Ano IV, nº 15
CRISE JAPONESA — DATTE
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A CRISE JAPONESA OBSCURECE
A NORMALIZAÇÃO ASIÁTICA *
Antonio Carlos Datte **
Resumo: O Japão, a segunda economia mais forte do mundo, com um PNB per capita de mais US$ 39.000 está em crise.
Desde 1990 a economia cresce a taxas baixas, em média d 1% ao ano, e, para 1998 os economistas estão prevendo
crescimento zero. Um dos grandes problemas do Japão é que o consumo é baixo. Segundo a Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, (OCDE), a poupança interna japonesa é de 30% do PNB, mas o retorno
dos investimentos, incluindo os do governo, não passa de 13%, enquanto que nos Estados Unidos, a poupança é de 13%
e o retorno de 28%.
O que deveria fazer o Japão para sair da crise? Três medidas são essenciais. Em primeiro luar, um enorme corte fiscal.
Em segundo lugar deve fazer uma limpeza profunda em seu sistema financeiro. Em terceiro, o Japão deve
desregulamentar e abrir suas portas. O Japão precisa de uma vigora economia de mercado.
Palavras-chaves: Japão, economia de mercado, consumo.
Abstract: Japan, the second strongest economy in the world, with a GDP of over US$ 39,000 per capita, is
now in the middle of a crisis. From 1990 its economy has been growing at very low rates, 1% per year
average, and economists foresee zero growth in 1998. One of the greatest problems of Japan is that
consumption is low. According to the Organization of Cooperation and Economic Development, the
Japanese internal savings is 30% of the GDP, but the return of investments, including those by the
government, is only 13%, whereas in the USA the internal savings is 13%, and the return is 28.
What should Japan do to overcome its crisis? Three steps are crucial. First, a huge fiscal cut. Second, a
deep cleaning of the country’s financial system. Third, Japan ought to open its internal market. The
country needs a strong market economy.
Key words: Japan, market economy, consumption.
Conhecido como a “terra do sol nascente” devido à
sua localização, no extremo leste da Ásia, é formado por
quatro grande ilhas montanhosas e mais de 3.000 pequenas
ilhas. O Japão, que fica na zona de freqüentes furacões e é
exposto a terremotos erupções por estar situado nos limites
da placa tectônica1 euro-asiática, vem sofrendo, talvez, o
seu maior abalo que não é sísmico, mas sim econômico.
Ao menos 45 mil japoneses perderam o emprego
durante o primeiro trimestre deste ano devido ao grande
número de falências no país, segundo informação do
Instituto de Pesquisa Teikoku Databank. Este número é
29,7% superior se comparado ao mesmo período de ano
passado. Somente em março 1.816 empresas quebraram
deixando dívidas avaliadas em US$ 17,3 bilhões. No total,
4.901 empresas fecharam neste primeiro trimestre, o que
representa um aumento de 28,1% em relação ao mesmo
período do ano passado.
O Japão, quem diria, já não é a máquina econômica
agressiva que encostou o mundo na parede nas décadas de
70 e 80. A situação econômica japonesa não anda nada
boa. Por mais que se esforce, o governo japonês não
consegue arrancar o país do marasmo. Desde 1990 a
economia cresce a taxas baixas, em média 1% ao ano, e
para 1998 os economistas estão prevendo crescimento
zero. Haverá um desembolso de 124 bilhões de dólares
para obras públicas, como pavimentação de estradas e
instalação de cabos de fibra óptica. O objetivo é criar
empregos, estimular o consumo e reanimar as empresas,
*
Recebido par publicação em 06/07/98.
Professor da Universidade São Judas Tadeu, Facesp e
Consultor econômico e mestrando na USP.
Parte da geologia que estuda a estrutura da crosta terrestre e
suas formas de estratifícação.
**
1
que já não andavam bem e pioraram com a queda das
exportações para os países asiáticos.
O pacote não pára por aí. Nesta semana, Tóquio
pode anunciar corte no imposto sobre o consumo, para que
os japoneses comprem mais. Outra alternativa em
discussão é de reduzir o imposto de renda de pessoas
físicas e jurídicas para que sobre mais dinheiro. Nem os
juros baixíssimos de 0,50% real ano, desestimularam a
poupança. O japonês está desconfiado por isso guarda
todos os ienes que sobram. Está desconfiado dos bancos,
que carregam créditos de podres de 500 bilhões de dólares.
