XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
HELICÓPTEROS EM SÃO PAULO. O CONTROLE DO ESPAÇO
AÉREO E A INSUBORDINAÇÃO DOS HELIPONTOS
Sandra Lencioni
Universidade de São Paulo
Helicópteros em São Paulo. O controle do espaço aéreo e a insubordinação dos helipontos
(Resumo)
Em São Paulo, do topo dos edifícios corporativos decolam e aterrisam helicópteros que
sobrevoam uma cidade congestionada, na qual nos horários de pico predomina a lentidão. Essa
metrópole possui a maior frota de helicópteros do mundo e é pioneira no controle de tráfego
aéreo voltado exclusivamente para helicópteros. Há um controle rígido do espaço aéreo, que
com suas normas, se constitui num espaço urbano, num espaço produzido socialmente que se
distancia da ideia de céu e atmosfera, pois ele é, também, um espaço social. Diferente do espaço
aéreo da cidade que é rigorosamente controlado, os locais de pouso e decolagem, denominados
de helipontos, são insubordinados, não seguindo às regras urbanísticas. Isso porque estão
submetidos a interesses privados do setor imobiliário que constrói os edifícios com helipontos
no sentido de valorizá-los, fazendo vistas grossas às normas da cidade e pressionando para a
flexibilização das leis.
Palavras-chave: Helicóptero, São Paulo, espaço aéreo.
Helicopters in Sao Paulo. The airspace control and the insubordination of heliponts
(Abstrat)
In São Paulo, in the tops of the corporate buildings it is constant the takeoff and landing of
helicopters flying over a congested city, in which dominates a huge space at rush hour. This
metropolis has the largest fleet of helicopters in the world and is a pioneer in air traffic control,
dedicated exclusively to helicopters. There is a strict control of the airspace, which with its rules
constitutes an urban space, a socially produced space that cancels the idea of sky and
atmosphere, and because of that it is also a social space. Unlike the airspace of the city that is
rigidity controlled, the landing and takeoff of helicopters in the called heliponts do not follow
those urban rules.
Keywords: Helicopter, Sao Paulo, airspace.
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
Em meio a resíduos da Mata Atlântica, na região oeste de São Paulo, destaca-se o Pico
do Jaraguá, ponto culminante da Serra da Cantareira, com cerca de 1.200 metros de
altitude. De seu topo, em dia claro, a vista alcança até 55 quilômetros e a paisagem se
descortina deslumbrante revelando uma das maiores metrópoles do mundo. Facilmente
se percebe que estamos diante de uma metrópole socialmente muito desigual, pois os
telhados de cerâmica, característicos do mercado de habitação formal, contrastam com
as casas cujas coberturas são em tons de cinza, seja devido à telhas de amianto ou às
lajes de cimento. Visivelmente se antepõe o vermelho das cerâmicas ao cinza do
cimento.
Contudo, mais surpreendente que esse contraste de cores na paisagem, para qualquer
lugar ou direção que se olhe, é possível ver edifícios de vários andares revelando uma
metrópole cuja verticalização é bastante dispersa pelo território. Essa é uma
característica dessa metrópole — a dispersão da verticalização — que a difere, por
exemplo, de Santiago do Chile e de Tóquio, para exemplificar com dois casos muitos
diferentes entre si.
Contemplar São Paulo do Pico do Jaraguá permite um olhar de conjunto até onde a vista
alcança. Por isso, as aulas de Geografia dadas por Pierre Monbeig na Universidade de
São Paulo, nos idos da primeira metade do século XX, começavam com uma subida
nesse pico e lá ele incitava os alunos a descreverem o que viam. A observação e a
descrição estavam postas como um exercício metodológico, um ensinamento
fundamental para a formação de geógrafos.
Essa possibilidade de apreender a cidade como conjunto, quando vista do alto, também
poderia ser realizada quando se sobrevoava a cidade de avião. Coisa rara naquele
tempo. Hoje em dia, sobrevoar São Paulo de avião e decolar ou pousar no Aeroporto de
Congonhas, que fica no interior da malha urbana, não é mais um fazer excepcional. Um
simples dado comprova essa afirmação: o número de passageiros que saíram ou
chegaram a São Paulo, por meio desse aeroporto, foi de 16 milhões em 20121. Com a
expansão da aviação a visão de São Paulo, do alto, passou a ser mais acessível. Mais
pessoas podem observar o gigantismo territorial da metrópole, o contraste entre o
vermelho e cinza da cobertura das casas e os edifícios em altura em todas as direções
que o olhar alcança.
Mas não só por meio dos aviões é possível ver São Paulo a partir dos céus. É possível,
também, quando se sobrevoa a cidade a bordo de um helicóptero. E, ainda, a de voar
parado, uma aparente contradição. Ou seja, podem ficar parados, mas em voo, o que é
uma vantagem quando se quer fazer alguma observação, em especial quando se quer ter
uma visão de helicóptero. Por isso, ele permite uma visão diferente daquela obtida de
dentro de um avião ou do topo de uma montanha ou de um edifício. De um helicóptero
é possível ver de perto e de longe, numa mesma coordenada. Quando um helicóptero
alça voo a visão de perto vai cedendo lugar à visão de longe e se pode ter a consciência
exata de que aquela parte observada e perto faz parte de um todo. Essa espécie de visão,
como se fosse um zoom ótico de aproximação e distanciamento, tem uma palavra
específica em alemão: helikopetrsicht, que poderia ser traduzida por visão de
helicóptero.
1
Infraero Aeroportos. <www.infraero.gov.br>. [4 de abril de 2014]. 2
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
Existe uma visão de helicóptero. Essa visão não permite tomar parte da cidade como
sendo sua totalidade. Ela nos ensina que um olhar sobre a cidade não é nunca um olhar
qualquer e nem um olhar parcial, pois mesmo examinando as partes de uma cidade não
devemos nos esquecer que essa parte faz parte de uma totalidade, não se explicando por
si mesma. Se apropriar dessa visão de helicóptero é, então, fundamental para se analisar
uma cidade.
