), nem
mesmo existe uma obrigação sobre a qual se possa contemplar extinção do
direito de exigir. Ao segurado é que lhe foi propiciado, como favor legal,
um recolhimento de contribuições atrasadas e não-exigíveis. Absurdo
seria contar qualquer prazo, sobre quem não tem ação nem potestade. É
princípio de hermenêutica: Ad impossibilia nemo tenetur.
Apenas em relação ao quantum a ser pago pelo contribuinte é que me
parece estar o comportamento da autarquia a merecer reparos. Conforme
já fizemos ver acima, trata-se da contribuição previdenciária, indisfarçavelmente a mesma contribuição previdenciária, com idêntico fato gerador,
ainda que maldisfarçada com a alcunha de “indenização”. Rediviva, há
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de voltar a habitar entre nós tal qual existia; nada justifica que a Administração venha a cobrar mais do que o que devido pelo contribuinte.
Excesso de tributação é confisco, que nosso Direito repudia. Assim,
deve-se apurar, normalmente, com os consectários legais pertinentes, o
crédito tributário, a partir do fato gerador, até a época em que ocorrida
a decadência. Depois, incide a correção monetária, porque não se há de
fazer incidir juros e multa sobre um principal já extinto.
Em se demonstrando que o afastamento da obrigação em razão da
decadência não encontra respaldo jurídico, a principal questão ventilada na inicial diz respeito à natureza do vínculo da parte impetrante
ao escritório de contabilidade de Evaldo Jacinto Benvegnu e Arnaldo
Eloi Benvegnu. Aduz a parte que trabalhou como empregada, ao passo
que a autarquia, após o processamento de justificação administrativa,
qualificou-a como autônoma.
A controvérsia, no caso vertente, demanda dilação probatória, porque ausente prova preconstituída da relação empregatícia. A impetrante
limitou-se a acostar à inicial cópia do laudo de exame grafotécnico,
que, embora constitua razoável início de prova material do exercício de
atividade laboral, não serve como prova plena do contrato de trabalho.
Somente a prova testemunhal poderia complementar e elucidar a efetiva
natureza do vínculo, fornecendo dados concretos sobre os elementos
essenciais da relação de emprego, como subordinação, remuneração e
não-eventualidade.
Se evidenciada a relação empregatícia, obviamente não poderia ser
exigida da impetrante a comprovação do recolhimento das contribuições
previdenciárias, restando patente a ilegalidade do ato coator. No entanto,
apresenta-se incompatível a necessária complementação probatória com
a via estreita do mandado de segurança. Ficam ressalvadas à autora,
todavia, as vias ordinárias.
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à remessa oficial
para julgar o processo extinto, sem julgamento do mérito, com fulcro
no art. 267, VI, do CPC.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1998.04.01.092124-5/SC
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Edma Silveira Coelho
Apelada: Margarida Arao
Advogados: Drs. Antonio Carlos da Cunha e outros
EMENTA
Previdenciário. Concessão. Pensão. Companheira de ex-combatente.
Sistemática de reajustes.
1. Remessa oficial tida por interposta.
2. Afastada preliminar de nulidade da sentença, de ser mantida a
concessão de pensão por morte de ex-combatente à companheira, ante
a existência de permissivo legal específico (Lei 4.297/63, art. 3º, alínea
d) e a equiparação dos integrantes da Marinha Mercante Nacional aos
ex-combatentes de que trata a Lei 288/48.
3. Não questionada a condição de companheira, a dependência econômica é presumida.
4. Tendo o óbito ocorrido antes da vigência da Lei nº 5.698/71, a
renda mensal inicial da pensão e os reajustes subseqüentes devem ser
calculados conforme a Lei nº 4.297/63 até o advento daquele dispositivo
legal, a partir do qual cabível os reajustamentos conforme o regime geral
da Previdência Social.
5. A correção monetária em ações de natureza previdenciária, face ao
caráter alimentar dos proventos, deve retroagir à data em que devidos,
embora pelo índices da Lei n° 6.899/81.
6. A teor do parágrafo único do art. 33 da Lei Complementar nº 156,
de 23.12.97, na redação dada pela LC nº 161/97, as custas processuais
devem ser suportadas por metade pelo Instituto Previdenciário.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa
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oficial, decisão nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2001.
Juíza Virgínia Scheibe, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe: Trata-se de apelo do INSS contra sentença de procedência que, em ação previdenciária, condenou-o a
conceder em favor da Autora pensão por morte do companheiro (óbito
em 30.03.65), que era ex-combatente, no valor correspondente a 70% dos
proventos que são pagos aos segurados ocupantes do cargo de foguista
da Marinha Mercante Nacional, com manutenção desses parâmetros,
por força das Leis 1.756/52, 4.297/63 e 5.698/71, com termo inicial à
data do óbito, respeitada a prescrição qüinqüenal. Condenou ainda a
Autarquia ao pagamento das prestações vencidas atualizadas monetariamente desde a origem, bem como juros legais de 6% ao ano a contar
da citação, custas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre
o valor da condenação.
Argúi a Autarquia Previdenciária, preliminarmente, a nulidade da sentença, por entendê-la extra petita, tendo em vista a Autora ter requerido
na inicial que o INSS fosse condenado “a pagar todas as prestações vencidas desde o qüinqüênio que precede a data da súplica administrativa,
no percentual de 80% (70% cota básica + 10% dependente) a partir da
Lei 8.213/91, e a razão de 100%, a partir da vigência da Lei 9.032/95,
que deu nova redação ao artigo 75 da Lei de Benefícios da Previdência
Social” (fl. 5), enquanto que o Julgador Singular decidiu que “Não se
aplicam os percentuais majorantes previstos na Lei 8.213/91 (art. 75) e
na Lei nº 9.032/95, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito.” (fl. 140).
Sustenta que, a teor do Regulamento Geral da Previdência Social à
época da aposentadoria e falecimento do segurado, Decreto 48.959/A/60
e da LOPS ) Lei 3.807/60), a companheira não detinha a condição de
dependente, razão pela qual não lhe é devida pensão.
Aduz ainda que, por ter sido foguista, não se aplica ao caso concreto
a Lei 4.297/63, específica para ex-combatentes, devendo o segurado
morto enquadrar-se na legislação previdenciária ordinária, a qual não
contemplava à companheira direito à pensão, salvo no caso de pessoa
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designada, o que não é o caso, pois somente possível na hipótese de
inexistência de outros dependentes e, in casu, o de cujus tinha três filhos
com a Autora, os quais foram contemplados com pensão. Ainda que
assim não fosse, deveria comprovar dependência econômica em relação
ao falecido segurado, o qual não logrou êxito.
Alega, ainda, que o MM. Julgador Singular não poderia determinar a
manutenção do benefício por regras outras que não as da política geral
de reajustamento dos benefícios da Previdência Social.
Por fim, requer que a correção monetária das parcelas vencidas seja
contada desde o ajuizamento da ação, nos termos da Lei 6.899/81.
Com contra-razões e parecer do douto Ministério Público Estadual
pelo improvimento do apelo, vieram os autos a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
Dispensada a revisão.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe: O recurso é tempestivo (fl. 144).
Preliminarmente, tendo sido a sentença proferida em 22.06.98,
poste-riormente, portanto, à edição da Medida Provisória nº 1.561-1, de
17.01.97, a qual determinou fosse aplicado às autarquias o disposto no
caput e inciso II do art. 475 do CPC, tenho por interposta a remessa oficial.
A matéria é apenas de direito, haja vista que, conforme bem salientou
o MM. Julgador Singular, a condição de companheira não é questionada
pela Autarquia e é até admitida, conforme facilmente se depreende da
leitura da contestação, centrando-se a argumentação da Ré na alegada
falta de previsão legal para a concessão postulada. Da mesma forma, no
que tange à condição de ex-combatente, a mesma também não é questionada, mas, sim, os dispositivos legais aplicáveis à espécie, tendo em
vista a condição de foguista da Marinha Mercante Nacional por parte
do de cujus.
A preliminar levantada pela Autarquia não merece prosperar. Sustenta
a Ré que a sentença é nula por extra petita, haja vista decidir diferentemente do pedido no que tange aos percentuais do benefício. Sem razão,
no entanto. É que o pleito vestibular é de concessão de pensão e isto foi
deferido no julgado singular, não havendo falar em julgamento fora do
pedido. E isso porque o julgado, embora consignando no dispositivo
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a procedência da ação, na verdade julgou parcialmente procedente o
pedido, pois não atendeu à postulação da Autora (inicial, fl. 5, item b)
no sentido de aplicar ao benefício concedido a regra insculpida em legislação posterior (Leis 8.213/91 e 9.032/95) àquela vigente por ocasião
do óbito do de cujus, no que tange ao percentual da pensão em relação
ao benefício originário.
No mérito, a questão resume-se à legislação aplicável à espécie.
Sustenta a Autarquia que a Lei 4.297/63, invocada pela Autora na inicial para sustentar sua pretensão ao pensionamento, não se aplica ao caso
concreto, eis que específica para ex-combatentes, devendo os benefícios
rela-cionados ao de cujus serem regidos pela legislação previdenciária
comum, pois era foguista e teve sua aposentadoria concedida com fulcro
na Lei 1.756/52, que apenas estendeu ao pessoal da Marinha Mercante
Nacional as vantagens da Lei 288/48, mas somente isto, sem repercussão
no direito à pensão, não previsto na legislação especial.
Ora, não vinga a tese, que pretende suprimir a contrario sensu o
efetivo alcance da legislação em comento. Na verdade, a Lei 1.756/52,
ao estender ao pessoal da Marinha Mercante Nacional os direitos e vantagens da Lei 288/48 os equiparou, para fins de concessão de benefício,
aos ex-combatentes, sendo certo que, a partir de então, as aposentadorias
concedidas com fulcro naquele dispositivo legal são todas, indistintamente, aposentadorias de ex-combatente. Não mais importa a origem
do beneficiário, importa que a intenção do legislador foi estabelecer a
equiparação entre eles e, uma vez estabelecida, os benefícios passaram
a ter a mesma natureza, gerando os mesmos direitos, entre os quais o
de pensão.
Assim sendo, quando editada a Lei 4.297/63, que dispõe sobre a aposentadoria e pensões de Institutos ou Caixas de Aposentadoria e Pensões
para ex-combatentes e seus dependentes, encontrou, no universo de seus
destinatários, tanto o ex-combatente tipificado como tal na Lei 288/48
como aqueles a eles equiparados para os fins da Lei 1.756/52. Uma vez
que a concessão da aposentadoria ao de cujus deu-se sob a égide desta
última norma legal, é certo que a natureza do benefício, como acima
dito, é de ex-combatente e, por via de conseqüência, alcançada pelos
efeitos decorrentes da Lei 4.297/63, que, em seu art. 3º, assim dispunha:
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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“Art. 3º Se falecer o ex-combatente segurado de Instituto de Aposentadoria e
Pensões ou Caixa de Aposentadoria e Pensões, aposentado ou não, será concedida, ao
conjunto de seus dependentes, pensão mensal, reversível, de valor total igual a 70%
(setenta por cento) do salário integral realmente percebido pelo segurado e na seguinte
ordem de preferência:
a) metade à viúva e a outra metade, repartidamente, aos filhos de qualquer condição, se varões — enquanto menores não emancipados, interditados ou inválidos — se
mulheres, enquanto solteiras, incluindo-se o filho póstumo;
b) não deixando viúva, terão direito à pensão integral os filhos mencionados na
letra a deste artigo;
c) se não houver filhos caberá a pensão integral à viúva;
d) à companheira, desde que com o segurado tenha convivido maritalmente por
prazo não inferior a 5 anos e até a data de seu óbito; (grifei)
(...) omissis”
Tem-se, pois, que para o caso específico da Autora a legislação aplicável não é a regra geral dos benefícios previdenciários, constante da
LOPS (Lei 3807/60) e do então Regulamento da Previdência, Decreto
48.959/A/60, mas a indigitada legislação especial, Lei 4.297/63, vigente
à data do óbito (30.03.65), devendo-se aplicar a legislação ordinária
previdenciária apenas subsidiariamente.
Como já antes dito, a condição de companheira não foi questionada
pela Autarquia Previdenciária, inclusive foi admitida, tanto administrativamente (doc. fl. 27, p. ex.), como judicialmente (contestação, fls.
87/91), tornando desnecessária a análise da prova testemunhal produzida
em audiência (fls. 71/75), anteriormente à citação do INSS, com vista
ao convencimento do MM. Juízo a quo para os fins da antecipação de
tutela postulada e deferida a fls. 77/80, a qual, aliás, sofreu ataque pela
via do agravo de instrumento nº 96.04.67595-8/SC, ao qual foi negado
provimento por esta Egrégia 5ª Turma em 07.05.98.
Em tal contexto, tenho que não merece trânsito a alegação recursal
de que a dependência econômica não restou demonstrada. Ora, a jurisprudência pátria e também a legislação previdenciária têm consagrado
o entendimento de que, comprovada a convivência more uxorio com
aparência de casamento, a dependência econômica é presumida. No caso
dos autos, vale referir que a dependência econômica resta configurada
também pela natural detenção e fruição dos valores do pensionamento,
por parte da recorrida, enquanto administradora dos bens dos filhos menores, os quais desde o óbito do segurado passaram a receber tal benefício,
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
justificando sua acomodação ante a negativa da Administração, por tão
longo período de tempo. Alcançando os filhos a maioridade e cessadas
as cotas respectivas de pensionamento, passou a companheira a manter-se por seus próprios meios ou a ser sustentada pelos filhos ou, ainda,
a viver de caridade alheia, situação que mais ainda põe em evidência
a alegada dependência econômica em relação ao de cujus, com o qual,
aliás, conviveu mais de sete anos e até sua morte.
Quanto à preservação do valor do benefício, concedido à razão de
70% dos proventos do segurado, a teor do art. 3º, caput, da Lei 4.297/63,
tenho que mereça parcial reforma a sentença, pois determinou que o valor assim obtido fosse mantido com observância do seguinte parâmetro:
sempre no valor correspondente a 70% dos proventos que são pagos aos
segurados ocupantes do cargo de foguista da Marinha Mercante Nacional,
a teor da Lei 4.297/63. Embora o MM. Julgador não tenha feito menção
específica ao dispositivo legal assegurador de tal sistemática, a mesma
é encontrada no art. 5º da referida lei, que assim dispunha:
“Art. 5º O valor total das pensões será reajustado a 70% do salário integral que
perceberia o segurado, na base dos salários atuais e futuros, da mesma forma que o
disposto no art. 2º.”
Por sua vez, o art. 2º supra-referido rezava:
“Art. 2º O ex-combatente, aposentado de Instituto de Aposentadoria e Pensões ou
Caixa de Aposentadoria e Pensões, terá seus proventos reajustados ao salário integral,
na base dos salários atuais e futuros, de idêntico cargo, classe, função ou categoria da
atividade a que pertencia ou na impossibilidade dessa atualização na base dos aumentos
que seu salário integral teria, se permanecesse em atividade em conseqüência de todos
os dissídios coletivos ou acordos entre empregados e empregadores posteriores à sua
aposentadoria. Tal reajuste também se dará todas as vezes que ocorrerem aumentos
salariais, conseqüentes a dissídios coletivos ou a acordos entre empregados e empregadores, que puderem beneficiar ao segurado se em atividade.”
Tal diploma legal, porém, veio a ser revogado pela Lei nº 5.698, de
31.08.71, segundo a qual “o ex-combatente segurado da previdência
social e seus dependentes terão direito às prestações previdenciárias
concedidas, mantidas e reajustadas de conformidade com o regime geral
da legislação orgânica da previdência social”. Não resguardou, pois, o
direito ao reajustamento pelo salário dos trabalhadores da ativa, devendo
o benefício da Autora, a partir da vigência dessa lei, seguir a política de
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
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reajustes do regime geral da previdência social.
Em tal sentido, lembro o precedente desta Corte, assim ementado:
“Previdenciário. Aposentadoria. Ex-combatente. Revisão. Renda mensal inicial.
Leis 4.297/63 e 5.698/71. Proventos integrais. Limitação em 10 salários mínimos.
Sistemática de reajustes.
1. A Lei nº 4.297/63, que previa aposentadoria com estipêndios iguais aos da
atividade, foi expressamente revogada pela Lei nº 5.698/71, que alterou a sistemática
de reajustamento dos proventos de ex-combatentes, estabelecendo, inclusive, que não
seriam abrangidos pela revisão os valores excedentes a 10 salários mínimos mensais.
A lei nova revelou, contudo, cautela em preservar os direitos adquiridos, aos que
houvessem completado os requisitos para aposentadoria de acordo com o regime da
legislação anterior, mais generoso que o previsto na Constituição de 1967.
2. Reconhecimento de direito adquirido à concessão do benefício pela Lei nº
4.297/63, mas não ao regime de reajustes.” (AC nº 94.04.50218-9-RS, Rel. Juíza Maria
Lúcia Luz Leiria, DJ 27.04.00)
Quanto ao termo inicial de fluência da correção monetária, nada há
que ser revisto, eis que correta a atualização dos proventos desde a época
em que devidos, face ao seu caráter alimentar.
No tocante às custas processuais, no âmbito da remessa oficial, entendo
mereça parcial reforma a sentença, porquanto, a teor do que preceitua a
Lei Complementar nº 156/97, do Estado de Santa Catarina, em seu art.
33, parágrafo único, na redação dada pela Lei Complementar nº 161/97,
a Autarquia deve arcar com as custas por metade.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo e à remessa oficial
para julgar parcialmente procedente a ação, reduzindo a condenação no
que tange à forma de reajuste do benefício e para que as custas processuais sejam pagas por metade. Havendo sucumbência recíproca, mas
não equivalente, a verba honorária fixada na sentença deverá ser rateada
entre as partes, à razão de 80% pelo INSS e 20% pela Autora, suspensa
a exigibilidade quanto a esta tendo em vista litigar ao amparo da Assistência Judiciária Gratuita.
É o voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1999.04.01.093644-7/RS
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon
Agravantes: Johara Assad Ali Abdel Rahman e outros
Advogados: Drs. Mauri Jose Griebler e outro
Agravados: Adelaide Ferreira Pinto e outro
Advogado: Dr. Valter Sanzo Medeiros
Interessado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Nara Rodrigues Gaubert
EMENTA
Previdenciário. Pensão por morte. Esposa e filhos estrangeiros. Dependência econômica. Habilitação sem a participação de companheira
pensionista. Vulneração aos princípios do contraditório e da ampla
defesa.
1. Se a esposa e os filhos residiam no estrangeiro, longe do falecido
segurado, há necessidade de prova da dependência econômica, que em tal
caso não se presume, à semelhança com a situação do cônjuge ausente,
na separação de fato, regulada pelo § 1º do art. 76 da Lei 8.213/91.
2. Em simetria com o processo judicial, a companheira pensionista,
na medida em que terá sua esfera jurídica atingida, deve participar do
processo administrativo de habilitação de outros dependentes, sob pena
de vulnerados os princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art.
5º, LX).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2001.
Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de agravo de
instrumento manejado em face de decisão que antecipou a tutela, determinando fosse destinado à agravada 50% do valor da pensão originada
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
do falecimento de Assad Ali El Abed Abder Rahman.
Sustenta a parte agravante que, consoante a legislação de regência,
aquele benefício deve ser dividido em partes iguais entre os dependentes
habilitados; alega que a beneficiária da medida de urgência não sofre
risco de dano irreparável; aduz, ainda, que somente seria exigível o contraditório, nos termos em que entendeu o D. Juízo a quo, na hipótese
de pedido de revisão do benefício ou de exclusão da companheira que
já percebia os proventos previdenciários.
Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo (fls. 150/151).
A parte agravada respondeu (fls. 156/162).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon: O falecido segurado,
nascido em Jerusalém, mas de origem árabe-jordaniana, constituiu duas
famílias, uma na Jordânia e outra no Brasil; casou em 1977 com Johara
Assad Ali Abdel Rahman, com quem teve nove filhos, sendo um brasileiro; manteve, pari passu, um relacionamento duradouro com Adelaide
Ferreira Pinto desde, pelo menos, 1978, tendo filhos também com ela;
residiu na avenida Silva Paes, nº 392, na cidade de Rio Grande/RS;
quando morreu, em 24.02.96, morava na Filadélfia, Pensilvânia, EUA.
Há vários aspectos que precisarão ser elucidados na ação ordinária;
o principal é o da existência de dependência econômica dos agravados,
relativamente ao de cujus. Será que este provia o sustento daqueles à
distância? Só a dilação probatória propiciará a resposta, na medida em
que não pode incidir a presunção relativa contida no § 4º do art. 16 da
Lei 8.213/91. A situação em foco guarda enorme semelhança com a
prevista no § 1º do art. 76, também da Lei de Benefícios, cuja redação
é a seguinte:
“§ 1º O cônjuge ausente não exclui do direito à pensão por morte o companheiro
ou a companheira, que somente fará jus ao benefício a partir da data de sua habilitação
e mediante prova da dependência econômica.” (grifei)
Cumpre esclarecer que a expressão “cônjuge ausente” não foi utilizada
na mesma acepção do art. 463 do CC, mas para designar o separado de
fato. Aliás, “o conceito de cônjuge, para efeito previdenciário, como
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
acontece no Direito Penal, não é o enunciado pelo Direito Civil. Não
interessa apenas o vínculo matrimonial. Finalisticamente, reclama convivência, de modo a participar (ativa e passivamente) do patrimônio. Só
isso justifica uma pessoa ser beneficiária.” (REsp nº 167.303/RS, rel.
Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 13.10.98).
De fato, os agravantes (esposa e filhos em comum) viviam separados
do extinto segurado por uma longa distância, justificando-se plenamente
a dúvida sobre se dele recebiam ajuda econômica, questão que não foi
resolvida adequadamente na esfera administrativa.
Mercê das peculiaridades que rodeiam o caso, impunha-se a realização
de um processo administrativo, do qual não poderia ficar de fora a agravada, cujo interesse é evidente, pois a habilitação de outros dependentes
atingirá sua esfera jurídica, traduzindo-se na redução dos proventos.
Em juízo, tal circunstância impõe, nos termos do art. 47 do CPC, a
formação de litisconsórcio passivo necessário entre o Instituto Previdenciário e os dependentes já habilitados à pensão.
Registra a jurisprudência a respeito:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PENSÃO POR MORTE DO ESPOSO.
COMPANHEIRA. FILHOS. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO.
Se o segurado falecido, além da esposa, deixou companheira e filho menor, estes
devem ser citados na qualidade de litisconsortes necessários. (AC nº 1998.04.01.0572706/RS — 6ª Turma — Relator Juiz Carlos Sobrinho — DJ em 10.02.99).”
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PENSÃO POR MORTE POSTULADA POR COMPANHEIRA. EX-ESPOSA NÃO CITADA COMO LITISCONSORTE
PASSIVO.
Em causa de que trata sobre pensão por morte, postulada por pessoa que se diz ex-companheira do de cujus, necessário se faz a citação da ex-esposa do segurado como
litisconsorte passivo necessário se esta aufere o benefício.
Processo que se anula a partir da sentença para que a autora promova a citação da
litisconsorte, prejudicado o exame dos apelos das partes. (AC nº 97.04.02526-2/RS —
6ª Turma — Relator João Surreaux Chagas — DJ em 02.07.97).”
Simetricamente, pois, na instância administrativa, a relação não
poderia ser estabelecida com bipolaridade, como o foi, resultando sério
malferimento aos princípios do contraditório e da ampla defesa, consagrados no art. 5º, LV, da Lei Maior.
Agregada à questão - nos moldes de início traçados - da ausência de
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
301
prova da dependência econômica, tem-se que a desobediência ao devido processo legal vulnerou os direitos constitucionais da Autora, ora
agravada, viciando o desfecho do processo administrativo, atestando a
presença da verossimilhança à pretensão deduzida.
Revestindo-se de caráter marcadamente alimentar os proventos previdenciários suprimidos pela decisão administrativa, inegável, então, o
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação experimentado
pela autora.
Em vista do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.04.01.097527-1/SC
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Tania Regina Morastoni
Apelada: Maria Cecilia Oecksler
Advogado: Dr. Horst Wirth
EMENTA
Previdenciário. Processual Civil. Citação pelo correio. Ausência de
prejuízo. Rural. Aposentadoria por idade. Segurada especial. Trabalho
individual. Marido da área urbana. Desnecessidade da comprovação do
trabalho em regime de economia familiar. Lei nº 8.213/91.
1. Não há razão para a decretação da nulidade da citação do INSS
porque efetuada pelo Correio, uma vez que a carta de citação foi corretamente endereçada à Procuradora Autárquica do Instituto, não tendo
causado qualquer defeito na relação processual, que se constituiu e desenvolveu válida e regularmente, nem qualquer prejuízo à defesa, uma
vez que a autarquia apresentou contestação no prazo legal, impugnando,
302
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
inclusive, o mérito da ação.
2. O inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios elenca como segurado
especial o produtor rural que exerça suas atividades tanto individualmente
como em regime de economia familiar. É nessas duas situações que os
artigos 48 e 143 da LBPS prevêem a concessão de aposentadoria por
idade, observados os prazos de carência gradativa da tabela prevista no
art. 142.
3. Os trabalhadores rurais sem vínculo empregatício — produtores,
parceiros, meeiros etc. — não estão necessariamente sob regime de economia familiar; tal figura abrange aqueles membros da família que se
agregam ao produtor rural, auxiliando-o na labuta. Em relação a estes — e
só em relação a estes — foram feitas restrições quanto à caracterização
do regime, posto que a circunstância de real participação na atividade
laborativa do chefe da unidade familiar não coabita, dentro do que encontradiço no meio rural, com o exercício de atividades outras, ou com
o auferimento de fontes outras de renda.
4. O trabalhador rural, ele mesmo, individualmente considerado,
deve, para que albergado na seguridade social, unicamente demonstrar
o exercício da atividade rural, uma vez que a legislação protecionista alcança todos aqueles indivíduos que, sem qualquer vínculo com os demais
membros da família, trabalhem fora do regime de economia familiar,
como segurados especiais na condição de produtor rural.
5. Agravo retido e apelação improvidos e remessa oficial parcialmente
provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide a
Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao apelo e dar parcial provimento
à remessa oficial, na forma do relatório e votos constantes destes autos
e que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de setembro de 2000.
Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon: Maria Cecilia Oecksler
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
303
ajuizou, em 20.03.98, ação contra o INSS pretendendo a concessão de
aposentadoria rural por idade a contar do requerimento administrativo,
efetuado em 19.09.96 e indeferido sob a alegação de que o marido e os
cinco filhos da autora trabalham na área urbana. Juntou documentos
(fls. 07/12).
Contestando a ação (fls. 17/24), o INSS argüiu, preliminarmente, a
nulidade da citação por ter sido efetuada pelo correio, em ofensa ao art.
222 do CPC. No mérito, aduziu não ter a autora comprovado o efetivo
exercício de atividade rural nos 90 meses anteriores à data de entrada
do requerimento administrativo, lastreando-se o pedido na prova testemunhal a ser produzida na instrução do feito. Juntou cópia do processo
administrativo (fls. 25/63).
Em despacho saneador, foi afastada a preliminar de nulidade da citação
(fl. 66), decisão contra a qual o INSS interpôs agravo retido (fls. 69/72).
Na instrução do feito, foram ouvidas três testemunhas (fls. 74/76).
Sobreveio sentença (fls. 81/86), em 31.03.99, julgando procedente o
pedido e condenando o INSS a conceder à autora o benefício da aposentadoria por idade, a contar da data do requerimento administrativo
(19.09.96), pagando de uma só vez as prestações vencidas, sobre as quais
incidirá correção monetária desde o vencimento de cada parcela e juros
de mora a partir da citação. O réu foi condenado ao pagamento das custas
processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor
total atualizado das parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ).
A autarquia apelou (fls. 87/91), postulando, preliminarmente, o conhecimento e o provimento do agravo retido das fls. 69/72 para que seja
declarada nula a citação inicial, por ofensa ao disposto no art. 222 do
CPC. No mérito, aduziu que os documentos juntados não demonstram
que a apelada tenha exercido atividade rural no período da carência,
sendo que a prova testemunhal não pode suprir a ausência de prova
material. Afirmou que o marido da apelada sempre trabalhou na área
urbana, assim como seus filhos.
Com contra-razões (fls. 93/95), subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório. À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon: Inicialmente, conhe304
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
ço do agravo retido das fls. 69/72, negando-lhe provimento, uma vez
que entendo descabida a declaração de nulidade da citação. No sistema
adotado pelo Código de Processo Civil, as nulidades insanáveis são de
caráter restrito e, mesmo quando o ato foi praticado em desconformidade
com o modelo legal, o Juiz deve investigar se a parte foi efetivamente
prejudicada. Se o defeito ou irregularidade não se enquadrar na expressa
previsão legal, cuida-se de nulidade cuja decretação depende da iniciativa da parte que se considerar prejudicada. Da mesma forma, ao Juízo
cabe valorar o prejuízo alegado, aferindo-o de acordo com os princípios
informadores das nulidades processuais, especialmente com o princípio
da instrumentalidade das formas. Importa, ainda, verificar a natureza da
norma jurídica violada, em seus aspectos de cogência ou dispositividade
e de tutela de interesse público ou individual.
Não há como acolher a realização do ato citatório pelo correio como
ausência de pressuposto processual de existência do processo. A carta
de citação foi corretamente endereçada à Procuradora Autárquica do
Instituto, sendo juntado aos autos o aviso de recebimento (AR) devidamente assinado.
No caso vertente, embora a citação não tenha obedecido aos preceitos legais, não causou qualquer defeito na relação processual, que se
constituiu e se desenvolveu válida e regularmente. A autarquia não teve
qualquer prejuízo à sua defesa, pois apresentou contestação no prazo
legal, impugnando inclusive o mérito da ação.
Rejeitada a nulidade da citação, passo à análise do mérito da ação.
A autarquia-apelante indeferiu a aposentadoria por idade postulada
pela autora sob a alegação de que o marido e os filhos da autora trabalham na área urbana, e que a demandante “não tem características de
trabalhadora rural”, informações estas extraídas em pesquisa realizada
por servidor do instituto junto aos vizinhos da apelada.
O procedimento da autarquia não está em consonância com o que dispõe a lei previdenciária. O inc. VII do art. 11 da Lei de Benefícios elenca
como segurado especial o produtor rural que exerça suas atividades tanto
individualmente como em regime de economia familiar. É justamente em
ambas as situações que previa - e ainda prevê - o art. 48 a concessão de
aposentadoria por idade, observados os prazos de carência gradativa da
tabela prevista no art. 142. Também o art. 143, que criou uma hipótese
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
305
excepcional de aposentadoria rural por idade, faz alusão aos segurados
especiais do antes referido inc. VII do art. 11.
É importante ressaltar que as pessoas que labutam nas lides rurais
podem assim ser classificadas: empregadores, empregados e trabalhadores sem vínculo empregatício. Os trabalhadores sem vínculo empregatício (produtores, parceiros, meeiros etc.) não estão necessariamente
sob regime de economia familiar; tal figura abrange aqueles membros
da família que se agregam ao produtor rural, auxiliando-o na labuta.
