Abordagens Teóricas Da Migração Internacional
ABORDAGENS TEÓRICAS DA MIGRAÇÃO INTERNACIONAL
Alessandra Gomes de Castro1
RESUMO
No presente artigo discute-se, como alguns autores e estudiosos analisam a questão da migração internacional. Entendese que devido à complexidade deste fenômeno, o estudo acerca dessa temática necessita ser realizado através da
interdisciplinaridade. Dessa forma, o trabalho esta dividido em duas partes, a primeira apresenta algumas teorias que
procuram explicar o início dos fluxos migratórios e a segunda discorre sobre as teorias que tratam da continuidade dos
mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Migração internacional; Teorias da migração; Fluxo migratório; Migrantes.
ABSTRACT:
In this article it is argued how some writers and scholars examine the issue of international migration. It is understood
that due to the complexity of this phenomenon, the study about this thematic needs to be done through interdisciplinary.
Thus, the work is divided into two parts: the first presents some theories that attempt to explain the beginning of
migration flows and the second discusses the theories that deal with the continuity of the same.
KEYWORDS: International migration; Theories of migration; Migratory flow; Migrants.
________________________
1 Assistente Social, Mestre em Serviço Social pela Universidade Católica Portuguesa (UCP) – Centro Regional das Beiras, pólo de Viseu, Professora
do Curso de Serviço Social das Faculdades Unidas do Vale do Araguaia (UNIVAR). E-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO
O estudo da migração internacional, enquanto
campo teórico e empírico de investigação foi ao longo
do tempo alvo de inquietação de estudiosos de diversas
ciências. Estes pesquisadores, procurando compreender
esse fenômeno complexo, elaboraram um conjunto
diversificado de leis, teorias e explicações.
Dessa forma, não existe uma teoria única capaz
de explicar a migração internacional, pois esta é
complexa, de natureza multifacetada, de origens
diversificadas, causas e motivos abrangentes, o que há é
“apenas um conjunto fragmentado de teorias que se
desenvolveram em grande parte isolada uma das outras”
(MASSEY et al. 1993, p.432).
Assim, esse artigo tem como objetivo discorrer
sobre os argumentos teóricos dos diferentes autores
acerca da migração internacional. Uma vez que as diversas perspectivas são de suma importância para a
compreensão dos fluxos migratórios.
EXPLICAÇÕES SOBRE O INÍCIO DOS FLUXOS
MIGRATÓRIOS
Uma das abordagens utilizada nos estudos das
migrações é conhecida como o modelo de repulsão-atração. De acordo com esta teoria as migrações são estimuladas por um conjunto de fatores de repulsão (desempreOn –line http://revista.univar.edu.br/
ISSN 1984-431X
go, baixos salários, entre outros) existentes no país de
origem e, estes ao serem comparados com as vantagens
do país de destino (salários elevados, possibilidade de
obter melhores condições de vida, etc.), motivariam os
indivíduos a decidirem racionalmente pela mobilidade
geográfica. Isto é, os fatores de repulsão empurrariam o
indivíduo para fora da sua área de origem e os fatores de
atração existentes na sociedade de destino atuariam
como alternativas atrativas aos mesmos (GEORGE,
1977; PORTES E BÖRÖCZ, 1998; MATEOS, 2004).
Numa perspectiva de ordem econômica, a
teoria neoclássica, segundo Marques (2008, p.62) é a
“principal herdeira dos modelos de atração e repulsão”.
Essa teoria possui duas formas de abordagem: a versão
macroeconômica e a microeconômica.
Na versão macroeconômica, os fluxos
internacionais são influenciados pelos mecanismos do
mercado de trabalho, ou seja, a migração internacional é
causada pelas diferenças salariais e as condições de
trabalho entre os países com baixos e altos salários
(MASSEY et al., 1993, 2006).
Na abordagem microeconômica a migração
internacional é considerada uma forma de investimento
em capital humano, onde os indivíduos são racionais e
decidem migrar porque, ao calcularem os custos e os
benefícios, criam a expectativa de que com a migração
existe a possibilidade de obter na sociedade de destino
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um retorno líquido positivo, normalmente financeiro.
