XVI SEMINÁRIO DE PESQUISA DO CCSA
ISSN 1808-6381
A RESSIGNIFICAÇÃO DA TEORIA DO CAPITAL HUMANO A PARTIR DAS MUDANÇAS NO
MUNDO DO TRABALHO
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Emerson Nunes de Almeida – UFRN
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Francisco Cristimar Bessa Simão – FAL
RESUMO
Apresenta-se neste artigo uma explanação da Teoria do Capital Humano e suas principais críticas. O
texto questiona alguns conceitos e procedimentos dessa teoria, sem, contudo, desconsidera os seus
pressupostos teóricos. Toma como referência as análises de Shultz para conceituar “Capital Humano”
e para sua crítica são utilizados textos teóricos marxistas que tentam desmistificar. O mito de
ascensão social pela via da educação. Ressaltando a importância do investimento em educação
como forma de aumentar a produtividade da empresa. Para a realização desse trabalho foi
necessário a realização de uma pesquisa bibliográfica que nos permitisse compreender as relações
existentes entre capital e trabalho. Um estudo dessa natureza requer uma análise da totalidade dos
elementos constitutivos desse cenário. Porém, a compreensão do real como totalidade requer que se
conheçam as partes e as relações entre elas para que se construam sessões tematizadas da
realidade. Essas relações são tiradas de seu contexto originário e mediatamente ordenadas para a
elaboração do conhecimento. Nesse sentido, entendemos que a teoria é o real elevado ao plano do
pensamento, não de forma abstrata e contemplativa, mas resultante da ação do indivíduo
historicamente determinado. Assim, apresentaremos, a abordagem sobre a Teoria do Capital
Humano, pontuando alguns dos seus elementos e posicionamentos críticos a cerca da forma como
essa teoria foi utilizada por alguns teóricos da economia neoclássica para explicar o crescimento dos
países econômicos ricos e para nos fazer crer que o desenvolvimento dos países pobres se daria
pelo aumento das desigualdades sociais, em médio prazo, o que possibilitaria o crescimento das
taxas de acumulação para posterior distribuição de riquezas em longo prazo.
Palavras-chaves: Economia da educação, Teoria do capital humano, Políticas educacionais.
INTRODUÇÃO
A Teoria do Capital Humano, desde sua origem, polemiza e divide tendências de interpretação
que agrupam desde seguidores até críticos mais fervorosos. Seria necessário adentrar
profundamente nessa teoria considerando seu contexto de elaboração, suas idéias e conceitos
principais, e seu próprio lugar na ciência econômica, para tentar compreender seus fundamentos e os
fundamentos das críticas que recebe.
Em linhas gerais, a teoria do capital humano articula, de um lado, a idéia de capacitação para o
trabalho e de outro, destaca as estratégias individuais que o empresário utiliza para melhorar a
qualificação dos trabalhadores e assim garantir maior produtividade. Com relação ao trabalho, a
capacitação via formação escolar e profissional seria potencializadora da produtividade, contribuindo
assim para aumentar o desempenho do trabalhador na empresa. Com relação ao trabalhador, o
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Emerson Nunes de Almeida - graduado em Pedagogia pela UFRN. Especializando-se em Educação Infantil
pela UFRN. Graduando em Matemática pela UERN. Aluno especial da UFRN no mestrado 2010.2 na disciplina
Política Educacional: desafios e perspectivas para a América Latina. E-mail: [email protected]
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Francisco Cristimar Bessa Simão - bacharel em Direito pela FAL – Faculdade de Natal. E-mail:
[email protected]
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“capital humano” é observado por meio de um cálculo de custo-benefício para o próprio indivíduo, ou
seja, diz respeito à constituição do “capital social” do trabalhador, adquirido via treinamentos nos
próprios locais de trabalho, investimento em saúde, qualidade de vida e especialmente na educação,
esse investimento seria a recompensa melhores empregos no mercado de trabalho, ou dos melhores
salários.
A máxima é de que o aperfeiçoamento da força de trabalho tornaria mais eficiente o próprio
trabalho. Essas idéias, segundo Cattani (1997), já se encontravam em Marx (1988). Contudo, o
pensamento econômico durante longo tempo não considerou o capital humano como elemento de
vital importância no processo produtivo. Em geral, o aumento da produtividade e o próprio
crescimento econômico eram explicados com base na capacidade gerencial, na intensidade do
trabalho, na eficiência das políticas econômicas e mesmo pela incorporação do progresso técnico.
1 – TEORIA DO CAPITAL HUMANO: CONCEITOS E POSTULADOS
Na época de 1960, Schultz passa a investigar o que difere a produtividade de empresas situadas
no mesmo local, com condições semelhantes e produtividade diferente e chega a seguinte conclusão
(Shultz, 1973, p.7) “O papel das capacidades adquiridas dos agentes humanos, é uma das fontes
mais importante dos ganhos de produtividade não explicados.”
Ainda segundo Shultz (1973) esses investimentos no homem seriam fundamentais para obtenção
dessas capacidades produtivas por parte dos indivíduos. No entanto, esses investimentos não se
dariam, apenas no campo educacional. O autor afirma que esse investimento deveria ser mais amplo
e incluir investimentos em saúde, educação, moradia. Essa seria uma noção ampliada da concepção
de investimentos nas pessoas.
Shultz (1973) afirma que os modelos econômicos, além de não saberem lidar com a mutação
técnica na produção, também se esquivaram da análise explícita de que o investimento em capital
humano seja fundamental no processo produtivo. Para isso, ele indica algumas razões: os
economicistas não puseram em relevo que as próprias pessoas fazem investimentos em si mesmos.