A contemplação do regime de economia familiar houve sua gênese na
necessidade de abranger na proteção do seguro social aqueles familiares
que, em posição secundária em relação ao trabalhador rural propriamente
dito, tais como esposa e filhos, restariam fatalmente à margem, dada a
peculiaridade de sua situação. Em relação a estes — e só em relação a
estes — foram feitas restrições quanto à caracterização do regime, posto
que a circunstância de real participação na atividade laborativa do chefe
da unidade familiar não coabita, dentro do que encontradiço no meio
rural, com o exercício de atividades outras, ou com auferimento de fontes
outras de renda. O trabalhador rural, ele mesmo, individualizadamente
considerado, deve, para que albergado na seguridade social, unicamente
demonstrar o exercício da atividade rural.
A exegese única cabível, portanto, é que a legislação protecionista
alcança todos aqueles indivíduos que, sem qualquer vínculo com os
demais membros da família, trabalhem fora do regime de economia
familiar, como segurados especiais na condição de produtor rural. Nenhum óbice há, pois, a que possam ter sua situação tratada do ponto de
vista individual.
Analisada sob tal ângulo, revela-se sem fundamento a objeção oposta
pela autarquia, visto que a própria autora, na entrevista junto ao instituto, informou explorar a terra individualmente, enquanto o cônjuge e os
filhos trabalham na área urbana (fls. 33/34). Essas informações foram
confirmadas pelas testemunhas ouvidas em audiência e, ainda, pelos
vizinhos da autora, na pesquisa realizada pelo Instituto, cujo relatório e
conclusão transcrevo:
“Estive junto aos vizinhos e residência da requerente Cecilia Oecksler 3R 2960520,
DN 240140, filiação Kilian e Gertrudes Pitz, a fim de verificar se exerce atividade
rural. A propriedade está localizada em área semi-urbanizada. Tem 8 cabeças de gado,
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2 vacas. Uma está dando leite. Planta aipim, milho, batata-doce, tudo para consumo
próprio. As plantações são pequenas. Disse que nunca trabalhou fora. O marido e 5
filhos solteiros trabalham na área urbana. Os vizinhos deram as mesmas informações.
A requerente não tem características de trabalhadora rural. CONCLUSÃO: Não ficou
caracterizada atividade rural da requerente Maria C. Oecksler, uma vez que produz
apenas para consumo próprio, inclusive o leite.”
Ou seja, há fortes indícios de que a autora exerça sua atividade individualmente, na qualidade de produtora rural, não havendo exigência
legal, para a concessão do benefício, de que tivesse, necessariamente,
que labutar no regime de economia familiar. As atividades exercidas pela
autora são tipicamente rurais (criação de gado e outros animais, plantação
de milho, aipim, batata-doce, cana etc.), não havendo justificativa para ter
o servidor do INSS concluído que “a requerente não tem características
de trabalhadora rural”.
Assim, torna-se irrelevante a circunstância de o marido e os filhos da
autora trabalharem na área urbana, uma vez que a demandante comprovou
o implemento da idade mínima e o exercício da atividade rural, por meio
dos documentos acostados aos autos, os quais incluem: certidão de casamento, realizado em 18.02.64, na qual o marido da autora é qualificado
como lavrador (fl. 27); e certificados de cadastro no INCRA, em nome do
marido da autora, referentes aos exercícios de 1987 a 1995 (fls. 28/32).
A testemunhal produzida em audiência corrobora plenamente a documental, confirmando o trabalho da autora como rurícola, na localidade
de Belchior Alto, no município de Gaspar/SC.
Maria Theiss (fl. 74) afirmou que a autora “possui animais, como vaca
leiteiras, plantam aipim, banana, cana, milho, feijão, que o marido e a
autora plantavam cana e vendiam para engenhos de cachaça. Que hoje
em dia ela a autora vende aipim, verduras que planta assim como pato,
galinhas, marrecos, ganso para os vizinhos”.
Silvana Mistica Luciano (fl. 75) disse que:
“a autora é viúva e reside com três filhos; Que reside em uma casa; Que desde que
conhece a autora essa trabalha na roça e possui criação de ganso, pato, porco, gado,
galinha; (...) Que conheceu o marido da autora; Que o mesmo trabalhava fora, mas no
tempo que sobrava ou nos feriados ele ajudava a autora na casa e nas atividades acima
referidas; Que não conheceu os pais da autora mas conhece os três filhos que moram
com a autora; sendo que dois trabalham como motoristas e ajudante de caminhão.”
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
307
Estefânia Gertrudes Hammes (fl. 76), que conhece a requerente há
aproximadamente quarenta e um anos, afirmou:
“Que o marido da autora faleceu aproximadamente há dois anos atrás. Que a autora
continua com as atividades agrícolas, mantendo vacas leiteiras, plantando aipim, criando
galinhas. Que a autora mantém uma lagoa de peixes. Que a autora e seu marido plantavam cana para fazer cachaça, melado, com a finalidade de comercializar o produto. (...)
Que viu a autora trabalhando na lavoura, que a região é predominantemente agrícola.”
Destarte, tendo a autora logrado comprovar a condição de segurada
especial, nos termos dos artigos 48 e 143 da Lei 8.213/91, faz jus à
aposentadoria por idade.
Submetida a sentença ao reexame necessário, merece reparo para
determinar o pagamento das custas processuais pela metade, na forma
do art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar nº 156, de 15.05.97,
com a redação dada pela Lei Complementar nº 161, de 23.12.97, de
Santa Catarina.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo retido e ao apelo e dou
parcial provimento à remessa oficial para determinar o pagamento das
custas processuais pela metade.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.00.005725-3/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Tadaaqui Hirose
Apelante: Alceu José Nedel
Advogados: Drs. Anaury Sperb Barreto e outro
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Anderson Cavalheiro Muller
EMENTA
Trabalho agrícola. Reconhecimento. Início de prova material. Honorários advocatícios.
308
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
1. A documentação trazida aos autos, associada à prova testemunhal,
é hábil a demonstrar parte do período alegado pelo autor como exercido
em regime de economia familiar. 2. O fato de possuírem caminhão e de
transportarem frutas também para os agricultores vizinhos não descaracteriza o regime de economia familiar, a menos que a renda obtida com
a outra atividade seja suficiente para a manutenção da família, de forma
a dispensar a renda obtida da agricultura, o que não ficou demonstrado.
3. Honorários advocatícios a serem arcados em 70% pelo autor e 30%
pelo INSS, mantida suspensa a condenação do primeiro em face da
Justiça Gratuita.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos
do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 19 de março de 2001.
Juiz Tadaaqui Hirose, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Tadaaqui Hirose: Trata-se de recurso interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de tempo de
serviço, condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios
fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, restando suspensa a sua
condenação, por litigar o autor sob o pálio da Justiça Gratuita.
Alega o autor, em suas razões, que a função do pai, de transportar
produtos de outros agricultores da vizinhança para vender no mercado, é
procedimento corriqueiro, não devendo ser considerada atividade econômica stricto sensu. Sustenta que os documentos apresentados constituem
início razoável de prova material.
Contra-arrazoado o apelo, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório. À douta revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Tadaaqui Hirose: Insurge-se o autor com o não309
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
-reconhecimento do labor agrícola exercido em regime de economia
familiar, por ter o Magistrado entendido como não-comprovada tal
situação em face da documentação contraditória e por serem vagos os
depoimentos das testemunhas.
Conforme previsão dos artigos 94 da Lei nº 8.213/91 e 182 do Decreto nº 2.172, de 05 de março de 1997, é assegurada a cumulação de
contagem do tempo de serviço exercido nos regimes rural e urbano para
efeito dos benefícios previstos no Regime Geral da Previdência Social.
Tal direito, aliás, foi assegurado pela Carta Magna de 1988, conforme
seu artigo 202, parágrafo 2º.
Para fazer jus ao benefício de aposentadoria, pois, cumulando o
período exercido na atividade rural com aquele laborado na área urbana, a parte-autora deve comprovar o efetivo exercício nas respectivas
atividades; visando à comprovação da atividade rurícola, a parte poderá
apresentar, alternativamente, os documentos relacionados nos incisos do
artigo 106 da Lei de Benefícios.
No que pertine à prova oral, a teor do parágrafo 3º do artigo 55 da Lei
nº 8.213/91 e Súmula 149 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, só
produzirá ela efeito quando acompanhada de início de prova material,
não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal para comprovação do tempo de serviço respectivo, salvo ocorrência de força maior
ou caso fortuito.
A fim de demonstrar as atividades desenvolvidas no campo, trouxe o
autor ao processo: certificado de dispensa de incorporação, de junho/72,
constando como agricultor e título de eleitor, de outubro/78, constando
como agricultor (fl. 12); certidão de arrolamento e partilha, de março/61
(fls. 72 e v.); ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, em nome do
autor (fl. 159); ficha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, em nome
de sua mãe, constando como dependente o autor (fl. 160).
Da prova testemunhal produzida, colhe-se o seguinte:
Alfredo Sérgio Rambo disse que:
“conheceu o autor desde pequeno, sendo vizinho da propriedade que pertencia ao pai
dele. O autor morava há aproximadamente 2 quilômetros do depoente, que também
trabalhava com o pai na roça. O autor trabalhava junto com a família, inclusive o pai,
produzindo mudas de árvores frutíferas. O depoente tem 57 anos de idade, incompletos,
tendo trabalhado junto com o pai até os 28 anos de idade. Nesta época o autor conti-
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
nuava trabalhando junto com a família. Sabe que o pai do autor faleceu cedo, mas não
se recorda se na época em que o depoente foi trabalhar por conta própria ele já havia
falecido ou não. Produziam, além das mudas, frutas que vendiam provavelmente em
Porto Alegre, para onde traziam de caminhão, que lhes pertencia, e que era dirigido
pelo pai do autor.”
José Bruno Rohr declarou que:
“conheceu o autor em 1969, quando o depoente foi morar em Pareci Novo, próximo
ao local onde ele morava e trabalhava junto com a mãe e demais irmãos. Nesta época
o pai dele já era falecido. Eles tinham arvoredo, plantando ainda outros produtos de
subsistência. O depoente inclusive pediu emprestado para a família do autor a junta
de bois que possuíam, tendo o próprio autor trabalhado na propriedade da testemunha.
Depois, talvez por volta de 1975, ele comprou uma Kombi e passou a trabalhar com a
venda de mudas de árvores frutíferas. O depoente não se recorda qual era a cor desse
veículo. Lembra apenas que um outro irmão do autor tinha uma Kombi amarela. A
produção de frutas obtida pela família era vendida no próprio local, pois eles não
tinham caminhão. Não se recorda se eles tinham empregados. A área que pertencia
à família do autor tinha aproximadamente uns dez hectares. Além disso tinham uma
outra propriedade, talvez com 1,5 a 2 hectares. Tinham também um pequeno tambo
de leite, destinado principalmente ao consumo próprio.”
Silfredo Barth afirmou que:
“conhece o autor desde a época em que ele era guri, quando trabalhava junto com a
família, inclusive o pai e a mãe. Tinham uma roça com arvoredo, onde plantavam de
tudo. Não sabe informar a partir de quando o autor passou a trabalhar por conta própria,
até porque ele continua até hoje no mesmo local. Vendiam a produção de frutas na
própria região, também transportando com um caminhão que lhes pertencia e que era
dirigido pelo pai do autor. Depois que o pai dele morreu, não teve mais contato com a
família, não sabendo quem passou a dirigir o caminhão.”
Em se tratando de rurícola sob o pátrio poder e dependência econômica
de seus genitores, cumpre ao julgador valorar os fatos e as circunstâncias
evidenciados com ênfase no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código
Civil. Os documentos juntados aos autos constituem, a meu sentir, início
de prova documental, tendo o autor comprovado ser filho de agricultores
e, conforme se verifica pela ficha de alistamento militar, se aos 18 anos de
idade já era qualificado como agricultor, é inafastável a conclusão de que
essa atividade vinha sendo desenvolvida em época anterior, ainda mais
se considerarmos que na época cujo reconhecimento pleiteia o autor, a
evasão se dava no sentido do campo para a cidade; dificilmente o inverso.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
311
A prova testemunhal, por sua vez, corroborou os fatos alegados pelo
autor na inicial, quanto à atividade exercida em consonância com o conceito
emanado pelo legislador - aquela pessoa que, juntamente com os demais
membros da família, desenvolve o trabalho visando à sua subsistência,
em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de
empregados.
Desta forma, os fatos demonstrados no processo podem ser acolhidos em parte. O reconhecimento da qualidade de segurado especial do
autor, no cultivo agrícola em regime de economia familiar, dos seus
14 anos de idade até 1971 - pois pela declaração de imposto de renda
constante à fl. 42, em 1972 já exercia atividade urbana - é medida que
se impõe, sob risco de fazer injustiça. O fato de possuírem caminhão e
de transportarem frutas, ao contrário do que considerou o Magistrado
a quo, não descaracteriza o regime de economia familiar. Tal situação
seria configurada se a renda obtida com a outra atividade fosse suficiente
para a manutenção da família, de forma a dispensar a renda obtida da
comercialização da safra, o que não se verifica no presente caso, em
que a utilização do veículo maior era com a finalidade de transportar os
produtos cultivados/colhidos.
Assim sendo, o trabalho agrícola aqui reconhecido – de 24.12.67 a
31.12.71 – perfaz 04 anos e 06 dias que, somados ao tempo de serviço
já averbado pela autarquia – 18 anos e 09 meses – totaliza 22 anos, 09
meses e 07 dias de trabalho efetivo, insuficientes ao implemento da
aposentadoria pleiteada.
Em face da sucumbência quase total da parte-autora, deve arcar com
70% dos honorários estabelecido na sentença, cabendo os 30% restantes
ao INSS. Em face da Justiça Gratuita, mantenho suspensa a condenação
do autor.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso do autor para,
reconhecendo 04 anos e 06 dias de trabalho rural exercido em regime de
economia familiar, julgar parcialmente procedente a demanda, conforme
explicitado.
É o voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.71.04.003296-6/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia
Apelante: Jairo Antonio Marca
Advogado: Dr. Hildo Wollmann
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Gilmar Antonio Coppini
EMENTA
Previdenciário. Embargos à execução de título judicial. Maior e
menor valor-teto.
1. O título executivo determinou a aplicação da Súmula n. 02 desta
Corte no recálculo da renda mensal inicial do benefício do embargado,
enunciado que se refere ao regime anterior à edição da Lei 8.213/91;
razão por que aplicáveis os limites do menor e maior valor-teto.
2. Calcula-se a aposentadoria por tempo de serviço do autor em duas
parcelas; no caso, a primeira equivalente a 83% do menor valor-teto, e a
segunda correspondente a 2/30 do valor excedente, nos termos do artigo
23 do Decreto 89.312/84.
3. Efetuada a citação do INSS para pagamento sem a inclusão dos
expurgos inflacionários referidos nas Súmulas n. 32 e 37 desta Corte,
é vedado ao exeqüente, em sede de embargos, pleitear a incidência dos
correspondentes índices.
4. Apelação parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório,
voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 05 de março de 2001.
Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, Relator.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
313
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia: Trata-se de recurso de
apelação interposto por Jairo Antonio Marca em face de sentença que
julgou procedentes os embargos à execução de título judicial movidos
contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por considerar o
MM. Juiz singular que o exeqüente efetuou o recálculo de sua renda
mensal inicial (DIB 01.12.88) com base em salário-de-benefício superior
ao maior valor-teto, deixando de observar o disposto no art. 21, § 4º, do
Decreto 89.312/84 e determinou o prosseguimento da execução com base
no cálculo de fls. 8/11 apresentado pela autarquia embargante, salientando
que a não-inclusão dos índices do IPC contemplados na Súmula 37 desta
Corte é matéria preclusa, em virtude da concordância do autor com o
cálculo de fls. 150/151 que não incluía esses expurgos inflacionários.
Sustenta o recorrente que o valor de Cz$ 425.108,04 encontrado para
o salário-de-benefício resultou da incidência da variação da ORTN/OTN
na correção dos primeiros 24 salários-de-contribuição integrantes do cálculo do benefício, aplicando-se, a seguir, o coeficiente de cálculo 83%,
que resultou em renda inicial de Cz$ 352.839,67, ou seja, ainda inferior
ao maior valor-teto que era de Cz$ 389.760,00. Aduz que obedeceu aos
critérios definidos pela sentença exeqüenda; que, após a promulgação
da CF/88, inexiste limite para o salário-de-benefício e que o art. 275
do Decreto 611/92 eliminou o maior e o menor valor-teto a partir de
outubro de 1988. Quanto aos expurgos inflacionários, disse que nunca
é tarde para pleiteá-los, além do que o ora apelante havia requerido a
inclusão dos índices expurgados quando forneceu as diferenças devidas
para elaboração do cálculo.
Apresentadas contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia: Versam os presentes
embargos a respeito do recálculo da renda mensal inicial de aposentadoria
por tempo de serviço em que o INSS alega devam ser adotados os valores
do maior e do menor valor-teto do salário-de-benefício, enquanto que o
embargado sustenta já terem sido eliminados estes limites por ocasião
314
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
da concessão de seu benefício.
A controvérsia é solucionada pela análise do teor do título em execução, que determinou a revisão da renda inicial do autor de acordo com
os preceitos da Súmula n. 02 desta Corte, a qual reza:
“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime precedente à Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários-de-contribuição,
anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN”
Fácil de ver que referida súmula diz respeito ao regime anterior à
Lei 8.213/91, não se podendo conjugar os critérios determinados por
seu enunciado com o disposto no art. 275 do Decreto 611/92, decreto
este que regulamentou a nova Lei de Benefícios da Previdência Social.
O menor e o maior valor-teto foram eliminados para efeito da revisão da renda mensal inicial de acordo com os arts. 144, 145 e 31 da
Lei 8.213/91, o que não foi objeto da decisão exeqüenda. Para efeito da
Súmula n. 02 desta Corte, prevalece o regime anterior, que estabelecia
o cálculo do benefício em duas parcelas quando o salário-de-benefício
excedesse o menor valor-teto, nos termos do art. 23 da CLPS/84, que
dispõe:
“Art. 23. O valor do benefício de prestação continuada é calculado da forma seguinte:
I – quando o salário-de-benefício é igual ou inferior ao menor valor-teto, são aplicados os coeficientes previstos nesta Consolidação;
II – quando é superior ao menor valor-teto, o salário-de-benefício é dividido em 2
(duas) parcelas, a primeira igual ao menor valor-teto e a segunda correspondente ao
que excede o valor da primeira, aplicando-se:
a) à primeira parcela os coeficientes previstos nesta Consolidação;
b) à segunda um coeficiente igual a tantos 1/30 (um trinta avos) quantos forem
os grupos de 12 (doze) contribuições acima do menor valor-teto, respeitado o limite
máximo de 80% (oitenta por cento) do valor dessa parcela.
III – na hipótese do item II o valor da renda mensal é a soma das parcelas calculadas na forma das letras a e b, não podendo ultrapassar 90% (noventa por cento) do
maior valor-teto.”
A conta apresentada pela autarquia previdenciária à fl. 07 dos autos principais segue correta interpretação do artigo supratranscrito, salvo no que
diz respeito à base de cálculo da segunda parcela, como esclareço a seguir.
Tendo em vista que a média dos salários-de-contribuição do autor (Cz$
425.058,05) ultrapassava ao limite do menor valor-teto (Cz$ 194.880,00)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
315
foi primeiramente dividido em duas parcelas, consoante a norma do inciso
II, ou seja, a primeira correspondente aos Cz$ 194.880,00 e a segunda
ao valor excedente, isto é, Cz$ 230.178,05 (e não os Cz$ 194.880,00
utilizados pela autarquia-ré).
Seguindo-se a regra das alíneas a e b, à primeira parcela foi aplicado o coeficiente de 83% estabelecido pela CLPS para a aposentadoria
por tempo de serviço (art. 33), resultando o valor de Cz$ 161.750,40; à
segunda parcela o coeficiente de 2/30, devendo resultar Cz$ 15.345,20.
De acordo com o inciso III acima transcrito, o valor da renda mensal é
a soma das duas parcelas, ou seja, Cz$ 177.095,60 (e não Cz$ 174.742,40
encontrados pelo INSS).
Quanto aos demais aspectos impugnados em apelação, tenho que
estão corretos os cálculos apresentados pela autarquia embargante, estando preclusa a matéria atinente à inclusão dos expurgos inflacionários
no cálculo em execução, vez que o autor optou por citar o INSS para
pagamento sem a adoção deste critério de cálculo na época oportuna.
Em face do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação para determinar que a nova renda mensal inicial do embargado seja
fixada em Cz$ 177.095,60, partindo deste valor a evolução das parcelas
efetuada na forma das fls. 08/11. Tendo em vista a sucumbência parcial,
autor e réu devem arcar com 70% e 30%, respectivamente, do valor dos
honorários advocatícios fixados na sentença.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.005318-9/SC
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe
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Apelante: Jamir Duarte
Advogado: Dr. David Mario Tiscoski
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Andiara Pickler Cunha Mattei
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Apelados: Os Mesmos
Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Criciúma/SC
EMENTA
Previdenciário. Revisão de benefício.
1. Tendo a ação sido ajuizada em outubro de 1996, deve ser reconhecido que a prescrição qüinqüenal atingiu o pedido de aplicação da Súmula
260 do TFR, porquanto a mesma só gera efeitos até a competência de
março/89, já que, a partir de abril seguinte, o benefício recuperou sua
expressão original em número de salários mínimos, por força do cumprimento do art. 58/ADCT.
2. Sendo a remuneração composta de uma parcela fixa e outra variável, decorrente de horas extras e noturnas percebidas habitualmente,
ambas devem ser computadas para o cálculo do salário-de-contribuição,
mormente porquanto houve a incidência de contribuição previdenciária
também sobre a parcela variável.
3. Tratando-se de segurado com remuneração variável, a renda mensal do auxílio-acidente deve ser fixada em observância ao disposto no
parágrafo 1º do art. 6º da Lei nº 6.367/76.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo do autor e dar parcial
provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, nos termos do voto
da Relatora e notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2000.
Juíza Virgínia Scheibe, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe: Trata-se de remessa oficial e
de apelações interpostas contra sentença de parcial procedência, que,
acolhendo a preliminar de prescrição qüinqüenal, condenou o INSS a:
a) revisar as rendas mensais do auxílio-doença acidentário (DIB
01.12.81) e do auxílio-acidente (DIB 11.06.85), acrescendo aos salários317
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
-de-contribuição a média da remuneração variável decorrente das horas
extras e noturnas;
b) recalcular a renda mensal inicial do auxílio-acidente, tomando por
base o valor que representaria a aposentadoria por invalidez acidentária,
sem a incidência do percentual-redutor.
Em suas razões recursais, o autor postula a revisão da renda mensal
do benefício de auxílio-doença, com base na Súmula 260 do extinto
TFR, com reflexos sobre o sucessivo benefício de auxílio-acidente, bem
como a repercussão nas rendas mensais, a partir de abril/89, em face da
aplicação do art. 58 do ADCT.
O INSS, por sua vez, insurge-se contra a condenação supra.
Sem contra-razões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Virgínia Scheibe: Os recursos são tempestivos
(fl. 96).
Pretende o autor a revisão da renda mensal do benefício de auxílio-doença, com base na Súmula 260 do extinto TFR, com reflexos sobre
o sucessivo benefício de auxílio-acidente, bem como a repercussão nas
rendas mensais, a partir de abril/89, em face da aplicação do art. 58 do
ADCT.
Não merece guarida a pretensão.
É que, tendo a ação sido ajuizada em outubro de 1996, observo que a
prescrição qüinqüenal reconhecida em sentença absorveu todas as parcelas referentes à aplicação da Súmula 260/TFR, uma vez que a mesma
teria reflexo apenas até o mês de março/89, já que, a partir de abril/89,
houve a recomposição do valor inicial de todos os benefícios por força do
art. 58/ADCT, fazendo cessar quaisquer reflexos decorrentes da revisão
do primeiro reajuste do benefício. Dessa maneira, não há diferenças a
serem contabilizadas, devendo ser mantida a sentença, no ponto. Frise-se que, como o auxílio-acidente não é calculado com base na renda
mensal do auxílio-doença reajustado, não há que se cogitar de reflexos
da aplicação da Súmula 260/TFR e do art. 58/ADCT neste último de
modo a alterar a RMI daquele.
Insurge-se o INSS contra a condenação a revisar as rendas mensais
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
do auxílio-doença acidentário (DIB 01.12.81) e do auxílio-acidente (DIB
11.06.85), acrescendo aos salários-de-contribuição a média da remuneração variável decorrente das horas extras e noturnas.
Não prospera a insurgência, uma vez que, tendo restado comprovado,
nos autos, que a remuneração percebida pelo segurado era composta
de uma parcela fixa e outra variável, decorrente de horas extras e noturnas percebidas habitualmente, ambas devem ser computadas para o
cálculo do salário-de-contribuição seja do auxílio-doença acidentário,
seja do auxílio-acidente, até porque houve a incidência de contribuição
previdenciária sobre o adicional decorrente das horas extras e noturnas
mencionadas.
Nesse sentido, trago à colação as seguintes ementas do Egrégio STJ:
“RECURSO ESPECIAL – SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO - SALÁRIO COM
PARTE FIXA E OUTRA VARIÁVEL.
No cálculo do valor do salário, se parte é conhecida, porque fixa, cumpre considerar o ganho real. O juízo de probabilidade só tem lugar quando impossível definir o
rendimento efetivo. Jamais poderá reduzi-lo.” (STJ, 2ª Turma, REsp 0003840/90-SP,
DJ 10.09.90, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro)
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS.
I - A apuração do valor do benefício concedido a acidentado deve ter como componente a parte fixa da remuneração acrescida da variável, alcançando-se a média salarial
percebida pelo segurado nos últimos doze meses.
II - Improvimento do recurso.” (STJ, 1ª Turma, REsp 0005709/90-SP, DJ 20.05.91,
Rel. Min. Pedro Acioli)
“ACIDENTE DO TRABALHO - CÁLCULO DO BENEFÍCIO - REMUNERAÇÃO VARIÁVEL.
Quando o legislador, no parágrafo 4º do art. 5º da Lei nº 6.367/76, determina que,
no caso de empregado de remuneração variável, o valor do benefício será calculado
com base na média aritmética, não afasta a inclusão das horas extras no cálculo desta
média que não pode ser só da parte fixa, sob pena de grande e inaceitável prejuízo para o
segurado.” (STJ, 1ª Turma, REsp 0007349/91-SP, DJ 06.05.91, Rel. Min. Garcia Vieira)
Já no que tange à condenação a recalcular a renda mensal inicial do
auxílio-acidente, tomando por base o valor que representaria a aposentadoria por invalidez acidentária, sem a incidência do percentual-redutor,
merece revisão a sentença.
O Julgador singular entendeu que o INSS, ao implantar o auxílio-acidente, tomou por base a renda mensal do auxílio-doença acidentário,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
319
quando a lei estabelece que deva ser adotado o valor que representaria a
aposentadoria por invalidez, pois a utilização daquela implicaria prejuízo
ao segurado porque sobre a mesma incide um percentual redutor de 8%.
Todavia, tenho que não mereça confirmação o argumento, já que
dispõe o §1º do art. 6º da Lei nº 6.367/76:
“§ 1º O auxílio-acidente, mensal, vitalício e independente de qualquer remuneração
ou outro benefício não relacionado ao mesmo acidente, será concedido, mantido e
reajustado na forma do regime de previdência social do INPS e corresponderá a 40%
(quarenta por cento) do valor de que trata o inciso II do art. 5º desta lei, observado o
disposto no §4º do mesmo artigo.” (grifei)
Assim, tratando-se de segurado que em atividade percebia remuneração variável, caso do Autor, por força do art. 5º, § 4º, da
Lei nº 6.367/76, o cálculo se fará com base em média aritmética e
respeitado o percentual previsto no item I do mesmo artigo, ou seja,
92%. Assim é porque, sendo o caso de calcular-se a média remuneratória, evidentemente que a RMI não poderá ser a mesma (100%)
do salário-de-contribuição vigente no dia do acidente, o qual pode
ser excedente à média ou, a prejuízo do segurado, inferior a esta,
surgindo daí a necessidade de proceder-se ao cálculo considerando
a média aritmética, tal como dispõe o referido artigo:
“Art. 5º Os benefícios por acidente do trabalho serão calculados, concedidos, mantidos e reajustados na forma do regime de previdência social do INPS, salvo no tocante
aos valores dos benefícios de que trata este artigo, que serão os seguintes:
I – auxílio-doença – valor mensal igual a 92% (noventa e dois por cento) do salário-de-contribuição do empregado, vigente no dia do acidente, não podendo ser inferior
a 92% (noventa e dois por cento) de seu salário-de-benefício;
II – aposentadoria por invalidez – valor mensal igual ao do salário-de-contribuição
vigente no dia do acidente, não podendo ser inferior ao de seu salário-de-benefício;
(...)
§4º No caso de emprego de remuneração variável e de trabalhador avulso, o valor
dos benefícios de que trata este artigo, respeitado o percentual previsto no item I, será
calculado com base na média aritmética:
I - dos 12 (doze) maiores salários-de-contribuição apurados em período não supe-rior a 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores ao acidente, se o segurado contar,
nele, mais de 12 (doze) contribuições;
II - dos salários-de-contribuição compreendidos nos 12 (doze) meses imediatamente
anteriores ao do acidente ou no período de que trata o item I, conforme for mais vantajoso, se o segurado contar 12 (doze) ou menos contribuições nesse período.” (grifei)
320
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Veja-se que tais disposições foram mantidas pela CLPS/84, em seus
arts. 165, § 1º, e 164, § 5º.
Tenho, pois, que mereça reforma a sentença, no ponto, pois o valor
da aposentadoria por invalidez a que teria direito o autor deveria ser
calculado com base na média acima referida, respeitado o percentual de
92% (veja-se o precedente da Egrégia Terceira Seção desta Corte, ao
julgar, em 18.10.2000, a AR nº 1998.04.01.017640-0-SC, Rel. Juíza
Maria Lúcia Luz Leiria) e, assim, não há que se falar em cálculo do
auxílio-acidente sem o redutor de 8%.
Em tais termos, nego provimento ao apelo do autor e dou parcial provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial, na forma da fundamentação
supra. Face à sucumbência recíproca, mas não equivalente, honorários
advocatícios de 10% sobre o valor da condenação, suportados à razão
de 40%, pelo INSS, e 60%, pelo autor, suspensa a satisfação, quanto a
este, por litigar ao amparo da Assistência Judiciária Gratuita.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.093280-0/SC
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. James Eduardo Weiers
Apelado: Imo Schulze
Advogados: Drs. Werner Isleb e outros
Remetente: Juízo Substituto da 1ª Vara Federal de Blumenau/SC
EMENTA
Previdenciário. Revisão. Aposentadoria por tempo de serviço. Cálculo
do salário-de-benefício. Atividades concomitantes. Atividade principal.
321
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Correção monetária.
1. Se o segurado não satisfaz as condições para a concessão do benefício em nenhuma das atividades concomitantes, a exegese da norma
contida no art. 32 da Lei nº 8.213/91 deve ser feita no sentido de considerar como principal aquela que assim efetivamente o era para o segurado,
auferindo maior proveito econômico. Precedente da Corte.
2. Apelação e remessa oficial improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial,
nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de novembro de 2000.