Qualquer cidade pode ser vista por meio de um helicóptero, mas não são todas as
cidades que possuem um céu carregado de helicópteros que voam de cá para lá, que
voam baixo ou alto, pousando ou aterrissando no topo dos edifícios. Embora o uso de
helicópteros não seja novo nas cidades, quer para se ir de um ponto a outro da cidade,
quer de uma cidade a outra, esse uso nunca foi tão intenso e generalizado como nos dias
atuais. No caso específico da cidade de São Paulo, é mais comum ver helicópteros no
céu do que aves voando. De acordo com a Associação Brasileira de Helicópteros,
utilizando-se do Registro Aéreo Brasileiro e dados oficiais dos principais países, em
2012, a frota de helicópteros de São Paulo é a maior do mundo, com 411 aeronaves e
cerca de 2 mil pousos e decolagem por dia. Em segundo lugar, agora, está a cidade de
Nova Iorque e em terceiro, Tóquio2.
Tradicionalmente, os helicópteros são usados para emergência médica e para
policiamento. Mas, em São Paulo, esse uso é muito pequeno, diríamos ínfimo,
comparado com o uso corporativo. Ou seja, o uso que caracteriza São Paulo é o uso
corporativo pelos homens e mulheres de negócios que mesmo contando com toda
parafernália de comunicação disponível, em grande parte virtual, ainda não dispensam,
o contato face a face para os negócios.
Do topo dos edifícios corporativos decolam e aterrissam helicópteros que sobrevoam
uma cidade congestionada, que possui uma frota de 7 milhões de veículos, que
contrasta fortemente com a sua frota de ônibus, de 40.000, todos asfixiados pelo trânsito
engarrafado. O congestionamento é tanto que a média de velocidade em horário de pico
fica, em geral, entre 12 km/hora e 19 km/hora. Média essa, abaixo das carroças puxadas
a dois burros que têm uma velocidade média de 26 km/hora. O deslocamento em São
Paulo é difícil, obstaculizado e aterrorizador. Percorrer poucos quilômetros pode
significar um dispêndio enorme de tempo.
Uma saída para se alcançar a fluidez no território é o deslocamento por meio de
helicópteros. Tempo é dinheiro, diz a máxima proferida por Benjamin Franklin. E esse
princípio é perseguido. Alia-se a essa necessidade de superar os congestionamentos e
maximizar o uso do tempo. São Paulo é o centro de uma macrometrópole, de cerca de
50.000 km2, equivalente à superfície da Eslovênia. Em toda a macrometrópole de São
Paulo, num raio de cerca de 300 quilômetros tendo como centro a cidade de São Paulo,
os fluxos são intensos. Em grande parte devido à desconcentração da produção
industrial que separou, como nunca antes na história, a gestão empresarial da produção
industrial, ou seja, a gestão do “chão de fábrica”, fazendo com que o segundo lugar na
produção industrial do Brasil deixasse de ser o Rio de Janeiro para ser a região do
entorno da região metropolitana de São Paulo.
2
Associação Brasileira dos Pilotos de Helicópteros — ABRAPHE. <www.abraphe.org.br>. [31 de março
de 2014]. 3
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
O uso corporativo dos helicópteros agiliza os negócios. Ele revela uma questão chave
dos dias atuais. Os fluxos entre os lugares necessitam ser rápidos para não comprometer
a lógica da reprodução do capital e, de maneira mais ampla, a lógica contemporânea. A
necessidade de deslocamento rápido, de tudo ser rápido se impõe. Todos acabam
ficando sujeitos à tirania da velocidade. Aubert3, uma psicanalista francesa chamou a
atenção para o fato de que, hoje em dia, o tempo aparece como uma violência contra o
sujeito.
Em resumo, a enorme frota de helicópteros sobrevoa e domina os céus de São Paulo,
uma metrópole paralisada pelos congestionamentos. Busca-se, em especial o capital e os
homens e mulheres de negócios, a superação dos constrangimentos da fluidez territorial.
Só mesmo o céu para os salvarem, os redimirem da morosidade dos fluxos. No inferno
fica o comum dos mortais, que gastam uma enormidade de tempo para se deslocarem na
cidade. Em São Paulo, a cidade mais importante do país que acompanha toda sorte de
modernidade, diante do transporte público que é pífio e das vias congestionadas o que
mais surpreende não é o ruído dos helicópteros, mas a paciência do povo, sua boa
vontade e redenção há anos de políticas públicas e econômicas equivocadas.
O uso de helicópteros na cidade de São Paulo coloca uma questão inusitada para se
refletir sobre o espaço e sobre sua produção, bem como a relação espaço e tempo. Em
primeiro lugar exige pensar o espaço aéreo, enquanto uma dimensão específica do
espaço, aqui, do espaço urbano. Uma simples análise a respeito da circulação de
helicópteros em São Paulo evidencia a questão do espaço como problema teórico. Esse
é o conteúdo da discussão do primeiro item, que ao discutir a relação entre espaço e
tempo enfatiza que o espaço urbano contém o espaço aéreo.
Em seguida, enfatizamos o controle do espaço aéreo como um problema atual da
metrópole de São Paulo. Particularmente analisamos as regras que normatizam o uso do
espaço aéreo pelos helicópteros em São Paulo e como se dá o controle do espaço aéreo
de São Paulo.
O terceiro item trata da insubordinação dos helipontos, lugares de pouso e decolagem
dos helicópteros, em especial dizendo respeito aos helipontos construídos no topo dos
edifícios e de seu uso corporativo. Esses são de difícil subordinação ao poder público.
Como negócios imobiliários seguem a lógica do mercado prevalecendo a ótica do lucro
em detrimento da cidade. Nesse sentido, a discussão chama atenção para o fato de que
os helicópteros e helipontos fazem parte da questão urbana.
