Consentimento “informado”
na pesquisa em genética
“Consentimento e autonomia na pesquisa em genética”
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Sergio Rego – Ensp/Fiocruz
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O que é autonomia?
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(existem diversos sentidos e significados)
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Autodeterminação?
„
Auto-governo?
„
Princípio do consentimento: informado ou livre
e esclarecido?
„
Veremos por partes...
Do gr. autonomía.] s. f.
1. Faculdade de se governar por si mesmo.
2. Direito ou faculdade de se reger (uma nação)
por leis próprias.
3. Liberdade ou independência moral ou
intelectual.
4. Distância máxima que um veículo, um avião ou um navio pode percorrer sem se
reabastecer de combustível.
5. Ét. Condição pela qual o homem pretende
poder escolher as leis que regem sua conduta [Cf.,
nesta acepç., autodeterminação (2), heteronomia (2) e
liberdade (11)] .
É importante notar que a expressão adotada pela
Resolução é "consentimento livre e esclarecido", enquanto no
Brasil é muito freqüente que, médicos especialmente,
utilizem equivocadamente uma tradução literal do inglês
informed consent e se refiram a "consentimento informado". O
equívoco está na impropriedade da aparente tradução
literal.
A palavra informed está associada não apenas a obter a
informação como também de entender essa informação.
Já a palavra "informado" está associada a uma
comunicação em apenas uma direção, não pressupondo a
compreensão da informação prestada .(No Houaiss: fazer saber
ou tomar ciência de; cientificar(-se)) Daí a propriedade com que os
membros da comissão, que prepararam a minuta da
Resolução, optaram por referir-se ao consentimento
como "livre e esclarecido” (transitivo direto => tornar compreensível;
elucidar)
Autonomia
„
Discussão no âmbito da oposição entre indivíduo
e coletivo? Indivíduo e sociedade?
A rigor não é possível pensar o indivíduo sem
pensar na sociedade e nem na sociedade sem
pensar nos indivíduos (Norbert Elias – A Sociedade dos Indivíduos)
A relação entre os conceitos de autonomia e
justiça é importante porque da maneira como são
construídos os vínculos entre as esferas individual
e coletiva depende a configuração da moralidade
social, sua legitimidade e credibilidade.
Papel do indivíduo na história: fim das
expectativas de que temos um destino inexorável.
“Invasões Bárbaras”,
Autonomia
„
É a autoridade de tomar decisões em
acordo com seus próprios valores, sem ser
restringido pelos valores de outros que não
sofrem as conseqüências da decisão.
(Robert L. Schwartz)
1
Heteronomia
„
(èt). [De heter(o)- + -nom(o)- + -ia1.]
S. f. Ét.
1. Condição de pessoa ou de grupo que receba
de um elemento que lhe é exterior, ou de um
princípio estranho à razão, a lei a que se deve
submeter. [Cf. autonomia (5), autodeterminação (2) e
liberdade (11).]
Autonomia – de quem?
Autonomia Profissional
Sujeitos-objetos da ação de saúde
• Na forma de inserção no mercado de trabalho –
característico do modelo liberal
• Prerrogativa de tomar a decisão sobre o que fazer
com o cliente (não se aplica apenas a médicos)
baseado em seu julgamento.
•A Sociologia das Profissões costuma identificar que
quanto menor a autonomia profissional menor o grau
de profissionalismo
Conflitos?
„
Autonomia profissional e autonomia do paciente
„
Na verdade há uma reconfiguração da
autonomia profissional e do próprio conceito de
profissionalização
„
Tendência ao empoderamento do paciente
Quem são os atores nas ações de
saúde – objeto de nossas
considerações?
„
“Pacientes” – capacidade de autodeterminação?
„
Quando temos esta capacidade plena?
„
A autonomia é sempre uma construção
individual, com o indivíduo sofrendo influências
diversas. Nesta perspectiva é que deve ser
considerada a autonomia. (Ex: Reanimação de
RNs)
Por que a autonomia é
tão relevante na
sociedade norteamericana?
É este o fundamento do principialismo?
Seu princípio maior?
2
Claro que não
„
O principialismo nunca propôs que um
princípio fosse mais relevante que os outros.
„
Princípios prima-facie
„
Tradição médica, Aristóteles, Revolução francesa ...