Sustentando essa idéia, o autor afirma que até mesmo a escolha das profissões e o investimento
nelas apontam motivações econômicas, na medida em que os estudantes teriam em vista
rendimentos futuros. De modo geral, o próprio trabalho seria tratado pelos economicistas como feixe
de habilidades inatas que se mostram fora do contexto do capital.
Outra razão, para não aceitar a teoria do capital humano, estaria relacionada aos valores morais
da sociedade em tratar os seres humanos como riquezas que poderiam se ampliadas por
investimentos. Tal ato representaria uma afronta a valores arraigados. A própria riqueza não estaria
senão a serviço dos homens, seres livres, e não instituídos.
As idéias apresentadas por Shultz (1973) na teoria do capital humano afirmam ainda que nem
todos os investimentos no homem sejam, em diferentes contextos, de uma mesma espécie. E segue
um exemplo: os gastos com alimentação em países onde o trabalho é primordial a aplicação da força
bruta não seriam nem mesmo puro consumo, mas também o que ele chama de “bem do produtor”.
Os recursos humanos teriam, assim, dimensões quantitativas e qualitativas. Na medida em que as
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despesas aumentam o valor da produtividade do esforço humano e produz uma taxa de rendimento
produtiva.
Frigotto (1993), interessado em observar o papel do capital humano no crescimento econômico
analisa a constituição desse capital desde o espaço doméstico, para o autor a formação desse capital
estaria configurada pela criança, pelo lar, pelos pais, e prosseguiria ao longo de um processo
educativo por toda a vida. Isso mostra, primordialmente, que a constituição de uma mão–de–obra,
educada para o trabalho e para demonstrar produtividade, é formada mesmo antes da escola.
As idéias de Shultz (1973) sobre o papel dos próprios indivíduos na explicação do crescimento
econômico acabaram refletindo nos países periféricos, na medida em que provocaram a emergência
de novas alternativas para pensar o crescimento econômico.
Assim, não bastaria, na concepção da teoria do capital humana, que chegassem aos países
pobres um capital adicional (ajuda monetária) destinado a formação de estruturas, equipamentos, ou
bens e mercadorias, seriam fundamental o investimento no próprio homem – que seria sim uma forma
de capital importantíssimo para a geração de riquezas.
Numa das passagens clássicas da obra de Shultz (1973), são apontadas características
distintivas desse capital: ele seria, antes de tudo, parte do homem. Shultz (1973, p. 53) assim
escreve,
É humano porquanto se acha configurado no homem, e é capital porque é uma fonte
de satisfações ou de futuros rendimentos, ou ambas as coisas. Onde os homens
sejam livres, o capital humano não é um ativo negociável, no sentido de que possa
ser vendido. Pode, sem dúvidas, ser adquirido, não como elemento de ativo, que se
adquire no mercado, mas por intermédio de investimento no próprio individuo.
Nesse sentido, o autor afirma ainda que até mesmo as diferenças de rendimentos das pessoas
seriam conseqüências dos investimentos por elas feitas em suas capacidades. A estrutura dos
ordenados e salários seria determinada pelo investimento em educação e escolarização.
Na medida em que se observa coerentemente que todos os sujeitos sociais assumem um papel
na produção (como potenciais auto-investidores que podem aumentar a produtividade), mas, não
analisa o que seja essa participação do trabalhador no processo produtivo. Shultz (1973, p.35) chega
a afirmar:
Os trabalhadores transformaram-se em capitalistas, não pela difusão da propriedade
das ações das empresas, como folclore colocaria a questão, mas pela aquisição de
conhecimentos e de capacidades que possuem valor econômico. Esse
conhecimento e essa capacidade são em grande medida o produto de investimentos
e, combinados com outros investimentos humanos, são responsáveis
predominantemente pela superioridade produtiva dos países tecnicamente
avançados.
A determinação de que o homem possui um valor econômico, cria valores e que esse pode ser
medido por qualquer excesso de sua contribuição para a produção sugere uma análise de suas
condições de aptidão para os interesses econômicos. Afinal, o capital humano, sem investimentos no
seu potencial econômico, de acordo com Shultz (1973, p.49) “deteriora-se quando está ocioso,
porque o desemprego obriga a milhões de trabalhadores tenham adquirido”. A afirmação parece
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contraditória no cenário atual, em que o desemprego obriga milhões de trabalhadores à utilização de
suas capacidades produtivas.
Podemos afirmar a partir dessas idéias que na atualidade existe uma construção a partir de suas
considerações uma noção de individuo auto-investidor. É essa noção que observamos no modelo de
competência difundindo a partir dos anos de 1980, em paralelo com noções como empregabilidade,
num contexto em que empregabilidade define a capacidade de manutenção no emprego,
compreende-se o trabalhador como indivíduo auto-investidor e auto-gestor.
A partir das décadas de 1980 e 1990 a Teoria do Capital Humano ressurge sob ofensiva
neoliberal e se reencontra com a ilustração de modelo das competências e com novos formatos de
gerenciamento de mão–de–obra.
As idéias expressas na teoria do capital humano apresentam fortes conexões entre o
investimento no capital humano e num valor econômico do homem. Esse tratamento propõe a
compreensão dos homens como partes que compõe uma lógica econômica-produtiva. O cerne do
problema pode não ser simplesmente o economicismo presente na análise, visto que, em certa
medida, os “agentes humanos” estão envolvidos na ordenação de uma sociedade fundada sob
princípios de produção e acumulação, e, portanto, possuem um lugar na produção. Para (Castel,
2001) a questão seria o fato de não se considerar que os sujeitos sociais ocupam nessa lógica um
lugar na produção determinado por suas condições sócio-econômicos. Apesar de serem potenciais
produtivos para uma empresária/indústria, os trabalhadores não detém os resultados do que
produzem.
