MUCOCELES - CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO
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MUCOCELES
CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO
MUCOCELES
CONTRIBUTION TO THE STUDY
Paulo Ricardo Saquete MARTINS FILHO *
Liliane Poconé DANTAS **
Marta Rabello PIVA ***
Luiz Carlos Ferreira da SILVA ****
Clóvis MARZOLA *****
_________________________________________________
* Mestrando em Ciências da Saúde pelo Núcleo de Pós-Graduação em Medicina da Universidade
Federal de Sergipe. Professor Substituto da Disciplina de Patologia Bucal do
Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe. Campus da Saúde
“Prof. João Cardoso Nascimento Júnior” – Departamento de Odontologia, Rua Cláudio
Batista s/n, Bairro Sanatório, CEP 49060-100, Aracaju, Sergipe. E-mail:
[email protected] / [email protected]
** Cirurgiã-Dentista Graduada pela Universidade Federal de Sergipe
*** Doutora em Patologia Bucal pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora
Adjunta da Universidade Federal de Sergipe.
**** Doutor em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial pela Universidade de Pernambuco. Professor
Adjunto da Universidade Federal de Sergipe.
***** Professor Titular de Cirurgia da Faculdade de Odontologia de Bauru da USP, Aposentado.
Professor dos Cursos de Especialização e Residência em Cirurgia e Traumatologia
Buco-Maxilo-Facial da APCD Regional de Bauru e do Colégio Brasileiro de Cirurgia e
Traumatologia BMF e Hospital de Base da Associação Hospitalar de Bauru.
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RESUMO
Introdução: Mucoceles são lesões orais que resultam da injúria ou
obstrução do ducto de uma glândula salivar menor. São poucos os estudos
clinicopatológicos feitos no Brasil a respeito do assunto. Objetivo: Avaliar as
características clinicopatológicas de mucoceles da cavidade oral. Material e
Método: Estudo retrospectivo de 37 casos de mucocele diagnosticados no
Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe no período de
Janeiro de 2000 a Junho de 2008. As variáveis clínicas estudadas foram obtidas
dos prontuários dos pacientes e os padrões microscópicos através da análise do
arquivo de lâminas. O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificação da
distribuição normal das variáveis estudadas. Nas variáveis que não apresentaram
distribuição normal, o teste não-paramétrico Mann-Whitney foi usado e, nas
variáveis que apresentaram normalidade, o teste de Student. Resultados: Dos 37
casos estudados, 22 pertenciam a pacientes do gênero feminino e 15 ao masculino.
A média de idade do diagnóstico foi 22,9±17 anos, não havendo diferença
estatística entre homens e mulheres. Em 76% dos casos o lábio inferior foi
acometido, com média de idade de 17,92±9,63 anos; lesões em outras localizações
anatômicas foram menos comuns, tendo como média de idade dos pacientes
38,55±25,10 anos.
Mais de 90% dos casos foram diagnosticados
microscopicamente como fenômenos de extravasamento de muco. Conclusão: As
lesões em lábio inferior ocorrem preferencialmente em pacientes jovens, se
comparadas às lesões em outras localizações anatômicas. Em todos os casos, não
há predileção por gênero e o padrão microscópico mais comum é o fenômeno de
extravasamento de muco.
ABSTRACT
Background: Mucoceles are oral lesions that results from the injury
or obstruction of a minor salivary gland. There are few clinic pathological studies
in Brazil about the subject. Objectives: The aim of this study was to analyze the
clinic pathological characteristics of oral mucoceles. Material and Method:
Retrospective study of 37 cases of mucocele diagnosed at the Department of
Dentistry of the Federal University of Sergipe, Brazil during the period from
January 2000 to June 2008. The clinical variables were obtained from medical
records of patients and microscopical pattern through the analyses from the filled
slides. Shapiro-Wilk test was used to verify the normal distribution of the studied
variables. Mann-Whitney test was used to compare medians of non-normal
distribution. For normal distribution, Student test was used. Results: From the 37
cases studied, 22 belonged to female patients and 15 to male ones. The average
age of diagnosis was 22.9 ± 17years, with no statistical difference between men
and women. In 76% of cases the lower lip was affected, with an average age of
17.92 ± 9.63years; lesions in other anatomic locations were less common, with the
average age of patients 38.55 ± 25.10years. More than 90% of cases were
microscopically diagnosed as mucous extravasation phenomenon. Conclusion:
Lesions in the lower lip preferentially occur in young patients, compared to
lesions in other anatomic locations. In all cases, there is no predilection for sex
and the most common microscopical pattern is the mucous extravasation
phenomenon.