Juiz Nylson Paim de Abreu, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu: Imo Schulze (NB 1090401237 - DIB 11.02.98) ajuizou ação contra o INSS, em 10.12.98, objetivando
a revisão do cálculo da RMI do seu benefício previdenciário. Asseverou,
em síntese, que:
1) após mais de trinta anos de serviço, requereu ao INSS o benefício
de aposentadoria por tempo de serviço, sendo o benefício concedido
em 11.02.98;
2) que de 02.07.82 a 24.04.89, trabalhou como Encarregado de Almoxarifado na Hering S/A e de 01.02.95 a 10.02.98 como Gerente de
Produção na Hering Rasti Indústria e Comércio de Brinquedos Ltda.
Concomitantemente, contribuiu como segurado-empregador (proprietário
de bar - fl. 43), durante o período de 01.05.84 a 10.02.98.
3) o INSS considerou a atividade de empregador como principal, quando
sua atividade principal sempre foi de empregado das Indústrias Hering S/A;
Assim, na qualidade de empregado, laborou num total de 21 anos,
como empregador contribuiu apenas 11 anos. E mais, seus rendimentos
do trabalho assalariado sempre foram superiores aos de empregador.
Postula, pois, o recálculo do salário-de-benefício de sua aposentado322
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
ria, devendo ser considerada a atividade de empregado como principal,
porquanto é a atividade em que laborou mais tempo, aliada à maior remuneração.
Contestando a demanda, o INSS sustentou a correção do cálculo da
RMI do benefício do autor, não tendo o requerente logrado demonstrar
a incorreção nos cálculos (fls. 23/5).
Sentenciando, o MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, para
condenar o INSS a:
a) revisar o cálculo da aposentadoria por tempo de serviço do autor,
calculando a renda mensal inicial nos termos do art. 32 da Lei nº 8.213/91,
considerando como atividade principal a de segurado-empregado e como
atividade secundária a de contribuinte-autônomo;
b) pagar os atrasados, a partir de 11.02.98, acrescidos de juros de
mora e correção monetária.
Condenou o vencido, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios,
fixados em 10% sobre o valor da condenação (fl. 64).
Irresignado, o INSS interpôs recurso de apelação, sustentando que a
renda mensal inicial do benefício do autor foi corretamente calculada,
não tendo o requerente comprovado que os rendimentos advindos da
atividade como segurado-empregado fossem superiores aos advindos
da função exercida como contribuinte-autônomo (fls. 65/8).
Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu: O INSS interpôs recurso de
apelação, sustentando que a renda mensal inicial do benefício do autor
foi corretamente calculada, não tendo o requerente comprovado que os
rendimentos advindos da atividade como segurado-empregado fossem
superiores aos advindos da função exercida como contribuinte-autônomo
(fls. 65/8).
Compulsando os autos, depreende-se pela análise da planilha de fls.
40/1, que o autor exerceu atividades concomitantes, no período compreendido entre fevereiro de 1995 e fevereiro de 1998 (segurado-autônomo
e empregado das empresas Hering).
O autor, de 02.07.82 a 24.04.89, trabalhou como Encarregado de
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
323
Almoxarifado na Hering S/A e, de 01.02.95 a 10.02.98, como Gerente
de Produção na Hering Rasti Indústria e Comércio de Brinquedos Ltda.
Concomitantemente, contribuiu como segurado-empregador (proprietário
de bar - fl. 43), durante o período de 01.05.84 a 10.02.98.
No que concerne à tal questão, assim dispõe o artigo 32 da Lei nº
8.213/91:
“Art. 32. O salário-de-benefício do segurado que contribuir em razão de atividades
concomitantes será calculado com base na soma dos salários-de-contribuição das atividades exercidas na data do requerimento ou do óbito, ou no período básico de cálculo,
observado o disposto no art. 29 e as normas seguintes:
I - quando o segurado satisfizer, em relação a cada atividade, as condições do benefício requerido, o salário-de-benefício será calculado com base na soma dos respectivos
salários-de-contribuição;
II - quando não se verificar a hipótese do inciso anterior, o salário-de-benefício
corresponde à soma das seguintes parcelas:
a) salário-de-benefício calculado com base nos salários-de-contribuição das atividades em relação às quais são atendidas as condições do benefício requerido;
b) um percentual da média do salário-de-contribuição de cada uma das demais
atividades, equivalente à relação entre o número de meses completo de contribuição e
os do período de carência do benefício requerido;
III - quando se tratar de benefício por tempo de serviço, o percentual da alínea b do
inciso II será o resultante da relação entre os anos completos de atividade e o número
de anos de serviço considerado para a concessão do benefício.
§ 1º O disposto neste artigo não se aplica ao segurado que, em obediência ao limite máximo do salário-de-contribuição, contribuiu apenas por uma das atividades concomitantes.
§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo ao segurado que tenha sofrido redução
do salário-de-contribuição das atividades concomitantes em respeito ao limite máximo
desse salário.” (grifado)
Como se vê, a lei não determina qual atividade deva ser considerada
como principal, se aquela com maior tempo de serviço, ou não, dentre as
exercidas concomitantemente pelo segurado durante o período básico de
cálculo.
Não há dúvida que por atividade principal se deve entender aquela
em relação à qual o segurado completou 30 (trinta) anos de tempo de
serviço, ou seja, atendeu às condições do beneficio, como dispõe o art.
32 acima transcrito.
Porém, quando o segurado não completou 30 (trinta) anos de tempo
de serviço em relação a nenhuma das atividades concomitantes consideradas para fins de apuração do salário-de-benefício, e, na hipótese
324
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
em que, como o caso vertente, houve recolhimento simultâneo quanto
às atividades desenvolvidas durante todo o período básico de cálculo,
esse critério não se afigura legítimo e não poderia ter sido eleito pelo
administrador.
Assim sendo, não se pode considerar como preponderante uma atividade em que o segurado contribuiu sobre valores inferiores em relação à
outra atividade em que o segurado, concomitantemente, durante todo o
período básico de cálculo, contribuiu sobre valores superiores, devendo
ser considerada principal aquela que confere proveito econômico maior
ao trabalhador durante a atividade.
Logo, na linha desse raciocínio, deve ser considerada como atividade
principal aquela que assim efetivamente o é para o próprio segurado.
Neste sentido, aliás, já decidiu esta Egrégia Corte, no julgamento da
Apelação Cível nº 96.04.22140-0/RS, que teve como Relator o Eminente
Juiz Carlos Sobrinho, verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. CÁLCULO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. ATIVIDADES CONCOMITANTES. INSUFICIÊNCIA DA REGULAÇÃO LEGAL. ADOÇÃO
DO CRITÉRIO MENOS PARADOXAL. PERCEPÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA NO
PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. EFETIVO TEMPO DE SERVIÇO. LEI 8.213/91,
ART. 32, INC. II E INC. III, E ART. 29, § 5º.
1. Uma vez que o segurado não satisfaz as condições para a concessão do benefício em nenhuma das atividades concomitantes e a solução legal não regula a situação
concreta, deve ser adotado o critério menos paradoxal para o cálculo do salário-de-benefício, considerando-se como principal a atividade exercida como empregado e
como secundária a de contribuinte autônomo.
2. Se utilizado o critério administrativo, que considera a atividade principal como
a de maior tempo de filiação (contribuinte autônomo), a renda mensal inicial do segurado resulta menor do que se continuasse trabalhando apenas na atividade sujeita a
desconto, como empregado.
...” (AC nº 96.04.22140-0/RS, TRF, Relator Juiz Carlos Sobrinho, DJ 05.08.98,
p. 634)
Destarte, segundo se observa da análise do documento de fl. 09, os
salários-de-contribuição como segurado-empregado são substancialmente superiores aos salários-de-contribuição computados na atividade de
segurado-autônomo, considerada pelo INSS como principal.
Ademais, o exercício de atividade concomitante deve beneficiar o
segurado, e não prejudicá-lo, mostrando-se descabida a consideração
de salá-rios-de-contribuição (no patamar de um salário mínimo) subs325
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
tancialmente menores do que os informados pela empresa empregadora.
Assim sendo, prospera a irresignação do autor, devendo ser mantida
a r. sentença.
Em face do exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação
e à remessa oficial.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.116983-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas
Apelante: Walter Cechin
Advogada: Dra. Lamia Samhan Dedavid
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Leni Ana Maria Mainardi
Remetente: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Santa Maria/RS
EMENTA
Previdenciário. Segurado especial. Tempo de serviço rural. Período
posterior à edição da Lei 8.213/91.No regime da Lei 8.213/91, o exercício de atividade rural como produtor individual sem empregados ou
em regime de economia familiar confere ao trabalhador a qualidade de
segurado obrigatório da Previdência, sendo computável o respectivo
período de atividade como tempo de serviço, conforme previsto no art.
55, caput, da Lei.
As contribuições previdenciárias exigíveis para o cômputo do tempo
de serviço são somente as legalmente previstas e obrigatórias para cada
categoria de segurado. No caso do segurado especial, a contribuição
consiste em um percentual incidente sobre a receita bruta proveniente
da comercialização da sua produção. Contudo, a comercialização da
produção do segurado especial não é obrigatória. É consabido que consi326
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
derável parcela dos pequenos produtores rurais produz para subsistência,
restringindo-se às práticas comerciais do escambo. Portanto, a falta de
prova de contribuições à Previdência não representa óbice para que a
atividade rural em regime de economia familiar posterior à vigência da
Lei 8.213/91 seja computado como tempo de serviço.
Se existe princípio de prova material hábil sobre a atividade rural
coerente com a prova oral produzida nos autos, o postulante faz jus ao
reconhecimento do respectivo tempo de serviço.
Apelação do autor provida e remessa oficial desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e dar provimento
à apelação do autor, nos termos do relatório e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 06 de março de 2001.
Juiz Surreaux Chagas, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas: Walther Cechin propõe Ação Ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando
o reconhecimento de atividade rural de 17.08.65 até os dias de hoje.
Refere que requereu a certidão em 13.05.96, mas teve o pedido indeferido.
O INSS contesta a ação.
O feito é instruído.
O MM. Juízo, sentenciando, julga procedente em parte a ação para
condenar o INSS a reconhecer o exercício de atividade rural de 17.08.65
a 30.12.79 e de 01.01.88 a 29.09.98, ressalvando que o período laborado
após a vigência da Lei 8.213/91 somente é computável mediante comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias. Honorários
advocatícios pelo INSS, fixados em 10% sobre o valor da causa.
Inconformado, o autor interpõe recurso de apelação, hábil e tempesti327
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
vamente, pretendendo que seja afastada a exigência do recolhimento de
contribuições referentes ao período posterior à edição da Lei 8.213/91.
Regularmente processado o recurso, sobem os autos.
Espécie sujeita a reexame necessário.
É o relatório.
À revisão.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Surreaux Chagas: O autor postula o reconhecimento
de atividade rural de 17.08.65 até os dias de hoje. Refere que requereu
a certidão em 13.05.96, mas teve o pedido indeferido.
O juízo a quo reconhece o exercício de atividade rural de 17.08.65 a
30.12.79 e de 01.01.88 a 29.09.98, ressalvando que o período laborado
após a vigência da Lei 8.213/91 somente é computável mediante comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias.
O autor apela, pretendendo que seja afastada a exigência do recolhimento de contribuições referentes ao período posterior à edição da Lei
8.213/91.
Em sede de remessa oficial, analiso as condenações impostas à autarquia na sentença.
A comprovação do tempo de serviço é regulada no art. 55 da Lei
8.213/91, que dispõe:
“Art. 55 - O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das
categorias de segurados de que trata o artigo 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda
da qualidade de segurado:
(...)
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só
produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou
caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.”
Portanto, o direito dos segurados ao reconhecimento do tempo de
serviço rural prestado antes da edição da Lei 8.213/91 depende da
328
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
comprovação da atividade agrícola mediante início de prova material
corroborada por idônea prova testemunhal.
A título de prova documental do exercício de atividade rural, o autor
apresenta: a) em nome do pai: notas fiscais do produtor emitidas de 1967
a 1978; certidão do INCRA, dando conta de imóvel rural de 13 hectares
de 1966 a 1978; b) em seu nome: notas fiscais do produtor emitidas de
1988 a 1996; certidão de casamento de 1980, na qual está qualificado
como agricultor.
O Colendo STJ consolidou o entendimento de que anotações no registro civil são admissíveis como início de prova material da atividade
rural. Neste sentido, o acórdão que segue:
“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA. INÍCIO DE
PROVA. AÇÃO DECLARATÓRIA.
1. omissis
2. Havendo início de prova (escritura pública de compra e venda de propriedade
de imóvel rural onde se observa a profissão de agricultor do autor), admite-se a prova
testemunhal como complemento para obtenção do benefício”. (RE 98507/RS, 5ª T,
Rel. Min. José Arnaldo, unânime, j. 05.02.98, DJU 16.03.98)
No regime de economia familiar, o fato de os documentos não estarem
em nome do segurado, mas, sim, no de seu pai não invalida a prova. A
produção em regime de economia familiar caracteriza-se, em regra, pelo
trabalho com base em uma única unidade produtiva, cuja documentação
é expedida em nome de uma pessoa, geralmente o marido ou o pai em
sociedades com forte preponderância do elemento masculino. Contudo, o pressuposto, no plano fático, é o trabalho conjunto e cooperado
de todos os membros da família, valendo os documentos em nome do
chefe da unidade familiar como princípio de prova material em favor de
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
329
Branca
330
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
331
Branca
332
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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EMBARGOS INFRINGENTES EM MATÉRIA CÍVEL Nº 95.04.07516-9/SC
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde
Embargante: Caixa Econômica Federal
Embargados: Antônio Pereira da Silva Neto, Antônio Anival dos Santos, Albino Rodrigues da Silva, Albino Ferreira Prestes, Audelino Ferraz, Augusto Gawski, Adilo Lasch, Ângelo José de Almeida, Arcelino
Olindo da Silva, Carlito Zatti Vitalli, Darci Tiepo, Ferdinando Donada,
Hugo Erno Lang, Irani Antônio Giusti, Joceli Fernandes da Silva, José
Troian, Leonei Pradella, Leopoldo José de Quadros, Manoel Gomes
Filho, Milton Weber, Nelson Antônio Rasnieveki, Paulino Balestro,
Plaudenir Joraci Mallmann, Roque Stedile e Severino Vanin
Interessada: União Federal
EMENTA
Processo Civil. Embargos de declaração. Efeitos infringentes. Reconhecimento de impossibilidade jurídica de parte do pedido em sentença.
Afastamento pelo tribunal. Indispensabilidade de prolação de nova sentença com enfrentamento do mérito. Princípio da unidade do julgamento.
1. Verificada a omissão no exame de embargos infringentes, acolhem-se embargos de declaração com efeitos infringentes, enfrentando a
questão posta naquele anterior recurso.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
333
2. O afastamento, pelo Tribunal, de preliminar de impossibilidade
jurídica de parte do pedido reconhecida em sentença, impõe o retorno
dos autos à origem para prolação de novo decisum com enfrentamento
do mérito, em sua integralidade.
3. Solução adotada também em face do princípio da unidade do julgamento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Senhor Juiz Marcelo De Nardi, conhecer dos embargos de
declaração e dar-lhes provimento, conferindo-lhes efeitos infringentes,
nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de maio 1999 (data do julgamento).
Juiz Amaury Chaves de Athayde, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de embargos
de declaração opostos a r. julgado desta douta Seção, cuja ementa transcrevo a seguir:
“FGTS. EMBARGOS INFRINGENTES. MATÉRIA UNÂNIME. NÃO-CONHECIMENTO.
A matéria levantada nos embargos infringentes foi julgada por unanimidade, razão
pela qual impõe-se o não-conhecimento do presente recurso.”
Sustenta a Caixa Econômica Federal (CEF) que:
“o voto divergente, transcrito na peça de embargos infringentes, efetivamente afasta a
preliminar invocada pela CEF. Entretanto, a divergência em relação ao voto condutor
encontra-se nos efeitos decorrentes do afastamento da preliminar. O voto divergente
traça o entendimento de que os ‘autos devem retornar à origem para decisão unitária
de mérito’ (fl. 153)(grifamos). O voto condutor, por sua vez, afasta a preliminar e julga
o mérito, em relação inclusive ao denominado ‘Plano Collor’, entendendo ser devido
o percentual de 44,80% relativamente ao IPC de abril de 1990 (fl. 157)”. Entendendo
que tal situação afronta aos princípios do devido processo legal e do duplo grau de
jurisdição — “uma vez que o juízo de primeiro grau não se pronunciou sobre a matéria”
— , requer seja sanada a “omissão/contradição apontada, dando-se efeito infringente
334
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
ao r. acórdão embargado para o fim de julgar o mérito dos embargos infringentes interpostos. Prequestiona o artigo 5º, incisos XXXV e LV, da CF/88, requerendo expressa
manifestação”.
Vieram-me os autos por redistribuição.
Tempestivamente interpostos os embargos, trago-os em Mesa.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: Merecem guarida os
presentes embargos de declaração. Assim efetivamente o é pois, com a
devida vênia do respeitável entendimento em contrário, a questão posta
nos embargos infringentes não foi objeto de deliberação por esta douta
Seção. Confiro.
Trata-se de ação versando sobre a recomposição de contas de depósito
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço — FGTS, proposta em face
da Caixa Econômica Federal — CEF e da União Federal — UF, ao argumento de que às mesmas não foram efetuados creditamentos devidos,
consoante indexadores efetivos da inflação. Invocando fundamentos de
Direito, reclamam os autores diferenças entre os créditos feitos e os que
deveriam sê-lo pela aplicação dos índices de 26,06%, 70,28%, 44,80%
e 7,87%, referidos às competências de junho/87, janeiro/89, abril/90 e
maio/90, acrescidos os legais consectários.
Sob processamento regular, adveio a v. sentença (fls. 103 a 109), julgando os autores carecedores de ação relativamente à União. Julgou ainda
procedente o pedido para o efeito de condenar a CEF, ao par de demais
disposições, a proceder à correção das contas vinculadas do FGTS dos
promoventes, com base nos índices dos IPCs de junho/87 e janeiro/89.
Quanto “aos índices de 44,80% e 7,87%, em face da impossibilidade
jurídica do pedido”, foi extinto o processo sem apreciação do mérito,
sob entendimento de que “não é lícito ao julgador substituir o índice
oficial por outro que entenda mais justo...Deste modo, é evidente, o Juiz
estaria substituindo-se ao legislador e ao administrador público, para
elaborar ele próprio a sua política econômica. O objetivo é nobre: fazer
justiça. Porém, em imediato confronto com o artigo 2º da Constituição,
que consagra o princípio da divisão funcional do poder do Estado. O
pedido, portanto, é inviável, do ponto de vista jurídico, razão pela qual
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
335
não pode ser conhecido” (Grifos no original).
À apelação interposta pelos autores, a MM. Juíza-Relatora, Dra. Silvia
Goraieb, dava parcial provimento “para, mantendo a exclusão da União
Federal da lide, afastar a impossibilidade jurídica dos pedidos antes
declinados (índices de 44,80% e 7,87% referentes aos meses de abril e
maio de 1990), a fim de que seja julgado o mérito, julgando prejudicadas
as demais questões”. Por isso, julgava prejudicado também o recurso
interposto pela CEF. Ocorre que a Turma, por maioria, vencida a douta
Relatora, rejeitou a solução proposta e, no prosseguimento, por unanimidade, afastou a alegação de litispendência e deu parcial provimento
aos apelos da CEF e dos autores.
A situação está perfeitamente esclarecida na ementa assim declinada
(fl. 161) e transcrita no que interessa:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. QUESTÕES PRELIMINARES.
CORREÇÃO MONETÁRIA DAS CONTAS VINCULADAS AO FGTS. PLANOS
ECONÔMICOS. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. IRRETROATIVIDADE.
. Afastada a impossibilidade jurídica do pedido, por reconhecido o julgamento a
este título como sendo de mérito, a fim de viabilizar de imediato o seu reexame.
...
. Direito reconhecido com relação aos Planos BRESSER (6,82%); VERÃO (39,16%)
e COLLOR I (44,80%) no que ferem o princípio da irretroatividade, deduzidos os
valores creditados.
...
. Questão preliminar da impossibilidade jurídica do pedido superada, por decisão
majoritária da Turma, a viabilizar o exame do mérito, vencida a Relatora no tópico.”
Após solução de embargos declaratórios (fls. 177/178), a CEF interpôs embargos infringentes, nos quais foi transcrito o voto divergente e solicitado o provimento, decidindo esta douta Seção pelo não-conhecimento
“uma vez que a eminente Juíza Silvia Goraieb se posicionou no sentido de
afastar a prejudicial de impossibilidade jurídica do pedido reconhecida
na sentença, sendo, portanto, nesse ponto, unânime a decisão” (fl. 242).
Daí decorre, segundo entendo, a pertinência destes embargos declaratórios. Com efeito, o voto divergente propugnava, a partir do afastamento da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido reconhecida
em sentença e diante do princípio da unidade de julgamento, o retorno
336
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
dos autos à origem para prolação de novo decisum com enfrentamento
do mérito em sua integralidade. Nesse ponto, a decisão foi por maioria.
Não houve unanimidade e, logo, os embargos infringentes não podiam
ter sido rejeitados — ao menos pelo fundamento manejado, no sentido
de que inexistia divergência. Tal situação, gizo, não se transmuda em
face da circunstância de, restando vencida — e justo por isso — , a eminente Juíza ter prolatado voto enfrentando o mérito daqueles pedidos. A
manter-se a r. decisão da douta Turma tal qual se apresenta, malferir-se-á,
segundo entendo, os princípios do devido processo legal, do duplo grau
de jurisdição e do contraditório. Sirvo-me dos fundamentos adotados no
multicitado voto vencido:
“Portanto, afasto a prejudicial reconhecida em sentença, a fim de que seja enfrentado
o mérito dos itens questionados.
As demais questões suscitadas nos recursos restam prejudicadas, inclusive a decisão
de mérito sobre os itens julgados, porque necessária a unidade do julgamento, razão
pela qual o feito deve retornar à origem para decisão unitária de mérito.
A manifestação judicial deve ser una. Em sendo mantida a ilegitimidade da União
Federal e afastada a ilegitimidade da CEF, bem como repelida a impossibilidade jurídica
do pedido na sentença quanto a dois itens, a decisão deste Tribunal alcança somente
tais questões preliminares, impõe-se a anulação dos demais tópicos, com o que o feito
volta apenas para julgamento de mérito, já decidida a legitimidade passiva.”
Impõe-se, por isso, a meu ver, o acolhimento destes declaratórios
com efeitos infringentes para que prevaleça, no ponto, o entendimento
minoritário manifestado no julgamento da apelação pela Turma, mantidas as demais deliberações preliminares das duas sessões nas quais se
realizou o julgado, isto é, a exclusão da União Federal, o afastamento
da litispendência e a manutenção da CEF na lide.
Em face do exposto, conheço dos presentes embargos de declaração
e dou-lhes provimento, conferindo-lhes efeitos infringentes para dar
parcial provimento ao apelo dos autores e determinar a prolação de nova
sentença com enfrentamento do mérito em sua integralidade.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
337
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 96.04.09347-9/PR
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler
Autora: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Romão Golambiuk e outros
Réus: Leoze Lobo Maia e outro
Advogados: Drs. Edevaldo Daitx da Rocha e outros
EMENTA
Civil e Processual Civil. Ação rescisória. Ação consignatória de
saldo devedor decorrente de contrato de financiamento vinculado ao
SFH. Complementação do depósito. Erro de fato. Súmula 343 do STF.
Violação ao art. 1.256, 2ª parte, do Código Civil. Inexistência.
1. O valor da causa encontra-se em litígio no correspondente incidente
de impugnação e, no momento em que transitar em julgado a decisão do
último feito, caso seja fixado para a causa um montante superior àquele
atribuído pela autora, será oportunizada a complementação do depósito
prévio.
2. Decidindo o magistrado a quo, pela interpretação do contrato de
financiamento, que o saldo devedor dos autores consistia, na data do
aforamento da ação consignatória, exatamente, no valor por eles ofertado,
não incorreu em qualquer erro de fato ao julgar procedente a pretensão
e declarar quitada a dívida.
3. Inaplicável a Súmula 343 do STF, pois a exegese do art. 1.256, 2ª
parte, do Código Civil transparece, claramente, de sua leitura, não se podendo afirmar que possuía, à época da prolação do julgado rescindendo,
interpretação controvertida nos tribunais.
4. Violação a referido artigo de lei não caracterizada, eis que foram
obedecidos todos os termos do ajuste firmado pela instituição financeira
com os mutuários.
5. Rejeitadas as preliminares argüidas e, no mérito, improcedente a
ação rescisória.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
338
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares argüidas e, no mérito,
julgar improcedente a ação rescisória, nos termos do relatório e notas
taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2000.
Juíza Marga Barth Tessler, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler: Trata-se de ação rescisória
intentada contra acórdão deste Tribunal, o qual confirmou sentença que
julgou procedente ação de consignação em pagamento proposta pelos ora
réus contra a CEF, visando a compeli-la ao recebimento do saldo devedor
decorrente de contrato de financiamento de imóvel vinculado ao SFH.
Sustenta a autora que a sentença de primeiro grau, confirmada pelo
Tribunal, violou literalmente o disposto no art. 1.256, 2ª parte, do Código
Civil, por não proporcionar à CEF a total restituição da quantia oferecida
em mútuo. Aduz que o magistrado a quo incorreu em erro de fato, por
não ter se apercebido de que a distribuição da ação consignatória e o
depósito nela efetuado deram-se após a última variação da UPC (Unidade Padrão de Capital), utilizada como indexador do aludido contrato de
financiamento, motivo pelo qual seus valores ficaram defasados.
Citados, os réus contestaram o feito. Alegam que não houve violação
ao art. 1.256, 2ª parte, do Código Civil, pois o que se discutiu no processo
no qual foi proferida a decisão impugnada foi, unicamente, a interpretação da cláusula contratual pertinente à correção monetária do saldo
devedor. Sustentam a aplicação, ao caso, da Súmula 343 do STF. Quanto
ao erro de fato, afirmam a sua inexistência, eis que a ação consignatória
fora ajuizada em momento anterior ao último reajuste da UPC, sendo a
data invocada pela CEF o dia da distribuição da demanda, e não do seu
aforamento. Aduzem que a ação consignatória seguiu todos os preceitos
dos arts. 890 a 900 do CPC, na redação então vigente.
Em réplica à contestação, a parte-autora salienta que a correção monetária de mútuo hipotecário com cláusula de reajuste anual deve ter
seu saldo devedor atualizado quando do pagamento antecipado. Frisa,
ademais, a CEF que o depósito da ação consignatória foi efetuado após
a conversão da UPC pela “virada do trimestre”, restando com valor inR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
339
ferior ao da dívida e não tendo o condão, assim, de eximir a obrigação
do consignante.
Em sede de razões finais, as partes ratificaram os argumentos já expendidos na inicial e na contestação. Acresceram os réus a necessidade
de extinção do feito sem julgamento do mérito, tendo em vista a insuficiência do depósito ofertado pela parte-autora.
Em março de 1999, a autora intentou ação cautelar incidental à presente ação rescisória, requerendo a suspensão da execução rescindenda,
para impedir a liberação da hipoteca constituída sobre o imóvel dos ora
réus. Tal pedido foi recebido como antecipação de tutela e indeferido,
mediante a decisão da fl. 274.
Contramencionada decisão, a CEF interpôs agravo regimental, de
fls. 276 a 279.
O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação.
É o relatório.
Dispensada a revisão, por ser a matéria predominantemente de direito.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Marga Barth Tessler: Preliminarmente, refiro que
a insuficiência do depósito prévio não constitui motivo para a extinção
do presente feito sem julgamento do mérito. Isto porque o valor da causa
encontra-se em litígio no correspondente incidente de impugnação. E, no
momento em que transitar em julgado a decisão do último feito, caso seja
fixado para a causa um montante superior àquele atribuído pela autora,
será oportunizada a complementação de referido depósito.
Na questão de fundo, a parte-autora fundamenta a rescisória na
ocorrência de erro de fato (CPC, art. 485, IX) e na violação literal a
dispositivo de lei (CPC, art. 485, V).
Antes, porém, de analisar a procedência dos argumentos da instituição financeira, cabe salientar que a ação na qual foi proferida a decisão
rescindenda girou em torno da interpretação de cláusula do contrato
de financiamento de imóvel, que previa a correção monetária do saldo
devedor. Dispunha referida cláusula:
“QUARTA – CORREÇÃO MONETÁRIA: O saldo devedor, as prestações de resgate do mútuo, a avaliação e todos os demais valores constantes desta escritura estão
sujeitos à correção monetária anual, em função do índice de variação das Unidades
Padrão de Capital (UPC).”
340
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Assim, decidiu o juízo de primeiro grau, em sentença confirmada
por esta Corte, que a avença do mútuo era expressa ao determinar que
a correção monetária seria calculada anualmente e, logo, a CEF deveria
receber o valor ofertado pelos consignantes. Por certo, caberia uma visão
mais abrangente do contrato, para verificar se há cláusula expressa sobre
a liquidação antecipada, hipótese, sem dúvida, excepcional. Bem examinado o contrato, não há previsão específica, a única a tratar da liquidação
antecipada encontra-se embutida sob a denominação de “Amortização
Extraordinária” (fl. 25) e, aí, a regra é de que ela não poderá ser inferior
a 10% da dívida, o que não se cogita tenha ocorrido.
Não vislumbro, contudo, na atuação do magistrado a quo, posteriormente confirmada por este Tribunal, qualquer erro de fato ou violação
literal a dispositivo de lei, pelo só exame da cláusula quarta.
Efetivamente, cumpre esclarecer que, inobstante a ação consignatória
tenha sido distribuída em 1º de julho de 1985, o seu ajuizamento deu-se,
na verdade, em 28 de junho do mesmo ano, conforme a data do protocolo constante na fl. 244. Portanto, a parte-autora ofertou, na inicial, o
montante do saldo devedor atualizado de acordo com a UPC vigente
naquele período.
Ora, à época dos fatos controvertidos na presente demanda, cabia
ao autor, na exordial da consignatória, requerer a citação do réu para,
no momento estipulado pelo juiz, receber a quantia devida. Somente
na inércia do demandado é que seria realizado o depósito. Com efeito,
dispunha o CPC, na redação então vigente:
“Art. 893. Na petição inicial o autor requererá a citação do réu para, em lugar, dia
e hora determinados, vir ou mandar receber a quantia ou a coisa devida, sob pena de
ser feito o respectivo depósito.”
Por conseguinte, na antiga sistemática da ação consignatória, o autor não poderia ser prejudicado pela demora do Serviço Judiciário na
designação da data do recebimento da quantia pelo réu. Logo, o valor a
ser depositado seria aquele constante da petição inicial – desde que consentâneo com o valor do débito naquele momento – acrescido, somente,
é claro, de correção monetária, vez que esta constitui mera reposição do
valor nominal da moeda.
Assim, em cumprimento a tais disposições, foi designado o dia 28 de
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
341
agosto de 1985 para a efetivação da consignação pleiteada pela parte-autora, consoante o despacho da fl. 29. Porém, já no dia 29 de julho
daquele ano, os autores realizaram o depósito, conforme atesta a cópia
de guia de arrecadação juntada no verso da fl. 28.
Conseqüentemente, decidindo o magistrado a quo, pela interpretação
do contrato de financiamento, que o saldo devedor dos autores consistia,
na data do aforamento da ação, exatamente, no valor por eles ofertado,
não incorreu em qualquer erro de fato ao julgar procedente a pretensão
e declarar quitada a dívida.
