O CIBERGÊNERO HOME PAGE
E SUAS FUNÇÕES SOCIAIS E COMUNICATIVAS
Liliane Assis SADE
(Universidade Federal de São João del-Rei)
ABSTRACT: The last century has been characterized by the development of technology and transformation of
society caused by the wide spread use of Internet as a tool to mediate the communicative processes around the
globe. To face the demands of the digital society, old genres had to be adapted to suit the features of the cyber
context. Yet, new genres, with no matches in paper, arose and presented new social and communicative
functions which are typical of the digital context. In this sense, and borrowing the concepts of genre developed
by Swales (1990) and Paiva (2003), this paper aims at presenting the home pages as cyber genres, with no
printed equivalents. It also aims at discussing its social and communicative functions and the role of language to
perform those functions.
KEYWORDS: home page ; cyber genre ; digital context ; communication.
1. Introdução
Com o advento das novas tecnologias e com as novas formas de comunicação e
interação propiciadas por elas, gêneros antigos se transformam e novos gêneros surgem.
Partindo da afirmação de Chandler (2003) de que os gêneros estão em constante processo de
negociação e mudança, podemos concluir que se a sociedade se transforma e se digitaliza, é
natural que os gêneros também se digitalizem. Um exemplo disso é dado por Paiva (2003)
que considera o e-mail como “um gênero eletrônico escrito, com características típicas de
memorando, bilhete, carta, conversa face a face e telefônica”. Por sua vez, Dillon e
Gushrowski (2000) enfatizam que muitas vezes as regras do papel são transferidas para a web
a exemplo, os sites dos jornais eletrônicos. Entretanto os autores advertem que a mera
transferência dessas regras para o virtual subestima o poder do novo meio de oferecer novas
estruturas de informação.
Apesar do reconhecimento do processo de transformação sofrido pelos gêneros como
reflexo das transformações na sociedade, reconhece-se também que as transformações não
somente reconfiguram antigos gêneros, mas fazem surgir novos que respondem aos novos
contextos sociohistóricos da nova era digital. Dillon e Gushrowski consideram as home pages
como os primeiros gêneros digitais sem correspondência no papel. Estes gêneros têm
características únicas e funções comunicativas próprias. Segundo Araújo (2003), o gênero
home page possui dois sub-gêneros: as home pages pessoais e as corporativas e institucionais.
Estes sub-gêneros são diferenciados em termos das diferentes funções que tais páginas
exercem nas comunidades discursivas.
Araújo (2003) analisa as páginas corporativas e institucionais. De forma semelhante ao
estudo realizado pelo autor, este trabalho procurará analisar as home pages tomando como
parâmetro seus atributos formais, funcionais e comunicativos. De forma diferente dele,
entretanto, este estudo focalizará as home pages pessoais. O objetivo é desenvolver uma
análise descritiva dos atributos das home pages pessoais e analisar qualitativamente alguns
destes atributos à luz dos pressupostos teóricos da teoria de gêneros, sobretudo com base nos
conceitos de gênero de SWALES (1990) e PAIVA (2003).
Na seção 2, o conceito de gênero adotado neste trabalho será discutido e na seção 3, a
definição e as características das home pages serão abordadas. Na seção 4, as home pages
serão enquadradas como gêneros digitais e na seção 5, elas serão analisadas à luz das teorias
1243
propostas. Finalmente, a seção 6 constará de algumas considerações finais sobre o trabalho
realizado.
2. Discutindo o conceito de gênero
A tarefa de definir gênero é complexa e embora muitos teóricos tenham se aventurado
a desempenhá-la, este conceito ainda é algo em construção. O entendimento do conceito de
gênero que se pretende utilizar neste estudo demanda uma reflexão teórica sobre outros
conceitos tais como os de texto e registro.