Em síntese, aqueles que querem conhecer São Paulo devem, também, olhar para o céu,
para o espaço aéreo, que não se confunde com o céu, onde agora voam pássaros de aço
que com seus roncos passam, cada vez mais, a fazer parte dos ruídos da cidade. Um céu
diferente dos tempos de Pierre Monbeig, um céu que permite graças à possibilidade de
um helicóptero voar verticalmente, ter noção de perto e de longe, das partes e do todo
da cidade. Um olhar de helicóptero, um helikopetrsicht.
3
Aubert, 2008.
4
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
O espaço aéreo é um espaço produzido socialmente
Em qualquer metrópole do mundo quando se olha para o alto, para além dos edifícios
em altura e das modernas torres de concreto, se vê o céu, se vê o espaço. Aparecem
como iguais, céu e espaço. Mas esse sentido genérico e do senso comum não é o que
nos interessa. Falando de céu, não interessa, aqui, se ele inclui ou não querubins e
arcanjos. E, falando de espaço, não interessa, aqui, seu sentido genérico, como sendo
tudo como extensão infinita.
Por isso, dizer que os helicópteros voam pelo céu e cruzam o espaço não é suficiente
para compreendermos a relação entre helicópteros e cidade. Isso devido os seguintes
motivos: o primeiro, é que o espaço não pode ser visto como dádiva divina ou como
primeira natureza, portanto, não se confundindo com atmosfera. O segundo, porque ele
não pode ser entendido no seu sentido genérico, como extensão infinita.
Só na aparência os helicópteros voam pelos céus e atravessam o espaço. Essa é a
primeira observação digna de nota. O que é fato é que os helicópteros voam sobre um
espaço aéreo, sobre um espaço produzido socialmente. Já não se trata de céu, de
atmosfera, de espaço, de natureza em si. Trata-se de espaço aéreo, trata-se de um espaço
produzido socialmente, com regras e normas rigidamente controladas. O que é
fundamental dizer e buscando o rigor necessário, é que os helicópteros voam sobre o
espaço aéreo, só no sentido figurativo eles voam sobre o céu. As nuvens, as chuvas, as
trovoadas, os raios, os arco-íris, o nascer do sol que ilumina e a noite que tudo encobre
se dão num espaço aéreo, num espaço humanizado, que se coloca como estratégico e
político. Isso nada tem a ver com primeira natureza.
Em suma, os helicópteros voam sobre um espaço aéreo e esse espaço é um produto da
sociedade. Mas, esse espaço não tem apenas essa condição, de se colocar como um
produto social. Ele é, também, um meio que permite a fluidez dos helicópteros, que é o
que nos interessa, embora também seja meio para a fluidez das outras aeronaves.
Esse espaço aéreo está vinculado às normas, mas também está vinculado aos valores,
entendido aqui como qualidade. Por exemplo, morar em São Paulo perto de área com
grande número de helicópteros voando significa viver sobre ruídos ensurdecedores e se
traduz em desvalorização do imóvel, já que as condições da vida urbana se tornam
comprometidas. E, no sentido inverso desse exemplo, possuir um escritório num
edifício que tenha na sua cobertura uma pista de pouso e decolagem de helicópteros se
traduz numa valorização do imóvel
Partindo-se, portanto, dessa premissa, de que estamos a falar de espaço aéreo e não de
espaço no sentido genérico e entendendo esse espaço com um produto social, produzido
pela sociedade, consideramos que para se compreender o espaço aéreo há que se
compreender, então, a sociedade, pois ele não tem uma lógica própria; sua lógica é a
lógica da sociedade que o produziu.
Um segundo aspecto a mencionar é que embora o céu seja semelhante em Cabul, em
Londres, Cairo, La Paz e Washington, todos eles com nuvens, atmosfera e chuvas, o
espaço aéreo é diferente em cada um desses lugares, com normas próprias. Isso significa
5
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
dizer que cada espaço aéreo dessas cidades, seja Cabul ou Londres, para ficar nos
exemplos dados, não está separado de seu contexto histórico e social.
Enfim, só compreendendo o céu por onde transitam os helicópteros como espaço aéreo
poderemos nos alçar para além da compreensão que entende que um helicóptero voa
sobre o céu. Para além da aparência, um helicóptero voa sobre um espaço aéreo que tem
como seu fundamento a normatização, as regras de seu uso.
Isso nos conduz a outra observação, a de que o espaço aéreo é imanente ao espaço
urbano, no caso das cidades. Portanto, o urbano não diz respeito apenas ao terreno, à
superfície terrestre, ao chão, por assim dizer e, tampouco, às águas de superfície —
lagoas e rios. Ele também inclui o espaço aéreo. Embora não seja mercantilizado e não
seja fragmentado, o espaço aéreo está contido no espaço urbano. Mas, ele guarda uma
característica comum aos terrenos urbanos, melhor dizendo, à superfície topográfica da
cidade: ele não é homogêneo. Tem vias e regras de uso e compartilhamento de uso
específico. Em resumo, o espaço aéreo não é mercantilizado e nem é fragmentado como
a superfície topográfica da cidade, mas, como essa superfície ele é heterogêneo.
O espaço aéreo se constitui num meio de circulação por onde fluem aviões e
helicópteros. Ele é, embora seja óbvio dizer, uma condição indispensável para que os
fluxos ocorram. Por meio dele se alcança a máxima fluidez nos deslocamentos. A
máxima velocidade; e isso é um aspecto chave na sociedade contemporânea. Chave, no
sentido de importantíssimo, pois uma das características da sociedade atual que não
encontra semelhança com nenhuma fase da história das civilizações é, justamente, a
velocidade. Não que a velocidade não tenha se colocado anteriormente na história, mas
o foi como ganho de tempo e não como um imperativo social como na sociedade
contemporânea. Como bem expressou Paul Valery4, na década de 30 do século passado,
portanto, com extrema precocidade em relação ao que a sociedade viria a ser, no
passado “o que aparecia como novidade eram soluções ou respostas a problemas ou
perguntas muito antigas, senão, imemoriáveis...”. Hoje, “a novidade consiste no inédito
dos problemas em si e não nas soluções: nos enunciados e não nas respostas”. Nesse
sentido, entendemos que a questão da velocidade se insere como um problema inédito,
uma questão a desafiar o nosso tempo.