Quanto à alegada afronta ao art. 1.256, 2ª parte, do Código Civil, refiro,
de início, ser possível o seu exame, por não incidir, na espécie, a Súmula
343 do STF (Não cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição
de lei quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais.), pois a exegese de referido
preceito transparece, claramente, de sua leitura, não se podendo afirmar
que possuía, à época da prolação do julgado rescindendo, interpretação
controvertida nos tribunais. Assim, estatui mencionado dispositivo legal,
in verbis:
“Art. 1.256. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado
a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e
quantidade.”
Sustenta a CEF que, com a procedência do pedido deduzido na ação
consignatória, não teria havido a integral restituição da quantia mutuada
aos réus. Pelos argumentos acima expendidos, porém, percebe-se que
foram obedecidos todos os termos do ajuste firmado pela instituição
financeira com os mutuários, no qual foram previstas as formas de
ressarcimento da mutuante. Logo, não é lícito à empresa pública, agora, pretender afastar os efeitos de uma avença voluntária e legalmente
constituída.
Isto posto, rejeito as preliminares argüidas e, no mérito, julgo improcedente a ação rescisória.
Condeno a parte-autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa.
Reverta-se o depósito prévio em favor da parte-ré (CPC, art. 494, 2ª
parte).
Prejudicado o exame do agravo regimental da CEF, tendo em vista o
342
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
julgamento do mérito da presente ação.
É o voto.
EMBARGOS INFRINGENTES EM
APELAÇÃO CÍVEL Nº 96.04.52839-4/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde
Embargante: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT
Embargados: Jucimara do Rócio Lopes Moraes, Luciane do Perpétuo
Lopes Secerino, Aníbal Souza Lopes, Valdirene Aparecida Souza Lopes, Franciane de Fátima Souza Lopes e Edson Fernandes Paschoal
EMENTA
Processual Civil. Ausência de prova de representação processual.
Peça recursal inexistente.
Reputa-se inexistente o ato praticado no processo por advogado que
não exibe prova de habilitação para falar em nome da parte que indica
representar (CPC, art. 37). Isso ocorre quando, embora juntado instrumento de substabelecimento, não vem aos autos instrumento de procuração
outorgada ao substabelecente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer dos embargos, nos termos do relatório e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de outubro de 1999 (data do julgamento).
Juiz Amaury Chaves de Athayde, Relator.
RELATÓRIO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
343
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de embargos
infringentes opostos pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
— ECT a v. julgado da 4ª Turma deste Tribunal, em sua douta formação
anterior, visando à prevalência do douto voto vencido no que tange ao
valor da indenização por danos morais decorrentes de acidente automobilístico.
Admitido o recurso, houve impugnação (fls. 307 a 311).
É o relatório, dispensada a revisão.
VOTO (PRELIMINAR)
O Exmo. Sr. Juiz Amaury Chaves de Athayde: Impõe-se apontar vício
que induz à inexistência dos presentes embargos infringentes. É o que
se dá no pertinente à representação processual da parte ré/embargante
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT, circunstância
passível de apreciação de ofício (STF, RT 683/225).
Com efeito.
Inexiste nos autos mandato outorgado ao i. advogado signatário de
“substabelecimento” encartado às fls. 294, do qual se serviu aquele que
firmou os presentes embargos.
Destarte, aos mesmos advogados não é dado falar em nome da parte
requerida, estando o empeço assente no artigo 37, caput, in initio, do
Código de Processo Civil. E a omissão, no caso, faz-se insanável, eis que
se não indica qualquer hipótese identificada com as exceções capituladas
no mesmo dispositivo legal.
A peça recursal, pois, é juridicamente inexistente, até mesmo se viesse
a exsurgir intento de recuperação, já que “a apresentação tardia do instrumento de mandato não convalida atos havidos por inexistentes pela
lei processual civil” (RTJ 144/605), certo, também, que “se o advogado
não juntou procuração nem protestou pela sua juntada no prazo de 15
dias, o ato é inexistente, não sendo o caso de aplicar-se o artigo 13, que
cuida de hipótese diversa — irregularidade de representação, e não falta
de procuração”.
Tal posição está também corroborada em precedentes de que extraio
os seguintes excertos:
“Os atos postulacionais praticados sem mandato somente se convalidam no prazo
344
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
do art. 37 do CPC, inaplicável o art. 13, que versa suprimento de irregularidade da
representação da própria parte.” RSTJ 31/384.
“Os artigos 13 e 37 do CPC não se superpõem. Enquanto o art. 13 prevê representação irregular, alguma, portanto, existindo, insuficiente, o art. 37 se dirige a hipótese
diversa, em que nenhuma a representação, obrigando-se o advogado a comprová-la
existente dentro do prazo de 15 dias.” RT 709/67.
Também nesta Corte, é possível vislumbrar idêntica orientação,
mutatis mutandis, expressa nos julgados dos quais transcrevo as correspondentes ementas:
“ADVOGADO. INSTRUMENTO DE MANDATO.
Sem instrumento de mandato, o advogado não será admitido a procurar em Juízo,
sendo havidos por inexistentes os eventuais atos processuais por ele praticados.
Processo anulado, com extinção do feito sem julgamento do mérito, por falta de
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, prejudicados os
recursos das partes.” AC nº 95.04.51817-6/RS, Rel. Juíza TANIA ESCOBAR, 2ª Turma,
unânime, DJ 09.07.97, p. 52.741.
“MANDATO. CAPACIDADE POSTULATÓRIA. FALTA DE INSTRUMENTO
PROCURATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO PROCESSUAL.
Sem instrumento de mandato, o advogado não pode procurar em Juízo.
A falta da procuração acarreta a inexistência da relação processual.
O prazo de 15 (quinze) dias para a juntada do instrumento procuratório faltante
corre ex lege, independentemente de intimação.”
— AC nº 94.04.21966-5/RS, Rel. Juiz AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, 5ª
Turma, unânime, DJ 24.04.97, p. 26.707.
Cabe, a propósito, gizar que “a prática de atos por advogado sem
procuração não configura mandato tácito, já que este decorre de previsão
legal e não da reiteração da irregularidade” (STF, Pleno, RTJ 139/269).
Ante o exposto, não conheço dos presentes embargos infringentes.
É como voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
345
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 96.04.61012-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti
Suscitante: 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Suscitada: 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Partes-Autoras: Almerindo de Oliveira Duarte e outros
Advogados: Drs. Daisson Silva Portanova e outros
Dra. Isabel Cristina Trapp Ferreira
Parte-Ré: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Sandra Maria de Jesus Rausch
EMENTA
Competência – Revisão de benefícios – Matéria previdenciária.
Se a discussão diz respeito à revisão de benefícios de servidores ferroviários inativos, a matéria é predominantemente previdenciária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
o Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,
julgar procedente o conflito para declarar o juízo suscitado – 6ª Turma
deste Regional – competente para o julgamento da causa, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2001.
346
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, Relator .
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pela 3ª Turma deste Tribunal, em relação
à 6ª Turma deste mesmo Tribunal, em ação de revisão de benefícios
previdenciários, proposta contra o INSS, visando ao reajustamento dos
benefícios, nos meses de agosto de 1993 e seguintes, de acordo com o
índice integral do IRSM, bem como para que em março de 1994 sejam
utilizados, para fins de conversão dos benefícios em URV, os valores
dos proventos de dez/93 e fev/94, devidamente reajustados pelo índice
integral do IRSM.
O juízo suscitante diz que a competência para o julgamento do feito é
da 6ª Turma, porque se trata de “matéria eminentemente previdenciária”,
sendo “irrelevante perquirir a respeito da existência de complementação
de proventos por parte da União, vez que a lide foi dirigida unicamente à
autarquia previdenciária para revisão da parcela de sua responsabilidade
e de acordo com as normas pertinentes ao sistema geral de previdência
social”. Diz, ainda, que, “em nenhum momento, foi trazida aos autos a
relação existente entre os autores e a União”.
O representante do MPF opinou pela competência do Juízo Suscitado.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti: Com a devida vênia
do juízo suscitado – 6ª Turma desta Corte – a despeito de a ação ter sido
proposta por servidores ferroviários inativos, isto, por si só, não define a
matéria como “predominantemente administrativa”. Muito pelo contrário,
os autores pedem, tão-somente, que sejam revisados os seus proventos
nos meses de agosto de 1993 e seguintes, de acordo com o índice integral
do IRSM, bem como para que em março de 1994, sejam utilizados, para
fins de conversão dos benefícios em URV, os valores dos proventos de
dez/93 e fev/94, devidamente reajustados pelo índice integral do IRSM.
Com efeito, nem mesmo o fato de a União complementar as referidas
aposentadorias retira a natureza nitidamente previdenciária da causa,
notadamente uma revisional de benefício.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
347
Nessas condições, julgo procedente o conflito para declarar o juízo
suscitado – 6ª Turma deste Regional – competente para o julgamento
da causa.
É o voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 98.04.03092-6/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro
Rel. p/Acórdão: A Exma. Sra. Juíza Tania Escobar
Agravante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Dr. Cezar Saldanha Souza Junior
Agravada: Sonia Maria Beltrão Zimmer
Advogados: Drs. Edison da Costa e outro
EMENTA
Agravo de instrumento. Ausência de contestação. Possibilidade de a
fazenda apresentar manifestação. Incisos II e III do artigo 303 do CPC.
1. No caso, contanto patente a ocorrência da revelia, o fato é que na
“manifestação” ofertada pela União, considerada como disfarçada contestação, são alegados dois temas, a prescrição e a falta de interesse
de agir, sendo que a quanto à prescrição, pode ser alegada a qualquer
tempo (artigo 162 do Código Civil).No que tange à falta de interesse de
348
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
agir, é uma das condições da ação, um dos aspectos que levam à inépcia da inicial (artigo 295 do CPC, idem o artigo 301 do CPC), também
cognoscível de ofício.
2. Incidência do artigo 303 do CPC, incisos II e III, sendo que não
haverá desigualdade entre as partes, porquanto o referido dispositivo é
aplicável a qualquer parte, seja ela a Fazenda Pública ou o particular.
Assim, em se tratando de matérias de ordem pública e que podem ser
alegadas a qualquer tempo, impedir o réu de que as suscite somente porque não apresentou a contestação (está-se tratando não de réu ausente,
mas de réu que não apresentou contestação), foge ao fim precípuo do
processo que é um instrumento ético e jurídico à disposição das partes
para distribuir a justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, vencido o Juiz Élcio Pinheiro de Castro, dar
provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de março de 2000.
Juíza Tania Escobar, Relatora p/Acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: A União Federal agrava
de decisão que determinou o desentranhamento de petição, entregando-a
ao subscritor.
Discorre que apresentou contestação extemporânea, motivo pelo qual
foi decretada sua revelia. Formulou, então, peça manifestando-se sobre
a decadência do direito de pleitear repetição de indébito do empréstimo
compulsório incidente sobre combustíveis. Entende que não merece
prosperar a decisão objurgada, tendo em conta que a Fazenda Pública
goza de certos privilégios em relação aos efeitos da revelia, e o artigo
322 prescreve que o réu poderá intervir no processo em qualquer fase.
Afirma que o fato de ser revel não implica ter suas petições desentranhadas dos autos.
Deferido o efeito suspensivo, a Agravada não apresentou resposta.
349
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: Depreende-se dos autos,
ter a União Federal apresentado contestação extemporânea, o que acarretou a decretação da revelia e o desentranhamento da mesma. Então,
retornou a Agravante ao feito, para “manifestar-se” sobre a inicial da
ação, gerando novamente a ordem para ser extraída a peça do processo,
pois configurava intenção de contornar a lei.
Quando a lide versar sobre direitos indisponíveis, como são aqueles
em que a parte passiva é a Fazenda Pública, não se aplica os efeitos da
revelia, devendo o juiz de ofício examinar todos os pontos abordados
pela parte-autora, em confronto com a lei e o direito.
Entendo que não assiste razão à Agravante. De fato, o artigo 322 do
CPC permite ao revel intervir no processo em qualquer de suas fases.
Contudo, na espécie, observando os termos da hostilizada petição, percebo que na verdade trata-se de uma contestação disfarçada, porquanto foi
abordada questão sobre decadência que é eminentemente de defesa. Ora,
alegar que tal manifestação não tem cunho contestatório é menosprezar
o discernimento do julgador. De outra parte, tratando-se de demanda que
versa somente sobre matéria de direito, nenhum prejuízo decorre para a
União Federal a ausência de contestação, em face do disposto no inciso
II do artigo 319 do CPC.
Com essas considerações, nego provimento ao agravo.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Tania Escobar: No caso, contanto patente a ocorrência da revelia, o fato é que na “manifestação” ofertada pela União,
considerada como disfarçada contestação, são alegados dois temas, a (1)
prescrição e (2) a falta de interesse de agir.
Quanto à prescrição, cumpre lembrar que pode ser alegada a qualquer tempo (162 do CC). Ademais, a denominada prescrição com base
no artigo 168 do CTN é por muitos considerada como verdadeiro prazo
decadencial, podendo, dessarte, ser reconhecida de ofício.
No que tange à falta de interesse de agir, é uma das condições da ação,
um dos aspectos que levam à inépcia da inicial (artigo 295 do CPC, idem
350
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
o artigo 301 do CPC), também cognoscível de ofício.
Ora, pelo que se vê a União nada mais fez que instar o julgador a
manifestar-se sobre temas que: (1) pode ser alegado a qualquer tempo,
não só na contestação e, (2) matéria que pode e deve ser conhecida de
ofício, inviável falar em preclusão.
Incide, no caso, data venia do ilustre relator, o artigo 303 do CPC,
incisos II e III:
“Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando:
I - relativas a direito superveniente;
II - competir ao juiz conhecer delas de ofício;
III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo
e juízo.”
O voto estaria aqui encerrado, mas faço mais uma consideração em
atenção ao que foi com veemência defendido pelo ilustrado relator e
insigne colega.
A observação é que não haverá desigualdade entre as partes, porquanto
os incisos II e III do artigo 303 do CPC se aplicam a qualquer parte, seja
ela Fazenda Pública ou particular. Assim, em se tratando de matérias
de ordem pública e que podem ser alegadas a qualquer tempo, impedir o
réu de que as suscite somente porque não apresentou a contestação (veja
que não estamos tratando de réu ausente, mas de réu que não apresentou
contestação, e a não-apresentação da contestação acarreta tão-somente
o efeito do artigo 319 do CPC), foge ao fim precípuo do processo que
é um instrumento ético e jurídico à disposição das partes para distribuir
a justiça.
Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.04.01.085697-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Vilson Darós
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
351
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Dr. Cezar Saldanha Souza Junior
Apelada: Madezorzi S/A
Advogados: Drs. João Luciano da Fonseca Pereira de Queiroz e outros
Drs. Flavio Borghetti e outros
Drs. Guillermo Antonio Araujo Grau e outros
EMENTA
Liquidação de sentença. Coisa julgada. IPI. Crédito-prêmio. Decretos-Leis nºs 1.658/79 e 1.722/82. Correção monetária. INPC. IPC.
A autora formulou pedido para auferir os estímulos fiscais “a partir de
janeiro de 1982”. A sentença, por sua vez, reconheceu o direito pleiteado,
nos exatos termos do pedido, ou seja, a partir de janeiro de 1982. Em sede
recursal, o Acórdão manteve a sentença. Portanto, a decisão trânsita em
julgado somente fixou a data inicial para auferir os estímulos, “janeiro
de 1982”, não houve, em momento algum, a fixação de término. Nessas
condições, quanto à data fatal, não houve pronunciamento judicial, não
havendo, assim, quanto a esta parte, nada que esteja coberto pelo manto
da coisa julgada. Nessas condições, possível a discussão dessa questão
em embargos à execução. Foi o que fez a União, e com razão. Note-se
que não se está, aqui, a ferir a coisa julgada, uma vez que o direito ao
crédito-prêmio do IPI continua reconhecido. Ocorre que o feito deve ser
regularmente liquidado. Assim, não pode ser utilizado o critério da conta
homologada(o total do benefício em moeda convencional de janeiro de
1984 a setembro de 1990), já que o termo final do benefício ocorreu em
30.06.83. O prazo fatal de extinção do crédito-prêmio instituído pelo
Decreto-Lei nº 491, de 1969, restou hígido, sua extinção fixada para 30
de junho de 1983, nos termos do Decreto-Lei nº 1.658 (art. 1º), mantido
pelo Decreto-Lei nº 1.722(art. 3º), ambos de 1979, os quais não mereceram nenhuma declaração de inconstitucionalidade, mas, ao contrário,
produziram toda a eficácia e validade. É legal a correção monetária
pelo INPC, pois é a que melhor reflete a variação ocorrida no período
de março a dezembro de 1991. É legítima a incidência dos expurgos
inflacionários do IPC, nos meses de janeiro de 1989 e de março a maio
de 1990 (Súmulas nºs 32 e 37 desta Corte), pois a matéria está pacificada
352
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
nesta Corte. Aplicação do índice do IPC no mês de fevereiro de 1991
(Súmula nº 37 desta Corte).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2000.
Juiz Vilson Darós, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Vilson Darós: Trata-se de liquidação de sentença
proposta por Madezorzi S/A em virtude de decisão judicial cuja ementa
teve a seguinte redação:
“CONSTITUCIONAL. ESTÍMULOS FISCAIS. DECRETO-LEI Nº 491/69. JUROS COMPENSATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS MORATÓRIOS.
1. Este Egrégio Tribunal, em sua composição plena, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto-Lei nº 1.724/79 e a do inciso I do art. 3º do Decreto-Lei nº
1.894/81. (AInc nº 90.04.11176-0/RS)
2. Na espécie não cabem juros compensatórios, porque a suspensão dos incentivos
foi feita em decorrência de lei, não podendo, assim, ser equiparada a ato ilícito.
3. A correção monetária é devida a partir da data da conversão dos créditos questionados em moeda nacional, na forma do art. 2º do DL nº 491/69, pelas variações das
ORTNs e BTNs.
4. Os juros de mora serão de 12% ao ano, a partir da citação, nos termos dos arts.
161, §1º, e 167, § único, do CTN.
5. Recurso da União Federal e remessa oficial improvidos, parcialmente provido
recurso da parte autora. ”
Em decisão de fls. (570/577) foi determinada a liquidação por arbitramento. A União (fls. 868/871) manifestou-se quanto ao prazo final da
concessão, afirmando ser a mesma 30 de junho de 1983, em face do disposto nos Decretos-Leis nºs 1.658/79 e 1.722/82. Requereu a delimitação
de tal data como marco temporal para a aferição do crédito-prêmio do IPI.
Foram emitidas duas contas que utilizaram o total do benefício em
moeda convencional de janeiro de 1984 até setembro de 1990 como
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critério (fls. 882/943).
Sobre o cálculo a autora manifestou-se concordando inteiramente com
o mesmo. A União impugnou-o discordando dos índices de correção monetária e remetendo-se ao arrazoado de sua manifestação de fls. 868/871.
Regularmente processado o feito sobreveio sentença homologando
os cálculos apresentados.
Irresignada, apelou a União insurgindo-se quanto ao prazo final da
concessão, afirmando ser a mesma 30 de junho de 1983, em face do disposto nos Decretos-Leis nºs 1.658/79 e 1.722/82. Requereu a delimitação
de tal data como marco temporal para a aferição do crédito-prêmio do
IPI. Pleiteou, ainda, a exclusão do IPC e do INPC no cálculo.
Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Vilson Darós: Quanto ao prazo final da concessão
do crédito-prêmio ser 30 de junho de 1983, em face do disposto nos
Decretos-Leis nºs 1.658/79 e 1.722/82, tenho que o apelo merece prosperar. Senão, vejamos:
Ao instituir estímulos fiscais à exportação de manufaturados, dispôs
o Decreto-Lei nº 491, de 1969:
“Artigo 1º. As empresas fabricantes e exportadoras de produtos manufaturados gozarão, a título de estímulo fiscal, créditos tributários sobre suas vendas para o exterior,
com ressarcimento de tributos pagos inteiramente.
§ 1º. Os créditos tributários acima mencionados serão deduzidos do valor do Imposto sobre produtos Industrializados incidente sobre as operações do mercado interno.
§ 2º. Feita a dedução, e havendo excedente de crédito, poderá o mesmo ser compensado no pagamento de outros impostos federais, ou aproveitado nas formas indicadas
por regulamento.”
Posteriormente, veio a ser editado o Decreto-Lei nº 1.658, de 1979,
que estabeleceu:
“Art. 1º. O estímulo fiscal de que trata o artigo 1º do Decreto nº 491, de 05 de março
de 1969, será reduzido gradualmente, até sua definitiva extinção.
§ 1º - Durante o exercício financeiro de 1979, o estímulo será reduzido:
a) a 24 de janeiro, em 10% (dez por cento);
b) a 31 de março, em 5% (cinco por cento);
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c) a 30 de junho, em 5% (cinco por cento);
d) a 30 de setembro, em 5% (cinco por cento);
e) a 31 de dezembro, em 5% (cinco por cento);
§ 2º - A partir de 1980, o estímulo será reduzido em 5% (cinco por cento) a 31 de
março, a 30 de junho, a 30 de setembro e a 31 de dezembro de cada exercício financeiro,
até sua total extinção a 30 de junho de 1983.”
Naquele mesmo ano de 1979, a sistemática de gradual redução do
benefício estabelecida no Decreto-Lei nº 1.658 recebeu nova redação
pelo Decreto-Lei nº 1.722, verbis:
“Art. 3º. O parágrafo 2º do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.658, de 24 de janeiro de
1979, passa a vigorar com a seguinte redação:
§ 2º - O estímulo será reduzido em vinte por cento, em 1980, vinte por cento em
1981, vinte por cento em 1982 e de dez por cento até 30 de junho de 1983, de acordo
com ato do Ministro de Estado da Fazenda.”
Como se vê, a nova regulamentação não alterou a data fatal da extinção do estímulo em questão, permanecendo como limite de vigência o
dia 30 de junho de 1983.
Seguiu-se a edição do Decreto-Lei nº 1.724, de 7 de dezembro de 1979,
que autorizou o Ministro da Fazenda a deliberar acerca do crédito-prêmio
do IPI instituído pelo Decreto-Lei nº 491, de 1969, tal como, aumentar
ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir.
Houve, após, a edição de novo Decreto-Lei, o de nº 1.894, em 16 de
dezembro de 1981, que, mais uma vez, atribuiu ao Ministro da Fazenda
poderes delegados, como se vê:
“Art. 3º. O Ministro da Fazenda fica autorizado, com referência aos incentivos
fiscais à exportação, a:
I - estabelecer prazo, forma e condições para sua fruição, bem como reduzi-los,
majorá-los, suspendê-los ou extingui-los, em caráter geral ou setorial;
II - estabelecê-los, total ou parcialmente, a operações de venda de produtos manufaturados nacionais, no mercado interno, contra pagamento em moeda de livre
conversibilidade;
III - determinar sua aplicação nos termos, limites e condições que estipular, às exportações efetuadas por intermédio de empresas exportadoras, cooperativas, consórcios
ou entidades semelhantes.”
Com base nestes últimos dois normativos, o Ministro da Fazenda
baixou as Portarias nºs 78/81, 110/81, 270/81, 252/82 e 176/84. A de
nº 252/82, em seu item I, prorrogou a data de extinção do estímulo em
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comento, ao prescrever:
“I - 0 crédito a que se trata a Portaria nº 78, de 1º de abril de 1981, será de 11%
(onze por cento) até 30 de abril de 1985, extinguindo-se após essa data.”
Já a de nº 176/84, em seu inciso II, previu a extinção em 1º de maio
de 1985, verbis:
“II - A partir de 1º de maio de 1985 fica extinto o crédito a que se refere o item I
da Portaria n. 78, de 1º de abril de 1981.”
À primeira vista, parece ter sido alterada a data fatal de extinção do
crédito-prêmio fixada pelo Decreto-Lei nº 1.658 e mantida pelo Decreto-Lei nº 1.722, ambos de 1979, ou seja, 30 de junho de 1983, passando
para 30 de abril de 1985 ou 1º de maio de 1985.
Ocorre, porém, que o extinto e sempre lembrado Tribunal Federal
de Recursos ao julgar a Argüição de Inconstitucionalidade suscitada na
AC nº 109.896/DF, decidiu, por seu Plenário, que “é inconstitucional o
artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.724, de 07.12.79, que autorizou o Ministro
da Fazenda a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou
restringir os estímulos fiscais de que tratam os artigos 1º e 5º do Decreto-Lei nº 491, de 05.03.69.” (Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro).
Já na Argüição de Inconstitucionalidade na AC nº 111.175/DF o mesmo
colegiado julgou inconstitucional a delegação de competência prevista
no Decreto-Lei nº 1.894, de 1981.
Esta Corte, de igual modo, reconheceu referidas inconstitucionalidades, como se vê do julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade na
AC nº 90.04.11176-0/PR, cujo acórdão restou assim ementado:
“CONSTITUCIONAL. ESTÍMULOS FISCAIS. DECRETO-LEI Nº 491, DE 5 DE
MARÇO DE 1969, ARTIGOS 1º E 5º. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO
1º DO DECRETO-LEI Nº 1.724, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1979, E DO INCISO
I DO ARTIGO 3º DO DECRETO-LEI Nº 1.894, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1981.
1. A autorização dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.724, de 07.12.79, bem
assim a do inciso I do artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.894, de 16 de dezembro de 1981, ao
Ministro da Fazenda para suspender, aumentar, reduzir, temporária ou definitivamente,
ou extinguir os incentivos fiscais, concedidos pelos artigos 1º e 5º do Decreto-Lei nº 491,
de 5 de março de 1969, é inconstitucional por invadir esfera reservada, exclusivamente,
à lei, nos termos do artigo 97, inciso VI do Código Tributário Nacional;
2. Argüição de Inconstitucionalidade acolhida.”(Plenário, Rel. Juiz Paim Falcão,
DJU de 10.06.92, Revista do TRF/4ª, nº 10, 1992, p.40).
356
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Com isso, os atos normativos inferiores, ditados pelo Ministro da
Fazenda com respaldo no artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.724, de 1979, e
no artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.894, de 1981, restaram ineficazes, invalidados, ex tunc, do que decorre a conclusão única que o prazo fatal de
extinção do crédito-prêmio instituído pelo Decreto-Lei nº 491, de 1969,
restou hígido, sua extinção fixada para 30 de junho de 1983, nos termos
do Decreto-Lei nº 1.658 (art. 1º), mantido pelo Decreto-Lei nº 1.722
(art. 3º), ambos de 1979, os quais não mereceram nenhuma declaração
de inconstitucionalidade, mas, ao contrário, produziram toda a eficácia
e validade.
No caso em tela, a autora formulou pedido para auferir os estímulos
fiscais “a partir de janeiro de 1982” (fl. 28). A sentença, por sua vez,
reconheceu o direito pleiteado, nos exatos termos do pedido, ou seja, a
partir de janeiro de 1982. Em sede recursal, o Acórdão de fls. 357 manteve a sentença. Portanto, a decisão trânsita em julgado somente fixou a
data inicial para auferir os estímulos, “janeiro de 1982”, não houve, em
momento algum, a fixação de término. Nessas condições, quanto à data
fatal não houve pronunciamento judicial, não havendo, assim, quanto a
esta parte, nada que esteja coberto pelo manto da coisa julgada.
Nessas condições, possível a discussão dessa questão em embargos
à execução. Foi o que fez a União, e com razão.
Note-se que não se está, aqui, a ferir a coisa julgada, uma vez que o
direito ao crédito-prêmio do IPI continua reconhecido. Ocorre que o feito
deve ser regularmente liquidado. Assim, não pode ser utilizado o critério
da conta homologada (o total do benefício em moeda convencional de
janeiro de 1984 a setembro de 1990), já que o termo final do benefício
ocorreu em 30.06.83.
O reajuste monetário, aliás, a nada mais visa do que manter o valor
real da dívida no decurso do tempo, através da alteração de sua expressão
nominal. Nada acrescenta, porém. É simples reposição do poder aquisitivo da moeda. Desta maneira, descaracteriza-se qualquer sanção ao
devedor. Logo, a utilização de correção monetária é inarredável e traduz
forma lícita e justa de alcançar o maior grau possível de satisfação do
direito tutelado.
É por isso que o cálculo da correção monetária deve ser efetuado
de modo a refletir a efetiva desvalorização da moeda, provocada pelo
357
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
fenômeno da inflação. Nesse contexto, adotar índices que contenham
expurgos ditados pela política governamental não é adequado e implica
redução do valor real da dívida. Por isso, impõe-se a aplicação de índices
que efetivamente afirmam a realidade inflacionária do período, sob pena
de tolerar-se o enriquecimento indevido de uma das partes.
No que se refere aos índices, os Tribunais do país têm reiterada e
uniformemente se pronunciado no sentido da aplicação dos índices IPC
e INPC nos cálculos de liquidação de sentença.
Quanto à correção monetária relativa ao período de março a maio de
1990, de acordo com jurisprudência consolidada da Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça, o fator de correção é o IPC. Nesse sentido,
este Tribunal editou a Súmula n° 37, cujo enunciado transcrevo a seguir:
“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relativos ao IPC de março abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.”
No que tange ao índice de correção monetária do mês de janeiro de
1989, este Tribunal, seguindo orientação da Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça, revisou a Súmula n° 17 e editou a Súmula n° 32,
que dispõe:
“No cálculo da liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72%, relativo
à correção monetária de janeiro de 1989.”
Da mesma forma, a inclusão do INPC é a que melhor reflete a variação
ocorrida no período de março a dezembro de 1991.
Isso posto, dou parcial provimento ao apelo e à remessa oficial, para
fixar o termo final do incentivo de crédito-prêmio do IPI em 30.06.83.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.003101-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki
358
Apelante: Rogério Duro Barreto
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Advogado: Dr. Geraldo Tschoepke Miller
Apelado: Caixa Econômica Federal - CEF
Advogados: Drs. Eberaldo Leo Cestari Junior e outros
EMENTA
Competência. Ação de indenização. Justiça do trabalho.
Conforme preceitua o art. 114 da Constituição Federal, são de competência da Justiça do Trabalho as causas em que, em decorrência de
vínculo laboral, se postula indenizações, não importando a natureza civil
do pedido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, declarar, de ofício, a incompetência da Justiça
Federal, com conseqüente anulação da sentença recorrida, e a remessa dos
autos à Justiça do Trabalho, nos termos do relatório e notas taquigráficas
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de novembro de 2000.
Juiz Teori Albino Zavascki, Relator.
QUESTÃO DE ORDEM
O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki: Suscito questão de ordem
para que se decida a respeito da competência para o julgamento da causa.
Trata-se de demanda movida por empregado da Caixa Econômica Federal, postulando indenização por danos materiais e morais e pagamento de
assistência médica, proveniente de lesões por esforços repetitivos (LER)
sofridas no desempenho das atividades funcionais. É o breve relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki: Segundo o artigo 114 da
Constituição, “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar dissídios
individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos
os entes de direito público externo e da administração pública direta e
indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
359
na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho,
bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito desse dispositivo é no sentido de considerar da competência da Justiça do Trabalho
qualquer dissídio entre empregado e empregador que tenha origem ou que
guarde relação com o contrato de trabalho, mesmo que se trate de controvérsia para cuja solução se deva aplicar as normas de direito comum,
não trabalhista. Assim, por exemplo, o STF considera da competência
da Justiça Trabalhista a causa em que o reclamante postula indenização
por dano moral por imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo
empregador a pretexto de justa causa para a sua despedida (RE 238737,
1ª Turma, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 05.02.99, p. 47, com a seguinte ementa: “Justiça do Trabalho. Competência. Ação de reparação
de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador
pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim
decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia
ser dirimida à luz do Direito Civil”.).