O texto para Halliday e Hasan (1989, p.10) é, de forma simplificada, “língua que é
funcional1”. Sendo assim, qualquer língua que é utilizada para executar uma função no
contexto social é considerada texto. Para Kress (1989, p. 12), o texto é a forma material da
linguagem e todo texto (falado ou escrito) é socialmente motivado. As ocasiões sociais das
quais os textos são parte têm um efeito fundamentalmente importante nos textos. Segundo
Halliday e Hasan (1989, p.10), o texto pode ser considerado enquanto produto, ou seja, como
algo completo que pode ser objeto de estudo; ou como processo – no sentido de um processo
contínuo de escolhas semânticas, um constante movimento pelas cadeias de significados
potenciais. Para estes autores a natureza do texto é social, isto é, sua produção está
condicionada às instituições e contextos sociais.
Um outro conceito que deve ser explicitado ao se discutir gênero é o conceito de
registro, que é definido por Halliday e Hasan (1989, p. 38) como “uma configuração de
significados que estão tipicamente associados a uma configuração situacional específica”.
Este conceito está associado às variações lingüísticas que são determinadas por variações na
situação social.
O registro compreende expressões e características léxico-gramaticais e fonológicas
tipicamente utilizadas em uma situação social específica. Halliday e Hasan (1989, pp. 39-40)
situam os registros em um continuum entre registros fechados, como a linguagem dos códigos
e abertos, como nas conversações informais. No entanto, os autores advertem que mesmo em
registros totalmente abertos, as escolhas lingüísticas não são totalmente livres. Ao contrário
do que Chomsky propõe com a gramática gerativa, as escolhas lingüísticas não são
meramente baseadas na criatividade do falante, mas estão condicionadas aos contextos
sociais.
Halliday e Hasan (1989, pp. 41-42) distinguem ainda entre registros e dialetos. O
dialeto é uma variação lingüística que ocorre de acordo com o usuário da língua. O dialeto é a
forma como um indivíduo fala de acordo com “quem” ele é, “onde” ele reside ou sua posição
social. O dialeto é o falar a mesma coisa de formas diferentes. As variações dialetais refletem
a ordem e estrutura sociais. Os registros, por sua vez, são as variações lingüísticas que
ocorrem de acordo com a natureza das atividades sociais que estão em progresso em
determinado momento. Os autores observam que embora os indivíduos possam passar uma
vida inteira usando apenas um dialeto, é impossível se usar apenas um registro.
Swales (1990, p. 40) observa que durante algum tempo os conceitos de gênero e
registro se confundiam. Apenas recentemente é que uma distinção entre gênero e registro foi
traçada. Martin (In: SWALES 1990, p. 40) propõe gênero como o sistema subjacente ao
registro. Couture (In: SWALES, 1990, p.41) distingue gênero e registro da seguinte forma:
“Os registros impõem restrições no nível lingüístico de vocabulário e sintaxe,
enquanto as restrições dos gêneros operam no nível da estrutura do discurso. Mais
ainda, ‘ao contrário do registro, o gênero só pode ser compreendido em textos
completos ou textos que podem ser projetados como completos uma vez que o
1
Funcional aqui significa língua que é utilizada para desempenhar determinada função no contexto social.
1244
gênero faz mais do que simplesmente especificar tipos de códigos estanques em um
grupo de textos relacionados; ele especifica as condições para iniciar, continuar e
terminar um texto’(1986:82)” (SWALES, 1990:41).
A partir da distinção estabelecida acima, é possível perceber, como Swales (1990, p.
41) argumenta, que os gêneros possuem registros complementares e para que um texto seja
significativo, é necessário que haja um relacionamento apropriado entre gênero e tipo de
registro.
Tendo apresentado algumas considerações teóricas necessárias para o entendimento do
conceito de gênero neste trabalho e tendo feito a distinção entre gênero e registro, é necessário
agora que se apresente o conceito de gênero que será utilizado neste estudo.