Estamos a falar da velocidade como uma questão central da sociedade contemporânea.
Estamos a falar da relação espaço e tempo, porque a velocidade se define pela distância
percorrida num dado (num certo) tempo. Hoje em dia para que um indivíduo seja senhor
de seus espaços-tempos, deve se deslocalizar e se relocalizar. Mas, deve, também, ser
capaz de se desincronizar e se resincronizar, como chamou atenção Ascher 5 se
deslocando por helicóptero, um indivíduo pode se sincronizar a outras via celular. Nesse
sentido, uma das características da contemporaneidade é que os indivíduos podem, pelo
menos potencialmente, se assenhorarem de seus espaços-tempos.
A possibilidade de se dessincronizar e se resincronizar aparece como uma decorrência
da revolução das comunicações e da informática. Mesmo com uma distância geográfica,
duas pessoas podem se sincronizar por meio do uso de um celular e pelo simples clicar
de um botão podem se desincronizar. No caso das mensagens via celular, a conjunção
4
5
Valery, 1962, p. 135-136.
Ascher, 2009. 6
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
tempo e espaço é rompida, é negada, uma vez que a mensagem pode ser respondida
pelo sujeito, quando (tempo) ele quiser e de onde (espaço) ele desejar. Diferente do
telefone fixo, o celular não está relacionado a um endereço. Esfuma-se a localização, o
espaço. Ele está relacionado ao indivíduo. Do antigo telefone resta pouco. Ele que era
público, nas priscas eras, passou para o interior das casas, dos escritórios, das fábricas...
Agora ele já não tem um endereço, o que ele tem é um portador. Essa individualização
do celular é reveladora da crescente individualização da sociedade contemporânea. De
forma um pouco semelhante, mas só um pouco, podemos dizer o mesmo para os
helicópteros, na medida em que ele dá autonomia aos indivíduos em relação aos
horários de voo para aqueles podem pagar, não dependendo de horários préestabelecidos, como no caso dos aviões.
O acesso à velocidade, ao deslocalizar e se relocalizar, ao desincronizar e se
resincronizar constituem aspectos importantes de diferenciação social. No caso dos
deslocamentos, do partir e do chegar, o uso do helicóptero, excetuando-se os casos de
emergências médicas ou policiais, se constitui num traço de diferenciação social.
O uso do helicóptero impõe uma questão fundamental, a da acessibilidade física. Para se
voar de helicóptero é necessário um ponto de partida e um ponto de chegada que
passam a se constituírem como novos elementos de diferenciação do espaço.
O controle do espaço aéreo subordina os voos de helicópteros
Embora o que nos interessa seja o espaço aéreo da cidade de São Paulo, vale mencionar
que o espaço aéreo brasileiro compreende o espaço aéreo territorial, com cerca de 8,5
milhões de km2 e o espaço aéreo sobrejacente à área oceânica que se estende até o
meridiano de 10º a oeste, elevando esse número para 22 milhões de km2. Compreende,
portanto, espaços sobrejacentes à terra e ao mar e tem dimensões magnânimas.
Mas não são todos os 22 milhões de km2 que são controlados. Há o espaço aéreo não
controlado, sem prestação de controle de tráfego, havendo apenas serviços de
informação de voo e de alerta. Um segundo tipo de espaço aéreo é o espaço aéreo
condicionado, onde há proibição de voos, a exemplo das áreas de treinamento de
aeronaves militares, das áreas de lançamento de mísseis e foguetes, das áreas sobre
presídios e das áreas de proteção de instalações portuárias.
No que diz respeito à discussão em pauta, os voos de helicópteros sobre a cidade de São
Paulo, estamos diante de um espaço controlado em que todos os movimentos aéreos
são regulados por um órgão de tráfego aéreo, no caso, pelo Departamento de Controle
Aéreo — DECEA — que controla o voo de aviões e helicópteros. Esse departamento é
importante e relevante na história do controle do espaço aéreo brasileiro, pois foi nele
que se desenvolveu o Serviço de Tráfego Aéreo com Radar no Brasil, em 1962, sistema
pioneiro na América do Sul.
Esse Departamento tem uma unidade especial, denominada Serviço Regional de
Proteção ao Voo de São Paulo, que é responsável por todo o fluxo aéreo de São Paulo,
além de gerenciar os terminais aéreos de São Paulo e Rio de Janeiro, onde se situam os
aeroportos de maior volume de fluxo aéreo do Brasil. São eles, o aeroporto de
7
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
Congonhas, Guarulhos/Cumbica e Campo de Marte, em São Paulo; Tom Jobim, Santos
Dumont e Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.
Foi nesse Departamento que se desenvolveu um sistema de controle aéreo específico
para helicópteros. Esse sistema, de 2004, foi o primeiro a ser concebido no mundo. São
Paulo foi pioneira, pois foi a primeira cidade do mundo a ter um controle do espaço
aéreo específico para helicópteros. Esse espaço rigidamente controlado compreende um
quadrilátero de 60 km2 de extensão, que é delimitado pela Avenida Paulista, pela ponte
Estaiada, pelo Estádio do Morumbi e pelo Parque do Ibirapuera. Por meio de uma torre
localizada no aeroporto de Congonhas, se controla rigidamente o tráfego aéreo nessa
região, nesse quadrilátero. Nele podem voar, simultaneamente, até 6 helicópteros. O
helicóptero tem que informar o seu número de inscrição, a rota que irá fazer e aguardar
a autorização para prosseguir. Há a espera e o controle de entrada nesse quadrilátero do
espaço aéreo. Nessa área voos de treinamento não são permitidos e os voos
panorâmicos sobre a cidade recentemente ficaram restritos a 3 horários: das 9 até às 13
horas, das 16 até às 18 horas e das 20 até às 23 horas. Isso porque o fluxo de
helicópteros era tão grande que comprometia a segurança do voo e da cidade. Não
esquecendo que os voos panorâmicos são negócios, cabe mencionar os protestos das
empresas de taxi aéreo, uma vez que as restrições impactaram diretamente nos seus
lucros.