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Unitermos: Mucocele; Rânula; Cavidade oral.
Uniterms: Mucocele; Ranula; Oral cavity.
INTRODUÇÃO
Mucoceles são as lesões mais comuns das glândulas salivares
menores e caracterizam-se tipicamente como um aumento de volume translúcido
ou levemente azulado sob a mucosa afetada. O lábio inferior é o local de maior
envolvimento, havendo forte associação com histórias de traumatismo na região,
seja ele agudo ou crônico.
Estas lesões podem ser classificadas,
microscopicamente, em mucoceles de extravasamento e de retenção de muco,
dependendo da presença de revestimento epitelial (HARRISON, 1975).
São poucos os estudos clinicopatológicos feitos no Brasil a respeito
do assunto. Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo avaliar as
características clinicopatológicas de mucoceles da cavidade bucal diagnosticadas
no Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe no período
de Janeiro de 2000 a Junho de 2008.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo de caráter retrospectivo de 37 casos de mucocele da
cavidade oral diagnosticados no Departamento de Odontologia da Universidade
Federal de Sergipe no período de Janeiro de 2000 a Junho de 2008.
As variáveis clínicas estudadas como a idade, gênero e a
localização das lesões, foram obtidas dos prontuários dos pacientes. A
classificação das mucoceles em fenômenos de extravasamento de muco ou
retenção de muco (HARRISON, 1975) ocorreu após a revisão das lâminas
coradas em hematoxilina e eosina (H.E.) arquivadas no Serviço de Patologia do
Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe.
Para a análise da amostra, empregou-se o cálculo da média e desvio
padrão das variáveis estudadas. Inicialmente, foi testada a normalidade para as
variáveis através do teste de Shapiro-Wilk. Nas variáveis que não apresentaram
distribuição normal, o teste não-paramétrico Mann-Whitney foi usado e, nas
variáveis que apresentaram normalidade, o teste de Student. Os dados coletados
foram analisados através do programa estatístico SPSS (Statistical Package for
Social Science), versão 13.0. O nível de significância adotado foi de p<0,05.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Sergipe com o número 0075.0.107.000-08.
RESULTADOS
A idade de diagnóstico variou de 05 a 71 anos (média 22,9±17),
sendo a maior prevalência observada na segunda década de vida. Do total de
lesões, 15 foram observadas em pacientes do sexo masculino e 22 no feminino,
com uma proporção aproximada homem/mulher de 2:3 (Tabela 1).
De acordo com o teste de Shapiro-Wilk, a idade dos pacientes com
que as lesões foram diagnosticadas não tem distribuição normal tanto para
pacientes do sexo feminino quanto para o masculino. Através do teste de Mann-
MUCOCELES - CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO
984
Whitney, não foi observada diferença estatística entre as médias de diagnóstico
para os dois sexos (Tabela 2).
No que se refere à localização anatômica, verificou-se que o lábio
inferior foi a região mais afetada, seguido da mucosa jugal, ventre da língua,
assoalho bucal e zona retromolar. Nenhum caso foi observado na mucosa palatina
e no lábio superior (Tabela 3).
Tabela 1. Faixa etária e sexo dos pacientes acometidos.
Faixa Etária
Sexo
Total
Feminino
Masculino
0 ┤10
05
03
08
10 ┤20
09
06
15
20 ┤30
04
02
06
30 ┤40
02
01
03
40 ┤50
-
01
01
50 ┤60
01
-
01
60 ┤70
-
02
02
+ 70
01
-
01
Total
22
15
37
Tabela 2. Teste de normalidade e de Mann-Whitney para comparação das médias de idade de
diagnóstico entre pacientes do sexo feminino e masculino.
Sexo
Idade
Shapiro-Wilk
Mann-Whitney
0,299
Média
Desvio Padrão
Feminino (n=22)
20,8
15,8
0,0007
Masculino (n=15)
26,1
18,8
0,0125
Tabela 3. Localização das mucoceles.