Baseando-se nas definições de gêneros propostas pelos estudos folclóricos, literários,
lingüísticos e retóricos, Swales (1990, pp. 45-58) chegou a um conjunto de características
necessárias para se caracterizar um gênero. Para ele, (1) o gênero é uma classe de eventos
comunicativos2 e para que estes eventos comunicativos possam ser enquadrados como
gêneros é necessário que haja um conjunto de propostas comunicativas partilhadas entre os
membros da comunidade discursiva. (2) Exemplares ou instâncias de gêneros variam em suas
características comuns (teoria dos protótipos3). (3) A racionalidade que subjaz a um gênero
condiciona a forma e o conteúdo do mesmo. (4) Nomenclaturas são criadas pelos membros da
comunidade discursiva de um gênero para nomear as atividades naquele gênero. A partir
destas considerações, Swales (1990, p. 58) define gênero:
“Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, os membros deste
partilham alguns conjuntos de propostas comunicativas. Estas propostas são
reconhecidas pelos membros proficientes da comunidade discursiva e sendo assim,
constituem a racionalidade do gênero. Esta racionalidade determina a estrutura
esquemática do discurso e influencia e condiciona a escolha do conteúdo e estilo”.
Baseada também em Swales (1990), mas ampliando este conceito pelas contribuições
de outros autores como Bakhtin (1992), Bhatia (1994), Bronckart (1999) e Marcuschi (2002),
Paiva (2003) propõe os gêneros textuais como “sistemas discursivos complexos, com padrões
de organização facilmente identificáveis, dentro de um continuum de oralidade e escrita, e
configurados pelo contexto sociohistórico que engendra as atividades comunicativas”.
A partir da análise a ser realizada no capítulo 5, procurar-se-á averiguar se as
características das home pages se enquadram nas definições de Swales e Paiva apresentadas
nesta seção. A seguir, apresentar-se-á a definição e características das home pages.
3. As home pages
A home page é definida por Dominick (In: Döring, 2003) como “um site na web
publicado e mantido por um indivíduo que pode ou não estar afiliado a uma instituição
maior”. Döring (2003) explicita que a página pode ser desenhada por apenas um indivíduo ou
por um profissional contratado para o trabalho, contudo o caráter pessoal da página é
atribuído ao indivíduo cujas informações se encontram na página. O acesso às home pages
pode ser feito através de três instrumentos: os diretórios da web, web rings4 e listas de links.
Em geral o grupo de usuários que mais contribui para o número de usuários com páginas
pessoais, é o de alunos, geralmente masculinos conforme demonstram os estudos realizados
2
Evento comunicativo para Swales é aquele no qual a língua desempenha um papel significante e indispensável
na interação.
3
Chandler (2003) define a teoria dos protótipos como uma teoria que procura identificar certas características
que enquadram um texto dentro de um ou outro gênero.
4
Döring explica que algumas pessoas que possuem home pages se ajuntam de acordo com interesses comuns e
formam webrings, que podem ser acessadas através de um catálogo de webrings (ex: Yahoo: www.webring.com)
1245
por Buten (1996), Dominick (1999) e Miller & Mather (1998), mencionados em DÖRINIG
(2003).
Dentre as teorias citadas por Döring (2003) e usadas para embasar as pesquisas com
home pages até então realizadas, pode-se destacar a teoria da auto-apresentação e as teorias da
comunicação mediada por computador. Citando autores como Leary (1996), Goffman (1959),
Jones (1990), Chandler (1998) e outros, a autora argumenta que o principal objetivo das
teorias de auto-apresentação é o de interagir e comunicar com os outros de forma adequada e
útil. Sendo assim, é necessário produzir boas impressões e evitar aquelas que coloquem a face
em risco. Com base nessas teorias, as home pages são criadas no sentido de causar uma boa
impressão nos usuários que as acessem. Elas podem ainda existir visando um impacto
positivo para determinados grupos específicos de audiência ou para melhorar as
oportunidades de contato. Ao contrário das interações face-a-face, os criadores das páginas
são confrontados com a falta de informação a respeito das expectativas de suas audiências, o
que dificulta a tarefa de se auto-apresentar na web.