Além do quadrilátero, os helicópteros voam em rotas específicas. Essas rotas são
denominadas de Rotas Especiais de Helicóptero e buscam garantir a segurança do voo,
como também organizar o tráfego aéreo. Essas rotas são traçadas privilegiando as áreas
em que é possível o estabelecimento de um pouso de emergência, por exemplo, sobre
aas margens dos rios Pinheiros e Tietê, sobre avenidas do entorno da cidade ou sobre
regiões de mais baixa densidade construtiva. Os helicópteros seguem essas rotas
devendo obedecer a duas disposições: a primeira, a de voar, no mínimo, a uma altura
superior a 150 metros de altura do pico mais elevado. Para ter uma ideia dessa altura,
um edifício de 30 andares, tem em média 110 metros de altura. A segunda, é a de que
essa altura mínima deve ser obedecida num raio de 600 metros em torno do helicóptero
quando este estiver voando sobre área habitada, salvo, claro, nos momentos de pouso e
decolagem.
Na Figura 1 pode-se ver o quadrilátero contornado em linha rosa. As aerovias estão
representadas pelas linhas grossas verdes. Elas contém um nome, que é o nome da rota.
Por exemplo, Rota Ferrovia, Rota Santo André, Rota Oeste, Rota Pinheiros, Rota
Tancredo, Rota Anchieta .... Os círculos amarelos representam referências visuais
importantes; os vermelhos, referências visuais perigosas, os vermelhos cortados ao
meio, área onde é proibido sobrevoar ou área com presídio, os círculos azuis cortados
ao meio, aeroportos públicos e os círculos brancos cortados ao meio, os aeroportos
privados. O triângulo vermelho representa os pontos de notificação com o nome de cada
posição e os azuis os heliportos.
Mas os helicópteros não trafegam apenas no quadrilátero rigidamente controlado e nem
pelas rotas estabelecidas. O piloto pode definir sua própria rota se atentar para duas
condições: a primeira, a de seguir a legislação, como, por exemplo, obedecendo à norma
de voar a uma altitude mínima permitida para o voo e; a segunda, de garantir a
8
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
capacidade de ver e de ser visto por outras aeronaves, ou seja, por outros helicópteros e
aviões.
Figura 1
Rotas Especiais de Helicópteros
Fonte: Resende, F. Cartas Aeronáuticas de São Paulo, 2013.
Esse controle do espaço aéreo da cidade pode parecer rígido, mas não é se comparado
ao de outras metrópoles. Em Paris, o tráfego aéreo de helicópteros é proibido e em Nova
Iorque eles só podem voar ao longo do rio Hudson e pousar nos helipontos ao longo do
rio. Os helipontos no alto dos edifícios foram proibidos de operar devido um acidente
em 1997 que vitimou passageiros de um helicóptero e um pedestre. Além do mais, os
helicópteros não podem ter apenas um motor. Devem ter dois, pois caso um deles falhe
é possível ainda se utilizar o outro. Não caso de São Paulo predomina o uso do
Robinson 44, UM helicóptero de pequeno porte e monomotor.
As normas de uso do espaço aéreo nem sempre são seguidas. Não é raro que jovens
pilotos sob pressão dos que encomendaram o voo ou, ainda, dos proprietários dos
helicópteros, cedam a pressões para fazerem manobras ilegais de aterrissagem ou
voando mais baixo do que o permitido, ou pousando no campo de futebol da casa de um
amigo de quem contratou o voo. Para que o helicóptero não seja localizado pelos
controladores de voo, os pilotos utilizam do expediente de desligarem o transponder,
que é um aparelho que permite informar à torre do comando a localização do
helicóptero. Assim se constrói a cegueira do mal feito, a custa de riscos. Falando dos
milionários que utilizam helicópteros, Cleber Teixeira Mansur, comandante há 29 anos
e presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros, disse: “o milionário é,
antes de tudo, um cara prepotente, que acha que você tem que pousar onde ele quiser”.
O controle do espaço aéreo tem a finalidade de garantir a segurança do voo. Mas esse
controle não existe e nem tem razão de ser porque o helicóptero é uma máquina de voar.
Assim posto, o helicóptero se reduz a um objeto técnico, mas o que dá vida e sentido a
9
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
um helicóptero é a fluidez. Sem a possibilidade de fluir ele não se realiza enquanto
helicóptero. Tem que voar, tem que fluir, atravessar os céus.
A fluidez, como insistiu Milton Santos, é uma categoria sociotécnica, pois opera
segundo normas de ação. Esse é um dos ensinamentos de Milton Santos que afirma que
os novos sistemas de objetos se relacionam ao novos sistemas de ações e exigem um
sistema de normas6. Portanto, as normas são intrínsecas ao objeto e à ação. No caso do
objeto técnico, helicóptero, ele só tem sentido de ser, se ele voar, se tiver fluidez. Essa
fluidez se constitui numa dimensão sociotécnica com normas estabelecidas socialmente.
Em São Paulo, essas normas vão do controle do espaço aéreo, às normas de pouso e
decolagem, até às normas relacionadas aos horários permitidos de voos. São normas
relacionadas ao controle do espaço aéreo. Mas são mais do que isso, são normas,
também, urbanas que dizem respeito à cidade.