Com base nessa mesma linha de entendimento, o STJ considera da
competência trabalhista também as causas fundadas em responsabilidade
civil, movidas pelo empregador contra o empregado em decorrência de
atos que tenham relação de pertinência com o vínculo empregatício (CC
22327, 2ª Seção, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 29.11.99,
p. 118, com a seguinte ementa: “Conflito de competência. Ação de indenização. Paralisação de empregados. 1. A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação de responsabilidade civil proposta
por empregador contra ex-empregados em decorrência de abusos e de
ilícitos civis praticados durante paralisações no serviço. Precedente do
STF (RE nº 238.737-4/SP, 1ª Turma ). 2. Conflito conhecido para declarar
a competência da Justiça do Trabalho”.).
Ora, no caso concreto, tem-se presente demanda promovida por
empregado da Caixa Econômica Federal contra a sua empregadora,
pleiteando indenização por danos à saúde (lesões por esforços repetitivos – LER) e morais sofridos por ocasião e em função das atividades
laboratícias e imputados a ato culposo da empregadora. Busca-se, em
suma, o ressarcimento de danos cuja causa está diretamente relacionada
360
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
com o contrato de trabalho e o exercício da função. É, portanto, causa
entre empregado e empregador enquadrável na competência da Justiça
do Trabalho, segundo o artigo 114 da Constituição.
Ante o exposto, resolvo a questão de ordem, no sentido de declarar, de
ofício, a incompetência da Justiça Federal, com a conseqüente anulação
da sentença recorrida e a determinação da remessa dos autos a uma das
varas trabalhistas de Porto Alegre, onde reside o demandante.
É o voto.
AGRAVO REGIMENTAL NA AR Nº 2000.04.01.034264-3/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu
Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Marcia Pinheiro Amantea
Agravada: V. Decisão da fl. 243
Autora: Maria das Dores Silva
Advogados: Drs. Zaqueu Sutil de Oliveira e outro
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
361
EMENTA
Processual Civil. Ação rescisória. Prazo para contestação. Inaplicabilidade do art. 188 do CPC.
1. A regra prevista no art. 188 do CPC, de dilação dos prazos processuais nela previstos, é aplicável apenas aos chamados prazos legais,
previstos em lei, e não aos judiciais, como ocorre na ação rescisória.
2. Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos
termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de novembro de 2000.
Juiz Nylson Paim de Abreu, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu: Trata-se de ação rescisória,
com pedido de antecipação de tutela, objetivando desconstituir o v. acórdão proferido pela Egrégia 6ª Turma deste Tribunal, que deu provimento
à apelação e à remessa oficial para julgar improcedente o seu pedido de
aposentadoria rural por idade.
Por meio da decisão da fl. 243, foi determinado o desentranhamento
da contestação dos autos, em face da sua intempestividade, juntando-se-a por linha.
Irresignado com tal decisão, o INSS interpôs agravo regimental. Em
suas razões, sustenta que a tempestividade da contestação, a teor do
disposto no art. 188 do CPC. Traz à colação jurisprudência que ampara
a sua tese e requer seja procedido o regular processamento daquela peça.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu: Trata-se de ação rescisória,
com pedido de antecipação de tutela, objetivando desconstituir o v. acór362
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
dão proferido pela Egrégia 6ª Turma deste Tribunal, que deu provimento
à apelação e à remessa oficial para julgar improcedente o seu pedido de
aposentadoria rural por idade.
Examinando os autos, verifica-se que, intimado o réu para apresentar
resposta, no prazo de trinta dias, fê-lo intempestivamente, porquanto, iniciado o prazo em 31.05.2000 (fl. 234), a peça contestatória foi protocolada
na Secretaria do Plenário e das Seções deste Tribunal somente no dia
29.08.2000 (fl. 237), razão pela qual determino o seu desentranhamento
dos autos, juntando-se-a por linha.
Em seu recurso, a Autarquia-ré invoca o disposto no art. 188 do CPC.
Entrementes, o disposto naquela norma processual é aplicável apenas
aos prazos legais, isto é, os previstos na própria lei, e não aos prazos
judiciais, fixados pelo Juiz, dentro de um mínimo e um máximo, como
ocorre na ação rescisória.
Nesse sentido, preleciona José Carlos Barbosa Moreira:
“O prazo para a resposta, fixado pelo relator, entre 15 e 30 dias, obedece às normas comuns no que diz respeito à contagem, suspensão, prorrogação, restituição etc.
Incide, quanto ao dies a quo, o art. 241, nºs I a V. Será comum o prazo aos eventuais
litisconsortes passivos, mas contar-se-á em dobro se tiverem procuradores diferentes
(arts. 298, caput, e 191). Entendemos inaplicável o art. 188, que somente concerne
aos prazos legais, não aos judiciais.” (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio
de Janeiro: Forense, 1998, p. 190 – grifado)
Na trilha do mesmo entendimento, colaciona-se excerto da decisão
proferida no Ag. Reg. em AR 67.018-1/SP:
“(...)
É tranqüilo o entendimento na doutrina e na jurisprudência que a aplicabilidade
de tal regra não se limita ao procedimento ordinário, aplicando-se, em princípio, aos
procedimentos especiais. As exceções são conhecidas, ação popular onde o prazo é
sempre de vinte dias, por força da regulamentação específica prevista na Lei 4.717/65.
Entre as exceções inclui-se a ação rescisória. Entendimento em contrário implicaria
inobservância do disposto no art. 491 do estatuto processual civil regra dirigida ao
Juiz-Relator, onde se dispõe que o Relator mandará citar o réu assinando-lhe o prazo
nunca inferior a quinze dias nem superior a trinta dias, para responder aos termos da
ação. Destarte, admitir-se a regra do art. 188 nas ações rescisórias implicaria na inobservância da regra do art. 491 que tem o Juiz-Relator como destinatário. É princípio
elementar de hermenêutica que quando dois dispositivos aparentemente conflitam deve
procurar o intérprete harmonizá-los e isso só se torna possível se entender-se que o
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
363
prazo para rescisório jamais poderá ser superior a trinta dias.
Mas não é só. Como bem anotou Barbosa Moreira em aresto do qual foi Relator (RT
547/178), embora o texto do art. 188 não estabeleça em termos expressos a distinção,
o que se deve entender é que a dilatação especial nele prevista apenas vale para os
prazos denominados legais, isto é, fixados na própria lei.
Não abrange aqueles outros, cuja fixação se deixou ao critério do órgão judicial, dentro de limites mínimo e máximo, como se verifica quanto à resposta na ação rescisória.
(...)” (Ação rescisória II – jurisprudência brasileira. Curitiba: Juruá, 1997, p.334)
Nessas condições, mantenho a decisão agravada, que determinou o
desentranhamento da contestação dos autos, em face da sua intempestividade, juntando-se-a por linha.
Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo
regimental.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AC
Nº 2000.04.01.124187-1/SC
364
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia
Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Paulo Delcio Torres Costa
Embargados: Manoel Antonio Correa e outros
Advogado: Dr. Erickson Silveira de Souza
EMENTA
Embargos declaratórios. Omissão. Inexistência.
1. Em não ocorrendo qualquer dos requisitos estabelecidos em lei
para a interposição de embargos de declaração, devem os mesmos ser
improvidos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos de declaração, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de fevereiro de 2001.
Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia: Trata-se de embargos
declaratórios opostos pelo INSS contra acórdão da 5ª Turma deste Tribunal que, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de apelação.
O acórdão embargado foi assim ementado:
“PRECATÓRIO COMPLEMENTAR. JUROS DE MORA.
- São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório complementa, vedado o cômputo de juros sobre juros.”
Em suas razões, o embargante afirma que o colegiado não enfrentou
a questão da incidência dos juros no precatório complementar frente ao
art. 100 da Constituição Federal, deixando de prequestionar a matéria, o
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
365
que caracterizaria omissão no acórdão. Alega que os precedentes jurisprudenciais que deram origem à Súmula nº 52 desta Corte não contêm
debate da questão constitucional envolvida, limitando a examinar apenas a incidência da mora nos termos do Código Civil. Requer seja dado
provimento aos embargos “para que fique explícito na fundamentação
que a Turma, na questão de fundo, nega provimento ao recurso, por
entender compatível a incidência de juros, derivados de mora, com o
estrito cumprimento do disposto no art. 100 da Constituição Federal”.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia: Tenho que não merecem prosperar os presentes embargos de declaração. Inexistem obscuridade, contradição e/ou omissão a serem supridas na forma do disposto
no artigo 535 do CPC.
Com efeito, constando da decisão razões de decidir que não correspondem ao entendimento do embargante, mas estando a mesma suficientemente fundamentada, não se lhe pode atribuir a condição de omissa.
A intenção maior do legislador ao elaborar o artigo 458 do Código
de Processo Civil é, justamente, de que a decisão seja motivada, como
se vê da passagem a seguir transcrita:
“De acordo com o comando preconizado no CPC, art. 458, a decisão judicial de
mérito pode ser concisa, mas não desmotivada, eis que o fundamento da sentença é a
garantia do juiz contra duas pechas que se lhe possam atribuir: o arbítrio e a parcialidade.” (STJ, 1ª Turma, REsp 152288, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 15.03.93,
p. 3784, in Código de Processo Civil Comentado e Legislação processual em vigor,
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, RT, 3ª edição).
Portanto, não é necessário ao julgador enfrentar os dispositivos legais
citados pela parte ou obrigatória a menção dos dispositivos legais em que
fundamenta a decisão, desde que enfrente as questões jurídicas postas
na ação e fundamente, devidamente, seu convencimento.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça como
se vê das ementas a seguir transcritas:
“A nulidade do julgamento por omissão tem por pressuposto a necessidade de a
Câmara pronunciar-se sobre o ponto. Se a fundamentação da conclusão a que chegou
independe do enfrentamento dos dispositivos legais citados pela parte, inexiste omissão
366
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
sanável através de embargos de declaração.” (REsp 88365-SP, STJ, 4ª Turma, DJU
17.06.96, p. 21497)
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL NO QUAL SE ALEGA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 458 E 535 DO CPC, POR TER O TRIBUNAL DE APELAÇÃO
MENCIONADO EXPRESSAMENTE O DISPOSITIVO LEGAL A SER SUSCITADO
NO RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DO ACÓRDÃO: NÃO-OCORRÊNCIA, JÁ
QUE A QUESTÃO FEDERAL FOI APRECIADA E SOLUCIONADA. RECURSO
NÃO CONHECIDO.
1. Não há que se falar em ofensa aos arts. 458 e 535 do CPC, se o Tribunal de
segundo grau apreciou e solucionou a questão federal posta na apelação, embora não
tenha feito menção expressa ao respectivo dispositivo legal, o que é desnecessário para
o cumprimento do requisito de admissibilidade do prequestionamento.
2. O Tribunal de apelação não está obrigado a fazer menção expressa aos dispositivos legais invocados pelo apelante. Basta que aprecie e solucione as questões federais
insertas nos artigos citados pelo recorrente, com o que estará satisfeito o requisito do
prequestionamento.
3. Recurso especial não conhecido. (REsp 130031-SP, STJ, 2ª Turma, Rel. Min.
Adhemar Maciel, DJU 29.09.97)
Ainda nesse sentido a passagem a seguir transcrita, in verbis:
“SENTENÇA - Requisito - Dispositivo - Conceito - Conclusão ou decisão - Parte
Final da sentença e não referência ao artigo legal no qual se funda - Omissão afastada.” (AC nº 224.575-2 - TJSP - 14ª Câmara Cível, Rel. Mathias Coltro, JTJ 155/122)
Ademais, na lição de Athos Gusmão Carneiro, in AJURIS nº 65,
desnecessário o esgotamento de todas as argumentações das partes, não
podendo o julgador, isto sim, omitir-se sobre o pedido, como se vê da
passagem a seguir transcrita:
“O juiz, por certo, não está adstrito a responder, um a um, os argumentos das partes;
tem o dever, contudo, de examinar as questões(= pontos controvertidos), todas elas que
possam servir de fundamento essencial à acolhida, total ou parcial, ou à rejeição, no
todo ou em parte, do pedido formulado pelo demandante. No magistério de Egas Moniz
de Aragão, ‘sejam preliminares ou prejudiciais, processuais ou de mérito, o Juiz tem de
examinar e julgar todas as questões da lide trazidas à sua apreciação. Se não o fizer, a
sentença estará incompleta’ (Sentença e Coisa Julgada, Ed.AIDE, 1992, n° 75, p.103).”
No mesmo sentido, a jurisprudência como se vê das ementas a seguir
transcritas:
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
367
“A nulidade do julgamento por omissão tem por pressuposto a necessidade de a
Câmara pronunciar-se sobre o ponto. Se a fundamentação da conclusão a que chegou
independe do enfrentamento dos dispositivos legais citados pela parte, inexiste omissão
sanável através de embargos de declaração.” (REsp 88365-SP, STJ, 4ª Turma, DJU
17.06.96, p. 21497)
“O Juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já
tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos
fundamentos indicados por elas tampouco a responder um a um todos os seus argumentos.” (RJTJESP 115/207)
No caso em apreço, o aresto embargado foi claro ao estabelecer suas
razões de decidir, verbis: “A discussão sobre a aplicação de juros de
mora na conta de atualização está encerrada com a edição da Súmula
nº 52, deste Tribunal, reconhecendo que ‘são devidos juros de mora na
atualização da conta objeto de precatório complementar’.”
Não merece, portanto, qualquer reparo o acórdão prolatado, porque
inocorrente qualquer dos requisitos estabelecidos em lei para a interposição de embargos de declaração, não tendo havido, no acórdão embargado, qualquer omissão, obscuridade ou contradição, nem mesmo as
circunstâncias especiais para admiti-lo.
Em face do exposto, não estando presentes os requisitos elencados no
art. 535 do Código de Processo Civil, nego provimento aos embargos
de declaração.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.124254-1/RS
368
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki
Agravantes: Adão Camargo e outros
Advogados: Drs. Marcelo Lipert e outros
Agravada: União Federal
Advogado: Dr. Luís Inácio Lucena Adams
EMENTA
Honorários advocatícios. Não-cabimento. Execução de quantia certa
contra a fazenda pública.
Nas execuções de quantia certa contra a Fazenda Pública não embargadas, são indevidos honorários advocatícios, porquanto a devedora está
impedida de cumprir espontaneamente a prestação a que foi condenada,
só podendo fazê-lo por via judicial e mediante expedição de precatório.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 06 de fevereiro de 2001.
Juiz Teori Albino Zavascki, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki: Cuida-se de agravo de instrumento contra decisão que, em execução de sentença proveniente de
ação civil pública contra a União, fixou os honorários advocatícios em
R$ 1.000,00 (fl. 31).
Sustentam os agravantes que o valor arbitrado a título de honorários
advocatícios é irrisório em relação ao valor da execução, não atendendo
ao zelo empenhado pelos patronos da causa, e tampouco aos critérios que
o magistrado deve se ater, constantes no art. 20, § 4º, do CPC.
Com contraminuta (fls. 44 a 49).
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
369
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Teori Albino Zavascki: Ao que se depreende dos autos, os agravantes propuseram contra a União ação de execução visando
ao pagamento de diferenças de vencimentos (28,86%) reconhecidas em
sentença proferida em ação civil coletiva, promovida pelo Ministério
Público, e requereram, também, a fixação de honorários advocatícios (fl.
12), pedido que foi deferido pela decisão agravada, arbitrados no valor
de R$ 1.000,00 (fl. 31).
Entretanto, os agravados, inconformados pela quantia fixada, agravaram da decisão requerendo a elevação da verba honorária.
Sobre o cabimento ou não de honorários advocatícios em execução
fundada em título judicial, há precedente da Turma, do qual fui relator,
que restou assim ementado:
“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL.
CABIMENTO. EXCEÇÕES. 1. Nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC, são devidos,
em regra, honorários advocatícios nas ações de execução fundadas em título judicial,
mesmo não embargadas. 2. Excetuam-se da regra apenas algumas situações peculiares, em que (a) o devedor está impedido de cumprir espontaneamente a prestação a
que foi condenado (execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, que, nesses
casos, não pode pagar senão por via de precatório), ou em que (b) o devedor não está,
ainda, obrigado a cumprir espontaneamente a prestação (execução provisória)” (AI
2000.04.01.27895-3, julgado em 11.05.2000).
No caso concreto, tem-se presente a primeira exceção, ou seja, a
hipótese em que o devedor está impedido de cumprir espontaneamente
a prestação a que foi condenado.
Assim, atento para a vedação de reformatio in pejus, nego provimento
ao agravo, mantendo íntegra a decisão recorrida.
É o voto.
370
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2000.04.01.132614-1/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu
Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Rossano Braga
Agravado: Adão Gilberto Batista
Advogado: Dr. Joaquim Carlos Carvalho
EMENTA
Processual Civil e Previdenciário. Agravo de instrumento. Realização de perícia médica para apreciação do pedido de tutela antecipada.
Momento processual.
1. Nas ações em que se objetiva a aposentadoria por invalidez ou
auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com
base em prova pericial.
2. Poderá o magistrado determinar a realização de perícia médica
antes da fase probatória a fim de certificar-se da verossimilhança da
alegação, considerando a urgência para prestação jurisdicional, usando
do permissivo do art. 130 do CPC, que dispõe: “Caberá ao juiz, de
ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à
instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente
protelatórias.”
3. Agravo de instrumento improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2001.
Juiz Nylson Paim de Abreu, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu: Trata-se de agravo de ins371
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
trumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão
que determinou a realização de perícia médica a fim de possibilitar a
apreciação do pedido de antecipação de tutela (fl. 17).
Em suas razões recursais, o INSS sustenta que a decisão foi proferida
com ofensa ao rito ordinário, pois determinou a realização de perícia
antes que houvesse a citação válida ou qualquer manifestação da parte-ré. Invoca o art. 331, § 2º, do CPC e assevera que somente se houvesse
a parte-autora ajuizado uma medida cautelar preparatória ou incidental
é que se justificaria a produção de prova pericial antes do oferecimento
da contestação.
O pedido de efeito suspensivo, postulado liminarmente na inicial, foi
deferido (fls. 20-21).
O agravado apresentou contraminuta às fls. 26-28.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Nylson Paim de Abreu: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão
que determinou a realização de perícia médica a fim de possibilitar a
apreciação do pedido de antecipação de tutela.
É sabido que o deferimento da antecipação de tutela pressupõe a
verossimilhança da alegação e o periculum in mora, impondo-se, para
tal fim, a existência de prova inequívoca que convença o magistrado da
necessidade do provimento antecipatório.
A propósito da matéria, preleciona o jurista Athos Gusmão Carneiro:
“(...)
Conforme Cândido Rangel Dinamarco, a aparente contradição entre as expressões
‘prova inequívoca’ e ‘verossimilhança’, conjugadas no art. 273, resolvem-se pela adoção de um juízo e probabilidade, menos do que de certeza, mais do que um de simples
credibilidade: ‘a exigência de prova inequívoca significa que a mera aparência não
basta e que a verossimilhança exigida é mais do que o fumus boni iuris exigido para
a cautela tutelar’ (A Reforma do CPC, 4ª ed., Ed. Malheiros, nº 106, p. 145). Segundo
Calmon de Passos, ‘prova inequívoca é aquela que possibilita uma fundamentação
convincente do magistrado’ (in Reforma do CPC, cit., p. 195).
(...)
A nós parece que a ‘inequivocidade’ da prova significa sua plena aptidão para
produzir no espírito do magistrado o ‘juízo de verossimilhança’, capaz de autorizar
372
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
a antecipação da tutela. No magistério preciso de Luiz Guilherme Marinoni, a prova
inequívoca a que se refere o art. 273 somente pode ser entendida como ‘a prova suficiente para o surgimento do verossímil’, embora ainda não suficiente para a declaração
da existência ou não do direito (A antecipação da tutela, cit., p. 155).
E que provas são estas? Se o pedido de antecipação de tutela for apreciado limine
litis, será tomada em consideração, normalmente, a prova documental apresentada
pelo autor com a inicial (CPC, art. 283); excepcionalmente, provas efetuadas ad perpetuam, justificações prévias, testes de DNA, pareceres de especialistas no objeto da
lide.” (Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.
22-23 - grifado)
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373
Branca
374
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DIREITO TRIBUTÁRIO
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375
Branca
376
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 1999.04.01.038302-1/RS
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Tania Escobar
Apelante: Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados
no Estado do Rio Grande do Sul
Advogados: Drs. Cláudio Antônio Cassou Barbosa e outros
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Dr. Cezar Saldanha Souza Junior
EMENTA
Tributário. Imposto de Renda. Abono salarial. Incidência.
1. A essência imediata e efetiva do fato gerador do imposto sobre a
renda continua sendo a possibilidade da fruição do bem, ou a disponibilidade econômica ou jurídica do bem, que é justamente a renda, implicando
esta um acréscimo, uma efetiva mais-valia patrimonial, resultante do
capital, do trabalho, ou da combinação de ambos (artigo 43 do CTN).
2. O abono pago aos trabalhadores gera acréscimo patrimonial,
porquanto se configura como um verdadeiro prêmio, uma gratificação.
Somente num determinado mês, como no caso, mas gera acréscimo patrimonial. Não indeniza, não repõe o patrimônio diante de um fato que dê
ensejo a indenizações trabalhistas, não é uma verba para o trabalho, mas
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
377
pelo trabalho; é uma parcela - assim como o reajuste - que foi livremente
negociada dentro da constância do contrato de trabalho.
3. O que não se admite é tentar dar natureza indenizatória ao que
indenização não é, embora ao salário não se incorpore. Adotado outro
pensamento, bastaria que qualquer parcela paga a título gracioso estivesse revestida da expressão “reposição da inflação”, “indenização” ou
“abono” para que sobre ela não incidisse tributação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do
relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 04 de maio de 2000.
Juíza Tania Escobar, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Tania Escobar: Adoto o relatório da sentença,
assim redigido pela juíza a quo:
“Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados no Estado do Rio Grande
do Sul impetra mandado de segurança contra ato reputado ilegal e abusivo atribuído ao
Delegado da Receita Federal em Porto Alegre, visando a impedir a retenção de imposto
de renda sobre o abono pactuado para o acordo coletivo 1998/1999, a ser pago no mês
de setembro de 1998.
Sustentando sua legitimidade a postular pela categoria na qualidade de substituto
processual, diz ser filiado à Central Única dos Trabalhadores e à Federação Nacional
dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática
e Similares - FENADADOS, representando os trabalhadores da categoria no Estado
do Rio Grande do Sul.
Narra que restou previsto no Acordo Coletivo firmado entre os representantes dos
empregados e a DATAPREV a viger entre 01.05.98 e 30.04.99, o pagamento de abono
salarial indenizatório não incorporável, correspondente a 40% (quarenta por cento) do
respectivo salário-base constante na tabela salarial de abril de 98 e sobre o valor do
anuênio daquele mês, a todos os empregados admitidos até 30.04.98, independentemente
do respectivo nível salarial, incidindo também o referido percentual sobre a parcela
referente à função de confiança ou função gratificada exercida em abril de 1988, abono
este a ser pago em 02.09.98.
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Afirma que o reajuste recebido, de apenas 1,5%, demonstra o porquê do caráter
indenizatório do abono, destinado a minorar a perda ocasionada no período, pois
a inflação entre 01.05.97 e 30.04.98 foi de 4,50% segundo o IGGP/DI e de 4,95%
segundo o IGP/M, ambos índices da Fundação Getúlio Vargas, salientando que os
substituídos no processo somente poderão discutir novo reajuste salarial a partir da
data-base de 01.05.99.
Sustenta que o abono recebido não constitui renda (acréscimo patrimonial) para fins
de tributação, já que houve, tão-somente reparação de um dano sofrido.
Argumenta com o princípio constitucional da capacidade contributiva, inserto no
art. 145, §1º, da CF/88 e com o princípio da vedação do confisco.
Requer a concessão de liminar e da segurança para garantir o direito líquido e certo
dos trabalhadores da DATAPREV ao não recolhimento e não pagamento do imposto
sobre renda referente ao abono pactuado para o acordo coletivo.
Instruem a inicial procuração e documentos (fls. 12/47).
Determinada a intimação do impetrante para que comprovasse a homologação do
acordo coletivo pela Justiça do Trabalho, manifestou-se às fls. 50/51, dizendo que o
acordo estava em fase de redação final e recolhimento de assinaturas, para posterior
homologação perante o Ministério do Trabalho, na forma facultada pelos arts. 611 e
segs. da CLT e art. 7º, XXVI, da CF/88.
Indeferida a liminar no despacho das fls. 52/53, foi autorizado o depósito, cumprido
parcialmente em relação ao imposto de renda incidente sobre o pagamento efetuado
em 21.09.98, já que quanto ao abono pago no dia 02.09.98, o recolhimento ocorreu
em data anterior à intimação judicial (informes fls. 56/63).
Expedida notificação ao Delegado da Receita Federal (fl.55), apresentou informações às fls. 64/67, sustentando que a verba recebida pelos empregados da DATAPREV
a título de abono constituem tipo especial de salário e, portanto, destituídas de caráter
indenizatório, por não serem destinadas a ressarcir qualquer espécie de dano. Diz que
o acordo coletivo tem a natureza de convenção particular, cujos efeitos não podem ser
opostos à Fazenda Pública, consoante o disposto nos arts. 118 e 123 do CTN. Por fim,
ressalta que a outorga de isenção somente pode acontecer por lei, na forma do art. 111
do CTN e as únicas hipóteses legais que excluem verbas trabalhistas de tributação na
fonte, nenhuma tratando sobre as verbas em questão são as constantes do art. 60, IV
e V, da Lei 7.713/88; do art. 28, Parágrafo único, da Lei 8.036/90; do Regulamento
do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto nº 1.041/94, art. 40, XVII e XVIII; dos
arts. 477 e 499 da CLT; do art. 9 da Lei 7.238/84 e da Lei 5.107/66, alterada pela Lei
8.036/90 (FGTS).
O Ministério Público Federal apresentou parecer às fls. 68/70, opinando pela denegação da segurança, visto que a natureza jurídica do abono avençado no Acordo Coletivo
de Trabalho é salarial e não indenizatória, consoante o disposto no parágrafo 1º do art.
457 da CLT, incidindo, assim, a regra do caput do art. 43 do CTN.”
Sentença denegando a segurança.
Apelo do impetrante.
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Sem contra-razões da União.
Parecer do Ministério Público Federal opinando pelo desprovimento
do recurso.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Tania Escobar: O abono é pago de forma aleatória,
e não se incorpora ao salário; não porque as partes assim convencionaram,
mas por sua própria natureza. O abono gera um aumento nos ganhos do
empregado somente no mês em que é pago. É um plus que não se dilui
no salário. Só se integra ao salário se pago por vários meses seguidos.
O pagamento do abono, então, é um pagamento aleatório, verdadeiro
benefício concedido aos trabalhadores, não integrando os seus salários
para os efeitos da legislação do trabalho e da Previdência Social, conforme expresso no artigo 144 da CLT.
Por outro lado, como dito na sentença, o abono possui natureza salarial,
como explicitado no § 1º do artigo 457 da CLT:
“Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo
empregador.”
Aliás, segundo Amauri Mascaro do Nascimento, o abono “No sentido
vulgar significa adiantamento em dinheiro. No sentido jurídico quer
dizer antecipação salarial”.
Contudo, uma situação é a legislação trabalhista e previdenciária,
e outra, a legislação tributária. Para a legislação tributária, a essência
imediata e efetiva do fato gerador do imposto sobre a renda continua
sendo a possibilidade da fruição do bem, ou a disponibilidade econômica ou jurídica do bem, que é justamente a renda, implicando esta um
acréscimo, uma efetiva mais-valia patrimonial, resultante do capital, do
trabalho, ou da combinação de ambos (artigo 43 do CTN).
É, pois, dentro desse limite que se deve objetivamente inserir a lei,
ou que deve o intérprete procurar inserir o seu alcance, para que não se
deturpem a Constituição e a lei complementar que admite a tributação,
a título de imposto de renda, apenas sobre o acréscimo patrimonial.
Assim, cumpre questionar quando o fato gerador do imposto de ren380
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
da não ocorre. Parece-me claro que é quando não estiver configurada
a efetiva mais-valia patrimonial, e uma das situações recorrentes nos
tribunais é a verba indenizatória no âmbito trabalhista.
No caso, tenho que o abono pago aos trabalhadores gera acréscimo
patrimonial, porquanto se configura como um verdadeiro prêmio, uma
gratificação. Somente num determinado mês, como no caso, mas gera
acréscimo patrimonial. Não indeniza, não repõe o patrimônio diante de
um fato que dê ensejo a indenizações trabalhistas, não é uma verba para o
trabalho, mas pelo trabalho; é uma parcela - assim como o reajuste - que
foi livremente negociada dentro da constância do contrato de trabalho.
O que não se pode é tentar dar natureza indenizatória ao que indenização não é, embora ao salário não se incorpore. Adotado outro pensamento, bastaria que qualquer parcela paga a título gracioso estivesse
revestido da expressão “reposição da inflação”, “indenização” ou “abono”
para que sobre ela não incidisse tributação, o que é inadmissível.
Nesse sentido:
“Ementa
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – IMPOSTO DE RENDA – ABONO SALARIAL – DISSÍDIO COLETIVO – SUBSTITUIÇÃO DE REAJUSTE – INCIDÊNCIA.
1. O fato gerador do IMPOSTO de RENDA é a disponibilidade econômica e/ou
jurídica de RENDA ou proventos de qualquer natureza (art. 43, I e II, do CTN).
2. O ABONO pago em substituição a reajuste pleiteado, obtido através de acordo
coletivo e com a finalidade de quitar diferenças salariais, tem a mesma natureza da
verba que se visa substituir, sendo devido o IMPOSTO de RENDA.
3. Não configuradas as hipóteses definidas no art. 6º da Lei nº 7.713/88.
4. Negar provimento à apelação.” (Decisão unânime da 4ª Turma do TRF 1ª REGIÃO na AMS 1999.010.00.38717-6/BA. DJ de 25.08.2000, pág. 257. Relator Juiz
Mário César Ribeiro).
“Ementa
TRIBUTÁRIO. ABONO ANUAL. NATUREZA. INCIDÊNCIA. IMPOSTO DE
RENDA. O ABONO concedido por ocasião de ACORDO coletivo, configura claro
aumento patrimonial, pois, é valor que substitui o reajuste salarial, tendo o mesmo
caráter. Deste modo, sendo o ABONO concedido, de natureza salarial, sobre este
incide IMPOSTO de RENDA.” (Decisão unânime da 1ª Turma do TRF 4ª REGIÃO
na AMS nº 1999.71.10.006335-4/RS. DJU de 15.07.2000, pág. 37, Relator Juiz Guilherme Beltrami).
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 1999.04.01.091497-0/PR
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Maria Isabel Pezzi Klein
Relator p/Acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti
Apelante: Cia. Paranaense de Energia - Copel
Advogado: Dr. Delvani Alves Leme
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogada: Dra. Maria de Fatima Carneiro Bianeck
EMENTA
Bolsa de estudo – Contribuição previdenciária – Não-incidência.