Está desconfiado dos políticos, pois há uma onda
nunca vista de denúncias de corrupção. E, pela primeira
vez, o temor de perder o emprego está tirando o sono dos
japoneses. “É meio assustador” diz um bancário de 32
anos que mora em Tóquio. “Acho que nada vai acontecer
comigo, mas muitos funcionários mais velhos estão
preocupados. Eles não têm muito que fazer na companhia,
E, se forem forçados a se aposentar cedo, não encontrarão
outro emprego. Estão velhos demais.” Eles sabem que o
sistema antigo, de emprego vitalício, não durará muito,
pois muitas empresas terão de se reciclar para ganhar
produtividade. E, nesse processo, normalmente sacrifica
trabalhadores.
O Japão é a segunda economia mais forte do
mundo, com um PIB de mais de 5 trilhões de dólares e um
PIB per capita de mais de 39.000 dólares, cresceu com
base em um modelo econômico diferente dos demais
países ricos. No mercado interno, os preços dos produtos
são altíssimos, para subsidiar os bens exportados. O
cidadão japonês é obrigado a guardar muito para poder
aposentar-se com salário razoável. Há a disciplina férrea e
obediência aos mais velhos nas empresas. E o governo
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INTEGRAÇÃO ensino⇔pesquisa⇔extensão
interfere freqüentemente na economia. Ajuda bancos e
empresas e regulamenta quase todas as atividades. O
modelo funciona há décadas, mas parece à beira de
mudanças profundas. A máquina exportadora enfrenta a
China. A disciplina acabou impedindo que idéias novas
reformem uma empresa, e o excesso de regulamentação
engessa a economia.
O problema do Japão é que consome pouco, poupa
muito e aplica mal. De acordo com a Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a
poupança interna japonesa é de 30% do PNB, mas o
retorno dos investimentos, incluindo os do governo, não
passa de 13%. Nos Estado Unidos a poupança de é 13% e
o retorno, 28%.
Todo mundo que tem alguma importância está
dando palpite na autópsia. Todos eles alegam que alguma
coisa muito diferente aconteceu. Sakikaba, o mr. Yen,
vice-ministro das finanças do Japão, declarou que o
eventos ocorridos na Ásia constituem a primeira crise do
capitalismo global. George Soros não perdeu a
oportunidade de dizer que tais eventos confirmam suas
idéias de que os mercados de capitais não respeitam os
fundamentos econômicos e precisam recorrer a “elementos
estranhos para atrair capitais”. Paul Krugman afirma que
“precisamos tentar entender este tipo de crise”.
Em Tóquio, todos estão esperando pelo big bang .
Eles poderão se surpreender, por que o big bang pode ser o
colapso da economia japonesa, em vez de uma nova era de
finanças competitivas. Com certeza, o maior paradoxo hoje
é que um dos países mais rico do mundo, o Japão, está
cortejando a falência. A classificação de seus bancos está
caindo, seu déficit orçamentário é muito alto, seu
endividamento é pesado, e, se as exigibilidades nãolastreadas das pensões forem incluídas, chega a patamares
superiores a 200% do PIB. Poder-se-ia até dizer que, em
termos financeiros, a Indonésia vai bem, comparada ao
Japão. Os japoneses dizem que suas dificuldades não são
reais: eles trabalham com afinco, são mais bem-educados
do que qualquer outro povo do mundo, têm tecnologia, são
credores do mundo inteiro, então, como é que podem falir?
Tudo isso poderia ter sido dito dos Estados Unidos,
quando o presidente Hoover e o Federal Reserve aplicaram
políticas profundamente equivocadas que, em 1929-1930,
mergulharam o país e o mundo na Grande Depressão.
O Japão de hoje não é diferente: não deve haver
dúvida de que o país está cambaleando à beira de um
colapso das instituições financeiras, da confiança e das
atividades econômicas, ao estilo dos anos 30. Todas as
coisas certas são “muito difíceis”, não são realmente bem
entendidas e certamente não têm credibilidade. Depois de
pregar para os Estados Unidos por mais de uma década
que os déficits são perversos, que o Japão está certo e que
a busca da prosperidade através do livre mercado é pior do
que o conformismo e uma economia controlada, o público
japonês e, com certeza, seu processo esclerosado de
formulação de políticas não conseguem livrar-se de seus
próprios fantasmas. O Japão está numa sinuca. Se tudo der
certo, o país se arrastará num crescimento próximo a zero.
Se alguma coisa der errado, o que não é difícil, conforme
Novembro/98
observamos há dois meses, o país cairá no abismo e puxará
toda a região asiática junto.