Os indivíduos auto-investidores que deverão buscar incrementar suas capacitações para
potencializar o aumento da produtividade são primeira instância trabalhadora. São, portanto sujeitos
sociais que obviamente tem um papel importante na produção e no crescimento econômico. Mas, são
também trabalhadores envolvidos em relações sociais díspares que lhes permitem diferentes lugares
na organização da sociedade.
Em grande medida, a idéia exposta na Teoria do Capital Humano nos leva a compreender uma
“integração” do homem num sistema de produção que lhes reserva a posição de um produtor. Essa
teoria vai sofrer inúmeras críticas, entre elas a de ser uma ideologia da sociedade burguesa para
legitimar as desigualdades sociais.
2 – TRABALHO: UM NOVO PARADIGMA
Com as mudanças no mundo do trabalho novas exigências são postas para o trabalhador. O
modelo das competências, nesse contexto atual é um dos conceitos mais difundidos, especialmente
no discurso empresarial. Põe em pauta a “necessidade de elevação dos patamares de qualificação
dos trabalhadores”. Os mais qualificados, segundo esse raciocínio, têm maiores capacidades de
empregabilidade. Ou seja, aqueles que investem em qualificação, podem ser recompensados, estão
aptos para participarem da sociedade salarial.
Nesse sentido, há diversas concepções acerca nas noções da qualificação e competência. As
mudanças
em
cursos
têm
causado
um
grande
debate
que
incorpora
essas
noções
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indiscriminadamente. Na realidade não há uma definição exata para cada um desses termos. Ao
contrário, diante da diversidade de coisas as quais se referem Manfredi (1998), vai afirmar que esses
termos têm conceitos polissêmicos e, como quaisquer conceitos e idéias, estão inscritos num
contexto de luta por atribuição de sentidos. Observaremos aqui, algumas noções propostas por
Manfredi (1998, 2002) e Hirata (1999), na tentativa de expor um panorama explicativo razoável para o
tratamento desses termos. A noção de qualificação é comumente associada ao repertório das
ciências sociais, enquanto a noção de competência ancora-se nos conceitos de capacidades e
habilidades, herdadas das ciências humanas (lingüística, psicologia e educação).
Se considerarmos tais noções a partir da economia da educação e da sociologia do trabalho,
observaremos três tipos de qualificação (Manfredi, 1998): a primeira diz respeito à noção de
qualificação como sinônimo de capital humano. Essa acepção surgiu associada à concepção de
desenvolvimento sócio-econômico dos anos de 1950 e 1960, num contexto que assistia a
necessidade de planejar e racionalizar os investimentos do estado, referentes à educação escolar,
“visando garantir uma maior adequação entre as demandas dos sistemas ocupacionais e
educacionais” Manfredi (1998, p.18).
Essa noção foi elaborada a partir da Teoria do Capital Humano, cujo maior expoente é Schultz
(1973), por meio de sua obra “O capital humano: investimentos em educação e pesquisa”, e
Harbinson (1986), por meio da obra, “Mão de obra e desenvolvimento econômico: problemas e
estratégias”. As idéias desses pensadores propõem uma nova concepção de formação de capital
humano, fazendo-a aparecer não somente como item fundamental à produtividade das empresas,
mas também como benefício social. Assim a formação de capital humano implicaria investimentos em
educação e pesquisa para geração de uma mão de obra preparada tecnicamente e culturalmente
para o trabalho. Esse conceito de qualificação, amparado na teoria do capital promoveu a elaboração
das políticas educacionais para a criação de sistemas de formação profissional.
A segunda noção é a da qualificação formal. A partir das décadas de 1960 e 1970, técnicos e
pesquisadores, passaram a adotar a concepção de qualificação formal, como índice medidor de
desenvolvimento que abrangia as taxas de escolarização da população e a permanência na escola
(durante da escolaridade), nos países desenvolvidos. Essas taxas foram sendo utilizadas como
parâmetro internacional via agências de desenvolvimento, para medição do grau de desenvolvimento
dos países periféricos.
A terceira noção de qualificação toma como parâmetro a produção e organização do trabalho no
modelo taylorista e fordista. Nesse modelo de organização de trabalho, a qualificação é concebida
como inerente ao posto de trabalho e não como atributo do trabalhador. Com esses parâmetros de
referência, a qualificação é entendida como habilidade – acúmulo de conhecimentos e experiências
adquiridas, e pode ser obtida por meio da formação escolar ou de treinamentos preliminares.
Essa terceira concepção apontada por Manfredi (1998) é representante do modelo de
organização do trabalho anterior ao novo paradigma. Essa noção, contudo, não parece ter
desaparecido visto que o novo modelo de qualificação, representado pelo modelo das competências,
não se apresenta de modo generalizado no Brasil.
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Essa concepção de qualificação estabelece os preceitos da hierarquia, definida por uma escala
das qualificações profissionais, as quais estão associadas a um credenciamento escolar oficial
também hierarquizado.
Neste sentido, a qualificação é reduzida a um percurso de responsabilidade individual de natureza
meritocrática. Logo, discute-se o “poder da educação escolar” que aparece como mecanismo de
acesso às posições mais qualificadas. A hierarquia com base nesses princípios legitima e separa o
trabalho manual e o trabalho intelectual. É essa concepção de qualificação que sofre profundas
modificações dada a reorganização do sistema capitalista por meio dos sistemas de produção
flexíveis.