Sobre valores pagos aos empregados a título de bolsa de estudo não
incide contribuição previdenciária, pois a vantagem não possui caráter
remuneratório, constituindo-se simplesmente, num incentivo ao trabalhador.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a Juíza-Relatora, dar provimento ao recurso, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de outubro de 2000.
Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, Relator p/Acórdão.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Maria Isabel Pezzi Klein: A parte-autora, Companhia Paranaense de Energia - COPEL -, foi autuada, pela Fiscalização
do INSS, face ao não-recolhimento de contribuições previdenciárias,
incidentes sobre remuneração, paga, a seus empregados, a título de “bolsa
de estudo de 2º Grau”. Os débitos tributários referem-se às competências
de dezembro de 1987, janeiro de 88, e março de 1988 a junho de 1991.
Inconformada, com a exigência tributária, a Autora propôs a presente
ação anulatória de débito fiscal, visando a desconstituir as notificações
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fiscais de lançamento de débitos (NFLDs 31.483.904-6, e 31.483.921-6).
Argumenta, basicamente, que os valores pagos, aos seus empregados, a
título de “bolsa de estudos de 2º Grau” não têm natureza remuneratória,
mas, sim, a de ressarcimento, portanto não integrariam o salário-de-contribuição, para o efeito de incidência de contribuição previdenciária.
A Sentença julgou improcedente a ação anulatória de débito fiscal,
mantendo os lançamentos tributários “de ofício”, ao argumento de que
as verbas, a título de “bolsas de estudo” compõem o chamado salário
indireto, integrando o salário-de-contribuição (portanto, alvo de incidência tributária).
A parte-autora apelou, repisando os argumentos da inicial, de que a
“bolsa de estudos de 2º grau” possui natureza indenizatória, não podendo
ser incorporada, ao salário-de-contribuição, para fins da incidência da
contribuição sobre a folha de salários. Contra-razões.
Subiram os autos, a esta Corte, por força do recurso voluntário.
É o Relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Maria Isabel Pezzi Klein: Os débitos consolidados
se referem a competências submetidas ao Decreto 89.312/84.
O art. 135, I, define o conceito de salário-de-contribuição, como a
remuneração, efetivamente, recebida, a qualquer título. E, no art. 136
elenca os valores que ficam fora desta base de cálculo da contribuição
previdenciária. A discutida “bolsa de estudos de 2º Grau” não faz parte
do rol dos excluídos. Resta perguntar se a “bolsa de estudos” não teria
natureza de ressarcimento, ou de indenização. A resposta é negativa, pois
não se trata de recomposição do patrimônio do trabalhador, face a perdas
(por danos), ou gastos (com o exercício da profissão).
Pelo contrário, as verbas constituem acréscimo patrimonial, ao seu
salário, pois o trabalhador deixa de desembolsar numerário, para custear
seus estudos, diante do auxílio financeiro.
Esta nobre 1ª Turma do TRF 4ª R., já firmou seu entendimento, ao
reconhecer o reembolso de mensalidades escolares, como modalidade
de remuneração indireta (DJ 17.12.97, p. 110746).
Nem mesmo se pode alegar que tais pagamentos seriam eventuais.
Ao contrário, duram toda a seriação, que é longa.
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A ação fiscal que culminou com as NFLD’s indicadas, não merece
reparos. Sentença mantida.
Ante o Exposto, conheço da Apelação do Autor, negando provimento,
nos termos da fundamentação.
É o Voto.
VOTO DIVERGENTE
O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti: A Consolidação das
Leis do Trabalho estabelece que remuneração, além do salário, é tudo
que se paga ao empregado como contraprestação de serviço. Diz o § 1º
do art. 457: “Integram o salário, não só a importância fixa estipulada,
como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias
para viagens e abonos pagos pelo empregador”.
Até aqui, data venia, não vejo onde incluir como verba remuneratória
a bolsa de estudo que a empresa paga a seus empregados. O art. 458 da
CLT vai além, dizendo que: “Compreendem-se no salário, para todos os
efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações
in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer
habitualmente ao empregado”.
Não me parece – até aqui, pelo menos – que bolsa de estudo seja
algo que a empresa forneça habitualmente ao empregado. Ela a fornece
enquanto o empregado estiver estudando. Terminado o estudo, termina
a bolsa de estudo. Da mesma forma, eminente Relatora, o art. 28 da
Lei nº 8.212, que trata explicitamente, especificamente do salário-de-contribuição, diz que se entende por salário-de-contribuição os ganhos
habituais do empregado. E, repito, a bolsa de estudo só vige enquanto o
empregado está estudando, não é algo que se pague habitualmente, ou
seja, continuadamente ao empregado.
Além disso, a referida Lei nº 9.528, que deu nova redação ao art. 28,
§ 9º, t, da Lei nº 8.212, diz textualmente que: “O valor relativo a plano
educacional que vise ao ensino fundamental e a cursos de capacitação e
qualificação profissionais vinculados às atividades desenvolvidas pela
empresa ... não se integram ao salário-de-educação”. Aqui se poderia
incluir essa bolsa de estudo, mas o óbice, a discussão, se bem entendi, o
argumento contrário é o de que a bolsa de estudo se destina à formação
geral do trabalhador, e não é algo especificamente vinculado aos objetivos
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da empresa. Se for uma capacitação voltada aos objetivos da empresa
mais excluída estará ainda, por força desse dispositivo legal, do conceito
de remuneração, que vai servir de base para o salário-de-contribuição.
Além de todas essas considerações, nobre Relatora, de cunho estritamente legal, teria um outro argumento – mais intuitivo do que jurídico,
embora com algum fundo de Direito, penso eu: a bolsa de estudo – já
repeti mais de uma vez – não se integra à remuneração do empregado.
Tanto é verdade que, terminando o curso, cessa a bolsa, e o empregado
não tem direito a manter aquela suposta verba remuneratória. Se a bolsa
fosse remuneração, esta não poderia ser reduzida nem com acordo de
vontades entre empregado e empregador, muito menos sem acordo de
vontades. Mas, se essa bolsa de estudo pode ser livremente retirada sem
decréscimo à remuneração no momento em que cessam os estudos, é
porque não tem natureza remuneratória, tem natureza indenizatória ou
de incentivo, que nome se queira dar. Não me sensibiliza aquele jogo de
palavras, de remuneração para o trabalho, pelo trabalho; acho que jogo
de palavras é jogo de palavras, o que interessa é a essência das coisas,
mas não me parece que algo que possa ser livremente retirado e que tem
duração expressamente delimitada no tempo, como é a bolsa de estudo,
possa ser considerado remuneração, seja para efeito trabalhista ou para
efeito previdenciário.
Com a devida vênia de V. Exa., entendendo que esse incentivo, esse
auxílio eventual que a empresa paga a seus servidores para colaborar com
o seu aprimoramento, que acabará resultando em benefício da própria
empresa, não é remuneração e, portanto, não se integra no salário-de-contribuição.
Nessas condições, dou provimento ao recurso.
É o meu voto.
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APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 1999.71.00.024012-6/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro
Apelante: Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A
Advogados: Drs. Claudio Monroe Massetti e outros
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Dr. Cezar Saldanha Souza Junior
Interessada: Denise Alencastro Cecchini
Advogados: Drs. Luiz Henrique Oliveira e outros
Interessada: Maria Inez Delanni Monaco
Advogado: Dr. Luiz Carlos Monaco
EMENTA
Tributário e processo civil. Sentença extra petita. Legitimidade passiva. Imposto de Renda. PDV. Retenção na fonte. Ônus suportado pela
fonte pagadora. Direito líquido e certo.
1. Não configuram sentença extra petita os argumentos utilizados
pelo magistrado para delimitar o tema examinado na sentença. 2. A impetração foi bem dirigida, porquanto a sede do Impetrante localiza-se
na jurisdição da autoridade apontada como coatora. 3. É incontroverso
ter o Banco promovido o recolhimento do imposto de renda na fonte,
cuja obrigação competia aos empregados que aderiram ao programa de
demissão voluntária. O que se perquire, na hipótese dos autos, é a quem
cabe a guerreada restituição. 4. A relação contratual existente entre as
partes configura liberalidade do empregador que preferiu assumir o encargo tributário a fim de incentivar a adesão ao programa demissionário.
5. Em sede mandamental, a pretensão deduzida deve estar apoiada em
fatos incontroversos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos entre as partes acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
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Porto Alegre, 30 de novembro de 2000.
Juiz Élcio Pinheiro de Castro, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de mandado de
segurança impetrado pelo BANRISUL S/A buscando compensar valores recolhidos indevidamente a título de imposto de renda, com débitos
vincendos da mesma espécie.
Relata que instituiu o programa de desligamento voluntário de seus
empregados, estipulando, entre outras condições, que todos os incentivos
e verbas rescisórias estariam livres do imposto de renda, pois iria suportar
tal encargo. Cumprida a obrigação com o recolhimento do montante, veio
ao mundo jurídico o Ato Declaratório nº 3/99 da Secretaria da Receita
Federal autorizando a restituição de tais valores, tendo em vista decisão
do STJ entendendo isenta de tributação a indenização recebida pelos
empregados demitidos naquelas condições. Em vista disso, requereu a
devolução do tributo ao Delegado da Receita Federal, que o indeferiu,
gerando o presente recurso constitucional. Alega que o artigo 165 do
CTN autoriza o sujeito passivo indireto a reaver o imposto, comprovando
que arcou com o ônus. Pediu liminar para que a autoridade coatora suspendesse os pagamentos aos ex-empregados e, no mérito, a concessão
da segurança, autorizando a compensação com parcelas vincendas do
mesmo tributo.
O pedido liminar foi deferido e mantido em análise de agravo de
instrumento.
A autoridade apontada como coatora afirmou ter legitimidade apenas
quanto aos contribuintes domiciliados em Porto Alegre e, no mérito,
informou não assistir direito líquido e certo ao Impetrante.
A sentença denegou a segurança ao fundamento de que os acordos
particulares como o firmado entre o BANRISUL e seus empregados não
alteram a relação jurídica entre o contribuinte, o responsável tributário e
o titular da capacidade ativa tributária. Em vista disso, as verbas pagas
pelo Impetrante a título de “ressarcimento do imposto de renda” retido
na fonte, foi, na verdade, mais um incentivo à demissão voluntária a ser
pago pelo Banco, não tendo este legitimidade para pleitear a devolução
daquilo que por liberalidade recolheu em nome de outrem. Afirmou o
magistrado singular que, na hipótese dos autos, era inaplicável o disposto
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no artigo 166 do CTN, por não ser tal imposto tributo que por sua natureza
importe em transferência do encargo. Ressalvou, ainda, que a instituição financeira poderá buscar junto à Justiça do Trabalho a devolução
das quantias que entende desembolsadas a maior aos seus empregados,
evitando, assim, eventual enriquecimento sem causa.
Inconformado, apela o BANRISUL, alegando, primeiramente, ser a
sentença extra petita, no tocante ao direito de recorrer à Justiça do Trabalho para reaver as quantias ora discutidas. Sustenta existir prova cabal
nos autos sobre a devolução procedida aos empregados da verba devida
a título de imposto de renda incidente sobre a indenização decorrente da
rescisão contratual. Aduz que assumiu o ônus do imposto de renda sub
judice, nos termos do artigo 796 do Regulamento do Imposto de Renda
vigente no ano de 1995, importando em R$ 10.780.051,11 e, em virtude
do Ato Declaratório SRF nº 3/99, tem direito à restituição dos valores
recolhidos indevidamente, na forma de compensação.
O apelo foi recebido somente no efeito devolutivo, tendo a Fazenda
Nacional apresentado contra-razões, bem como afastado manifestação
de terceiro prejudicado.
Oficiando nos autos, manifestou-se a douta Procuradoria da República
pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: A sentença não extrapolou
os termos do pedido, como alega o Apelante, quando se refere à relação
entre o Banco e seus ex-empregados de recorrerem à Justiça do Trabalho
para dirimir o conflito sobre quem arcou com o encargo do imposto de
renda. De fato, o magistrado singular apresentou tal argumentação tão-só para delimitar a abrangência da controvérsia, ou seja, seria apreciada
apenas a existência do direito do BANRISUL na devolução do que pagou
indevidamente, e não sobre o enriquecimento sem causa dos empregados
ao pleitearem a restituição do imposto que não lhes foi retido na fonte.
A propósito, veja-se a seguinte passagem da sentença:
“... Antes de mais nada, é preciso deixar bem claro que este Juízo não está examinando nesta sentença se os ex-empregados do Banrisul, que aderiram ao PDV, têm ou
não direito a receberem os valores do imposto de renda retido na fonte pelo Banrisul.
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Isso não faz parte do pedido principal e este Juízo teria sérias dúvidas sobre sua competência constitucional para conhecer, processar e julgar um tal pedido, entre empregados
e empregador (Banrisul e os aderentes do PDV), já que parece tratar-se de um dissídio
individual trabalhista, que está reservado à Justiça do Trabalho (art. 114 da CF/88).
A relação entre ex-empregados e Banrisul certamente não tem natureza tributária e
certamente não interessa à Receita Federal. Diz respeito com direitos decorrentes de
uma relação de emprego que foi extinta, parecendo por isso afeta à Justiça do Trabalho
e não à Justiça Federal.” (fls. 1257/8).
Continuando, o Juiz singular assim analisou a questão relativa à participação dos empregados na lide:
“... Aliás, se fosse disso que se tratasse, além dos problemas relacionados com a
competência (Justiça do Trabalho ou Justiça Federal), ainda haveria outro sério óbice
ao processamento da ação e prolação da sentença, que diz respeito com a participação
daqueles que seriam então alcançados pelos efeitos da sentença no processo. A presente
sentença somente poderia alcançar aqueles que seriam partes no processo. Ora, os ex-empregados não são partes no processo. Não foram citados. Não puderam defender-se.
Não participam da relação processual, que diz respeito exclusivamente ao Banrisul e
ao Delegado da Receita Federal. Ora, se é assim, eles não poderiam ser prejudicados
pela sentença de mérito que viesse a ser proferida. Se eles fossem alcançados pela
sentença, certamente este Juiz seria o primeiro a lhes propiciar o sagrado e constitucional direito ao contraditório e ampla defesa. Somente se eles pudessem participar do
processo, somente se eles fossem chamados ao processo, é que se poderia admitir que
uma sentença de mérito os viesse prejudicar. Isso não aconteceu. Não há pedido nos
autos para que se declare que os valores indevidamente recolhidos a título de IR/PDV
não pertencem aos ex-empregados (contribuintes) ou que esses valores pertencem ao
Banrisul (responsável tributário). O Banrisul não formula pedido expresso quanto a
isso. Apenas dá a entender que os valores lhe pertenceriam (causa de pedir e fundamentos do pedido principal), mas não formula pedido expresso, certamente porque sabe
que se formulasse um tal pedido duas conse-qüências daí resultariam. Primeiro, este
Juízo seria incompetente para conhecê-lo, porque se trata de litígio trabalhista, cuja
competência é da Justiça do Trabalho. Segundo, todos os ex-empregados precisariam
ser citados e integrar o processo na qualidade de litisconsortes passivos necessários.
Ora, sem pedido expresso, não há como presumirem-se pedidos implícitos. O art. 293
do CPC é bastante claro: ‘os pedidos são interpretados restritivamente’. Além disso, o
princípio da demanda limita o conhecimento deste Juízo, conforme o art. 128 do CPC:
‘o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta’. Assim sendo, o pedido que será
examinado por este Juízo é aquele que consta do item ‘III-c’ de fls. 14, a saber: ‘seja
concedida segurança em definitivo, reconhecendo o direito de o impetrante promover
a compensação, nos termos do art. 66 da Lei 8.383/91, com as alterações promovidas
pela Lei 9.069/95, dos valores do Imposto de Renda sobre PDV, recolhidos indevidamente, corrigidos monetariamente nos termos da lei, com os débitos vincendos de IR
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na fonte, correspondentes a períodos subseqüentes, ressalvado o direito da autoridade
administrativa à mais ampla fiscalização quanto à exatidão dos valores envolvidos’
(fls. 14).” (fl. 1258).
Outra preliminar levantada diz respeito à legitimidade do Delegado
da Receita Federal em Porto Alegre. Observo ter o BANRISUL matriz
nesta Capital, sendo que sua relação tributária está vinculada à autoridade
fiscal também aqui sediada. Logo, a impetração foi bem dirigida.
No mérito, a controvérsia inicial que se pretende analisada resume-se
em saber se os valores recolhidos pelo Impetrante a título de imposto de
renda retido na fonte incidente sobre verbas pagas aos empregados que
aderiram ao plano de demissão voluntária devem ou não ser devolvidos
ao empregador, em razão da jurisprudência sumulada do STJ no sentido
de serem tais verbas isentas do guerreado imposto. Argumenta o Banco
ter suportado tal ônus financeiro, nada sendo descontado dos empregados,
por isso, os valores lhe pertencem.
Em princípio, não há dúvida de que o BANRISUL promoveu o recolhimento do imposto devido pelos ex-empregados. A questão de alta
indagação que se põe é se a referida obrigação fez ou não parte do acordo
celebrado com os demissionários.
A inteligência da sentença de existir relação contratual entre o Apelante
e seus antigos empregados, na qual se dispõe de margem para liberalidade, podendo ser convencionado que o empregador ressarciria o outro
dos valores dispendidos com o pagamento do imposto de renda ora em
exame, está correta. Ao que tudo indica, essa convenção configurou-se
em mais um dos benefícios deferidos, objetivando angariar maior número
de adesões ao indigitado plano de demissão voluntária. Entretanto, descabe, nesta via mandamental, qualquer debate sobre o tema, sobretudo
por ausentes os legítimos interessados, como bem salientou o eminente
julgador monocrático.
E mais, cumpre anotar que esse acordo particular, alterando a relação
jurídica tributária, transferindo o encargo financeiro do contribuinte de
fato para a fonte pagadora, nos termos do artigo 123 do CTN, não tem
qualquer consistência perante a Fazenda Pública.
Nessa linha de entendimento, o Impetrante não tem direito líquido
e certo à pretendida compensação, não merecendo reparo a decisão
singular.
390
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Por fim, importa registrar inaplicável o artigo 166 do CTN na situação
dos autos, tendo em conta não ser o imposto de renda retido na fonte
tributo que comporte a transferência do encargo financeiro.
O fato de ter a jurisprudência assentado indevida a retenção do guerreado tributo, com o advento da Súmula 215 do STJ, não torna a instituição
bancária postulante credora da Fazenda Pública.
Em suma, não se vislumbrando o invocado direito líquido e certo, não
há como autorizar o Impetrante a promover a compensação nos termos
deduzidos na peça inicial.
Frente a esse quadro, nego provimento ao apelo.
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Nº 1999.71.02.004558-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro
Apelante: Renocar Equipamentos Rodoviários Ltda.
Advogados: Drs. Leandro Duarte Scherer e outros
Drs. Leandro Pacheco Scherer e outro
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Dr. Cezar Saldanha Souza Junior
EMENTA
Tributário. Contribuição social sobre o lucro. Lei 9.316/96. Dedução.
Base de cálculo. Imposto de renda lucro real. Constitucionalidade.
1. Não há inconstitucionalidade no art. 1º da Lei 9.316/96 que veda a
dedução dos valores pagos a título de contribuição social sobre o lucro
líquido da base de cálculo do imposto de renda e da própria exação. 2.
Sendo tais tributos apurados com apoio no lucro real, deve ser este fixado
segundo a legislação respectiva, obedecendo às limitações nela previstas.
ACÓRDÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
391
Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima
indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do
relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de fevereiro de 2001.
Juiz Élcio Pinheiro de Castro, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de ação mandamental objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei
9.316/96 e o conseqüente reconhecimento do direito a deduzir os valores
pagos a título de contribuição social sobre o lucro, da base de cálculo
do imposto de renda e da própria CSLL, a partir do ano-base de 1997.
Processado o feito, sobreveio sentença denegando a ordem, por entender legítima a vedação imposta pelo dispositivo em comento.
Irresignada, recorre a Impetrante, alegando ter o “lucro real” sido
majorado em virtude da impossibilidade de dedução da despesa atinente
à referida contribuição social, descaracterizando o conceito de renda por
não restar configurado acréscimo patrimonial, implicando tributação
sobre lucro fictício. Sustenta haver afronta aos princípios constitucionais
da vedação ao confisco e da capacidade contributiva, sendo, ademais, a
matéria reservada à lei complementar.
Presentes as contra-razões, subiram os autos.
Oficiando no feito, a douta Procuradoria da República manifestou-se
pelo improvimento do apelo.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Élcio Pinheiro de Castro: A guerreada Lei 9.316, de
22 de novembro de 1996, é resultante da conversão da Medida Provisória
nº 1.516, do mesmo ano, assim dispondo em seu art. 1º e parágrafo único:
“Art. 1º. O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser deduzido
para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo. Parágrafo
único. Os valores da contribuição social a que se refere este artigo, registrados como
392
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
custo ou despesa, deverão ser adicionados ao lucro líquido do respectivo período de
apuração para efeito de determinação do lucro real e de sua própria base de cálculo”.
Contra tal restrição à dedutibilidade da base de cálculo do imposto
de renda e da própria contribuição social sobre o lucro, dos pagamentos
efetuados quanto a esta última, é que se insurge a Autora, argumentando
que os valores configuram despesa, e não renda, não podendo ser incluídos na apuração do montante do lucro real, para fins de recolhimento
dos indigitados tributos.
Contudo, tenho que não lhe assiste razão. A definição do imposto de
renda e a de sua base de cálculo provêm do Código Tributário Nacional.
Veja-se o que estabelecem os arts. 43 e 44 do referido Diploma:
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer
natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I- de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho, ou da combinação de
ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.
“Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido,
da renda ou dos proventos tributáveis”.
No que tange ao citado imposto, o CTN é norma complementar em
relação ao disposto no art. 153, III, da Constituição Federal. Delineados
o fato gerador e a respectiva base de cálculo, compete à lei ordinária fixar
os demais critérios para a disciplina do tributo, observando, porém, os
limites determinados pelo regramento superior.
Assim, pode a lei ordinária validamente admitir a dedução de despesas
na apuração do lucro real, ou vedar tal prática, desde que em conformidade com os conceitos de renda e acréscimo patrimonial contidos na lei
complementar, bem como o de lucro da legislação comercial.
Nesse contexto, cumpre observar, a respeito do imposto de renda das
pessoas jurídicas, o que está escrito no art. 41 da Lei 8.981/95, verbis:
“Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real,
segundo o regime de competência. § 1º (...). § 2º Na determinação do lucro real, a pessoa
jurídica não poderá deduzir como custo ou despesa o Imposto sobre a Renda de que for
sujeito passivo como contribuinte ou responsável em substituição ao contribuinte. (...)”
Como se vê, a Lei 9.316/96, ora em debate, nada mais fez do que
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393
estender tal limitação, antes concernente apenas ao imposto de renda,
para a contribuição social sobre o lucro. Considerando incidir a CSLL
sobre o “resultado do exercício antes da provisão do imposto de renda”,
ou lucro líquido, claro está que pode ser submetida às mesmas regras no
que tange aos limites dedutíveis.
Com efeito, tanto uma como outra, na verdade, incidem sobre os rendimentos líquidos auferidos pela empresa apurados ao final do exercício.
Portanto, as alíquotas descontadas a tais títulos (IR e CSLL) já faziam
parte do acréscimo patrimonial apurado, não podendo ser consideradas
despesas, nem mesmo despesas necessárias à obtenção daquela renda.
Não desnatura o conceito de lucro, o fato de ser vedado o mencionado
desconto, pois permanece o resultado positivo do balanço, apenas não é
mais permitido abater uma parte do lucro obtido, sobre o próprio lucro.
Tanto assim é que a legislação prevê expressamente as outras parcelas
que podem ou não ser deduzidas do montante real, em vista das operações
essenciais às atividades da empresa.
Tal critério implica evidentemente maior incidência tributária, sendo
esse o objetivo da lei, aumento da arrecadação fiscal. Todavia, não há
obstáculo jurídico que possa macular a exigência, posto que legalmente
instituída.
Poder-se-ia cogitar de ofensa aos princípios da capacidade contributiva
e do não-confisco, se houvesse majoração de alíquota desproporcional
às possibilidades da pessoa jurídica. Contudo, no caso, ao proibir o
abatimento de parte do lucro apurado, não se há falar em elevação
dos tributos a serem pagos, mas, sim, em vedação ao cômputo, como
despesa, de parcela indedutível, o que não acarreta qualquer vício de
inconstitucionalidade.
Por outro lado, no que tange à hipótese de incidência da própria contribuição social sobre o lucro, pode ser modificada pelo legislador ordinário
sem o óbice do art. 146, inciso III, da Carta Magna, sendo legítima a
restrição imposta pela Lei 9.316/96. Seria ilógico admitir que os valores
pagos a título de CSLL, quando apurados com base no lucro, pudessem
ser excluídos da base de cálculo da mesma contribuição, vindo a nova lei
apenas a suprir lacuna do texto legal anterior, o qual, não tendo vedado
a dedução, terminou por favorecer o contribuinte, reduzindo o montante
da obrigação tributária.
394
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
Vejam-se, a propósito, acórdãos sobre o tema assim ementados:
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO.
IMPOSTO DE RENDA. DEDUÇÃO DOS VALORES RECOLHIDOS A TÍTULO
DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. CONCEITO DE LUCRO E RENDA. LEI 9.316/96,
ART. 1º.-1. Lucro ou renda não é somente aquilo que sobra para a sociedade distribuir
a seus sócios ou reaplicar em seu objeto social. O que a sociedade retirou do lucro,
para entregar ao Estado, lucro é, e ao ser retirado, não reduz o patrimônio. Não é a
destinação que determina se um valor é ou não é lucro. Lucro é o que se desprende do
capital sem reduzi-lo. Inteligência do art. 43 do CTN que define renda como ‘o produto
do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos’ e proventos de qualquer natureza
como ‘os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior’. 2. Ao vedar a
dedução do valor da contribuição social para efeito da determinação do lucro real, bem
como de sua própria base de cálculo, o art. 1º da Lei nº 9.316/96 não violou o conceito
de lucro, nem afrontou o art. 43 do CTN ou os arts. 153, II, e 195, I, da Constituição e
“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI Nº 9.316/96. MP Nº
1516/96. DEDUÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO DA SUA
PRÓPRIA BASE DE CÁLCULO E DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE
RENDA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não é inconstitucional a indedutibilidade do valor
da contribuição social sobre o lucro para efeito de determinação do lucro real, nem de
sua própria base de cálculo (Lei nº 9.316/96, art. 1º). 2. ‘O conceito jurídico de renda é
fixado livremente pelo legislador, adstrito a considerações de ordem pragmática (Aliomar Baleeiro), não se circunscrevendo ao elemento novo que se agrega ao patrimônio
após a dedução de despesas e custas’ ” (TRF/1ª, AMS 1998.01.00.095179-7/MG, 3ª
T., Rel. Juiz Saulo Casali, DJ 15.09.2000).
Com essas considerações, nego provimento ao apelo.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
395
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº
1999.70.05.003502-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Dr. Cezar Saldanha Souza Junior
Apelados: Cooperativa Agrícola Mista Vale do Piquiri Ltda. e outro
Advogados: Drs. Ademar Silva dos Santos e outro
Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Cascavel/PR
EMENTA
Argüição de inconstitucionalidade – art. 56, II, a, da MP nº 211327/2001(que corresponde ao art. 23, II, a, da primitiva MP nº 1858-6/99).
Suscitado incidente de inconstitucionalidade do art. 56, II, a, da
Medida Provisória nº 2113-27/2001 (que corresponde ao art. 23, II, a,
da primitiva Medida Provisória nº 1858-6/99) para os fins do art. 97 da
Constituição Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos entre as partes acima indicadas, decide
a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, suscitar o incidente de argüição de inconstitucionalidade, nos
termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 06 de março de 2001.
Juiz Amir José Finocchiaro Sarti, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti: Trata-se de reexame
necessário e de apelação contra a sentença que concedeu mandado de
segurança “para o fim de apenas declarar o direito das impetrantes em
proceder ao recolhimento da COFINS e da contribuição destinada ao PIS
de acordo com o regime tributário vigente antes da edição da Medida
Provisória nº 1858-6, de 29.06.99, desonerando, portanto, as receitas
provenientes de atos cooperativos e determinando à autoridade coatora
396
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
que se abstenha de autuá-las pelo exercício deste direito”.
Nos dizeres da sentença recorrida, “o rol do art. 15 (da Medida Provisória nº 1858/99) não é, devido à variedade de situações que podem
ocorrer, suficientemente amplo para abranger todas as receitas provenientes de atos cooperativos”, razão por que “devem prevalecer as isenções anteriormente vigentes”, a despeito de o art. 35 da referida medida
provisória haver revogado os dispositivos que cuidavam da matéria na
Lei Complementar nº 70/91 e na Lei nº 9.715/98.
Inconformada, a Fazenda Nacional sustenta, preliminarmente, que
“inexiste qualquer prova documental que pudesse dar à impetrante um
direito líquido e certo”, daí resultando que “o mandado de segurança
foi interposto contra lei em tese”. Quanto à questão de fundo, diz que
as contribuições impugnadas (PIS e COFINS) “não necessitam de lei
complementar para que sejam alteradas e, desta forma, podem ser modificadas por medida provisória”. Assinala que, “de mais a mais, não
houve alteração no tratamento que vinha sendo dado às cooperativas ...
no que se refere ao ato cooperado, permanece inalterada sua tributação”.
As cooperativas recorridas, em resposta, afirmam que, “sendo a atividade administrativa plenamente vinculada”, se acham “concretamente
sujeitas aos efeitos das medidas contestadas na ação, o que decorre do
simples fato de serem pessoas jurídicas constituídas na modalidade legal
de sociedades cooperativas”, não havendo falar em impetração contra
lei em tese nem em falta de liquidez e certeza do direito invocado. Asseveram que, embora as contribuições questionadas, como regra geral,
sejam passíveis de regulamentação por lei ordinária e, conseqüentemente,
também por medida provisória, isso não resolve o problema “no caso
concreto”, porquanto só a lei complementar pode dispor sobre o “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas”. Observam que tanto a LC nº 7/70 como a LC nº 70/91
eram de ser consideradas, “em relação ao ato cooperativo, como leis
complementares plenas, não apenas porque formalmente o são, como
também porque materialmente se vestem da mesma natureza, à vista
do sobredito art. 146, III, c, da CF”, donde não admitirem modificação
exceto por via do mesmo instrumento legislativo qualificado.
Em memorial, reforçam a sua argumentação, salientando novamente
que, em relação ao ato cooperativo, “a Constituição Federal, em seu art.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
397
146, III, c, atribuiu, exclusivamente, à lei complementar dispor sobre o
seu adequado tratamento tributário”. Em decorrência disso, “no que diz
respeito ao ato cooperativo .. admitir-se que a sobredita Medida Provisória
nº 1858-6/99 e suas reedições constitua-se em instrumento legislativo
apto, é o mesmo que admitir possa esse instrumento fazer as vezes de
lei complementar, o que contraria toda a jurisprudência construída em
torno do assunto”.