(idem).
Apesar do modelo repulsão-atração e a teoria
neoclássica serem importantes nos estudos da migração
internacional, os seus principais pressupostos tornam-se
questionáveis. A começar pelo fato de que, embora o
modelo repulsão-atração possua dispositivos heurísticos
satisfatórios, estes não constituem um quadro teórico e
tão pouco é capaz de classificar e ordenar os
determinantes da migração no espaço. Outro ponto é
que, este modelo também se torna insuficiente à medida
que não consegue explicar o porquê de um determinado
grupo de indivíduos emigrarem para um determinado
país em detrimento de outro (CASTLES E MILLER,
2009).
No que se refere à teoria neoclássica, esta tem
sido criticada por supor que o indivíduo possui
conhecimentos exatos do país de destino. O que, de fato,
não acontece, pois na verdade, ele possui informações
limitadas, estas podem ser contraditórias e não
corresponderem à realidade encontrada no destino.
Além disso, os indivíduos não podem decidir livremente
sobre o destino da migração, pois “estão sujeitos a uma
série de restrições, principalmente a falta de poder face
aos empregadores e governos” (CASTLES E MILLER,
2009, p.23).
Outro pressuposto questionável dessa teoria, de
acordo com Massey et al. (2006), é o que afirma que
com a migração, os salários nas sociedades de origem
aumentariam e na sociedade de destino diminuiriam de
forma que os movimentos migratórios deveriam
continuar até os salários serem equiparados em ambas
as sociedades, porém: “A experiência histórica revela,
contudo, que as diferenças salariais transnacionais
raramente desaparecem. E, se isso acontecesse, seria
através de uma variedade de mecanismos, entre os
quais a migração não seria necessariamente a mais
importante. Se o mundo funcionasse realmente como
previsto pela teoria, muito mais pessoas moveriam e as
migrações internacionais continuariam a crescer até
produzir um salário de equilíbrio em todo o mundo [...].
A migração não terminaria com a igualdade de
salários, mas com a realização de melhorias nas
condições de vida nos países de origem” (MASSEY et
al. 2006, p.09).
Com a insuficiência teórica do modelo
repulsão-atração e as lacunas da teoria neoclássica, os
estudos sobre as migrações desenvolveram-se com base
nas formulações e interpretações da chamada nova
economia da migração. Uma das principais
contribuições dessa abordagem consiste em afirmar que
a decisão de migrar não é concebida no âmbito
individual, mas sim no coletivo. Ou seja, as decisões
são concebidas tendo por base as unidades maiores de
pessoas relacionadas que, para além das famílias ou dos
domicílios, incluem a comunidade “que agem
coletivamente, não apenas para maximizar os
rendimentos esperados, mas também para minimizar os
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riscos e os constrangimentos associados a uma
variedade de mercados de trabalho” (MASSEY et al.
1998, p.21).
Essa teoria, também introduz nos estudos da
migração internacional um leque variado de
condicionantes que acabam por influenciar o
movimento migratório, como por exemplo, os sistemas
públicos e privados de aposentadoria, que são
rudimentares, incompletos na sua cobertura ou em
alguns casos, inexistentes. Tal problemática ocasiona
graves dificuldades para os indivíduos e as famílias que
procuram garantir a sua aposentadoria. Assim, uma das
soluções apontada para este problema, seria a migração
internacional, pois esta geraria um fluxo adicional de
rendimentos que poderiam ser investidos em bens
produtivos e estes bens no futuro proporcionariam uma
renda familiar suficiente para assegurarem um apoio
financeiro na velhice (idem).