Atualmente, diante dos novos postulados da qualificação social do trabalho e do trabalhador,
observaremos dois grupos de visões, como mostra Menfredi (1998), que não se excluem uma à
outra, localizam-se em pólos de interpretação diferentes. Um pólo, que a autora vai chamar de
negativo, compreende que a qualificação se insere num contexto em que o trabalho na sociedade
capitalista concede a divisão entre trabalho manual e intelectual, divisão entre concepção e
execução, o controle hierárquico e a disciplina como itens essenciais para o capital “alocar tarefas,
impor velocidades e intensificações, punir a má qualidade e assim por diante”, Menfredi (1998, p.14)
em prol da produtividade.
O chamado pólo da positividade tem como eixo orientador a discussão da natureza do trabalho
com atividade humana e social. Observa a concepção de trabalho em seu sentido amplo e irrestrito,
não necessariamente vinculado com a noção de trabalho produtivo. Assim,
Concebe-se o trabalho como uma forma de ação original e especificamente
humana, por meio do qual o homem age sobre a natureza, transforma a ordem
natural em ordem social, cria e desenvolve a estrutura e as funções de seu
psiquismo, relaciona-se com outras pessoas, comunica-se, descobre, enfim, produz
sua própria consciência e todo o conjunto de saberes que lhe possibilitarão viver em
sociedade transformar-se e transforma-la. (Menfredi, 1998, p.20)
Trabalho, nessa concepção, envolveria a possibilidade de uma apropriação criadora e não
simplesmente de mera repetição/reprodução de bens. Esta dimensão, aliada às possibilidades de
troca e comunicação inerentes ao ato de trabalho, tenham virtualmente a possibilidade de se
apropriarem crítica e construtivamente do conteúdo e do contexto de realização do próprio trabalho.
Assim, a noção de qualificação ora é entendida na perspectiva da preparação para o mercado
(que envolve o processo de formação profissional), adquirido por meio de um percurso escolar e de
uma experiência (ou carreira profissional) capaz de preparar os trabalhadores para o ingresso e a
manutenção no mercado formal de trabalho. E também é entendida como um processo de
qualificação/desqualificação inerente à organização capitalista do trabalho e da correlação de forças
entre ambos.
Há ainda uma terceira interpretação da noção de qualificação a partir da investigação de
situações concretas de trabalho. O “novo perfil de qualificação da força de trabalho” que emerge no
modelo capitalista flexibilizado, difere do modelo taylorista/fordista de organização do trabalho na
medida em que hoje, a qualificação não é um atributo que diz respeito às habilidades/conhecimentos
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já adquiridos pelo trabalhador, mas um item que se faz presente no momento do treinamento, da
contratação, até a permanência no posto.
O novo modelo tem como característica a mobilidade ocupacional ascendente (por meio da
multiplicação da polivalência), e, na esfera cultural, também se introduzem mudanças. Os
trabalhadores são disciplinados na chamada “cultura colaborativa”, que propõe a colaboração entre
trabalhadores, grupos e equipes entre os diferentes setores de produção, supervisão e o comando.
Também sobre o tema de qualificação, Hirata (1999) faz algumas importantes distinções entre
qualificação do emprego e qualificação do trabalhador. A primeira seria definida pela empresa a partir
das exigências do posto de trabalho. Já a qualificação do trabalhador é mais ampla e incorpora as
qualificações sociais. A autora decompõe a qualificação real (correspondente a um conjunto de
habilidades e competências, técnicas, profissionais, escolares e sociais), qualificações operatórias
(que compreendem as potencialidades empregadas por um operador para enfrentar uma situação de
trabalho) e, por último, a qualificação como relação social (que seria resultante da correlação de
forças entre capital e trabalho).
Com relação à noção de competência, Manfredi (1998) aponta que no Brasil, o termo é usado
indistintamente entre as várias áreas das ciências sociais e humanas. No campo empresarial, a
noção é usada para expressar a idéia de “estoque de conhecimentos, habilidades”. O exercício das
capacidades exigidas pelo novo paradigma implicaria a mobilização de competências adquiridas
mediantes o processo de aprendizagem e reuniria:
O “saber fazer” que recobre dimensões práticas, técnicas e científicas, adquiridos
formalmente (cursos/treinamentos) e/ou por meio da experiência profissional. O
“saber ser”, incluindo traços de personalidades e caráter, que ditam os
comportamentos nas relações sociais de trabalho, como capacidade de iniciativa,
comunicação, disponibilidade para a inovação e mudança, assimilação de novos
valores de qualidade, produtividade e competitividade. O “saber agir”, subjacente à
exigência de intervenção ou decisão diante de eventos – exemplos: saber trabalhar
em equipe, ser capaz de resolver problemas e realizar trabalhos novos,
diversificados. (Manfredi, 1998, p. 23).
Também sobre a noção de competências, Deluiz (1994) propõe, baseando-se no setor terciário,
uma interessante tipologia, que abrange cinco grupos de competências, sendo elas: a) competências
básicas e específicas, relativas a um grupo específico de ocupações; b) competências
organizacionais e metódicas; c) competências comunicativas; d) competências sociais; e e)
competências comportamentais.
Por seu turno, o Ministério do Trabalho e Emprego também expõe suas definições sobre o tema
competência, ao qual seria processual e exigiria uma educação continuada, capaz de desenvolver um
conjunto de habilidades, definidas em três conjuntos. O primeiro compreende as “as habilidades
básicas”, entendidas como uma escala ampla de atributos. As habilidades básicas partiriam das
habilidades fundamentais: ler, escrever, calcular, interpretar. Até chegar às funções cognitivas que
promovem raciocínios mais elaborados. O segundo grupo seria das habilidades específicas, que
diriam respeito ao “saber fazer” e “saber ser”, exigidos por posto de trabalho ou profissão. E, por
último, as habilidades de gestão relacionadas com competências de auto-gestão, empreendimento e
trabalho em equipe.