A Procuradoria Regional da República, em parecer lavrado pela ilustre
Dra. Irene Coifman Branchtein, opinou no sentido do provimento da apelação e da remessa, destacando que “o fato de ser sociedade cooperativa
não lhe garante, como pretende a impetrante, eximir-se da contribuição
... se o tratamento dado (às cooperativas) é ou não ‘adequado’, essa é
uma questão política que cabe ao Poder Legislativo ou, como no caso
em tela, ao Poder Executivo, no uso de competência legislativa constitucionalmente delegada, definir”.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Amir José Finocchiaro Sarti: A jurisprudência do
STJ parece firmada no sentido de que, “em matéria tributária, o justo
receio do contribuinte reside na atividade de lançamento, imposição
de penalidades de cobrança, vinculados e obrigatórios à conseqüente
legislação de regência, diante de um fato tributável. Daí a viabilidade do
mandado de segurança preventivo” (REsp. 43.072, 1ª T., Min. Milton Luiz
Pereira); “o justo receio decorre da potencialidade dos efeitos da lei, que
não pode ser ignorada ou descumprida pelo agente fiscal, que impõe a
exação” (REsp. 72.751, 1ª T., Min. Milton Luiz Pereira); “o mandado de
segurança é via adequada para que o impetrante possa, preventivamente,
postular o não pagamento das majorações da alíquota do FINSOCIAL,
por isso que, na espécie, o pedido não se configura como contra lei em
tese, pelo justo receio decorrente da potencialidade dos efeitos da norma
legal” (REsp. 105.105, 1ª T., Min. Demócrito Reinaldo); “o mandado
de segurança preventivo não se confunde com o mandado de segurança
contra lei em tese” (REsp. 40.670, 1ª T., Min. César Asfor Rocha).
Inegável, outrossim, a liquidez e certeza do direito invocado, pois não
há questões de fato para decidir; a solução da controvérsia resume-se,
398
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
única e exclusivamente, à matéria de direito.
Rejeito, portanto, as preliminares suscitadas pela recorrente.
No mérito, embora já tenha votado em sentido diverso, terminei
convencido de que a regra contida no art. 146, III, c, da CF, de fato, só
pode ser corretamente interpretada à luz do art. 174, § 2º, do diploma
constitucional, devendo extrair-se da combinação o seguinte comando: “a
lei apoiará e estimulará o cooperativismo” (art. 174, § 2º), estabelecendo,
entre outras medidas, “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo
praticado pelas sociedades cooperativas” (art. 146, III, c). É dizer: “será
adequado o tratamento tributário do ato cooperativo quando implicar
carga tributária inferior a das demais atividades produtivas, incentivando-o, ou, no mínimo, quando implicar carga tributária que não seja mais
gravosa que a incidente sobre outras atividades (do contrário, ao invés de
estimular, estaria inviabilizando o cooperativismo)” (Leandro Paulsen,
Direito Tributário, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998, p. 47).
Assim sendo, parece inevitável concluir que, realmente a Medida
Provisória nº 1858/99 não fez por dar “adequado tratamento tributário
ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”, pois, veio
agravar – e não reduzir – a carga fiscal incidente sobre as suas atividades.
Com efeito, se a relação dos valores e receitas que ficaram excluídas da
base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP (MP nº 1858/99, art. 15) não
é suficientemente ampla para atingir todos os rendimentos provenientes
dos atos cooperativos – que, até então, estavam isentos das referidas
contribuições (Lei Complementar nº 70/91, art. 6º, e Lei nº 9715/98,
art. 2º, § 1º) – está claro, conforme destaca a sentença hostilizada, que a
nova disciplina legal não está apoiando nem muito menos estimulando
o cooperativismo, como determinam as normas constitucionais.
Nessa perspectiva, mesmo admitindo, como a jurisprudência tem
feito, que tanto a LC nº 7/70 quanto a LC nº 70/91 podem ser objeto de
alteração por simples lei ordinária, francamente não vejo como deixar
de reconhecer, quanto ao ato cooperativo praticado pelas sociedades
cooperativas, que só lei complementar pode dar-lhe adequado tratamento
tributário, apoiando e estimulando o cooperativismo (CF, art. 146, III,
c, c/c art. 174, § 2º).
E se isso é verdade, então não há como negar a flagrante inconstitucionalidade da medida provisória que veio agravar – e não aliviar – a
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
399
situação das cooperativas relativamente aos tributos questio-nados,
pois ela definitivamente não dá “adequado tratamento tributário ao
ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas”, nem muito
menos está “apoiando e estimulando o cooperativismo”.
Em resumo: ao revogar expressamente o art. 6º, inc. I, da LC nº 70/91
– que isentava da COFINS, sem restrições, “as sociedades cooperativas
... quanto aos atos cooperativos próprios de suas finalidades” (art. 23, II,
a) – a MP nº 1858/99 ofendeu os arts. 146, III, c, e 174, § 2º, da Constituição Federal.
Cabe observar que a medida provisória referida teve origem na MP nº
1807, que foi reeditada diversas vezes sob os números 1991, 2037 e 2113
e que, atualmente, está na 28ª reedição (MP nº 2213-28, de 23.02.2001)
– sendo que o dispositivo inconstitucional, presentemente, se encontra
no art. 56, II, a, do diploma legal.
No que tange ao PIS/PASEP, como salientado na sentença, o problema
reside na insuficiência do elenco de valores e receitas excluídos da base
de cálculo da contribuição, deixando a descoberto determinados ingressos provenientes de atos cooperativos – com o que, aparentemente, teria
sido revogado o art. 2º, § 1º, da Lei nº 9.715/98, que, a contrario sensu,
afastava a incidência da contribuição sobre todos os atos cooperativos
típicos, sem exceção.
Se isso fosse verdade, o vício seria idêntico àquele apontado relativamente à COFINS. Acontece que, como é bem sabido, “a lei nova, que
estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não
revoga nem modifica a lei anterior” (LICC, art. 2º, § 2º). Ora, ensina
Serpa Lopes, “essa expressão a par das já existentes significa tratar-se de
normas que ficam a par das anteriores, quer dizer, iguais em qualidade
e merecimento, e que podem atuar lado a lado, sem incompatibilidade.
Parece-nos uma regra redundante, em relação à fixada no parágrafo
antecedente, pois apenas corrobora o critério da incompatibilidade,
consagrado como elemento básico para se interpretar a revogação ou não
de uma norma por outra. No caso do § 2º do art. 2º, não há revogação
porque as normas são compatíveis” (Comentários à Lei de Introdução
ao Código Civil, 2ª ed., Livraria Freitas Bastos, v. 1, p. 56).
Equivocada, por conseguinte, quanto ao PIS/PASEP, a sentença
combatida: aqui, não há falar em inconstitucionalidade, pois a medida
400
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
provisória em questão absolutamente não “revogou a isenção anterior
mais ampla”, que permanece vigente – e não o fez exatamente porque
estabeleceu, sem qualquer incompatibilidade, disposições “a par das já
existentes”, conforme, aliás, a própria Fazenda Nacional sempre reconheceu: “De mais a mais, não houve alteração no tratamento que vinha
sendo dado às cooperativas. A receita do ato cooperativo, ou seja, a receita
do ato da cooperativa, vinculado a suas atividades e realizado com os
cooperados, deverá, a teor da Medida Provisória guerreada, ser abatida
quando do cálculo da base imponível da COFINS e do PIS. Conquanto
realize ato com cooperados, poderá, de acordo com os incisos do art. 15
da MP, excluir tais receitas do cálculo das citadas exações. Desta forma,
apenas os atos realizados com pessoas não cooperadas ..., pois tais atos
não se caracterizam como ato cooperativo. Tais atos já vinham sendo
tributados, antes mesmo da MP aqui debatida. Tanto a Lei Complementar
nº 70/91, como também a Lei nº 9715/98 estabeleciam que apenas os atos
cooperativos próprios da finalidade cooperativa não eram tributados. Tal
fato, portanto, não mudou” (sic).
Nessas condições, peço vênia para argüir a inconstitucionalidade do
art. 56, II, a, da MP nº 2113-27/2001 (que corresponde ao art. 23, II, a,
da primitiva MP nº 1858-6/99), para os fins do art. 97 da Constituição
Federal.
É o voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 111-405, 2001
401
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.038193-4/SC
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Vilson Darós
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Dr. Sandro Monteiro de Souza
Apelada: Minancora e Cia. Ltda.
Advogados: Dr. Amir Carlos Mussi
Dr. Teru Batista Alves Torres
Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Joinville/SC
EMENTA
Contribuição social incidente sobre royalties. Lei complementar nº
84/96. Contratos de transferência de tecnologia industrial (know how).
Não-incidência.
Não incide a contribuição social, prevista na Lei Complementar nº
84/96, sobre os royalties pagos em decorrência dos contratos de transferência de tecnologia industrial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa
oficial, nos termos do relatório e do voto do Relator, que fazem parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2000.
Juiz Vilson Darós, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Vilson Darós: Cuida-se de ação declaratória cumulada com repetição de indébito na qual a autora – Minancora e Cia. Ltda.
- objetiva a declaração da ilegalidade dos recolhimentos efetuados a título
de contribuição social (prevista na Lei Complementar nº 84, de 1996)
sobre os royalties pagos ao químico Aluísio Marinho de Andrade, por
força dos contratos de transferência de tecnologia com este celebrados,
bem como a restituição das quantias que reputa recolhidas indevidamente
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ou, alternativamente, a compensação com a contribuição social incidente
sobre a remuneração de seus diretores, autônomos e avulsos contratados
para a prestação de serviços.
Processado regularmente o feito, sobreveio sentença, na qual o juízo
monocrático julgou procedente o pedido, declarando a inexigibilidade dos
recolhimentos efetuados a título de contribuição social nos termos da Lei
Complementar nº 84/96 incidente sobre os royalties, pagos em decorrência dos contratos de transferência de tecnologia industrial mencionados
na inicial, condenando o INSS à restituição das importâncias recolhidas
indevidamente, prejudicado o pedido alternativo de compensação, bem
como nas custas e honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o
valor da causa (R$ 24.897,77 em fevereiro de 1998), atualizado.
Irresignado, apelou o INSS, pleiteando a total improcedência da ação.
Sem contra-razões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Vilson Darós: Cuida-se de ação pela qual se objetiva a declaração da ilegalidade dos recolhimentos efetuados a título de
contribuição social sobre os royalties pagos por força de contratos de
transferência de tecnologia, bem como a restituição das quantias que reputa recolhidas indevidamente ou, alternativamente, a sua compensação.
A autora, Minancora e Cia. Ltda., dedica-se à indústria de produtos
farmacêuticos e cosméticos. Para formulação de seus produtos, a saber,
Pomada Minâncora, Creme Anti-séptico Infantil Minâncora e Vaselina
industrial Minâncora, utiliza a matéria-prima vaselina, tendo, a contar
de maio de 1995, deixado de adquiri-la de terceiros, para industrializá-la
por conta própria. Para tanto, relata que firmou contrato de fornecimento
de tecnologia industrial (know how) com o químico Dr. Aluísio Marinho
de Andrade, cujo prêmio da cessão e transferência onerosa da tecnologia
é pago a título de royalties. Aduz que tem, ainda, outra relação jurídica
contratual completamente diferenciada com a mesma pessoa, essa decorrente de prestação de serviços profissionais na área química. Busca,
enfim, ver declarado que a contribuição de que trata a Lei Complementar
nº 84, de 18 de janeiro de 1986, não incide somente sobre os contratos
de transferência de know how, mas, sim, tão-somente sobre os valores
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pagos a título de serviços prestados.
Assiste razão à autora, devendo ser mantida a sentença proferida
pela douta julgadora singular, por seus próprios fundamentos, os quais
transcrevo em parte e adoto como razão de decidir:
“(...) A autora insurge-se contra a exação instituída pela Lei Complementar nº
84, de 18.01.96, ao argumento de que não está sujeita ao pagamento da contribuição
social sobre a folha de salários criada nos termos da Lei Complementar nº 84, de 18 de
janeiro de 1996, que novamente instituiu a contribuição incidente sobre o pro labore
e pagamento efetuado a autônomo, consoante estabelecido naquele diploma legal.
12. Sua insurgência é bem específica. Entende que não incide na regra da referida
lei; assim, quer que se declare a inexigibilidade dos recolhimentos efetuados a título
de contribuição social incidente sobre os Royalties pagos a químico contratado, em
decorrência dos contratos de transferência de tecnologia industrial.
13. Por oportuno, transcrevo o artigo 1º da Lei Complementar nº 84/96:
‘Art. 1.º Para a manutenção da Seguridade Social, ficam instituídas as seguintes
contribuições sociais:
I - a cargo das empresas e pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, no valor de
quinze por cento do total das remunerações ou retribuições por ela pagas ou creditadas
no decorrer do mês, pelos serviços que lhes prestem, sem vínculo empregatício, os
segurados empresários, trabalhadores autônomos, avulsos, e demais pessoas físicas; e
II - a cargo das cooperativas de trabalho, no valor de quinze por cento do total das
importâncias pagas, distribuídas ou creditadas a seus cooperados, a título de remuneração ou retribuição pelos serviços que prestem a pessoas jurídicas por intermédio
delas’. grifei.
14. A Autora é pessoa jurídica de direito privado. De acordo com o que narra produz
vários produtos conhecidos no mercado brasileiro (Pomada Minâncora, Creme Anti-Séptico Infantil Minâncora e Vaselina Industrial Minâncora).
A partir de determinado período deixou de adquirir a matéria-prima ‘Vaselina’ com
formulação específica e passou a industrializá-la. Para obter o Know How necessário
firmou um contrato de fornecimento de tecnologia industrial com químico, o qual
teve por objeto a transferência de tecnologia industrial para a produção da “Vaselina”
utilizada na Pomada Minâncora.
A associação com o químico deve ter sido mais vantajosa do ponto de vista comercial. Agora, não quer pagar a contribuição em tela a pressuposto que não incide o
fato gerador.
15. A inicial narra duas relações contratuais diferenciadas: a) uma relativa à transferência onerosa de tecnologia industrial (Know How), cujo preço é pago a título de
royalties, proporcionalmente à comercialização do respectivo produto, por tempo limitado e determinado e, b) outra relativa à prestação de serviços profissionais autônomos,
na área química. A discussão está restrita ao primeiro tópico.
404
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Dissertando sobre o contrato de know how, a professora Maria Helena Diniz explica
que ‘... é aquele em que uma pessoa, física ou jurídica, se obriga a transmitir ao outro
contraente, para que este os aproveite, os conhecimentos que tem de processo especial
de fabricação, de fórmulas secretas, de técnicas ou de práticas originais, durante certo
tempo, mediante o pagamento de determinada quantia chamada royalty, estipulada
livremente pelos contraentes. Tal pagamento poderá ser feito de uma só vez, ou com
uma entrada inicial e percentagens sobre vendas, ou somente com percentagens sobre
vendas, ou, então, pelo pagamento de importâncias fixas, feito parceladamente. Todavia,
nada obsta a que se transfira o know how a título gratuito, quando o concedente tem
outro interesse que não auferir lucro.
E, mais adiante, ‘... que o know how consiste em certos conhecimentos, técnicas ou
processos de fabricação de um produto, secretos e originais, que alguém tem, idôneos
para melhorar um produto, tornando-o mais rentável para o seu possuidor. O know
how – ‘como conhecimentos, técnicas ou experiências desenvolvidos no exercício de
atividade secreta e suscetíveis de aplicação prática, traduzidos em fórmulas ou procedimentos especiais, descobertos por pessoa física ou jurídica’ - constitui um bem
imaterial protegido juridicamente (Lei nº 4.131/62, modificada pela Lei nº 4.390/64,
regulamentada pelo Dec. nº 55.762/65; Lei nº 5.772/71, art. 128; Lei nº 5.988/73; Dec.-Lei nº 1.418/75; Dec.-Lei nº 1.446/76).’ (Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º Vol.
Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, Ed. Saraiva, 6ª ed., pg. 463).
16. Assim sendo, esse ato (fornecimento de tecnologia) não se subsume à hipótese
de incidência prevista no inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 84/96. Com
efeito, para a incidência da lei, faz-se necessário que se esteja diante de remuneração paga por serviços prestados, às empresas e às pessoas jurídicas, por autônomos,
empresários ou avulsos. A relação jurídica que é estabelecida entre a parte-autora e o
químico não envolve prestação de serviços deste para aquela. Logo, não se está diante
de fato imponível da contribuição prevista no referido inciso I e muito menos, o fato
sob exame também não se enquadra no inciso II do mencionado artigo 1º.
17. Logo, improcedem as alegações do INSS (de que a tecnologia industrial fornecida é de domínio público, que apenas foi aprimorada e assim não atende o requisito da
novidade e que a mesma não se enquadra nas condições de patenteabilidade previstas na
Lei 9.279/196) haja vista que sequer trouxe aos autos a prova da composição química
do produto. E, ainda, que houvesse, é de se ter em conta que é a técnica manufatureira,
de juntar os elementos químicos, que constitui o segredo.”
Por estas razões, não incidirá o mandamento da norma, sendo, por isso,
ilegal a exigência combatida, devendo ser mantida a sentença também
no que tange aos consectários, pois estão de acordo com os precedentes
da Turma.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL
1998.04.01.030971-0/RS. (AC) Rel. Juiz Edgard Lippmann............... RTRF-4ª 40/2001/115
1998.04.01.054251-9/RS. (AC) Rel. Juiz Edgard Lippmann............... RTRF-4ª 40/2001/125
1999.04.01.091413-0/PR. (AC) Rel. Juiz Teori Albino Zavascki
. RTRF-4ª 40/2001/137
1999.04.01.110764-5/RS. (AC) Rel. Juíza Luiza Dias Cassales ..... RTRF-4ª 40/2001/140
1999.04.01.112449-7/PR. (AC) Rel. Juíza Luiza Dias Cassales ..... RTRF-4ª 40/2001/144
1999.70.08.002946-0/PR. (AC) Rel. Juiz Valdemar Capeletti............. RTRF-4ª 40/2001/150
1999.71.04.003807-5/RS. (AMS) Rel. Juíza Marga Barth Tessler.......... RTRF-4ª 40/2001/154
1999.71.00.027279-6/RS. (AC) Rel. Juíza Silvia Goraieb .............. RTRF-4ª 40/2001/163
2000.04.01.001996-0/SC. (AC) Rel. Juíza Luiza Dias Cassales.......... RTRF-4ª 40/2001/171
2000.04.01.045719-7/RS. (AC) Rel. Juiz Valdemar Capeletti............. RTRF-4ª 40/2001/178
2000.04.01.097455-6/RS. (MS) Rel. Juiz Surreaux Chagas
... RTRF-4ª 40/2001/184
2000.04.01.121053-9/RS. (AC)
.......................................................... Rel. Juíza Marga
Barth Tessler
RTRF-4ª 40/2001/190
2000.04.01.135309-0/PR. (AC) Rel. Juíza Silvia Goraieb
...... RTRF-4ª 40/2001/195
2000.04.01.137630-2/RS. (AC) Rel. Juíza Silvia Goraieb
...... RTRF-4ª 40/2001/206
2000.04.01.144768-0/PR. (AC) Rel. Juiz Valdemar Capeletti............. RTRF-4ª 40/2001/211
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
97.04.39566-3/RS. (ACr)
Rel. Juiz José Germano da Silva....... RTRF-4ª 40/2001/223
1998.04.01.015177-4/RS. (ACr) Rel. Juíza Maria Lúcia L. Leiria ....... RTRF-4ª 40/2001/236
2000.04.01.105416-5/PR. (HC) Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro.... RTRF-4ª 40/2001/240
2000.04.01.078690-9/PR. (ACr) Rel. Juiz José Germano da Silva....... RTRF-4ª 40/2001/249
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
95.04.48246-5/RS. (EI)
97.04.04822-0/SC. (CC)
97.04.63085-9/RS. (AC)
1998.04.01.076047-0/RS. (REO)
1998.04.01.092124-5/SC. (AC)
1999.04.01.093644-7/RS. (Ag)
1999.04.01.097527-1/SC. (AC)
1999.71.00.005725-3/RS. (AC)
Rel. Juiz Surreaux Chagas
......... RTRF-4ª 40/2001/263
Rel. Juiz Amaury C. de Athayde....... RTRF-4ª 40/2001/271
Rel. Juíza Virgínia Scheibe................ RTRF-4ª 40/2001/275
Rel. Juiz Luiz Carlos de C. Lugon.... RTRF-4ª 40/2001/283
Rel. Juíza Virgínia Scheibe................ RTRF-4ª 40/2001/291
Rel. Juiz Luiz Carlos de C. Lugon.... RTRF-4ª 40/2001/298
Rel. Juiz Luiz Carlos de C.Lugon..... RTRF-4ª 40/2001/301
Rel. Juiz Tadaaqui Hirose.................. RTRF-4ª 40/2001/307
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 407-410, 2001
409
1999.71.04.003296-6/RS. (AC)
2000.04.01.005318-9/SC. (AC)
2000.04.01.093280-0/SC. (AC)
2000.04.01.116983-7/RS. (AC)
Rel. Juiz Sérgio Renato T. Garcia...... RTRF-4ª 40/2001/311
Rel. Juíza Virgínia Scheibe................ RTRF-4ª 40/2001/315
Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu........ RTRF-4ª 40/2001/320
Rel. Juiz Surreaux Chagas................. RTRF-4ª 40/2001/324
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
95.04.07516-9/SC. (ED)
Rel. Juiz Amaury C. de Athayde....... RTRF-4ª 40/2001/333
96.04.09347-9/PR. (AR)
Rel. Juíza Marga Barth Tessler.......... RTRF-4ª 40/2001/338
96.04.52839-4/PR. (EI)
Rel. Juiz Amaury C. de Athayde....... RTRF-4ª 40/2001/343
96.04.61012-0/RS. (CC)
Rel. Juiz Amir José F. Sarti................ RTRF-4ª 40/2001/346
98.04.03092-6/RS. (Ag)
Rel. Juíza Tania Escobar.................... RTRF-4ª 40/2001/348
1999.04.01.085697-0/RS. (AC) Rel. Juiz Vilson Darós....................... RTRF-4ª 40/2001/351
2000.04.01.003101-7/RS. (AC) Rel. Juiz Teori Albino Zavascki........ RTRF-4ª 40/2001/358
2000.04.01.034264-3/RS. (AgRg)Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu........ RTRF-4ª 40/2001/361
2000.04.01.124187-1/SC. (ED) Rel. Juiz Sérgio Renato T. Garcia...... RTRF-4ª 40/2001/364
2000.04.01.124254-1/RS. (Ag) Rel. Juiz Teori Albino Zavascki........ RTRF-4ª 40/2001/368
2000.04.01.132614-1/RS. (Ag) Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu........ RTRF-4ª 40/2001/370
DIREITO TRIBUTÁRIO
1999.04.01.038302-1/RS. (AMS) Rel. Juíza Tania Escobar.................... RTRF-4ª 40/2001/377
1999.04.01.091497-0/PR. (AC) Rel. Juiz Amir José F. Sarti................ RTRF-4ª 40/2001/382
1999.71.00.024012-6/RS. (AMS) Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro..... RTRF-4ª 40/2001/386
1999.71.02.004558-0/RS. (AMS) Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro..... RTRF-4ª 40/2001/391
1999.70.05.003502-0/PR. (AMS) Rel. Juiz Amir José F. Sarti................ RTRF-4ª 40/2001/396
2000.04.01.038193-4/SC. (AC) Rel. Juiz Vilson Darós....................... RTRF-4ª 40/2001/402
410
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 407-410, 2001
ÍNDICE ANALÍTICO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 407-410, 2001
411
branca
412
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
-ATrbt Adm
PrCv
PrCv
PrCv
Adm
Adm
Adm
PrCv
Pn
Adm
PrCv
Pv
PrCv
Abono salarial. IR. Fato gerador. CTN, art. 43. AMS 1999.04.01.0383021/RS. RTRF-4ª 40/2001/377
Ação de desapropriação. Transação. Adimplemento parcial. Correção
monetária. Juros de mora. AC 2000.04.01.137630- 2/RS. RTRF-4ª
40/2001/206
Ação de indenização. Competência. Justiça do Trabalho. CF, art. 114.
AC 2000.04.01.003101-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/358
Ação rescisória. Contestação. Prazo. CPC, art. 188. Ag
2000.04.01.034264-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/361
Ação rescisória. Erro de fato. Não-configuração. Súmula n° 343 do
STF. AR 96.04.09347-9/PR. RTRF-4ª 40/2001/338
ADCT, art. 53. Ex-combatente. Batalhão de Suez. Pensão especial. AC
1998.04.01.030971-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/115
Adicional de gestão educacional. Quintos. Décimos. Aposentadoria.
Servidor público. AC 2000.04.01.135309- 0/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
Ampla defesa. Contraditório. Processo administrativo. Ensino superior.
AMS 1999.71.04.003807-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/154
Antecipação de tutela. Perícia. CPC, art. 130. Ag 2000.04.01.132614-1/
RS. RTRF-4ª 40/2001/370
Aposentadoria. Estelionato. Não-configuração. CP, art. 171, § 3°. ACr
1998.04.01.015177-4/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
Aposentadoria. Proventos. Adicional de gestão educacional. Quintos.
Décimos. Direito adquirido. Servidor público. AC 2000.04.01.1353090/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
Aposentadoria. Revisão. Conflito de competência. CC 96.04.61012-0/
RS. RTRF-4ª 40/2001/346
Aposentadoria. Rurícola. INSS. Lei n° 8.213/91, arts. 11, 48, 142 e
143. AC 1999.04.01.097527-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/301
Aposentadoria por invalidez. Antecipação de tutela. Perícia. CPC, art.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
413
Adm
Trbt
Adm
Adm
Pv
Pv
130. Ag 2000.04.01.132614-1/RS. RTRF-4ª 40/2001/370
A p r e e n s ã o . Ve í c u l o u s a d o . I m p o r t a ç ã o i r r e g u l a r. A M S
1999.04.01.091413-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/137
Argüição de inconstitucionalidade. Medida provisória n° 2.113/2001,
art. 56, II, a. COFINS. PIS. AMS 1999.70.05.003502-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/396
Ato administrativo. Convalidação. Princípios da boa-fé e da segurança
jurídica. AC 1998.04.01.054251-9/RS. RTRF- 4ª 40/2001/125
Auditores fiscais. Proventos. Gratificação de desempenho de atividade
tributária. Direito adquirido. AC 1999.71.00.027279-6/RS. RTRF-4ª
40/2001/163
Autônomo. Contribuição previdenciária. Decadência. REO
1998.04.01.076047-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/283
Auxílio-doença. Revisão. Prescrição. AC 2000.04.01.005318-9/SC.
RTRF-4ª 40/2001/315
-B-
Trbt
Adm
Adm
Pn PrCv
PrCv
Pv
Pv
Pv
Pv
Adm
Adm
414
Base de cálculo. Imposto de renda. Lei n° 9.316/96, art. 1°. Inconstitucionalidade. Não-configuração. AMS 1999.71.02.004558-0/RS.
RTRF-4ª 40/2001/391
Batalhão de Suez. Ex-combatente. Pensão especial. ADCT, art. 53. AC
1998.04.01.030971-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/115
Bem público. Terreno de marinha. Usucapião especial. Descabimento.
Lei n° 6.969/81. AC 1999.04.01.110764- 5/RS. RTRF-4ª 40/2001/140
Benefício. Estelionato. Não-configuração. CP, art. 171, § 3°. ACr
1998.04.01.015177-4/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
Benefício. INSS. Antecipação de tutela. Perícia. CPC, art. 130. Ag
2000.04.01.132614-1/RS. RTRF-4ª 40/2001/370
Benefício. Revisão. Conflito de competência. CC 96.04.61012-0/RS.
RTRF-4ª 40/2001/346
Benefício. Revisão. Contribuinte em dobro. Lei n° 8.212/91, art. 29.
AC 97.04.63085-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/275
Benefício. Revisão. Embargos à execução. AC 1999.71.04.003296-6/
RS. RTRF-4ª 40/2001/311
Benefício. Revisão. Prescrição. AC 2000.04.01.005318- 9/SC. RTRF-4ª
40/2001/311
Benefício. Salário-de-benefício. Cálculo. Lei n° 8.213/91, art. 32. AC
2000.04.01.093280-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/320
Boa-fé. Ato administrativo. Convalidação. AC 1998.04.01.054251-9/
RS. RTRF-4ª 40/2001/125
Boa-fé. Terceiro. Apreensão. Veículo usado. Importação irregular. AMS
1999.04.01.091413-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/137
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
Trbt
Bolsa de estudos. Contribuição previdenciária. Não-incidência. Lei
n° 8.212, art. 28, § 9°, t. AC 1999.04.01.091497-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/382
-C-
Pv
Cv
Cv
Adm
Adm
Pn
Adm
PrCv
Pv
Trbt
Trbt
PrCv
Pv
PrCv Pv
PrCv
Adm
Adm
Cálculo. Salário-de-benefício. Lei n° 8.213/91, art. 32. AC
2000.04.01.093280-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/320
Caso fortuito. Força maior. Incêndio. Responsabilidade civil. CCv, art.
159. AC 2000.04.01.144768-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/211
CCv, art. 159. Responsabilidade civil. Caso fortuito. Força maior. AC
2000.04.01.144768-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/211
CEF. Responsabilidade extracontratual do Estado. Dano moral. AC
1999.70.08.002946-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/150
Cessão de direitos. Indenização. Desapropriação. AC 2000.04.01.0019960/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
CF, art. 5°, LVII. Presunção de inocência. Habeas corpus. HC
2000.04.01.105416-5/PR. RTRF-4ª 40/2001/240
CF, art. 37, VIII. Portadores de deficiência física. Concurso público.
MS 2000.04.01.097455-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/184
CF, art. 114. Justiça do Trabalho. Competência. Ação de indenização.
AC 2000.04.01.003101-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/358
Citação. Nulidade. Não-configuração. INSS. CPC, art. 222. AC
1999.04.01.097527-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/301
COFINS. Imposto de renda. Base de cálculo. Lei n° 9.316/96, art. 1°.
Inconstitucionalidade. Não-configuração. AMS 1999.71.02.004558-0/
RS. RTRF-4ª 40/2001/391
COFINS. Medida provisória n° 2.113/2001, art. 56, II, a. Argüição
de inconstitucionalidade. AMS 1999.70.05.003502-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/396
Coisa julgada. Não-configuração. Liquidação de sentença. AC
1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
Companheira. Ex-combatente. Pensão. Lei n° 4.297/63, art. 3°, d. Lei
n° 5.698/71. AC 1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
Competência. Conflito. Aposentadoria. Revisão. CC 96.04.61012-0/
RS. RTRF-4ª 40/2001/346
Competência. Conflito negativo. Pensão. Majoração. Lei n° 5.698/71.
Lei n° 1.756/52. CC 97.04.04822-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/271
Competência. Justiça do Trabalho. Ação de indenização. CF, art. 114.
AC 2000.04.01.003101-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/358
Concurso público. Portadores de deficiência física. Reserva de vagas.
CF, art. 37, VIII. Lei n° 8.112/90, art. 5°, § 2°. MS 2000.04.01.0974556/RS. RTRF-4ª 40/2001/184
Concurso público interno. Ato administrativo. Convalidação. Princípios
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
415
PrCv
Pv
PrCv
Adm
Pv
Trbt
Pv
Trbt
Trbt
Adm
Adm
Pn
Pn
Pn
PrCv
PrCv
PrCv
PrCv
Pv
416
da boa-fé e da segurança jurídica. AC 1998.04.01.054251-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/125
Conflito de competência. Aposentadoria. Revisão. CC 96.04.61012-0/
RS. RTRF-4ª 40/2001/346
Conflito negativo de competência. Pensão. Majoração. Lei n° 5.698/71.