O que deveria fazer o Japão? Três medidas são
essenciais . Em primeiro lugar, um enorme corte fiscal, da
ordem de 3% do PIB. Cortes pequenos não resolvem nada.
Há agora uma necessidade de dar um grande passo à
frente, de criar um forte expansão da demanda, da
produção e do emprego e de começar a reconstruir a
confiança. Quando a confiança é abalada, políticas fiscais
tímidas pioram o orçamento sem melhorar a economia. Em
segundo lugar, o Japão deve imediatamente fazer um
limpeza profunda em seu sistema financeiro. Isso é muito
diferente de se fazer contabilidade criativa ou de guardar
dinheiro para indenizar os depositantes de bancos
quebrados. Significa eliminar os créditos podres, aumentar
a liquidez dos bancos e transformá-los em mutuantes
ansiosos. Os créditos em liquidação representam entre
12% e 15% do PIB e, provavelmente, estão aumentando.
Anos de empréstimos de resgate duvidoso estão agora
pipocando, porque nenhum devedor duvidoso jamais foi
apertado. O saneamento dos bancos custa muito dinheiro, e
o dinheiro vem do orçamento, mas deixar para depois vai
ficar muito mais caro. Em terceiro lugar, o Japão deve se
desregulamentar e abrir as suas portas. O país parece uma
unha encravada, regulamentado até a medula por uma
burocracia que tem a última palavra sobre literalmente
qualquer coisa. A desregulamentação significa mandar
embora os burocratas, as leis e os regulamentos que não
permitem um reviravolta no estado de coisas. Enquanto os
burocratas estiverem no poder, eles farão aquilo que foram
designados para fazer: impedir as pessoas de realizar seus
interesses de mercado ou conspirar para abafar a
bancarrota e a má gestão. O Japão precisa de uma vigorosa
economia de mercado.
O modelo antigo já morreu e nas próximas duas
décadas o governo precisará de uma gigantesca quantia
para honrar suas dívidas. Mais impostos não conseguirão
realizar esse objetivo; simplesmente, derrubarão a
economia, conforme vimos no ano passado. A resposta
correta é uma vasta expansão da base de contribuintes e a
insatisfação da atividade econômica, do lado da produção.
Foi isso o que os Estados Unidos fizeram no início dos
anos 80: pagar pelo saneamento dos bancos e cobrir os
grandes déficits através do estímulo à produção.
Evidentemente, isso deu certo: os Estados Unidos
desfrutam hoje de pleno emprego, têm um orçamento
equilibrado e, diante da escassez de mão-de-obra, podem
até se dar o luxo de fazer coisas controversas, tais como
abolir a previdência. Assim como a Europa esclerosada, o
Japão deve adotar o modelo norte-americano. Mas já que
isso é contracultural, não esperem que aconteça, mas
também não esperem que o Japão surpreenda o mundo
com uma recuperação súbita. Isso não acontecerá neste
século e ainda vai demorar muito tempo.
A Ásia está baseando sua recuperação no
crescimento
capitaneado
pelas
exportações.
Megadesvalorizações e recessão se traduzem em
exportações prontamente disponibilizadas e competitivas.
Quanto mais a economia japonesa afundar, maior será a
Ano IV, nº 15
REDES NÃO LINEARES — HANDAYA & CIPPARRONE
dificuldade de a economia asiática se recuperar. O porte do
Japão como mercado demonstra cabalmente essa questão.
A má notícia, evidentemente, é que a Ásia precisa retomar
seu crescimento de uma forma ou de outra. Quanto mais
doente o Japão, mais depreciadas deverão estar as moedas
asiáticas. Quanto mais doente o Japão, mais a Ásia e o
próprio Japão concorrerão para ter grandes superávits
comerciais com a Europa e os Estados Unidos. Com
certeza haverá uma mensagem clara dos países avançados:
não obrigado. O conflito comercial é uma clara
possibilidade.
O debate asiático concentrou-se excessivamente no
papel dos Estados Unidos nos saneamentos financeiros e
na chamada ao FMI. A resposta mais imediata para a
região é um Japão próspero. Isso interessa a esse país e é
importante para a região. Por que os governantes asiáticos
não dizem ao Japão para entrar em forma e fazer parte da
solução, em vez de complicar o problema?
Bibliografia
Jornal Folha de São Paulo 14 de abril/98.
Jornal O Estado de São Paulo 19 de abril/98.
Revista Conjuntura Econômica abril/98.
Revista Veja abril/98.
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a crise japonesa obscurece a normalização asiática