Localização
Freqüência absoluta
Freqüência relativa
Lábio inferior
28
76%
Mucosa jugal
04
11%
Ventre lingual
02
5%
Assoalho bucal
02
5%
Retromolar
01
3%
37
100%
Total
A idade de diagnóstico para as lesões de lábio inferior teve uma
distribuição normal segundo o teste de Shapiro-Wilk, o mesmo sendo observado
quando as lesões foram agrupadas para outras localizações anatômicas. Através
do teste Student, verificamos diferença estatística entre a média de idade de
diagnóstico das lesões de lábio inferior e das lesões em outras localizações
anatômicas (Tabela 4 e Gráfico 1).
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Tabela 4. Teste de normalidade e de Student para comparação das médias de idade de diagnóstico
de acordo com a localização anatômica.
Localização
Idade
Shapiro-Wilk
Student
0,0008
Média
Desvio Padrão
Lábio inferior (n=28)
17,92
9,63
0,0547
Outros sítios (n=9)
38,55
25,10
0,2294
Gráfico 1. Box Plot. Idade x localização.
Quanto aos tipos microscópicos, verificou-se maior prevalência de
mucoceles do tipo extravasamento de muco (92%). Os três casos diagnosticados
como fenômenos de retenção de muco foram observados em pacientes do gênero
feminino, embora não tenha havido predileção por faixa etária e localização
(Tabela 5).
Tabela 5. Casos classificados histologicamente como fenômenos de retenção de muco.
Localização
Idade
Sexo
Assoalho bucal
32
Feminino
Lábio inferior
16
Feminino
Mucosa jugal
51
Feminino
DISCUSSÃO
Análise Clínica
Mucoceles são lesões que ocorrem em regiões da cavidade oral
onde há a presença de glândulas salivares. O lábio inferior é a região anatômica
de maior envolvimento, provavelmente devido à alta incidência de trauma
mecânico na região. Vários pacientes relatam história de mordedura crônica do
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lábio, hábito de sucção ou alguma outra manobra parafuncional. Pacientes jovens
são preferencialmente envolvidos e não há uma clara predileção por sexo (Tabela
6).
Tabela 6. Principais características clínicas das mucoceles orais, de acordo com a literatura
consultada.
Autores
Nº de
Local Mais Prevalente
Casos
Faixa Etária Mais
Sexo Mais
Acometida
Acometido
BHASKAR et al., (1956)
19
Lábio inferior (58%)
Não relatada
Não relatado
CHAUDRY et al., (1960)
66
Lábio inferior (68%)
21-30 anos
Sem predileção
ROBINSON, HANSEN (1964)
125
Lábio inferior (52%)
11-20 anos
Sem predileção
COHEN (1965)
80
Lábio inferior (65%)
21-30 anos
Masculino
HARRISON (1975)
55
Lábio inferior (60%)
11-20 anos
Sem predileção
OLIVEIRA et al., (1993)
112
Lábio inferior (68%)
11-20 anos
Sem predileção
Nossos achados se assemelham aos observados na literatura quanto
ao local de maior prevalência e a faixa etária mais acometida, embora a frequência
de mucoceles presentes no lábio inferior tenha sido maior que a dos trabalhos
estudados (76%). Entretanto, o dado demográfico destoante do observado na
literatura foi o gênero mais acometido, uma vez que houve predileção de 60% dos
casos pelas mulheres.
As lesões diagnosticadas no lábio inferior tiveram maior
prevalência em pacientes mais jovens, quando comparadas ao conjunto de lesões
em outras localizações anatômicas. É consenso que o trauma mecânico por
mordedura seja o principal fator associado ao desenvolvimento de mucoceles no
lábio inferior; assim, o fato das taxas de edentulismo aumentarem
consideravelmente após a quarta década de vida poderia contribuir para que a
incidência de lesões nessa localização anatômica diminuísse a partir dessa época.
Isso também pode levar a supor que outros fatores etiológicos, como a obstrução
do ducto ou outros tipos de traumatismos mecânicos, poderiam estar envolvidos
no desenvolvimento de mucoceles nas demais localizações anatômicas em
pacientes mais velhos.
A mucosa jugal foi o segundo local de maior acometimento, com
aproximadamente 11% dos casos. Frequências semelhantes foram observadas
(BHASKAR; BOLDEN; WEINMANN, 1956 a; CHAUDRY; REYNOLDS;
LACHAPELLE et al., 1960; ROBINSON; HANSEN, 1964 e COHEN, 1965).