Lei n° 1.756/52. CC 97.04.04822-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/271
Contestação. Prazo. Rescisória. CPC, art. 188. Ag 2000.04.01.0342643/RS. RTRF-4ª 40/2001/361
Contraditório. Ampla defesa. Processo administrativo. Ensino superior.
AMS 1999.71.04.003807-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/154
Contraditório. Ampla defesa. Processo administrativo. Habilitação de
dependentes. Pensão. INSS. Ag 1999.04.01.093644-7/RS. RTRF-4ª
40/2001/298
Contrato de transferência de tecnologia. Contribuição social. Não-incidência. Lei Complementar n° 84/96. AC 2000.04.01.038193-4/
SC. RTRF-4ª 40/2001/402
Contribuição previdenciária. Decadência. INSS. REO
1998.04.01.076047-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/283
Contribuição previdenciária. Não-incidência. Bolsa de estudos. Lei
n° 8.212, art. 28, § 9°, t. AC 1999.04.01.091497-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/382
Contribuição social. Não-incidência. Royalties. Lei Complementar n°
84/96. AC 2000.04.01.038193-4/SC. RTRF-4ª 40/2001/402
Convalidação. Ato administrativo. Princípios da boa-fé e da segurança
jurídica. AC 1998.04.01.054251-9/RS. RTRF- 4ª 40/2001/125
Correção monetária. Transação. Adimplemento parcial. Desapropriação.
AC 2000.04.01.137630-2/RS. RTRF-4ª 40/2001/206
CP, art. 171. Estelionato. Crime continuado. ACr 97.04.39566-3/RS.
RTRF-4ª 40/2001/223
CP, art. 171, § 3°. Estelionato. Não-configuração. ACr 1998.04.01.0151774/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
CP, arts. 288 e 289. Moeda falsa. Quadrilha. ACr 2000.04.01.078690-9/
PR. RTRF-4ª 40/2001/249
CPC, art. 20, § 4°. Honorários advocatícios. Descabimento. Fazenda
Pública. Execução por quantia certa. Ag 2000.04.01.124254-1/RS.
RTRF-4ª 40/2001/368
CPC, art. 37. Representação processual. Ausência. EI 96.04.52839-4/
PR. RTRF-4ª 40/2001/343
CPC, art. 130. Antecipação de tutela. Perícia. Ag 2000.04.01.132614-1/
RS. RTRF-4ª 40/2001/370
CPC, art. 188. Prazo. Contestação. Rescisória. Ag 2000.04.01.0342643/RS. RTRF-4ª 40/2001/361
CPC, art. 222. Citação. Nulidade. Não-configuração. INSS. AC
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
Adm
PrCv
PrPn
Pn
Adm
Pn
Pn
Pn
Trbt
Trbt
Adm
Pv
1999.04.01.097527-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/301
CPC, art. 267, VI. Extinção do processo. Ilegitimidade. Desapropriação.
AC 2000.04.01.001996-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
CPC, art. 303, II e III. Revelia. Efeitos. Fazenda pública. Ag
98.04.03092-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/348
CPP, art. 563. Sentença. Nulidade. Não-configuração. ACr
2000.04.01.078690-9/PR. RTRF-4ª 40/2001/249
CPP, art. 594. Direito de apelar em liberdade. Habeas corpus. HC
2000.04.01.105416-5/PR. RTRF-4ª 40/2001/240
CREA. Responsabilidade extracontratual do Estado. Não-configuração.
AC 2000.04.01.121053-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/190
Crime continuado. Estelionato. CP, art. 171. ACr 97.04.39566-3/RS.
RTRF-4ª 40/2001/223
Crime de moeda falsa. CP, art. 289. ACr 2000.04.01.078690-9/PR.
RTRF-4ª 40/2001/249
Crime de quadrilha. CP, art. 288. ACr 2000.04.01.078690- 9/PR. RTRF-4ª 40/2001/249
CTN, art. 43. Fato gerador. IR. Abono salarial. AMS 1999.04.01.0383021/RS. RTRF-4ª 40/2001/377
CTN, arts. 123 e 166. Imposto de renda. PDV. Responsabilidade tributária. AMS 1999.71.00.024012-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/386
Culpa concorrente. Responsabilidade extracontratual do Estado. CREA.
AC 2000.04.01.121053-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/190
Custas. INSS. Lei Complementar n° 156/97, art. 33, § único. AC
1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
-D-
Adm
Adm
Pv
Adm
Trbt
Pn/PrPn
Adm
Dano moral. Responsabilidade extracontratual do Estado. CEF. AC
1999.70.08.002946-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/150
Danos moral e material. Responsabilidade extracontratual do Estado.
AC 2000.04.01.045719-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/178
Decadência. Contribuição previdenciária. INSS. REO
1998.04.01.076047-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/283
Décimos. Quintos. Adicional de gestão educacional. Aposentadoria.
Servidor público. AC 2000.04.01.135309- 0/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
Dedução. Imposto de renda. Lei n° 9.316/96, art. 1°. Inconstitucionalidade. Não-configuração. AMS 1999.71.02.004558-0/RS. RTRF-4ª
40/2001/391
Denúncia. Rejeição. Recurso em sentido estrito. Súmula n° 60 do TRF-4ª. ACr 1998.04.01.015177-4/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
Desapropriação. Indenização. Cessão de direitos. AC 2000.04.01.0019960/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
417
Adm
Adm
Adm
Adm
Adm
Pn
Desapropriação. Transação. Adimplemento parcial. Correção monetária.
Juros de mora. AC 2000.04.01.137630-2/RS. RTRF-4ª 40/2001/206
Desapropriação indireta. Prescrição. Medida provisória n° 1.073/98.
AC 1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Direito adquirido. Auditores fiscais. Proventos. Gratificação de desempenho de atividade tributária. AC 1999.71.00.027279-6/RS. RTRF-4ª
40/2001/163
Direito adquirido. Servidor público. Aposentadoria. Quintos. Décimos.
Adicional de gestão educacional. AC 2000.04.01.135309-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
Direitos. Cessão. Indenização. Desapropriação. AC 2000.04.01.0019960/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
Dosimetria. Pena. Moeda falsa. Quadrilha. ACr 2000.04.01.078690-9/
PR. RTRF-4ª 40/2001/249
-E-
Pv
Economia familiar. Rurícola. Início de prova material. AC
1999.71.00.005725-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/307
PrCv
Efeitos infringentes. Embargos de declaração. FGTS. ED 95.04.075169/SC. RTRF-4ª 40/2001/333
Pv
Embargos à execução. Benefício. Revisão. AC 1999.71.04.003296-6/
RS. RTRF-4ª 40/2001/311
PrCv
Embargos de declaração. Efeitos infringentes. FGTS. ED 95.04.075169/SC. RTRF-4ª 40/2001/333
PrCv
Embargos de declaração. Pressupostos. Não-configuração. ED
2000.04.01.124187-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/354
PrCv
Erro de fato. Não-configuração. Rescisória. AR 96.04.09347-9/PR.
RTRF-4ª 40/2001/338
Pn
Estelionato. Crime continuado. Prescrição. Nulidade. Não-configuração.
ACr 97.04.39566-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/223
Pn
Estelionato. Não-configuração. Denúncia. Rejeição. CP, art. 171, § 3°.
ACr 1998.04.01.015177-4/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
PrCv
Estímulo fiscal. Liquidação de sentença. Coisa julgada. Não-configuração. AC 1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
AdmEx-combatente. Batalhão de Suez. Pensão especial. ADCT, art. 53. AC
1998.04.01.030971-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/115
Pv
Ex-combatente. Pensão. Companheira. Lei n° 4.297/63, art. 3°, d. Lei
n° 5.698/71. AC 1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
Adm
Exclusão. Mestrando. Processo administrativo. Princípios do contraditório e da ampla defesa. AMS 1999.71.04.003807-5/RS. RTRF-4ª
40/2001/154
418
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
PrCv
Pv
Adm
Execução de quantia certa. Fazenda Pública. Honorários advocatícios.
Descabimento. CPC, art. 20, § 4°. Ag 2000.04.01.124254-1/RS. RTRF-4ª 40/2001/368
Extinção do processo. Embargos infringentes. Salário-de-contribuição.
EI 95.04.48246-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/263
Extinção do processo. Ilegitimidade. Desapropriação. CPC, art. 267,
VI. AC 2000.04.01.001996-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
-F-
Trbt
PrCv
PrCv
PrCv
Pn
Cv
Fato gerador. IR. Abono salarial. CTN, art. 43. AMS 1999.04.01.0383021/RS. RTRF-4ª 40/2001/377
Fazenda Pública. Execução de quantia certa. Honorários advocatícios.
Descabimento. CPC, art. 20, § 4°. Ag 2000.04.01.124254-1/RS. RTRF-4ª 40/2001/368
Fazenda Pública. Revelia. Efeitos. CPC, art. 303, II e III. Ag
98.04.03092-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/348
FGTS. Embargos de declaração. Efeitos infringentes. ED 95.04.075169/SC. RTRF-4ª 40/2001/333
Fixação. Pena. Moeda falsa. Quadrilha. ACr 2000.04.01.078690-9/PR.
RTRF-4ª 40/2001/249
Força maior. Caso fortuito. Responsabilidade civil. CCv, art. 159. AC
2000.04.01.144768-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/211
-G-
Adm
Gratificação de desempenho de atividade tributária. Auditores fiscais.
Direito adquirido. AC 1999.71.00.027279-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/163
-H-
Pn
PrCv
Habeas corpus. Presunção de inocência. Direito de apelar em liberdade.
CF, art. 5°, LVII. CPP, art. 594. HC 2000.04.01.105416-5/PR. RTRF-4ª
40/2001/240
Honorários advocatícios. Descabimento. Fazenda Pública. Execução de
quantia certa. CPC, art. 20, § 4°. Ag 2000.04.01.124254-1/RS. RTRF-4ª
40/2001/368
-I-
Adm
Ilegitimidade. Extinção do processo. Desapropriação. CPC, art. 267,
VI. AC 2000.04.01.001996-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
419
Adm
Adm
Trbt
Trbt
Trbt
PrCv
Trbt
Trbt
Adm
PrCv
PrCv
PrCv
Pv
Pv
Pv
Pv
Pn
Pn
Pv
Pv
420
Imóvel urbano. Usucapião especial. Descabimento. Lei n° 6.969/81.
AC 1999.04.01.110764-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/140
Importação. Veículo usado. Apreensão. AMS 1999.04.01.091413-0/
PR. RTRF-4ª 40/2001/137
Imposto de renda. Base de cálculo. Lei n° 9.316/96, art. 1°. Inconstitucionalidade. Não-configuração. AMS 1999.71.02.004558-0/RS.
RTRF-4ª 40/2001/391
Imposto de renda. Fato gerador. Abono salarial. CTN, art. 43. AMS
1999.04.01.038302-1/RS. RTRF-4ª 40/2001/377
Imposto de renda. PDV. Responsabilidade tributária. CTN, arts. 123 e
166. AMS 1999.71.00.024012-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/386
Incentivo fiscal. Liquidação de sentença. Coisa julgada. Não-configuração. AC 1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
Inconstitucionalidade. Argüição. Medida provisória n° 2.113/2001,
art. 56, II, a. COFINS. PIS. AMS 1999.70.05.003502-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/396
Inconstitucionalidade. Não-configuração. Lei n° 9.316/96, art. 1°. AMS
1999.71.02.004558-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/391
Indenização. Cessão de direitos. Desapropriação. AC 2000.04.01.0019960/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
INPC. IPC. Liquidação de sentença. Súmula n° 37 do TRF- 4ª. AC
1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
INSS. Antecipação de tutela. Perícia. CPC, art. 130. Ag
2000.04.01.132614-1/RS. RTRF-4ª 40/2001/370
INSS. Benefício. Revisão. Conflito de competência. CC 96.04.61012-0/
RS. RTRF-4ª 40/2001/346
INSS. Benefício. Revisão. Contribuinte em dobro. Lei n° 8.212/91, art.
29. AC 97.04.63085-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/275
INSS. Benefício. Revisão. Embargos à execução. AC 1999.71.04.0032966/RS. RTRF-4ª 40/2001/311
INSS. Benefício. Revisão. Prescrição. AC 2000.04.01.005318-9/SC.
RTRF-4ª 40/2001/311
INSS. Contribuição previdenciária. Decadência. REO
1998.04.01.076047-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/283
INSS. Estelionato. Crime continuado. Prescrição. Nulidade. Não-configuração. ACr 97.04.39566-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/223
INSS. Estelionato. Não-configuração. CP, art. 171, § 3°. ACr
1998.04.01.015177-4/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
INSS. Ex-combatente. Pensão. Companheira. Lei n° 4.297/63, art. 3°,
d. Lei n° 5.698/71. AC 1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
INSS. Pensão. Processo administrativo. Habilitação de dependentes.
Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ag 1999.04.01.093644-7/
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
Pv
Pv
Pv
Pv
Pv
PrCv
PrCv
RS. RTRF-4ª 40/2001/298
INSS. Rurícola. Aposentadoria. Lei n° 8.213/91, arts. 11, 48, 142 e 143.
AC 1999.04.01.097527-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/301
INSS. Rurícola. Regime de economia familiar. Início de prova material.
AC 1999.71.00.005725-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/307
INSS. Rurícola. Tempo de serviço. Lei n° 8.213/91. AC
2000.04.01.116983-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/324
INSS. Salário-de-benefício. Cálculo. Lei n° 8.213/91, art. 32. AC
2000.04.01.093280-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/320
INSS. Salário-de-contribuição. Teto. Embargos infringentes. EI
95.04.48246-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/263
IPC. INPC. Liquidação de sentença. Súmula n° 37 do TRF- 4ª. AC
1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
IPI. Incentivo fiscal. Liquidação de sentença. Coisa julgada. Não-configuração. AC 1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
-J-
PrCv
Adm
PrCv
Juros de mora. Precatório. Embargos de declaração. ED
2000.04.01.124187-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/354
Juros de mora. Transação. Adimplemento parcial. Desapropriação. AC
2000.04.01.137630-2/RS. RTRF-4ª 40/2001/206
Justiça do Trabalho. Competência. Ação de indenização. CF, art. 114.
AC 2000.04.01.003101-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/358
-L-
Pv
Pv
Pv
Pv
Adm
Adm
Trbt
Pv
Lei n° 1.756/52. Conflito negativo de competência. Pensão. Majoração.
CC 97.04.04822-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/271
Lei n° 4.297/63, art. 3°, d. Ex-combatente. Pensão. Companheira. AC
1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
Lei n° 5.698/71. Conflito negativo de competência. Pensão. Majoração.
CC 97.04.04822-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/271
Lei n° 5.698/71. Renda mensal inicial. Pensão. Companheira. Ex-combatente. AC 1998.04.01.092124-5/SC. RTRF- 4ª 40/2001/291
Lei n° 6.969/81. Usucapião especial. Descabimento. Terreno de marinha.
AC 1999.04.01.110764-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/140
Lei n° 8.112/90, art. 5°, § 2°. Portadores de deficiência física. Concurso
público. MS 2000.04.01.097455-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/184
Lei n° 8.212/91, art. 28, § 9°, t. Contribuição previdenciária. Não-incidência. Bolsa de estudos. AC 1999.04.01.091497-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/382
Lei n° 8.212/91, art. 29. Renda mensal inicial. Cálculo. Contribuinte
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
421
Pv
Pv
Pv
Pv
Trbt
Adm
Adm
Trbt
Pv
Pn
Adm
PrCv
em dobro. AC 97.04.63085-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/275
Lei n° 8.213/91. Rurícola. Tempo de serviço. AC 2000.04.01.116983-7/
RS. RTRF-4ª 40/2001/324
Lei n° 8.213/91, art. 32. Salário-de-benefício. Cálculo. AC
2000.04.01.093280-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/320
Lei n° 8.213/91, art. 76, § 1°. INSS. Pensão. Processo administrativo.
Contraditório e ampla defesa. Ag 1999.04.01.093644-7/RS. RTRF-4ª
40/2001/298
Lei n° 8.213/91, arts. 11, 48, 142 e 143. INSS. Rurícola. Aposentadoria.
AC 1999.04.01.097527-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/301
Lei n° 9.316/96, art. 1°. Inconstitucionalidade. Não-configuração. AMS
1999.71.02.004558-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/391
Lei n° 9.527/97. Quintos. Décimos. Aposentadoria. Servidor público.
AC 2000.04.01.135309-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
Lei n° 9.640/98. Adicional de gestão educacional. Aposentadoria.
Servidor público. AC 2000.04.01.135309-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
Lei Complementar n° 84/96. Contribuição social. Não-incidência.
Royalties. AC 2000.04.01.038193-4/SC. RTRF-4ª 40/2001/402
Lei Complementar n° 156/97, art. 33, § único. Custas. INSS. AC
1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
Liberdade provisória. CPP, art. 594. Habeas corpus. HC
2000.04.01.105416-5/PR. RTRF-4ª 40/2001/240
Limitação administrativa. Conversão em desapropriação indireta. AC
1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Liquidação de sentença. Coisa julgada. Não-configuração. AC
1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
-M-
Pv
Pn Majoração. Pensão. Conflito negativo de competência. Lei n° 5.698/71.
Lei n° 1.756/52. CC 97.04.04822-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/271
Medida provisória n° 1.073/98. Desapropriação indireta. Prescrição.
AC 1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Medida provisória n° 1.915-1/99. Gratificação de desempenho
de atividade tributária. Auditores fiscais. Direito adquirido. AC
1999.71.00.027279-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/163
Medida provisória n° 2.113/2001, art. 56, II, a. Argüição de inconstitucionalidade. COFINS. PIS. AMS 1999.70.05.003502-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/396
Mestrando. Exclusão. Processo administrativo. Princípios do contraditório e da ampla defesa. AMS 1999.71.04.003807-5/RS. RTRF-4ª
40/2001/154
Moeda falsa. CP, art. 289. ACr 2000.04.01.078690-9/PR. RTRF-4ª
422
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
Adm
Adm
Trbt Adm
40/2001/249
-NAdm
Adm
Adm
Pn
PrPn
Nexo causal. Não-configuração. Responsabilidade extracontratual do
Estado. AC 2000.04.01.045719-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/178
Nexo de causalidade. Responsabilidade extracontratual do Estado.
Não-configuração. CREA. AC 2000.04.01.121053- 9/RS. RTRF-4ª
40/2001/190
Nulidade. Não-configuração. Desapropriação indireta. AC
1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Nulidade. Não-configuração. Estelionato. CP, art. 171. ACr 97.04.395663/RS. RTRF-4ª 40/2001/223
Nulidade. Não-configuração. Sentença. CPP, art. 563. ACr
2000.04.01.078690-9/PR. RTRF-4ª 40/2001/249
-O-
PrCv
Omissão. Não-configuração. Embargos de declaração. ED
2000.04.01.124187-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/354
-P-
Pn
Pv
Pv
Pv
Adm
PrCv
Trbt
Trbt
Adm
Pena. Fixação. Moeda falsa. Quadrilha. ACr 2000.04.01.078690-9/PR.
RTRF-4ª 40/2001/249
Pensão. Ex-combatente. Companheira. Lei n° 4.297/63, art. 3°, d. Lei
n° 5.698/71. AC 1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
Pensão. Majoração. Conflito negativo de competência. Lei n° 5.698/71.
Lei n° 1.756/52. CC 97.04.04822-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/271
Pensão. Processo administrativo. Habilitação de dependentes. Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ag 1999.04.01.093644-7/RS.
RTRF-4ª 40/2001/298
Pensão especial. Ex-combatente. Batalhão de Suez. ADCT, art. 53. AC
1998.04.01.030971-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/115
Perícia. Antecipação de tutela. CPC, art. 130. Ag 2000.04.01.132614-1/
RS. RTRF-4ª 40/2001/370
PIS. Medida provisória n° 2.113/2001, art. 56, II, a. Argüição de inconstitucionalidade. AMS 1999.70.05.003502-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/396
Plano de demissão voluntária. Responsabilidade tributária. Imposto de
renda. CTN, arts. 123 e 166. AMS 1999.71.00.024012-6/RS. RTRF-4ª
40/2001/386
Portadores de deficiência física. Concurso público. CF, art. 37, VIII.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
423
PrCv
Adm
PrCv
Pv
Adm
Pn Pn
Pn
Adm
Adm
Pv
Pv
Adm
Adm
Pv
Adm
Pv Adm
Adm
424
Lei n° 8.112/90, art. 5°, § 2°. MS 2000.04.01.097455-6/RS. RTRF-4ª
40/2001/184
Prazo. Contestação. Rescisória. CPC, art. 188. Ag 2000.04.01.0342643/RS. RTRF-4ª 40/2001/361
Prazo. Prescrição. Desapropriação indireta. Medida provisória n°
1.073/98. AC 1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Precatório. Juros de mora. Embargos de declaração. ED
2000.04.01.124187-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/354
Prescrição. Auxílio-doença. Revisão. AC 2000.04.01.005318-9/SC.
RTRF-4ª 40/2001/311
Prescrição. Desapropriação indireta. Medida provisória n° 1.073/98.
AC 1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Prescrição. Não-configuração. Estelionato. CP, art. 171. ACr
97.04.39566-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/223
Presunção de inocência. Direito de apelar em liberdade. CF, art. 5°, LVII.
CPP, art. 594. HC 2000.04.01.105416- 5/PR. RTRF-4ª 40/2001/240
Princípio da presunção de inocência. Direito de apelar em liberdade.
CF, art. 5°, LVII. CPP, art. 594. HC 2000.04.01.105416-5/PR. RTRF-4ª
40/2001/240
Princípios da boa-fé e da segurança jurídica. Ato administrativo. Convalidação. AC 1998.04.01.054251-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/125
Princípios do contraditório e da ampla defesa. Processo administrativo.
Ensino superior. AMS 1999.71.04.003807- 5/RS. RTRF-4ª 40/2001/154
Princípios do contraditório e da ampla defesa. Processo administrativo.
Habilitação de dependentes. Pensão. INSS. Ag 1999.04.01.093644-7/
RS. RTRF-4ª 40/2001/298
Processo. Extinção. Embargos infringentes. Salário-de-contribuição.
EI 95.04.48246-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/263
Processo. Extinção. Ilegitimidade. Desapropriação. CPC, art. 267, VI.
AC 2000.04.01.001996-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/171
Processo. Nulidade. Não-configuração. Desapropriação indireta. AC
1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Processo administrativo. INSS. Pensão. Habilitação de dependentes.
Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ag 1999.04.01.093644-7/
RS. RTRF-4ª 40/2001/298
Processo administrativo. Princípios do contraditório e da ampla defesa.
Ensino superior. AMS 1999.71.04.003807-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/154
Prova material. Economia familiar. Rurícola. AC 1999.71.00.005725-3/
RS. RTRF-4ª 40/2001/307
Proventos. Aposentadoria. Adicional de gestão educacional. Quintos.
Décimos. Direito adquirido. Servidor público. AC 2000.04.01.1353090/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
Proventos. Auditores fiscais. Gratificação de desempenho de atividade
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
tributária. Direito adquirido. AC 1999.71.00.027279-6/RS. RTRF-4ª
40/2001/163
-QPn
Adm
Quadrilha. CP, art. 288. ACr 2000.04.01.078690-9/PR. RTRF-4ª
40/2001/249
“Quintos”. “Décimos”. Adicional de gestão educacional. Aposentadoria.
Servidor público. AC 2000.04.01.135309- 0/PR. RTRF-4ª 40/2001/195
-R-
PrCv
Pn/PrPn
Pv
Pv
Pv
Pv
PrCv
PrCv
PrCv
Cv
Adm
Adm
Adm
Trbt
PrCv
Recurso. Representação processual. Ausência. CPC, art. 37. EI
96.04.52839-4/PR. RTRF-4ª 40/2001/343
Recurso em sentido estrito. Denúncia. Súmula n° 60 do TRF-4ª. ACr
1998.04.01.015177-4/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
Regime de economia familiar. Rurícola. Início de prova material. AC
1999.71.00.005725-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/307
Renda mensal inicial. Cálculo. Contribuinte em dobro. Lei n° 8.212/91,
art. 29. AC 97.04.63085-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/275
Renda mensal inicial. Pensão. Companheira. Ex-combatente. Lei n°
5.698/71. AC 1998.04.01.092124-5/SC. RTRF-4ª 40/2001/291
Renda mensal inicial. Revisão. Embargos à execução. AC
1999.71.04.003296-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/311
Representação processual. Ausência. CPC, art. 37. EI 96.04.52839-4/
PR. RTRF-4ª 40/2001/343
Rescisória. Contestação. Prazo. CPC, art. 188. Ag 2000.04.01.0342643/RS. RTRF-4ª 40/2001/361
Rescisória. Erro de fato. Não-configuração. Súmula n° 343 do STF. AR
96.04.09347-9/PR. RTRF-4ª 40/2001/338
Responsabilidade civil. Caso fortuito. Força maior. Incêndio. CCv, art.
159. AC 2000.04.01.144768-0/PR. RTRF- 4ª 40/2001/211
Responsabilidade extracontratual do Estado. Dano moral. CEF. AC
1999.70.08.002946-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/150
Responsabilidade extracontratual do Estado. Danos moral e material.
AC 2000.04.01.045719-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/178
Responsabilidade extracontratual do Estado. Não-configuração. CREA.
AC 2000.04.01.121053-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/190
Responsabilidade tributária. Imposto de renda. PDV. CTN, arts. 123 e
166. AMS 1999.71.00.024012-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/386
Revelia. Fazenda pública. Efeitos. CPC, art. 303, II e III. Ag
98.04.03092-6/RS. RTRF-4ª 40/2001/348
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
425
PrCv
Pv
Pv
Pv
Trbt
Pv
Pv
Pv
Revisão. Aposentadoria. Conflito de competência. CC 96.04.61012-0/
RS. RTRF-4ª 40/2001/346
Revisão. Auxílio-doença. Prescrição. AC 2000.04.01.005318-9/SC.
RTRF-4ª 40/2001/311
Revisão. Benefício. Contribuinte em dobro. Lei n° 8.212/91, art. 29.
AC 97.04.63085-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/275
Revisão. Benefício. Embargos à execução. AC 1999.71.04.003296-6/
RS. RTRF-4ª 40/2001/311
Royalties. Contribuição social. Não-incidência. Lei Complementar n°
84/96. AC 2000.04.01.038193-4/SC. RTRF-4ª 40/2001/402
Rurícola. Aposentadoria. INSS. Lei n° 8.213/91, arts. 11, 48, 142 e 143.
AC 1999.04.01.097527-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/301
Rurícola. Regime de economia familiar. Início de prova material. AC
1999.71.00.005725-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/307
Rurícola. Tempo de serviço. Lei n° 8.213/91. AC 2000.04.01.116983-7/
RS. RTRF-4ª 40/2001/324
-S-
Pv
Salário-de-benefício. Cálculo. Lei n° 8.213/91, art. 32. AC
2000.04.01.093280-0/SC. RTRF-4ª 40/2001/320
Pv
Salário-de-contribuição. Teto. Embargos infringentes. EI 95.04.482465/RS. RTRF-4ª 40/2001/263
Pv
Segurado especial. Rurícola. Tempo de serviço. Lei n° 8.213/91. AC
2000.04.01.116983-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/324
Adm
Segurança jurídica. Ato administrativo. Convalidação. AC
1998.04.01.054251-9/RS. RTRF-4ª 40/2001/125
PrCv
Sentença. Liquidação. Coisa julgada. Não-configuração. AC
1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
PrPn
Sentença. Nulidade. Não-configuração. CPP, art. 563. ACr
2000.04.01.078690-9/PR. RTRF-4ª 40/2001/249
AdmSentença extra petita. Não-configuração. Desapropriação indireta. AC
1999.04.01.112449-7/PR. RTRF-4ª 40/2001/144
Adm
Servidor da posse. Usucapião especial. Descabimento. Lei n° 6.969/81.
AC 1999.04.01.110764-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/140
Adm
Servidor público. Proventos. Adicional de gestão educacional. Quintos.
Décimos. Direito adquirido. AC 2000.04.01.135309-0/PR. RTRF-4ª
40/2001/195
PrCv
SFH. Rescisória. Erro de fato. Não-configuração. Súmula n° 343 do
STF. AR 96.04.09347-9/PR. RTRF-4ª 40/2001/338
PrCv
Substabelecimento. Representação processual. Ausência. CPC, art. 37.
EI 96.04.52839-4/PR. RTRF-4ª 40/2001/343
PrCv
Súmula n° 37 do TRF-4ª. IPC. Liquidação de sentença. AC
426
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
Pn/PrPn
PrCv
1999.04.01.085697-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/351
Súmula n° 60 do TRF-4ª. Denúncia. Rejeição. Recurso em sentido
estrito. ACr 1998.04.01.015177-4/RS. RTRF-4ª 40/2001/236
Súmula n° 343 do STF. Rescisória. Erro de fato. Não-configuração. AR
96.04.09347-9/PR. RTRF-4ª 40/2001/338
-T-
Pv
Pv
Adm
Adm
Pv
Pv
Pv
Pv Adm
PrCv Tempo de serviço. Autônomo. Contribuição previdenciária. Decadência.
REO 1998.04.01.076047-0/RS. RTRF-4ª 40/2001/283
Tempo de serviço. Rurícola. Lei n° 8.213/91. AC 2000.04.01.116983-7/
RS. RTRF-4ª 40/2001/324
Terceiro de boa-fé. Apreensão. Veículo usado. Importação irregular.
AMS 1999.04.01.091413-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/137
Terreno de marinha. Usucapião especial. Descabimento. Lei n° 6.969/81.
AC 1999.04.01.110764-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/140
Teto. Salário-de-contribuição. Embargos infringentes. EI 95.04.482465/RS. RTRF-4ª 40/2001/263
Trabalhador rural. Aposentadoria. INSS. Lei n° 8.213/91, arts. 11, 48,
142 e 143. AC 1999.04.01.097527-1/SC. RTRF-4ª 40/2001/301
Trabalhador rural. Regime de economia familiar. Início de prova material. AC 1999.71.00.005725-3/RS. RTRF-4ª 40/2001/307
Trabalhador rural. Tempo de serviço. Lei n° 8.213/91. AC
2000.04.01.116983-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/324
Transação. Adimplemento parcial. Correção monetária. Juros de mora.
Desapropriação. AC 2000.04.01.137630-2/RS. RTRF-4ª 40/2001/206
Tutela. Antecipação. Perícia. CPC, art. 130. Ag 2000.04.01.132614-1/
RS. RTRF-4ª 40/2001/370
-U-
Adm
Adm
UFRGS. Responsabilidade extracontratual do Estado. Danos moral e
material. AC 2000.04.01.045719-7/RS. RTRF-4ª 40/2001/178
Usucapião especial. Descabimento. Terreno de marinha. Lei n° 6.969/81.
AC 1999.04.01.110764-5/RS. RTRF-4ª 40/2001/140
-V-
Adm
Ve í c u l o u s a d o . I m p o r t a ç ã o i r r e g u l a r. A p r e e n s ã o . A M S
1999.04.01.091413-0/PR. RTRF-4ª 40/2001/137
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
427
428
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 411-428, 2001
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revista do tribunal regional federal - Tribunal Regional Federal da 4ª