A insubordinação dos helipontos
Voar de helicópteros tem inúmeras vantagens em relação aos voos de aviões, em
especial quando se está falando de distâncias menores. Em primeiro lugar,
comparativamente, são muito mais flexíveis. Os helicópteros podem pousar ou decolar
em qualquer lugar, diferente dos aviões que requerem uma estrutura de apoio muito
mais complexa. Eles aterrissam em apenas 2 minutos e decolam em apenas 4. Tudo
muito rápido e em coerência com o ritmo de tempo desse século.
São Paulo é a cidade dos helicópteros. São Paulo é uma verdadeira helicopterópolis a
exigir infraestrutura específica para os helicópteros. Em primeiro lugar, cabe mencionar
os aeroportos que atendem às aeronaves em geral. São 3 aeroportos para servir a
cidade. O de Campo de Marte, situado na zona Norte da cidade; o de Congonhas, na
zona Sul e o de Guarulhos/Cumbica. O aeroporto de Guarulhos é o mais recente e o
maior aeroporto internacional do país. Situa-se no município de Guarulhos, conturbado
à cidade de São Paulo.
A tabela a seguir contém dados sobre a movimentação de helicópteros, aviões a jato e
aviões convencionais. Outros tipos, como aviões anfíbios, não foram considerados, o
que justifica a nominação da tabela que não incorpora todos os tipos de aeronaves. Vale
dizer que “movimentação” entende-se o pouso e a decolagem de aeronaves, ou seja, a
soma de ambas as operações.
Tabela 1
Movimentação de helicópteros, jatos e aviões convencionais nos aeroportos de São Paulo. (2013)
Aeroportos
Campo de Marte
Congonhas
Guarulhos
Total
Helicópteros
Aviões a jato
91.364
16.974
7.807
116.145
2.337
24.602
4.622
31.567
Aviões
convencionais
31.747
1.421
890
34.058
Obs.: Aviões convencionais são aeronaves com monomotor ou bimotores movidos a pistão.
Fonte: Anuário Brasileiro de Aviação Geral, 2013.
6
Santos, 2006, p. 186.
10
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
Sem sombra de dúvidas, é o Campo de Marte, o mais antigo da cidade, inaugurado em
1920,
o aeroporto dos helicópteros. Nele, a movimentação de helicópteros
correspondeu a cerca de 80% dos pousos e decolagens, precisamente, a 78,6% da
movimentação desse aeroporto. Em segundo lugar, temos o aeroporto de Congonhas
com 21,2% e, Guarulhos, com menos de 1% (0,8). O Campo de Marte também se
caracteriza como aeroporto de onde partem vários taxi-aéreos e onde há escolas de
pilotagem.
Para o estacionamento dos helicópteros, São Paulo está dotado de hangares. Há
hangares específicos nesses aeroportos, mas há, também, hangares privados na região
metropolitana, em municípios próximos e conturbados à cidade de São Paulo. Esses
hangares são providos de infraestrutura para atender aos helicópteros, seus usuários e
pilotos. Possuem oficina de manutenção, área de abastecimento, de manobras e, claro,
heliponto, ou seja, local de embarque e desembarque. Ainda, estacionamento de
automóveis, estação meteorológica, restaurante, sala de reunião, suítes para descanso...
tudo definido para ratificar o uso corporativo do helicóptero.
Em São Paulo e adjacências temos o Helipark situado em Carapicuíba, a oeste; o
Helicidade, a sudoeste; o Helicentro, no bairro do Morumbi, a sudoeste; o Hangar ABC,
em São Caetano, a sudeste e o Helicentro, no município de Arujá, a nordeste. O
Helipark é o maior heliporto da cidade, a “entrada lembra o saguão de um hotel cinco
estrelas. Através de uma grande porta de vidro, aberta por meio de um sensor de
presença, vê-se a pista de decolagem e nove pontos de pouso. Ao fundo, avistam-se as
centenas de casebres em tijolo aparente de uma das favelas de Carapicuíba”7.
Um helicóptero pode se aproximar de um hangar se orientando pelo endereço por terra,
ou pelo endereço do espaço aéreo. Vejamos o seguinte exemplo, o hangar Helicidade
situa-se na Avenida Onófrio Milano, 186, Jaguaré, São Paulo. A localização no espaço
aéreo é bem diferente. Como exemplo, estamos dando o endereço aéreo do Helicidade,
mas que só é compreensível aos pilotos. São Paulo / Helpn Helicidade, SP SIBH 23 32
48S/046 44 13W PRIV UTC-3 VFR L26 737 (2418) CMB – PF, TF.
Esses hangares constituem heliportos e não devem ser confundidos com os helipontos
que são, simplesmente local de pouso e decolagem, sem equipamentos específicos para
atendimento dos helicópteros, como os mencionados anteriormente.
Os helipontos podem ser de dois tipos: de solo ou elevados. Os de solos são poucos,
predominando na cidade de São Paulo os helipontos em altura, os helipontos em
elevação situados nos topos dos edifícios. Todos eles, independentemente se de solo ou
de altura, tem dimensões e formas controladas. No caso específicos dos helipontos em
altura possuem uma área central denominada área de toque usada para aterrissagem e
decolagem, além de uma área de segurança no entorno da área de toque que deve ter um
muro de, pelo ao menos, 1 metro de altura. São esses os helipontos de referência nesse
texto, os helipontos em elevação, pois a quase totalidade deles está voltada para o
atendimento das empresas. O que permite dizer que são helipontos corporativos.
Os helicópteros se constituem numa forma de escapar do estrangulamento do trânsito da
cidade, de escapar de uma cidade à beira de sua imobilidade com seus 7 milhões de
7
Mena, 2008.
11
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
veículos, que se digladiam pelas ruas. 8 Essa frota não para de crescer. Sem transporte
público adequado, para dizer o mínimo, e com arruamento em forma de espinha de
peixe, onde várias vias desembocam numa via dorsal, seu trânsito é um verdadeiro
inferno. Metrópole contemporânea, com torres arquitetônicas por onde quer que se olhe,
anda a passos de tartaruga. Aprisionada no emaranhado de carros, com uma imensa
frota de motos, de quase 1 milhão, que fazem verdadeiras audácias homicidas e
autodestrutivas. Isso, a nível do solo, onde a sensação é de caos.