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As diversas condições sobre qualificação e competência se encontram e convergem para a
mesma proposta geral, que tem como fundo a educação para o trabalho. Os conceitos adotados hoje
para a noção de qualificação, ampliam os requisitos das qualificações, no que tange às habilidades e
aptidões necessárias aos trabalhadores, promovendo uma readaptação da força de trabalho ao novo
contexto de reestruturação do capital flexível. O que se percebe é uma substituição da concepção
tecnicista de qualificação pelo modelo das competências.
Esse modelo traz consigo a idéia de empregabilidade. Afinal, o paradigma atual das qualificações
se insere num ambiente de fragilização do trabalho e queda significativa no número de empregos
formais. Assim, hoje, os trabalhadores assumem a responsabilidade de grande parte da sua
qualificação, ele necessita adquirir as competências necessárias para se tornar atrativo para o
mercado, o que faz com que sua possível situação de desemprego seja uma responsabilidade sua,
na medida em que o mesmo não buscou adquirir competências e se tornar empregável.
Nesse cenário de transformações na organização da sociedade do trabalho, fruto de mudanças
no âmbito produtivo, que traz a fragilização do trabalho e a queda constante no número de empregos
formais, a recompensa para esses “investidores” em educação, nem sempre os melhores salários ou
mesmo os melhores empregos, mas a própria inserção no mercado formal.
O modelo das competências se funda num discurso de que a não obtenção das competências
gera segundo Castel (2001) “desfiliação” do trabalhador, da sociedade do trabalho. Esse mesmo
discurso vai servir como um justificador do desemprego para muitos trabalhadores expulsos do
mercado formal.
Esse fenômeno gera deslocamento do problema do desemprego de um nível estrutural, pois diz
respeito a mudanças de ordem macro, referente às políticas socioeconômicas e de geração de
emprego, para o nível individual dos trabalhadores.
Assim, cada um, enquanto desempregado, é responsável pela sua situação, pois não foi capaz de
adquirir as capacidades necessárias para fazer parte do processo produtivo inserindo-se no mercado
de trabalho formal. Esse trabalhador não foi, portanto, um eficiente auto-gestor de suas capacidades
e passa assim a arcar com as conseqüências dos seus sucessos e fracassos.
O modelo das competências, segundo Castel (2001) corresponde ainda a uma concepção das
relações de trabalho e de organização que valoriza a empresa, o contrato individual, a troca da
“mobilização” por marcas de reconhecimento, inclusive de caráter salarial. O indivíduo auto-gestor é
um trabalhador face-a-face com o empregador, com a empresa e suas ferramentas, diferentes das
mobilizações do modelo fordista, são suas competências.
A introdução da “participação nos lucros”, à avaliação individual da produtividade do trabalhador,
que pode criar um sistema de gratificações e recompensas, e mesmo o incrível tratamento
dispensado aos trabalhadores pelas novas formas de gerenciamento da mão-de-obra, colocam o
trabalhador, num plano aparente, como um colaborador.
As competências tornam-se, ao mesmo tempo critério medidor da produtividade dos
trabalhadores e pretextos para a exclusão dos mais frágeis, dos mais e dos menos diplomados.
No âmbito educacional a teoria do capital humano e mais recentemente a idéia da
empregabilidade tiveram forte impacto. O destaque dado às estratégias individuais do trabalhador
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para o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos, no novo modelo de qualificação, vai colocar a
necessidade de um sistema educativo sob novos patamares.
As novas demandas vão refletir na educação, campo por excelência de formação a aquisição de
conhecimento. Assim, não só os indivíduos são absorvidos pelos interesses econômicos, mas
também a educação, que logo se equipara a um investimento a ser feito nos indivíduos, tal como o
investimento produtivo. Investindo em si próprio, o trabalhador, mais eficiente e produtivo, poderia
almejar melhores recompensas salariais e mesmo melhores empregos. Discutindo os aspectos da
teoria do capital e sua relação com a empregabilidade do trabalhador, Cattani (1997, p.37) afirma,
que de acordo com essa teoria, “quanto mais o individuo investe na auto formação, na constituição do
seu capital social, tanto mais valor de mercado ele tem”. A mobilização de competências adquiridas
mediante o processo de aprendizagem no modelo taylorista/fordista, que reunia os três tipos de
saberes (“saber ser”, “saber fazer” e o “saber agir”) apontava que a própria formação dos indivíduos
deveria ser mediante treinamentos, cursos de formação profissional e qualificação, hoje, somente
essas competências não respondem mais às exigências do capital. No padrão de acumulação flexível
novas demandas estão postas para o trabalhador que precisa mobilizar os conhecimentos adquiridos
para resolver situações problemas, com criatividade e raciocínio lógico. O novo paradigma produtivos
trabalha com a perspectiva da construção de uma força de trabalho que é preparada, sobretudo, para
aderir à empresa e os interesses econômicos e produtividade.
A adesão do trabalhador, que é forjada via o novo modelo de incorporação do individuo autônomo
que compete mais do que nunca com outros trabalhadores para se manter empregável, escamoteia
as relações sociais de poder que envolve os trabalhadores sem alterar a estrutura formada pela
oposição empregado-empregador.