Foi relatada uma prevalência de 16% de mucoceles (HARRISON, 1975),
enquanto outros autores observaram valores menores, próximos a 6%
(OLIVEIRA; CONSOLARO; FREITAS, 1993). É provável que a mucosa
jugal seja um dos locais de maior prevalência em decorrência da alta exposição a
fatores traumáticos, especialmente o de mordedura crônica da região. Entretanto,
nenhum trabalho que relacionasse a presença de mucoceles na mucosa jugal e
hábitos de mordedura foi encontrado na literatura.
Os mucoceles presentes no assoalho bucal, também conhecidos
como rânulas, podem ter origem nas glândulas salivares menores ou maiores da
região, tanto decorrentes de um fator traumático ou por obstrução dos ductos. No
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987
que concerne às lesões localizadas na língua, a ocorrência é quase exclusiva na
superfície ventral onde as glândulas de Blandin-Nuhn estão presentes. Do total de
457 mucoceles estudados (BHASKAR; BOLDEN; WEINMANN, 1956 a;
CHAUDRY; REYNOLDS; LACHAPELLE et al., 1960; ROBINSON;
HANSEN, 1964; COHEN, 1965; HARRISON, 1975 e OLIVEIRA;
CONSOLARO; FREITAS, 1993), uma taxa global de prevalência de 10% e 6%
para lesões no assoalho bucal e língua, respectivamente, foi observada.
Apesar de não ser uma lesão tão frequente, a mucocele de assoalho
bucal parece ser uma das mais importantes, uma vez que pode adquirir grandes
proporções e comprometer as funções de fonação, mastigação, deglutição e
respiração dos pacientes.
No que se refere aos dados demográficos, foi observado após
análise de 580 lesões, que a maioria dos casos ocorre na segunda, terceira e quarta
décadas de vida, com uma leve predileção pelo gênero feminino, corroborando
com os casos diagnosticados em nosso estudo (ZHAO; JIA; CHEN et al., 2004).
Referente às lesões de língua, notou-se que entre 26 mucoceles de
Blandin-Nuhn que a maioria dos casos pertencia ao gênero feminino e
encontravam-se nas duas primeiras décadas de vida (JINBU; KUSAMA; ITOH
et al., 2003). Relatos semelhantes quanto à faixa etária acometida foram
constatados (SUGERMAN; SAVAGE; YOUNG, 2000 e DANIELS; AL
BAKRI, 2005), entretanto, nos trabalhos apresentados não houve uma clara
predileção por gênero. Apesar dos dois casos analisados neste estudo obedecerem
a esse mesmo padrão etário, os pacientes envolvidos pertenciam ao gênero
masculino.
É raríssima a presença de mucoceles na região retromolar. Os
trabalhos consultados não reportaram frequências acima de 3%. Em 2007 foi
relatado um caso de mucocele com 1 cm de diâmetro na região retromolar de uma
paciente com 54 anos de idade (NARITA; NAKAGAWA; HIRAMOTO et al.,
2007). Em nossa casuística, apenas 01 caso foi encontrado, pertencente a um
paciente do gênero masculino com 69 anos de idade.
Lesões na gengiva, palato e lábio superior não foram encontradas.
A prevalência dessas lesões em trabalhos variou de 0 a 5%, caracterizando esses
sítios anatômicos como de rara ocorrência (BHASKAR; BOLDEN;
WEINMANN, 1956 a; CHAUDRY; REYNOLDS; LACHAPELLE et al.,
1960; ROBINSON; HANSEN, 1964; COHEN, 1965 e HARRISON, 1975).
Casos de múltiplos mucoceles superficiais localizados nessas
regiões foram reportados (MANDEL; BAURMASH, 1957; TAL; ALTINI;
LEMMER, 1984; EVESON, 1988 e BERMEJO; AGUIRRE; LOPEZ et al.,
1999), sendo necessária a realização de diagnóstico diferencial com algumas
doenças como o penfigóide benigno de mucosa. No departamento onde foi
realizada a pesquisa, nenhum caso semelhante foi verificado.
Análise Microscópica
Os mucoceles eram considerados lesões resultantes da obstrução de
um ducto excretor (THOMA, 1954). Entretanto, alguns estudos posteriores
acabaram demonstrando que a ligadura dos ductos excretores de ratos e
camundongos não cursava com a formação de lesões, mas sim em atrofia do
MUCOCELES - CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO
988
ácino, desaparecimento dos grânulos secretores, fibrose intersticial e adenite
(BHASKAR; BOLDEN; WEINMANN, 1956 a).