Ao contrário, pelo espaço aéreo a sensação é de deleite pela paisagem de uma imensa
paisagem urbana com contrastes do vermelho e do cinza dos telhados das casas. A
observação frequentemente é surpreendente porque sempre se revelam ângulos novos
da cidade, quando se tem uma “visão de helicóptero”. Percebe-se o perto, o longe e a
totalidade da cidade se presentifica. Cada fragmento urbano não é em si. Cresce um
mercado específico na cidade, o de voos panorâmicos. A título de exemplo, há uma
empresa na cidade que faz 4 roteiros: o circuito Ibirapuera/Paulista, o circuito
Memorial/Palmeiras; o Pacaembu/Corinthians e o Circuito Centro da Cidade.
Os helicópteros de uso corporativo são privilégio de poucos. Revelam a imensa
desigualdade social dessa helicopterópolis, desse país. Falando de São Paulo, o repórter
Tom Phillips, do jornal inglês The Guardian, disse que os milionários circulam pelo
céu, moram em condomínios de luxo, frequentam resorts luxuosos e vivem em reuniões
de negócios enquanto que os pobres mortais da cidade se montam numa orgia de
congestionamentos e desastres de motos9.
É isso mesmo. O uso de helicópteros significa ganho de tempo. Mais do que
argumentos, a fala de um empresário é bastante significativa. Diz ele: “Uso o
helicóptero para ganhar tempo... É uma equação realmente simples, na cidade em que o
tempo – portanto, o dinheiro – é sempre imperativo”. Acrescenta, “ A verdade é que
nunca pensei que ia precisar de um helicóptero para meu trabalho. Mas, com ele,
consigo visitar 12 das minhas lojas por dia, em vez de quatro”10.
Infelizmente o olhar do jornalista do The Guardian está correto. Milionários,
corporações, homens e mulheres de negócio se inserem de forma privilegiada na cidade
de São Paulo, o que inclui vivenciar o espaço aéreo como parte da cidade. Utilizam os
helipontos da cidade e vale lembrar, helicópteros é coisa mesmo de rico. A manutenção
de um helicóptero pode chegar a 1 milhão de reais ao ano, pois há que se pagar o
aluguel do hangar, os dispêndios com combustível que é 150% maior que os dos carros,
as revisões periódicas, o seguro, o salário do piloto... Muitas vezes a propriedade dos
helicópteros é compartilhada e seus proprietários têm direito a uma cota de horas de uso
por mês. Mas, como sabemos, administrar coisa de rico é muito difícil é sempre um
problema na medida em que o exclusivo e privado devem conviver com o corriqueiro e
o público. E em terra de privilegiados o mal feito se faz presente com ares de
impunidade.
De forma taxativa afirmamos que os helipontos da cidade de São Paulo são
insubordinados às normas do poder público. Contrasta-se assim, a subordinação dos
8
Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo, 2011.
(Phillips: 2008)
10
(Gutiérrez; 2010, 98). 9
12
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
fluxos aéreos dos helicópteros com a insubordinação dos helipontos onde eles pousam e
decolam. Esse fato revela que a normatização dos helipontos se constituem grave
problema urbano. Em primeiro lugar, porque os ruídos são ensurdecedores, muito
embora desde 2009 haja interdição de voarem entre 23 e 6 horas da manhã. Essa
interdição foi duramente criticada, inclusive pela Associação Brasileira de Pilotos de
Helicópteros. Um antigo presidente dessa associação assim se expressou a respeito em
entrevista ao jornalista Bernardo Gutierrez “Quem quiser ouvir passarinho tem que
viver fora de São Paulo. Aqui é preciso se acostumar com a modernidade”11.
A insubordinação dos helipontos se revela na dificuldade em se saber seu número exato.
Segundo diferentes fontes, temos diferentes números. Há helipontos homologados,
helipontos não homologados, helipontos clandestinos, etc. Para funcionarem, para que
entrem em operação, os helipontos devem obter autorização na ANAC e na Prefeitura
de São Paulo. Com licença para operarem a ANAC, para o ano de 2013 (abril), listou
274 helipontos.
O que é importante assinalar é que o número de helipontos não para de crescer. Em duas
áreas da cidade, com muitos edifícios corporativos, os helipontos se destacam na
paisagem urbana. Na Vila Olímpia há mais helipontos do que pontos de ônibus. São 75
helipontos para 65 pontos de ônibus. Absurdo? Talvez uma monstruosidade.
Figura 2
Aglomeração de helipontos no Bairro da Vila Olímpia.
Uma recomendação do Comando da Aeronáutica é totalmente desconsiderada, a de que
um heliponto deve manter distância de outro, pelo ao menos, de 500 metros. Segundo
levantamento da Prefeitura de São Paulo, as duas regiões da cidade que mais tem
helipontos, a Vila Olímpia e a Avenida Paulista têm vários helipontos colados um ao
11
Gutierrez, 2010, p. 102.
13
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
lado de outro. Na Vila Olímpia são 12 helipontos nessas condições e na Avenida
Paulista são 9.
Em 2009, também por normativa, se baixou de 500 para 300 metros a distância de um
heliponto em relação a alguns equipamentos urbanos, tais como, faculdades,
universidades, escolas, estabelecimentos hospitalares, maternidades, prontos-socorros,
creches, asilos, orfanatos, sanatórios, casas de repouso e geriátricas e, ainda, de
equipamentos públicos relevantes. Essa diminuição se deu pela pressão do setor
imobiliário. Funcionou. Dois anos depois, em 2011 essa distância ainda abaixou mais.
Passou a ser de apenas 200 metros. Também, nesse mesmo ano, o recuo mínimo de 10
metros em relação a todas as divisas do lote para a instalação de um heliponto foi
alterado, passando para apenas 5 metros.