Massey et al., (1998) observam ainda que, as
falhas existentes nos mercados de crédito constituem
uma importante causa da migração internacional. Por
outras palavras, as famílias que geralmente não possuem
recursos financeiros para a aquisição de determinados
bens de consumo ou não conseguem ter acesso aos
financiamentos bancários para tal, criam a expectativa
de adquirirem esses bens através da migração para o
exterior. Isto porque, os rendimentos acumulados pela
migração internacional ou as remessas enviadas pelos
membros da família que estão no estrangeiro podem ser
destinados para a compra de tais bens. E por fim, os
autores argumentam que a noção de privação relativa
influencia a migração internacional, pois “a comunidade
envia os seus membros para trabalhar no estrangeiro,
não só para melhorarem os seus rendimentos em termos
absolutos, mas também para reduzir a sua privação
relativa em relação a outro grupo de referência”
(MASSEY et al. 1998, p.26).
Para Castles e Miller (2009), embora a nova
economia da migração tenha por base as decisões
coletivas e apresente uma gama maior de fatores que
influenciam a migração internacional, esta abordagem é
semelhante à teoria neoclássica, na medida em que se
concentra do lado da procura e nos motivos que levam
os indivíduos a migrarem principalmente à procura de
trabalho.
Dessa forma, é relevante considerar a teoria do
mercado de trabalho segmentado, a qual define a
migração internacional, não como resultado de decisões
tomadas por indivíduos ou famílias, mas sim pela
procura de trabalhadores para ocuparem os espaços de
trabalho que os nativos geralmente não preenchem ou
desprezam.
Segundo esta teoria, os mercados de trabalho
caracterizam-se por possuírem dois segmentos principais: primário e secundário. Os trabalhadores nativos
teem preferência pelo sector primário, pois os empregos
são mais seguros, a remuneração é maior e existe a possibilidade de ascensão na hierarquia social. Ao contrário
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do que ocorre no sector secundário, onde os salários são
baixos, as condições de trabalho são instáveis e não há a
perspectiva de mobilidade social. Assim, ocorre a procura permanente de trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação que aceitem tais condições (MASSEY
et al., 1993, 1998,; MATEOS, 2004; CASTLES E MILLER, 2009).
Nesse sentido, os Governos e os empregadores
possuem dificuldades em recrutar os trabalhadores nativos, para as ocupações do sector secundário. Com isso,
desenvolvem práticas para a importação de trabalhadores estrangeiros, que não se importem com as condições
impostas pelo segundo sector.
Massey et al., (1998), em referência aos estudos de Piore (1979), afirmam que os imigrantes recémchegados na sociedade de destino, procuram uma forma
de ganhar dinheiro para melhorar o seu bem-estar e consequentemente, o seu status social no país de origem,
com isso acabam por aceitarem as ofertas de trabalhos
provenientes do sector secundário. Os imigrantes aceitam tais condições segundo os autores pelo fato que, “A
disjunção dos padrões de vida entre países desenvolvidos e as sociedades em desenvolvimento significa que
os salários baixos, mesmo no estrangeiro parecem ser
generosos para os padrões da comunidade de origem; e
apesar de um migrante perceber que o trabalho executado por estrangeiros é de baixo status no exterior, ele
não se vê como uma parte da sociedade de destino. Ao
contrário, ele vê-se como um membro da sua comunidade de origem, dentro da qual trabalhar no estrangeiro e
enviar remessas é considerado honra e prestígio”
(MASSEY et al., 1998, p.30).
Porém, na sociedade de destino os
trabalhadores imigrantes pertencentes ao sector
secundário, por um lado, além de realizarem trabalhos
de baixa qualificação profissional, de estarem muitos às
vezes desprovidos de proteção social e expostos a vários
tipos de exploração laboral, durante o período de
recessão ou de crise estrutural que gere desemprego,
podem ter os seus salários reduzidos ou até mesmo
serem demitidos sem custo adicional para os
empregadores. Por outro lado, os Governos também
possuem autonomia para reduzir os postos de trabalho
ou através de acordos interestatais enviarem estes
trabalhadores para os seus respectivos países de origem
(NIKOLINAKOS, 1975).
Para Wilson e Portes (1980 apud Marques,
2008), além destes dois sectores de trabalho defendidos
pela teoria do mercado de trabalho segmentado existe
um terceiro, semelhante aos outros dois, que é o sector
de enclaves étnicos. No entender de Massey et al.
