Prêmio Nobel de Medicina propõe o boicote às revistas Science, Nature e Cell
Dra. Maria Susana Arrosa Soares
Até recentemente, essas três revistas científicas eram avaliadas como as publicações de maior prestígio
internacional e garantia da qualidade dos artigos por elas publicados.
Todo pesquisador cujos estudos atingiam elevados níveis de excelência tinham, como meta, publicar seus
artigos nas revistas “Nature”, “Science” e “Cell”, pois isso significava o reconhecimento da qualidade e da
importância de seus trabalhos. A publicação de artigos nessas revistas possuía uma importância decisiva para
suas carreiras e para a obtenção de financiamentos para suas pesquisas e a ocupação de cargos de prestígio em
órgãos governamentais e em instituições acadêmicas no campo da ciência.
Essas certezas foram abaladas em críticas feitas por alguns pesquisadores de renome internacional, mas
principalmente pelo Prêmio Nobel de Medicina de 2013, Randy Schekman.
O responsável pelo desencadeamento da polêmica sobre a confiabilidade dessas revistas foi Schekman, da
Universidade de Berkley. Suas críticas, publicadas no periódico britânico The Guardian, um dia antes de
receber a medalha do Nobel juntamente com os cientistas Thomas Südhof, da Universidade de Stanford, e
James Rothman, da Universidade de Yale, tiveram um grande impacto na comunidade científica internacional.
Os argumentos que fundamentam a avaliação do pesquisador Randy Schekman sobre a confiabilidade dessas
publicações são explicitados nas seguintes declarações feitas ao Jornal The Guardian.
“Sou cientista. Meu mundo profissional tem contribuído com a humanidade com importantes coisas. Mas está
desfigurado por incentivos inadequados. Os sistemas imperantes da reputação pessoal e a ascensão
profissional significam que as maiores recompensas frequentemente são para os trabalhos mais chamativos,
não para os melhores. Aqueles dentre nós que respondemos a esses incentivos estamos atuando de um modo
perfeitamente lógico - eu mesmo tenho agido influenciado por eles-, mas nem sempre colocando os interesses
de nossa profissão acima de tudo, para não falar dos da humanidade e da sociedade” (El País, 12/2013).
Os artigos publicados por estas classificadas de “revistas de luxo” pelo pesquisador são avaliados por sua
qualidade, mas não é sempre assim. Um artigo pode ser muito citado porque é "um bom trabalho científico, ou
porque é chamativo, provocador ou errado. O fator de impacto, pois não assegura a qualidade de um trabalho,
ocorrendo casos em que revistas como a Science, em algumas ocasiões, foram obrigadas a reconhecer a
publicação de estudos fraudulentos ou com erros (El Mundo, Madrid,10/2013).
A partir de agora, Schekman afirma que não publicará mais seus artigos nessas revistas. Sua intenção é
denunciar -com uma dose de autocrítica- as distorções que esses grandes editoriais científicos exercem sobre o
progresso do conhecimento e que a aceitação de um texto publicado pode estar sujeita a considerações de
política científica, pressões e inclusive contatos pessoais (El País,12/12/2013).
Schekman não foi o primeiro cientista a denunciar a “tirania” que exercem essas revistas sobre o processo
científico, sobre a imagem pública da ciência, suas prioridades e funcionamento cotidiano. Outro pesquisador,
também Prêmio Nobel, o biólogo Peter Lawrence da Universidade de Cambridge, apoia a Schkman e há mais
de dez anos vem defendendo posições similares. Em artigo por ele publicado no ano de 2003 afirmava:
Quando o escrevi em 2003, recebi quase 200 cartas, a maioria de jovens que sentiam que os sonhos que os
haviam levado a converterem-se em cientistas lhes haviam sido roubados; o ponto principal, então e agora, é
que os artigos científicos transformaram-se em símbolos para o progresso na profissão científica, e os
verdadeiros propósitos de comunicação e registro e estão desaparecendo (El Pais,12/ 2013)
Uma última crítica, mas não menos importante, feita às “revistas de luxo” pelo novo Nobel, relaciona-se aos
responsáveis por essas publicações, que não são cientistas ativos. São profissionais do mundo editorial, “mais
preocupados com o impacto que elas vão ter do que pelo seu conteúdo científico propriamente dito” (El
Mundo, 12/ 2013).
Randy Schkman, face às críticas que formula aos três periódicos, acrescenta à negativa em continuar
publicando neles, uma convocação aos pesquisadores a boicotá-las, pois ambas estão mais comprometidas com
o impacto do que com a qualidade da pesquisa cientifica.
Referências:
El País, Madrid,12/12/2013
El Mundo, Madrid,10/12/2013).
Postado em 20/12/2013
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Prêmio Nobel de Medicina propõe o boicote às revistas Science