Em 2013 houve tentativas de novas flexibilizações na lei pela Câmara Municipal,
inclusive aprovadas pela Câmara municipal. Mas dessa vez, o prefeito usou o seu poder
de veto, impedindo alterações. Uma vitória que não se sabe até quando vai durar. Vale
mencionar ainda que isso é uma recomendação, não um fato. Há regiões da cidade em
que os helipontos estão colados um ao lado do outro.
Um imóvel voltado para uso corporativo alcança maior preço se tiver heliponto. Assim,
multiplicam-se os helipontos no topo dos edifícios, numa época em que o setor
imobiliário é um setor de grandes inversões de capital procedentes dos quatro cantos do
mundo e mesclado com o setor financeiro. A pressão desse setor sobre o poder público
é enorme e faz desacreditar os esforços de construção de uma cidade para todos. A
pressão das empresas de helicópteros, quer para aluguel, venda ou mesmo as empresas
de taxi aéreo, dizendo respeito aos helicópteros, é enorme e foram um lobby poderoso.
O céu de São Paulo, seu espaço aéreo que não é mercantilizado e não é objeto de
negócios possui um controle que objetiva preservar a segurança do voo, que procura
assegurar a vida. Ao contrário, os helipontos, necessários para o pouso e decolagem dos
helicópteros se inserem na cidade como negócios imobiliários e são fortemente
insubordinados a qualquer ideia da cidade como bem coletivo.
País rico, país de privilegiados num mar de desigualdades sociais, o Brasil apresenta
uma helicópteropolis que é a sua cara.
Considerações Finais
O espaço aéreo da cidade faz parte da cidade. Calvino disse que os homens nos seus
helicópteros com binóculos e telescópios apontados para baixo, não se cansam de
examinar a cidade. Não se cansam de examiná-la folha por folha, pedra por pedra,
formiga por formiga, contemplando fascinados a própria ausência. Diríamos que não,
com seus binóculos e telescópios, examinando folha por folha, pedra por pedra e
formiga por formiga, não estão ausentes da cidade. Estão presentes no espaço aéreo que
pertence à cidade. Estão, sim, ausentes do chão, mas pairam nas alturas, no espaço
urbano que as contém. Foram-se os tempos em que para se ver a cidade de cima, das
alturas, se subia o Pico do Jaraguá ou se sobrevoava a cidade de avião, coisa que era
para poucos. Aos poucos, São Paulo foi se transformando numa verdadeira
helicopterópolis e a visão de helicóptero não é tão inusual, embora seja privilégio de
14
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
poucos, em especial dos homens e mulheres de negócios que se utilizam dos
helicópteros para se locomoverem, num ritmo frenético imposto pelo adágio: tempo é
dinheiro.
Como dissemos, só aparentemente e como figura de linguagem podemos dizer que os
helicópteros voam sobre o céu. De fato, eles fluem sobre o espaço aéreo que se constitui
num espaço socialmente produzido. Esse espaço aéreo é parte constitutiva do espaço
urbano da cidade de São Paulo, com normas e regras de uso.
Sem ser mercantilizado e objeto de negócio, o espaço aéreo de São Paulo é controlado
buscando prevenir acidentes e controlar os fluxos das aeronaves. Preserva-se, assim, a
vida dos que voam, a vida dos que estão na superfície do terreno, as edificações e a
cidade. Diferentemente, os helipontos, expressão de construção imobiliária, são, antes
de tudo, negócios imobiliários. Subvertem o poder público e são de difícil controle
nessa sociedade que ainda ensaia os primeiros passos de uma democracia. Controle
rígido de um lado, descontrole de outro. Revela-se, assim, que ambos espaços, o aéreo e
o da superfície do terreno por serem ou não mercadorias constituem facetas opostas de
uma mesma unidade, pois constituem o espaço urbano.
Revela-se, assim, que o espaço urbano é mais amplo do que comumente é tratado, ele
contém o espaço aéreo, normatizado socialmente, que difere como a água do vinho do
espaço terrestre por uma condição, ele não é uma mercadoria. Não é uma mercadoria de
troca, no sentido econômico. Mas, se pesarmos em termos mais amplos, pode se colocar
como uma moeda de troca política, que é o que vimos assistindo no caso de um país
ceder seu espaço aéreo a outro.
Bibliografia
ASCHER, F. L’ Un nouvel espace-temps. In: L’ âge des métapoles. Paris, Ed. de l’
Aube. 2009, p. 117-140.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AVIAÇÃO GERAL. Anuário brasileiro de aviação
geral. São Paulo, 2013.
AUBERT, N. Violence du temps et pathologies hypermodernes.
méditerranéennes, 2008/2, n° 78, p. 23-38.
Cliniques
GUTIÉRREZ, B. Helicópterópolis. National Geography. Fevereiro de 2010.
<www.bernardogutierrez.es>. [12 de março de 2014].
MENA, F. Aberração alada. Os congestionamentos de São Paulo sobem aos céus,
fazendo da cidade um caso único no mundo. Piauí, nº 22. <revistapiauíestadao.com.br>
[04 de abril de 2014].
PHILLIPS, T. High above Sao Paulo's choked streets, the rich cruise a new highway.
The Guardian, 20 de junho de 2008.
15
XIII Coloquio Internacional de Geocrítica
El control del espacio y los espacios de control
Barcelona, 5-10 de mayo de 2014
RESENDE, F. Cartas Aeronáusticas de São Paulo. In: BENI, E. Cartas Aeronáuticas de
São Paulo no Google Earth – AIC N 23/13. <www.piolotopolicial.com.br>. [02 de abril
de 2014].
SANTOS, M. A natureza do espaço. Razão, técnica e emoção. São Paulo, Edusp, 2006.
VALERY, P. The Outlook for intelligence. New York, Evaston. Harper & Row,
Publishers. 1962.
16
Download

helicópteros em são paulo. o controle do espaço aéreo e a