(1998), esse terceiro sector surge porque existem
imigrantes são empresários e ao perceberem a procura
por produtos especializados e serviços da mesma
origem cultural por parte da população de co-étnicos,
criam empresas destinadas a suprir esta procura e
preferem contratar imigrantes do mesmo grupo étnico,
porque além de pagarem baixos salários, ainda, os
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coloca em posição de privilégio quando concorrem com
empresas que não pertencem ao enclave.
As críticas dirigidas a esta teoria consideram
que ao privilegiar a importância da procura por
trabalhadores como causa da migração internacional, tal
teoria acaba por menosprezar os fatores que se
encontram do lado da oferta. Dessa forma, “é a teoria
do sistema-mundo que procura ultrapassar esta
deficiência ao ligar as regiões de origem com as regiões
de destino (MARQUES, 2008, p.76).
A teoria do sistema-mundo possui como
referência a concepção marxista-estruturalista e, procura
diferenciar-se das abordagens anteriores, ao explicar as
migrações “como parte da dinâmica interna de um
sistema único, o mundo econômico capitalista”
(MATEOS, 2004, p.91).
Neste sentido, Malgesini (1998, p.22),
acrescenta que “a penetração do capitalismo nas regiões
periféricas na procura de riquezas, matérias primas e
benefícios ilimitados, criou uma população propensa à
mobilidade geográfica”. Assim, a mesma economia
capitalista que cria os migrantes nas regiões periféricas
também os atrai para os países desenvolvidos. Nesta
fase do processo migratório ocorre não somente a
migração do trabalhador, mas também do capital, pois,
as empresas de países capitalistas também estabelecem
linhas de montagem nos países em desenvolvimento
para tirarem proveito dos salários mais baixos
(MASSEY et al., 1993). Desta forma, a migração
internacional é vista “como parte da dependência dos
países centrais, junto com outros fatores econômicos,
políticos e sociais” (Malgesini, 1998:23)
Ainda nesta perspectiva teórica do sistemamundo, Mateos (2004) citando Saskia Sassen (1991)
argumenta que a globalização econômica contribuiu
para a definição de uma nova geografia da economia e
da estrutura social, na qual o investimento estrangeiro é
administrado a partir de um pequeno número de cidades
denominadas por cidades globais, tais como: Nova
Iorque, Tokio, Londres, São Paulo, Hong Kong, Sidney,
Toronto e Miami. Estas cidades, ao concentrarem as
atividades financeiras e administrativas de serviços e de
produção de alta tecnologia, acabam por atraírem um
grande quantitativo de imigrantes, o que contribui para
que o seu espaço urbano seja composto por uma
multiplicidade de culturas e identidades diversificadas.
Nestas cidades globais, a incorporação dos trabalhadores imigrantes, ocorre não somente no segundo
sector, como afirma a teoria do mercado de trabalho
segmentado, mas também no primeiro sector. Isto acontece porque, as atividades concentradas nestas cidades,
necessitam tanto de trabalhadores imigrantes com baixas qualificações (empregado de mesa, jardineiros, empregadas domésticas, entre outros), como de trabalhadores imigrantes altamente qualificados para a indústria de
alta tecnologia em eletrotécnica, informática, telecomunicações, entre outras (MASSEY et al., 1993, 1998).
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Para Malgesini (1998), embora a teoria do sistema-mundo reconheça que as estruturas econômicas e
políticas entre as nações contribuam para a definição
dos sistemas migratórios, esta teoria não explica por que
uma determinada pessoa que pertença a um conjunto de
indivíduos com características semelhantes, pode tornarse migrante e as outras não.
EXPLICAÇÕES SOBRE A CONTINUAÇÃO DOS
FLUXOS MIGRATÓRIOS
De acordo com Massey, et al. (1993) a migração internacional pode começar por uma série de fatores, tais como um desejo de aumentar o rendimento individual ou um programa de recrutamento para atender
às exigências do empregador no exterior, entre outros.
Mas, as causas que contribuem para a sua continuação
são independentes das que a origina.