O triunfo da autonomia na Bioética
norte-americana (Paul Root Wolpe) In: DeVries e Subedi (1997)
Bioethics and society: sociological investigations of the enterprise of bioethics)
„
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„
Dos 4 princípios a autonomia é a mais fácil de
regulamentar e de estabelecer padrões para
verificação do respeito
A forte tradição norte-americana em direitos
individuais e liberdade pessoal e a ação das
“Cortes” “tecnicalizando” o princípio reduziramno a um princípio médico-legal.
Autonomia moral
„
Bioética surge da interação de três domínios intelectuais:
ética médica, jurisprudência e teólogos protestantes
Autonomia se imporia como oposição ao paternalismo
– pode ser
Secularização da ética protestante justifica a importância
da autonomia entre os anglo-saxões – sem dúvida, mas
entre britânicos é um pouco diferente – outros
princípios às vezes são mais considerados nas decisões
judiciais.
Reconhecer a relevância da autonomia do
paciente, do respeito ao outro não deve ser
compreendida como uma submissão a ideologias
estrangeiras ou a uma capitulação ao
imperialismo norte-americano.
Faz parte de nossa tradição política a luta pelos
direitos individuais e sociais. Reconhecer a luta
dos trabalhadores brasileiros durante todo o
século XX pela conquista desses direitos é uma
obrigação, não uma capitulação.
„
„ Kant
„ Piaget
„
Para Piaget a relação com a sociedade promove o
desenvolvimento moral mas não porque ela impõe, pura e
simplesmente, suas regras morais, mas porque possibilita,
das inter-relações que se estabelecem, que os sujeitos
reflitam sobre as regras, produzam um consenso sobre elas,
levando-os, progressivamente, a um comportamento
autônomo.
Em relação às leis da sociedade, a autonomia consistiria “em
compreender o porquê das leis que a sociedade nos impõe e
que não somos livres de recusar”
„ Kohlberg
3
Piaget associou as diferentes compreensões da noção de
justiça a dois tipos diferentes de respeito e,
consequentemente, a duas morais – a da coação, ou
heterônoma e a da cooperação, ou autônoma. Também
neste campo as crianças evoluem, de uma concepção de
justiça subordinada a uma autoridade adulta que decide ou
de quem emanam as regras, na qual a punição expiatória é
aceita, a um equalitarismo progressivo, no qual há uma
predominância da concepção de igualdade entre as crianças,
até um estágio em que a idéia de equidade passa a
fundamentar os julgamentos infantis. Neste processo, há um
progressivo abandono da concepção de que existe uma
justiça imanente, característica, segundo Piaget, das
sociedades mais primitivas.
„
„
„
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„
Piaget acreditava que a criança evolui em seu
comportamento em relação às regras do ignorar regras, à
autonomia, passando necessariamente por uma fase
heterônoma.
A autonomia para Piaget se refere à liberdade do
constrangimento causado pela heteronomia, ou seja, a
compreensão das regras e sua aceitação mediante o
entendimento de seus fundamentos.
O cumprimento puro e simples das regras impostas pelas
autoridades ou que não sejam baseadas no respeito recíproco
não assegura uma adesão do sujeito a essas regras e,
consequentemente, não representa uma capacidade de julgar
e questionar a própria regra.
“A autonomia moral refere-se à construção de
julgamentos morais através das interações em
vários aspectos da experiência. Autonomia, neste
caso, não significa que as pessoas funcionem
independentemente uma das outras ou em
caminhos individuais. Como usado por Piaget o
termo significa que as pessoas estão envolvidas em
um entendimento e uma aplicação de julgamentos
sobre justiça em relações cooperativas que forjam
uma interdependência moral. As pessoas entendem
seus papéis como agentes individuais, seus
objetivos individuais como contextos não morais”.
Sobre este processo de interação
interpessoal
„
Elliot Turiel - The culture of morality - 2002.
„
Limites para a autonomia?
„
„
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Não acredito na definição prévia dos limites.
Não concordo que o corpo do indivíduo deva pertencer
ao Estado (contradição dos “contra” a autonomia e que
foram contra a lei de doação presumida dos órgãos)
Os limites serão definidos no “dano a outros”, na
capacidade do indivíduo de tomar decisões, na relação
entre o profissional e o paciente (valores, princípios,
gostos), na definição ou interpretação da Lei, que não é
estática e, especialmente, pelo resultado da relação dos
atores sociais com a sociedade.
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“O processo não ocorre com as pessoas se
combinando ou misturando como se fossem
gases, de forma a perderem sua identidade e
produzindo algo diferente do que elas eram
antes. Ao contrário, isso requer que cada um dos
participantes retenham sua perspectiva e
afirmem sua individualidade.”