O reconhecimento da educação escolar não mais como espaço destinado tão somente a quem
dispunha de ócio, tal como entendida há séculos atrás, mas como campo fundamental também de
preparação da mão-de-obra trabalhadora, alude ao próprio processo de apreensão do conhecimento
nos processos produtivos por meio das inovações tecnológicas incorporadas aos ambientes de
trabalho e através da incorporação da escola como espaço formador de trabalhadores.
Como desdobramento do impacto da teoria do capital humano no campo educacional, surge um
campo específico na economia a fim de estudar tais questões, como por exemplo, a Economia da
educação. No entanto, a idéia da educação como comparável a um investimento produtivo dos
indivíduos vai sofrer muitas contestações, por parte das contraposições partidárias da tese de que
não há ligações diretas entre educação e produtividade e salário. Alguns autores como Saviani
(1994), vão afirmar que a educação pode operar muito mais como um processo de seleção dos
indivíduos e como um reforçador das desigualdades sociais.
Se considerarmos os dois raciocínios, compreenderemos que, de acordo com o contexto, a
educação também pode promover uma seletividade dos indivíduos a determinados grupos sócioeconômicos, apesar desse não ser o único nem principal fator explicativo das diferenças sociais na
sociedade.
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No Brasil, a dicotomia entre a educação e trabalho, com caráter finalista, destinada aos
trabalhadores e a educação geral com caráter propedêutico, para as camadas médias, reforçou de
algum modo esse processo de seletividade.
Para (Shultz, 1973) a educação é uma das atividades que pode acrescer o estoque de capital
humano, o que não negaria a validade da educação como formadora de cidadãos, no entanto, é
necessário considerar que a concepção de educação nessa perspectiva, não prioriza as
características básicas do ser humano do desenvolvimento da ética, da moral e da cidadania, os
valores priorizados são a individualidade e a competição exarcebada. Esse entendimento tem
preterido as dimensões subjetivas do homem, o papel da educação e do próprio conhecimento
utilizado pelo capital são integrandos à lógica do sistema capitalista, sem que haja qualquer alteração
nos seus fundamentos mais contraditórios.
3 – PRINCIPAIS CRÍTICAS À TEORIA DO CAPITAL HUMANO
A teoria do capital humano incorporou fundamentos que não foram aproveitados pelas versões da
teoria neoclássica, afirmam os marxistas que: Em primeiro lugar, o trabalho deve ser tratado como um
produto do meio de produção. Em segundo lugar, rejeitou a simplista assunção de trabalho
homogêneo e concentrou sua atenção na diferenciação da força de trabalho. Em terceiro lugar,
trouxe para o interior da análise econômica as instituições sociais básicas (como a educação e a
família), preliminarmente relegadas para a esfera cultural.
Além disso, o trabalho desaparece como categoria fundamental, e é absorvido no interior do
conceito de capital. Para os marxistas a teoria do capital humano é um passo certo para a eliminação
de classe social como conceito econômico.
A teoria neoclássica tem-se movido no sentido de atribuir o controle dos fatores de produção para
determinados grupos e de considerar a livre mobilidade dos fatores de produção e, que a
remuneração é função da produtividade.
Esses pressupostos neoclássicos, segundo Bowles e Gintis (1975), têm induzido a teoria do
capital humano a erros substanciais, tanto no que diz respeito à pesquisa empírica quanto como para
orientações de políticas públicas.
As credenciais educacionais têm uma importante função, mas o sistema escolar não pode ser
reduzido a uma atividade economicamente relevante para seleção e qualificação de mão-de-obra,
afirmam os marxistas.
Para os marxistas, as habilidades estão relacionadas e são determinadas pelas condições de
existência humana. Além disso, a teoria do capital humano, ao restringir sua análise em preferências
individuais, em habilidades individuais e em alternativas de produção tecnológica, formalmente,
excluiu a relevância do conceito de classe social e de conflito de classe para explicar o fenômeno do
mercado de trabalho.
A organização social da produção, por sua vez, reflete em larga medida o interesse do capitalista
em incentivar e controlar os mecanismos através dos quais extrai o máximo de trabalho dos
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trabalhadores com o mais baixo salário possível, e em prevenir a formação de coalizões de
trabalhadores que podem opor-se ao seu poder.
Os mecanismos naturalmente adotados pelo capitalista para incentivar o processo de produção e
para controlar os tipos potenciais de organização dos trabalhadores dependem do seu domínio e
controle da estrutura da empresa.
Assim, os atributos dos trabalhadores que são avaliados pelo capitalista e que se constituem no
seu "capital humano", não se restringem às suas habilidades técnicas e abstratas capacidades
produtivas, como defendem os teóricos do capital humano. Em particular, os atributos como raça,
sexo, idade, etnia, e credenciais formais, freqüentemente considerados como irrelevantes pelos
defensores do capital humano, são, de fato, as variáveis determinantes no processo de seleção de
trabalhadores pelos capitalistas, as quais são utilizadas para fragmentar a força de trabalho e reduzir
a formação de coalizão potencial entre trabalhadores.
A decisão de contratação de trabalhadores, a definição da estrutura de remuneração e de
produtividade do trabalhador não podem ser derivadas do mercado mediante a combinação de
habilidades no uso das técnicas definidas e requeridas pela produção. São, segundo os marxistas,
derivadas da disputa de distribuição de poder entre as classes.
De acordo com a teoria do capital humano, os indivíduos manifestam uma particular subjetividade
para avaliar suas preferências no tocante a escolha de uma profissão, e o fazem a partir de uma
avaliação dos seus retornos pecuniários e dos requerimentos de escolarização. A partir dessa
avaliação os indivíduos decidem se vai investir em seu desenvolvimento pessoal.