Recentemente, os estudos desenvolvidos sobre
a migração internacional, contribuem com estruturas
conceituais abrangentes para a compreensão deste processo. Entre as explicações que possibilitam apreender a
continuidade das migrações, encontra-se a teoria dos
sistemas migratórios. Ainda segundo os autores, os sistemas migratórios são constituídos por dois ou mais países que trocam migrantes entre si. Sendo que, “os movimentos migratórios em geral, decorrem da existência de
uma relação prévia entre países emissores e receptores e
têm por base a colonização, a influência política, o comércio, o investimento ou laço cultural” (CASTLES E
MILLER, 2009, p.27).
De acordo com esta teoria, o movimento migratório pode ser apreendido como o resultado da interação entre duas estruturas, ou seja, as macro-estruturas e
as micro-estruturas. A primeira são os fatores institucionais, tais como a economia política do mercado mundial, as relações interestatais, as leis, as estruturas e práticas estabelecidas pelos Estados dos países de origem e
de destino, entre outros. E, a segunda são as redes sociais desenvolvidas pelos próprios migrantes (CASTLES
E MILLER, 2009).
Neste sentido, Portes e Böröcz, (1989, p.614),
defendem que a “migração deveria ser conceitualizada
como um processo progressivo de redes, que ligam
indivíduos e grupos distribuídos em diferentes locais,
maximizando as suas oportunidades económicas através
de deslocamentos múltiplos”.
Para Marques (2008, p.90), “a aplicação do
conceito de rede social à abordagem dos movimentos
migratórios é realizada através da teoria das redes migratórias”. Segundo esta teoria, as redes sociais servem
como pontes que ligam migrantes, ex-migrantes e não
migrantes nas sociedades de origem e de destino. Ou
seja, depois da migração do primeiro migrante, este
constrói um conjunto de estruturas e laços sociais na sociedade de destino que podem favorecer os futuros migrantes (familiares, parentes, amigos, conhecidos, integrantes da mesma comunidade ou grupo étnico).
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Entende-se por redes sociais, “Conjuntos de
associações recorrentes entre grupos de pessoas ligadas por laços ocupacionais, familiares, culturais ou
afetivos. As redes sociais são importantes na vida econômica, na medida em que são meios de aquisição de
recursos escassos, como o capital e a informação, e
porque impõem simultaneamente constrangimentos eficientes à prossecução ilimitada dos interesses
pessoais” (Portes, 1999, p. 12-13).
Outro aspecto importante referente às redes
sociais, abordado por Gurak e Caces (1998), consiste
em dizer que estas redes, ao servirem de vinculação e
transmissão de recursos, podem determinar a escolha
do local de destino e, de certa forma, quem são os indivíduos e as famílias do local de origem que migram. As
redes também oferecem suporte para a adaptação e a integração dos migrantes recém-chegados na sociedade de
destino. Porém, os autores ressaltam que a disponibilidade dos recursos são fatores determinantes para o desenvolvimento da assistência oferecida pelas redes, por
exemplo, quando uma rede de migrantes está concentrada em trabalhos precários, isso poderá contribuir para a
concentração de novos migrantes nessas mesmas condições. E, consequentemente, a integração dos mesmos na
sociedade de destino será dificultada. Outra questão,
que os autores chamam à atenção, refere-se às informações transmitidas pelas redes aos indivíduos que nem
sempre são fidedignas. Dessa forma, a confiança e a afinidade podem tanto atrair as pessoas para a migração,
bem como para a permanência na sua sociedade de origem.
Assim, o papel desempenhado pelas redes sociais contribui para que o processo migratório seja mais
seguro e viável para os migrantes e as suas famílias.
Com isso, as redes aumentam a probabilidade de circulação internacional, porque além de garantirem segurança, contribuem para a redução dos custos e os riscos do
processo migratório e podem ainda aumentar o retorno
líquido esperado (MASSEY et al., 1993; MATEO,
2004).
Para Marques (2008, p.93), “a participação dos
indivíduos numa rede migratória constitui uma fonte de
capital social que pode ser utilizado na concretização de
projetos migratórios específicos”.