O outro grupo de teorias mencionado - as teorias da comunicação mediada por
computador - foca as conseqüências sociais da comunicação digital baseada em texto. Uma
questão importante relativa às home pages levantada por essa teoria é a questão da
autenticidade das home pages.
Döring apresenta algumas características das home pages que puderam ser verificadas
em seu estudo:
(1) Características dos donos das home pages – grupo minoritário, geralmente alunos do
sexo masculino. Determinadas profissões estão mais associadas aos criadores de
páginas. Quanto maior o nível de expertise na web, tanto maior a probabilidade do
usuário ter sua página pessoal.
(2) Quão intensamente as home pages são mantidas – embora alunos pesquisados afirmem
atualizar suas páginas em breve intervalos de tempo, a análise de home pages
demonstrou que poucas delas são realmente atualizadas.
(3) Como a forma e o conteúdo são criados na home page – do ponto de vista lingüístico,
aqueles que mantêm uma home page seguem determinados padrões, se orientando uns
pelos outros na composição de suas home pages.
(4) Para que audiências as home pages são desenvolvidas – geralmente para pessoas do
próprio relacionamento ou para grupos específicos de audiência
(5) Por que razões as home pages são criadas – motivos intrapessoais e interpessoais,
necessidade de se expressar, de se comunicar e/ou para um arquivo próprio com links
representativos de preferências pessoais.
(6) As questões de gêneros (masculino e feminino) interferem na produção de home
pages? – embora não se possa afirmar com generalizações, geralmente o modo
masculino de apresentação difere do feminino.
A autora conclui que as páginas pessoais são produtos bastante heterogêneos da mídia.
Suas características são complexas, assim como também o são os processos de produção e
recepção das mesmas.
Na próxima seção, as home pages serão enquadradas como cibergêneros.
4. Home pages como cibergêneros
Com base nas considerações teóricas apresentadas, pode-se argumentar que os gêneros
refletem e são condicionados pelo contexto social; possuem estruturas lingüísticas e
estilísticas com conteúdo temático que permitem ao usuário reconhecê-los e nomeá-los; são
ações verbais que se tornam convencionalizadas pela recorrência e finalmente, não são
1246
estruturas fixas, mas respondem aos fenômenos culturais e estão sujeitos a inovações por
meio de processos de transformação e assimilação (Araújo, 2003).
As home pages, por suas características, podem ser consideradas gêneros digitais.
Tomando os argumentos de Araújo, mencionados acima, elas possuem formas verbais de ação
social, ou seja, elas possuem uma função comunicativa transmitida pelas formas verbais.
Possui, ainda, características relativamente estáveis situadas em um contexto social específico
– o contexto digital. Além disso, determinados padrões estão presentes em todas as páginas, o
que nos permite inferir que os criadores das mesmas ou desenham suas páginas de acordo
com um modelo mental genérico, conforme propõe Araújo, ou criam suas páginas usando
tutoriais. Em ambos os casos, um modelo genérico existe que padroniza e convenciona a
criação das mesmas.
Citando Shepherd e Watters (1999), o autor caracteriza os cibergêneros pela tríade –
conteúdo, forma e funcionalidade, sendo a funcionalidade o conjunto de possibilidades
interativas que o novo meio digital oferece. Além desses atributos, o autor sugere que sejam
acrescentados os atributos de interatividade e usabilidade uma vez que estes são aspectos
específicos do cibergênero home page.
O atributo “função” está ligado ao modo como uma home page é organizada e
planejada para atender as necessidades práticas e expectativas dos participantes da
comunidade em que ela se insere. A principal função de uma home page para Araújo é o de
estabelecer uma imagem pública desejada. Além da função principal o autor cita outras, tais
como: permitir a navegação, dar informações e possibilitar contatos.
O atributo “conteúdo” refere-se aos temas e tópicos abordados na página.
O atributo “forma” diz respeito aos aspectos físicos e lingüísticos observáveis.