Nessa perspectiva, a oferta de capital humano é a simples agregação de decisões racionais e a
demanda por serviços educacionais é derivada da demanda individual por capital humano. Os
serviços educacionais, por sua vez, tratam o trabalho como "produzido pelos meios de produção", e o
estágio de desenvolvimento da educação é produto das escolhas individuais, as quais são
influenciadas pela tecnologia de produção e pela oferta de recursos. Além disso, a decisão de
investimento no desenvolvimento pessoal é descrita como produto de escolha individual ou familiar,
limitado apenas por algumas habilidades, como o acesso ao ensino tecnológico e a disponibilidade de
recursos financeiros.
Não há dúvidas que a educação é em parte organizada para produzir trabalhadores treinados
para atender a demanda dos empregadores. De fato, há fortes evidências de que a escola produz os
trabalhadores mais preparados para a estrutura de produção capitalista.
Entretanto, o sistema educacional, segundo Bowles e Gintis (1975), pode realizar muito mais que
produzir capital humano, que impede o desenvolvimento de consciência de classe, e legitima a
desigualdade econômica ao permitir e ter como objetivo o mecanismo meritocrático de referendar a
posição ocupacional de um indivíduo.
A teoria do capital humano não contempla uma teoria de reprodução e grande parte da teoria da
produção apresentada abstrai-se da relação social de produção em favor da relação tecnológica. A
abordagem falha das relações sociais impede um aprofundamento da teoria da reprodução,
resultando em um tratamento deficiente da demanda por capital humano pelas firmas, da oferta de
capital humano, e da interpretação teórica das taxas de retorno do capital humano.
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Para os marxistas, o desempenho produtivo da força de trabalho não é decorrente do seu nível de
escolaridade, e sim das condições tecnológicas e da organização do processo de produção. Portanto,
os marxistas rejeitam a utilização do modelo de escolhas individuais como a base para a teoria da
oferta de serviços educacionais. Não pelo fato de que os indivíduos e familiares não sabem fazer
escolhas educacionais adequadas, como afirma a teoria do capital humano. Mas, sim pelo fato de
este modelo ser superficial e insuficiente para responder à questão central que deve nortear a oferta
dos serviços educacionais: Qual o tipo de escolas que queremos? E qual a quantidade de
escolarização que queremos?
Além dessas críticas, os marxistas apresentam duas outras razões para a oferta educacional não
se basear nos retornos e custos do capital humano. Em primeiro lugar, as habilidades, que
determinam a heterogeneidade da força de trabalho, não podem ser tratadas a partir de um enfoque
exclusivamente econômico. Não é adequado reduzi-las a uma simples mensuração de "capital
humano". As diferentes habilidades e heterogeneidade da força de trabalho decorrem dos traços
familiares, da raça, sexo, do processo de ensino, do currículo, enfim das relações de produção nas
quais o indivíduo está inserido.
Em segundo lugar, a justificativa para o uso da expressão "capital humano" está relacionado com
o fato de que habilidade é um pré-requisito para um futuro melhor. Este conceito de capital, oriundo
da tradição clássica, engloba dois aspectos: a exigência do futuro melhor e a propriedade e controle
sobre os meios de produção. Nesta perspectiva, todo trabalhador é agora um capitalista. Educação,
neste contexto, não pode ser chamada de capital, posto que não proporciona aos trabalhadores
educados nenhum controle sobre os meios de produção, muito pelo contrário, estes são destituídos
de qualquer propriedade.
Os marxistas reconhecem que o aumento da escolarização da força de trabalho contribui para
aumentar a sua produtividade, mas não pelo fato de proporcionar maior habilidade ao trabalhador,
mas sim devido ao fato de: fornecer credenciais que facilitam a supervisão autoritária, ou seja, a
escola molda o indivíduo para a disciplina, perseverança, respeito à estrutura hierárquica, entre
outros, que tornam o indivíduo que estudou preparado para se submeter às normas de conduta e
comportamento exigidos pela empresa capitalista a escolarização aumenta o leque de opções do
empregador para a escolha de seus empregados, oportunizando a este (empregador) adotar critérios
de seleção que leve em conta o aspecto motivacional que mais se aproxima da estrutura e
mecanismos de incentivo da empresa; o indivíduo com maior grau de escolaridade, ao receber
melhor nível de remuneração, acaba gerando uma segmentação de trabalhadores segundo renda e
status, que impede a formação de coalizões de trabalhadores contra o poder do capitalista.
A educação pode contribuir positiva ou negativamente para o crescimento econômico,
dependendo do que se considera como qualidade do trabalhador: se é uma função dependente da
extensão e reprodução do sistema de remuneração do trabalho, isto é, função de sua produtividade;
ou é a sua capacidade para alterar a taxa de acumulação de capital. À medida que o aumento da
escolarização pode levar a maior consciência de classe e fortalecer a organização de trabalhadores,
a sua contribuição para o crescimento capitalista pode resultar em balanço negativo.
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A análise da teoria do capital humano sobre a distribuição de renda tem como pressuposto que
renda representa o retorno das habilidades que o indivíduo detém. A desigualdade de renda pessoal
ou familiar pode ser calculada a partir da decomposição dos retornos dos fatores. Assim, é possível
mensurar alteração na distribuição de renda, a partir de mudanças na dotação de educação, por
exemplo.