Entre as inúmeras definições de capital social,
adota-se a defendida por Portes (1999, p.16), ou seja,
“capital social refere-se à capacidade dos indivíduos
para mobilizar recursos escassos em virtude da sua pertença a redes ou a estruturas sociais mais amplas”. O autor afirma, ainda, que os recursos do ponto de vista dos
mercados são gratuitos para os beneficiários e estes ao
serem adquiridos por meio do capital social, gera, em
muitos casos, a expectativa de que no futuro possa ocorrer uma reciprocidade, isto é, troca de favores.
Para Mateos (2004), as pessoas possuem acesso ao capital social por pertencerem a uma rede social.
Para a autora, a riqueza fundamental do capital social é
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a sua capacidade de conversão noutras formas de capital
e de ser um recurso, no qual os indivíduos podem ter
acesso para conseguirem, entre outras coisas, um emprego no estrangeiro.
De acordo com Fusco (2005) embora os
benefícios derivados do capital social possam ser usados
individualmente, este é um bem coletivo que inclui
todos aqueles recursos que as pessoas necessitam para
realizarem os seus objetivos, agindo no interior de
grupos ou de redes. Segundo o autor, o capital social
também contribui para ligar as pessoas a redes, grupos e
organizações através dos laços sociais, simbólicos e de
solidariedade, bem como para a manutenção da
integridade dos grupos, por meio dos códigos sociais
que permeiam esses mesmos laços.
Outra contribuição teórica ao estudo da migração internacional refere-se à teoria institucional. De
acordo com esta teoria, com o crescimento do movimento migratório, os Governos teriam dificuldade em
controlar as entradas dos migrantes nos seus países. Assim, como forma de estabelecer o controle e a restrição
destas entradas, os Governos instituem cotas de visto.
Contudo, as disparidades entre a oferta e a procura por
visto de entrada resulta na criação de um mercado ilegal
constituído por empresários e instituições que promovem a migração internacional de forma ilícita (MASSEY et al., 1993, 2006).
Este mercado ilegal é composto por pessoas
que podem ser tanto ajudantes, como exploradores dos
migrantes. Nos casos de situações de migração ilegal, o
papel de exploração pode predominar. Isto acontece porque muitos migrantes são aliciados com falsas promessas de trabalho no estrangeiro e ao chegarem à sociedade de destino, percebem que foram enganados e que não
possuem trabalho ou recursos num país estranho (CASTLES & MILLER, 2009).
As explorações e atrocidades cometidas por
este mercado clandestino despertam Organizações de
ajuda humanitária, que passam a intervir a favor dos direitos dos imigrantes, quer estes estejam em situação legal ou ilegal. Ao longo do tempo, essas Organizações
tornam-se conhecidas pelos migrantes, constituindo formas de capital social que estes passam a dispor para
acederem ao mercado de trabalho no estrangeiro ou outros serviços (MASSEY et al., 1993, 2006).
A partir dos anos 90 do século XX, outra
abordagem teórica foi introduzida nos estudos sobre a
migração. Esta teoria é conhecida como a teoria
transnacional ou comunidade transnacional. De acordo
com Góis (2006), “o transnacionalismo emergiu da
constatação que os imigrantes mantêm os (seus)
contatos entre o estrangeiro e o seu país de origem e
fazem de ambos um território único de ação social. A
partir de uma análise transnacional, os imigrantes já
não estão desenraizados, ao contrário movem-se
livremente de um lado para o outro através de
fronteiras internacionais e/ou entre culturas e sistemas
sociais diferentes. Estes migrantes influenciam a
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mudança (em ambas) as comunidades ou locais de
pertença não só através das suas remessas econômicas,
mas igualmente através de remessas sociais” (GÓIS,
2006, p. 152).
Nesse sentido, Marques (2008, p.99), enfatiza
que esta perspectiva teórica além de fornecer
explicações sobre a perpetuação dos movimentos
migratórios, também “evidencia o desenvolvimento de
diferentes modelos migratórios e de formas de interação
dos migrantes com a sociedade de acolhimento”.