Em estudo realizado
(BHASKAR; BOLDEN; WEINMANN, 1956 b), foi observada formação de
mucoceles semelhantes às observadas em humanos após produção de traumas dos
ductos excretores de ratos e camundongos. Todas as lesões removidas eram
circundadas por tecido conjuntivo e não por epitélio. A partir daí, postulou-se que
os mucoceles aparentemente produzidos pelo trauma do ducto excretor eram
decorrentes do escape de saliva para o tecido conjuntivo. Foi demonstrado em
cortes microscópicos o defeito do sistema ductal e a saliva extravasada circundada
por tecido conjuntivo repleto de células inflamatórias, especialmente plasmócitos
e linfócitos (BOLDEN, 1957). Assim, esse autor sugeriu a seguinte sequência de
eventos para a formação das mucoceles: (1) trauma com injúria do ducto; (2)
escape de saliva para o tecido conjuntivo; (3) acúmulo de saliva no tecido; (4)
aumento de volume localizado (diagnosticado clinicamente como mucocele); (5)
compressão do tecido adjacente (ductos, ácinos, tecido conjuntivo e epitélio oral);
(6) produção de uma adenite obstrutiva secundária à compressão dos ductos
adjacentes.
A presença de revestimento epitelial parcial ou total, ao redor da
saliva extravasada parece ser algo bastante incomum, como demonstrado por
vários trabalhos (BHASKAR; BOLDEN; WEINMANN, 1956 a) (Tabela 7).
Tabela 7. Presença de revestimento epitelial, de acordo com a literatura consultada.
Autores
Nº de Casos
Presença de Revestimento Epitelial
Frequência absoluta
Frequência relativa
19
-
-
CHAUDRY et al., (1960)
66
10
15%
ROBINSON, HANSEN (1964)
125
22
18%
COHEN (1965)
80
07
9%
HARRISON (1975)
55
10
22%
OLIVEIRA et al., (1993)
112
08
7%
BHASKAR et al., (1956)
Apesar dos trabalhos terem sugerido o trauma do ducto excretor
como o principal fator causal para a formação de mucoceles, foi ainda sugerido
que, em alguns casos, a obstrução parcial do ducto excretor por um sialolito ou
causas extraluminais pode produzir distensão do ducto e então sua ruptura, com
subsequente escape de muco para o tecido conjuntivo formando o mucocele
(CHAUDRY; REYNOLDS; LACHAPELLE et al., 1960).
Em 1965, Os mucoceles foram classificados microscopicamente
em cistos de extravasamento de muco e em cistos de retenção de muco (COHEN,
1965). A primeira seria resultado do extravasamento da saliva para o tecido
conjuntivo, podendo ou não estar envolta por tecido de granulação. A segunda
caracteriza-se pela presença de revestimento epitelial ao redor da saliva em
continuação com o ducto. Segundo o autor, o trauma do ducto excretor das
glândulas salivares, resultando na sua ruptura e extravasamento de saliva, é
provavelmente o mais importante fator causal na produção de uma mucocele. A
alta frequência de lesões no lábio inferior talvez possa ser explicada pela grande
susceptibilidade da região a traumas, especialmente o de mordedura. Entretanto,
MUCOCELES - CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO
989
se há obstrução parcial do fluxo mucoso e a pressão no interior do ducto aumenta
gradativamente, o ducto poderá se dilatar e o seu epitélio poderá se proliferar,
resultando em um cisto de retenção de muco.
Entretanto afirmaram ainda outros autores que a baixa frequência
de mucoceles revestidos por epitélio pode ser explicada pela pouca elasticidade
das estruturas ductais por conter um acúmulo exagerado de secreção
(OLIVEIRA; CONSOLARO; FREITAS, 1993). Em pacientes mais velhos,
provavelmente devido a uma menor produção de saliva e a uma diminuição do
seu fluxo, há uma maior tendência para a ocorrência de mucoceles de retenção de
muco, como já havia demonstrado (HARRISON, 1975).
Outros autores ainda detectaram a ocorrência de cálculo nas
glândulas salivares menores em indivíduos com mais de 40 anos, o que poderia
representar o principal fator etiológico para a formação de mucoceles nesta idade
(JENSEN; HOWELL; RICK et al., 1979). Entretanto, os mucoceles de
retenção de muco neste estudo, apesar do baixo número, não ocorreram com
predileção por alguma faixa etária e, nos cortes microscópicos, não foram
detectados sinais da presença de cálculos salivares (Fig. 1).