E. Turiel.
A finalidade precípua das pesquisas em genética deve estar relacionada ao acúmulo do
conhecimento científico que permita aliviar o sofrimento e melhorar a saúde dos
indivíduos e da humanidade.
III.1 - A pesquisa genética produz uma categoria especial de dados por conter
informação médica, científica e pessoal e deve por isso ser avaliado o impacto do seu
conhecimento sobre o indivíduo, a família e a totalidade do grupo a que o indivíduo
pertença.
III.2 - Devem ser previstos mecanismos de proteção dos dados visando evitar a
estigmatização e a discriminação de indivíduos, famílias ou grupos.
III.3 - As pesquisas envolvendo testes preditivos deverão ser precedidas, antes da
coleta do material, de esclarecimentos sobre o significado e o possível uso dos
resultados previstos.
III.4 - Aos sujeitos de pesquisa deve ser oferecida a opção de escolher entre serem
informados ou não sobre resultados de seus exames.
III.5 - Os projetos de pesquisa deverão ser acompanhados de proposta de
aconselhamento genético, quando for o caso.
III.6 - Aos sujeitos de pesquisa cabe autorizar ou não o armazenamento de dados e
materiais coletados no âmbito da pesquisa, após informação dos procedimentos
definidos na Resolução sobre armazenamento de materiais biológicos.
III.7 - Todo indivíduo pode ter acesso a seus dados genéticos, assim como tem o
direito de retirá-los de bancos onde se encontrem armazenados, a qualquer momento.
III.8 - Para que dados genéticos individuais sejam irreversivelmente dissociados de
qualquer indivíduo identificável, deve ser apresentada justificativa para tal
procedimento para avaliação pelo CEP e pela CONEP.
III.9 - Nos casos de aprovação de desassociação de dados genéticos pelo CEP e pela
CONEP, deve haver esclarecimento ao sujeito de pesquisa sobre as vantagens e
desvantagens da dissociação e Termo de Consentimento específico para esse fim.
4
RESOLUÇÃO No 340, DE 8 DE JULHO DE 2004.
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V - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE):
V.1 - O TCLE deve ser elaborado de acordo com o disposto no capítulo IV da Resolução
CNS No 196/96, com enfoque especial nos seguintes itens:
a) explicitação clara dos exames e testes que serão realizados, indicação dos genes/segmentos
do DNA ou do RNA ou produtos gênicos que serão estudados e sua relação com eventual
condição do sujeito da pesquisa;
b) garantia de sigilo, privacidade e, quando for o caso, anonimato;
c) plano de aconselhamento genético e acompanhamento clínico, com a indicação dos
responsáveis, sem custos para os sujeitos da pesquisa;
d) tipo e grau de acesso aos resultados por parte do sujeito, com opção de tomar ou não
conhecimento dessas informações;
e) no caso de armazenamento do material, a informação deve constar do TCLE, explicitando
a possibilidade de ser usado em novo projeto de pesquisa.É indispensável que conste
também que o sujeito será contatado para conceder ou não autorização para uso do material
em futuros projetos e que quando não for possível, o fato será justificado perante o CEP.
Explicitar também que o material somente será utilizado mediante aprovação do novo
projeto pelo CEP e pela CONEP (quando for o caso);
f) informação quanto a medidas de proteção de dados individuais, resultados de exames e
testes, bem como do prontuário, que somente serão acessíveis aos pesquisadores envolvidos
e que não será permitido o acesso a terceiros (seguradoras, empregadores, supervisores
hierárquicos etc.);
g) informação quanto a medidas de proteção contra qualquer tipo de discriminação e/ou
estigmatização, individual ou coletiva; e
h) em investigações familiares deverá ser obtido o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido de cada indivíduo estudado.
Quero dizer teu nome, Liberdade,
Quero aprender teu nome novamente
Para que sejas sempre em meu amor
E te confundas ao meu próprio nome
Deixa eu dizer teu nome, Liberdade,
Irmã do povo, noiva dos rebeldes,
Companheira dos homens, Liberdade,
Teu nome em minha pátria é uma palavra
Que amanhece de luto nas paredes.
Deixa eu cantar teu nome, Liberdade,
Que estou cantando em nome do meu povo.
Thiago de Mello, 1966
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Consentimento e autonomia na pesquisa genética