De acordo com Portes (1999), uma das
mudanças introduzidas pela teoria transnacional
consiste no fato dos, então, considerados imigrantes
passarem a ser visto como transmigrantes, ou seja,
indivíduos que mantêm atividades transnacionais e
práticas transnacionais com dois países ou mais.
Para Castles (2005, p.81), “o termo
transmigrante pode ser utilizado para identificar pessoas
cuja existência é moldada através da participação em
comunidades transnacionais estribadas na imigração”.
Contudo, o autor ressalta que nem todos os imigrantes
podem ser caracterizados como tal. Ou seja, os
imigrantes que trabalham num determinado país
estrangeiro, mas possuem como referência o seu país de
origem e pretendem um dia retornar para o mesmo,
assim como, os imigrantes que criaram vínculos com o
país de destino e não desejam regressar ao país de
origem, não são considerados transmigrantes.
Outro aspecto desta abordagem consiste na
introdução do termo comunidades transnacionais que
“podem ser definidas como grupos, baseados em dois
ou mais países, envolvidos em atividades
transfronteiriças significativas, recorrentes e duradouras,
que podem ser de natureza econômica, política, social
ou cultural” (CASTLES, 2005, p.80).
Neste sentido, a melhoria nas tecnologias de
transporte e comunicação, por um lado possibilitaram
maior interconexão entre o imigrante e o seu país de
origem, por outro contribuiu “para o crescimento da
mobilidade circular ou temporária, em que, as pessoas
migram repetidamente entre dois ou mais lugares onde
elas têm ligações econômicas, sociais ou culturais”
(CASTLES E MILLER 2009, p.30).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da explanação sucinta foi possível
entender como alguns estudiosos abordaram a migração
internacional. Algumas teorias contribuem não somente
para a compreensão dos fatores que deram origem aos
fluxos migratórios, bem como para a sua continuidade.
Assim, a migração pode ser apreendida por meio de
diferentes aspectos, tais como: a violência, o
desemprego e as péssimas condições de trabalho
vivenciadas no país de origem constituem fatores de
repulsão e estes ao serem comparados com as
oportunidades de trabalho, segurança, qualidade de vida
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no país de destino motivam os indivíduos a migrarem
como afirma a teoria da repulsão-atração.
Os teóricos neoclássicos com base na
interpretação micro e macro da teoria neoclássica
consideram que os indivíduos são movidos pelas
diferenças de ganho salarial, estes ao realizarem os
cálculos entre os valores gastos no processo migratório
e os possíveis rendimentos que serão obtidos na
sociedade de destino, agem racionalmente e optam pela
migração à procura de melhores oportunidades de
trabalho.
Para os teóricos que se baseiam na segmentação do mercado de trabalho, os países de destino por
meio dos seus governantes e empresários estão à procura de trabalhadores estrangeiros para ocuparem vagas de
trabalho no sector secundário desprezadas pelos nativos.
Já a teoria das redes migratórias, acrescenta
que o envolvimento e o apoio da família é um fator fundamental na tomada de decisão do migrante a respeito
da migração, isto porque são os membros da família, os
amigos e os conhecidos que já migraram que apoiam,
emprestam dinheiro e contribuem com informações, ou
seja, constituem as redes sociais que servem de suporte
e incentivo para os futuros migrantes. Sendo que, o capital social veiculado nestas redes ainda colabora para a
migração e a integração do migrante recém chegado ao
local de destino.
Enfim, todas as concepções teóricas aqui elucidadas colaboram para a compreensão de que as abordagens teóricas que propõem explicar a origem e a
continuidade dos fluxos migratórios não são
necessariamente contraditórias entre si, mas antes
complementares. Assim, é importante a realização da
investigação sob o enfoque interdisciplinar, isto porque
esta permite a interpretação da mobilidade dos indivíduos sob diferentes aspectos e perspectivas, ou seja, por
meio da interdisciplinaridade, é possível uma compreensão abrangente do complexo fenômeno migratório
(CASTLES E MILLER, 2009).
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