Fig. 1. Fenômeno de retenção de muco. A saliva é revestida pelo epitélio do ducto excretor.
Nesses casos, o fenômeno pode ser considerado um cisto de retenção de muco.
O mesmo não foi observado em relação aos mucoceles de
extravasamento, que compreenderam aproximadamente 92% da amostra sendo
mais prevalentes nas três primeiras décadas de vida. O processo fisiopatológico
para a formação desse fenômeno foi mais bem explicado (SHAREEF; ALSALIHI; SAMSUDIN et al., 2005), segundo os quais a saliva extravasada é
primeiramente circundada por células inflamatórias e depois por um tecido de
granulação composto principalmente de fibroblastos. O muco extravasado parecia
induzir uma reação inflamatória como já havia sido afirmado, em que massas de
macrófagos apareciam e depois tecido fibroso era depositado (HARRISON,
MUCOCELES - CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO
990
1975). Embora não exista revestimento epitelial circundando a mucina, uma vez
que o ducto foi rompido, este se torna encapsulado por tecido de granulação e o
fenômeno acaba sendo categorizado como um pseudocisto ou falso cisto (Fig. 2).
Desta forma, não é recomendável classificar os mucoceles de extravasamento de
muco como “lesões císticas” conforme se preconizava décadas atrás.
Fig. 2. Fenômeno de extravasamento de muco. A saliva é extravasada em decorrência do
rompimento do ducto excretor (chave pontilhada), sendo circundada por tecido de
granulação.
O variante extravasamento de muco também é vista com maior
frequência em lesões de assoalho bucal (WHITLOCK; SUMMERSGILL, 1962;
COHEN, 1965; ZHAO; JIA; CHEN et al., 2004). Foi também sugerido que,
em estágios iniciais, a parede cística da rânula é revestida por células colunares ou
cuboidais derivadas do epitélio ductal ou acinar (MANDEL; BAURMASH,
1957). À medida que a lesão progride, poderá ocorrer degeneração ou hiperplasia
desse revestimento epitelial. As mudanças degenerativas são reflexos da presença
do tecido de granulação que se forma ao redor da saliva e a hiperplasia por uma
mudança do epitélio escamoso estratificado. A presença de revestimento epitelial
em 05 casos de mucoceles em assoalho de boca de um total de 08 diagnosticados
foi relatada (HARRISON, 1975). Na casuística apresentada, dos dois casos
diagnosticados, um foi classificado como fenômeno de extravasamento de muco
e, o outro como cisto de retenção de muco.
No que se refere aos mucoceles de Blandin-Nuhn, a literatura
consultada (SUGERMAN; SAVAGE; YOUNG, 2000 e JINBU; KUSAMA;
ITOH et al., 2003) revela que 100% dos casos diagnosticados referem-se a
fenômenos de extravasamento de muco. Entretanto, em uma série de 05 casos
clínicos, foi descrito um caso diagnosticado microscopicamente como um cisto de
retenção de muco em uma criança com 06 anos de idade (DANIELS; AL
BAKRI, 2005). Neste estudo, os dois casos observados foram diagnosticados
MUCOCELES - CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO
991
microscopicamente como fenômenos de extravasamento de muco, concordando
com os trabalhos pesquisados.
Em relação aos aspectos microscópicos de mucoceles em mucosa
jugal, uma descrição um pouco mais detalhada foi observada em um trabalho
(HARRISON, 1975), em que, dos 09 casos diagnosticados na região, 04 eram
cistos de retenção de muco. Nos achados da presente pesquisa, 01 caso localizado
na mucosa jugal foi classificado dessa maneira.
CONCLUSÕES
De acordo com os achados, pode-se concluir que as lesões no lábio
inferior ocorrem preferencialmente em pacientes jovens, se comparadas às lesões
em outras localizações anatômicas. Em todos os casos, não há predileção por
gênero e, o padrão microscópico mais comum é o fenômeno de extravasamento de
muco. Os fenômenos de extravasamento de muco não devem ser referidos como
lesões “císticas”, uma vez que não há revestimento epitelial circundando a lesão.
REFERÊNCIAS *
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BOLDEN, T. E. Pathogenesis of mucoceles. Oral Surg., Oral Med., Oral Pathol.,
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