Os marxistas consideram esta metodologia bastante débil. Em primeiro lugar pelo fato de que os
teóricos do capital humano tratam a distribuição de renda como sendo determinada apenas pelas
condições da oferta de mão-de-obra; as condições da demanda são tratadas com elevado grau de
abstração e de maneira imprópria. Em segundo lugar, ignora os aspectos macroeconômicos,
referentes à estrutura de mercado, mudança tecnológica, dualismo econômico, e outros aspectos
centrais para a compreensão da distribuição de renda. Por último, e o mais grave, é o pressuposto
ingênuo de que o processo de exploração é tratado como categoria regular e normal.
Para os teóricos do capital humano a desigualdade de renda é decorrente das diferenças de
recursos humanos Os marxistas contra- argumentam afirmando que a diferença de recursos
humanos facilita a escolha de indivíduos para assumirem determinadas posições de destaque
econômico, mas, não determina a estrutura da distribuição de renda, que é determinada pelas
características estruturais da economia capitalista.
Além disso, os teóricos do capital humano não levaram em conta, no seu modelo de relação entre
educação e distribuição de renda, um aspecto central relativo ao papel e função do sistema escolar
na legitimação das desigualdades econômicas.
Assim, é ilógico supor que redução nas desigualdades de distribuição de educação leve
rapidamente à redução nas desigualdades de renda. Mudanças na distribuição de recursos humanos
certamente estão mais bem associadas com mudanças no processo de ensino, e não com relação
entre anos de escolaridade e renda individual. Sem dúvida, que melhor equalização da educação
reduz a desigualdade econômica, mas, não diretamente, e sim de forma indireta, ao contribuir para
que os indivíduos passem a questionar a legitimidade da desigualdade, ou seja, ganhar consciência
de classe e se organizar, impulsionando, dessa forma a reorganização econômica das empresas de
modo a contemplar mecanismos voltados para administrar os conflitos de classe. .
Os retornos econômicos da educação com base na tradicional análise de custo/benefício possui
pouca lógica e força convincente, posto que não considera impactos de outros aspectos relevantes
da vida do indivíduo, tais como, personalidade, consciência de classe, status familiar, etc.
O uso do conceito de capital humano propicia uma visão parcial da produção e reprodução social
que ocorre no processo de educação. Por exemplo, a natureza repressiva da escola, com pouca
contribuição para o desenvolvimento da consciência humana, é parte integrante da produção de uma
força de trabalho disciplinada e está diretamente relacionada com a reprodução social. A perpetuação
do preconceito racial, sexual e o elitismo das escolas não podem ser considerados como uma
condução exemplar ou neutra como afirmam os teóricos do capital humano.
Para os marxistas, a teoria do capital humano, baseada no arcabouço teórico da economia
neoclássica, ao adotar como fatores explicativos da miséria e da pobreza as preferências e
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habilidades do indivíduo, acaba por ser uma forte defensora da manutenção do status quo e da
exclusão social.
3 – COMENTÁRIOS FINAIS
Finalizando, apresentamos um sumário do que se discutiu neste trabalho, acompanhado de
alguns comentários relacionados ao assunto, mas que não se constituem necessariamente em
conclusões deste artigo.
Preocupamo-nos em resenhar, de forma breve, concepções e criticas feitas a Teoria do Capital
Humano, listando várias objeções que se lhe fazem. Não o fizemos, porém, com a intenção de
sermos exaustivos, mas antes com a intenção de alcançarmos um objetivo duplo: limitamo-nos
àquelas relacionadas aos conceitos de capital humano e avaliação da decisão de investimento em
educação, mas que preservam a estrutura neoclássica sobre a qual a teoria do capital humano foi
construída e, ao mesmo tempo, mostramos o caminho percorrido pelos marxistas na sua crítica à
teoria do capital humano.
Assim, para citarmos apenas alguns exemplos de crítica, evidenciou-se posta relação entre
decisões deliberadas de investimento em capital humano, produtividade e rendimentos; criticou-se o
uso da taxa de retorno a investimentos em autovalorização do indivíduo, seja por falhas no modelo,
seja pela discutível relevância desse conceito para a tomada de decisões com relação a investimento
em educação; apontou-se o fato de que a interação entre educação e status sócio-econômico é muito
grande; consideraram-se os argumentos que mostram que a escola não gera meramente um produto
cognitivo, mas, também, e talvez principalmente, diferentes tipos de socialização e credenciais que
influenciam decisivamente os rendimentos futuros dos estudantes; ademais as escolas não só
selecionam como também filtram estudantes de acordo com a sua base familiar, status econômico e
outras características pessoais, como também conferem "sinais" que são úteis para a tarefa dos
empregadores, no mercado de trabalho, ao selecionarem, promoverem e despedirem empregados.
A teoria do capital humano, ao considerar apenas as características da oferta de mão-de-obra,
especialmente, os "defeitos dos trabalhadores", normalmente sugerem políticas que não exigem nem
mudanças estruturais nem esforços de financiamento que recaiam com mais peso em algum dado
segmento da sociedade, tais como – mais educação, mais escolas, mais programas de treinamento e
aperfeiçoamento da mão-de-obra. Além disso, contam com o apoio adicional devido ao fácil consenso
que se pode conseguir em torno da idéia de que "educação é bom" e de que "educação é o mais
eficaz instrumento de mobilidade social ascendente".
REFERÊNCIAS:
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MARX, K, ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A educação e a crise do socialismo real. São Paulo: Cortez, 1995.
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___________. A produtividade da escola improdutiva. São Paulo. 7ª. ed. Cortez Editora, 2001.
___________. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo. 5ª. ed. Cortez Editora, 2003.
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Vozes,
2001.
KUENZER, Acácia Z. Pedagogia da fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador.
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__________, Acácia (org.) Ensino médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho.
São Paulo. 6. ed. Cortez Editora, 2005.
LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa
bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
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