Alguns problemas com o padrão textual das home pages foram apontados por Araújo e
merecem ser salientados: (1) irrelevância no uso de determinados termos, links iniciados por
termos repetidos, uso errôneo de sinais de pontuação, múltiplas ocorrências de opções de
navegação, link para a home page que já está carregada no navegador. (2) Baixa carga
informacional – descrição carente do site. (3) Inadequação – cabeçalhos longos e difíceis de
serem lidos on-line; falta de clareza das opções de menu de navegação, abreviaturas sem
prévia explicação, uso de letras sem legibilidade. (4) Inconsistência – uso aleatório de letras
maiúsculas e minúsculas e de sinais de pontuação. (5) mau posicionamento e má organização
de elementos-chave, elementos acessórios e categorias e subcategorias de menus. (5) Violação
de convenções da web – mudança de cor padrão e links não clicáveis. Acrescenta-se aqui um
outro problema apontado por Chandler (2001): links a páginas não mais existentes, navegação
a lugar nenhum.
O atributo interatividade (ou funcionalidade conforme proposto por Shepherd e
Watters, 1999) relaciona-se à forma como as tecnologias digitais permitem ao beneficiário
realizar ações diversas como enviar mensagens e fazer pesquisas. Este atributo pressupõe
participação e bidirecionalidade.
O último atributo “usabilidade” é explicado pelo autor como “a facilidade de uso e a
aceitabilidade de um produto para um determinado grupo de usuários que realizam
determinadas tarefas em um contexto específico”. Definição similar é proposta por Krug
(2001) que cunhou o termo navegabilidade significando a mesma coisa, isto é a facilidade de
uso.
Após ter discorrido sobre os atributos estudados por Araújo que caracterizam as home
pages como gêneros digitais, será feita, na próxima seção, uma breve análise de home pages,
usando para isso o esquema de atributos proposto por Araújo e as definições de gênero
propostas por SWALES (1990) e PAIVA (2003).
1247
5. Análise das home pages
Usando os atributos de caracterização de gêneros propostos por Araújo na seção
anterior, far-se-á, agora, uma breve análise de algumas páginas pessoais. Serão identificadas
as características de cada atributo e concomitantemente, proceder-se-á a uma análise
qualitativa dessas características com base nos conceitos de gênero de Swales (1990) e Paiva
(2003).
As páginas selecionadas para análise foram retiradas do diretório do yahoo, como
propõe Döring (2003). A seleção foi feita de forma aleatória. Selecionou-se as primeiras
páginas listadas abaixo de cada letra do alfabeto, iniciando-se pela letra A e finalizando na
letra H. A lista de homepages analisadas se encontra a seguir:
A – http://www.eecs.umich.edu/~zaher/ (Abdelzaher, Tarek)
B – http://www.geocities.com/hollywood/4124/ (B.Hugh – gigantor page)
C- http://www.geocities.com/rachelct/rct.html (C.T.Rachel)
D – http://www.udonet.com/laura/ (Despres, Laura)
E – http://www2.msstate.edu/~eaddy (Eaddy, Vanik & Bernardine)
F – http://www.geocities.com/Heartland/5523/ (F.Dacia)
G – http://www.geocities.com/MotorCity/Pit/8198/ (G, Gerald – G’s place )
H – http://www.skyrover.net/notebook/ (Harincar, Tim – Luna)
OBS: Os nomes citados entre parênteses foram os nomes pelos quais as páginas se encontravam listadas no
diretório.
5.1 Atributos das home pages
Com o intuito de estudar o gênero digital home page, serão usados os atributos
apresentados por Araújo (2003) para descrever o gênero e, a cada atributo apresentado, serão
tecidos comentários com relação aos conceitos de gênero abordados na seção 2 deste trabalho.
5.1.1. Atributo “função”
Döring (2003) analisa as funções das home pages. Uma das funções mais freqüentes é
a de fazer uma auto-apresentação. Nas páginas observadas, esta função foi verificada em sete
das oito páginas analisadas.
Com relação às teorias de auto-apresentação, Döring (2002) observa o intuito dos
criadores das páginas de, ao construírem suas home pages, causarem uma boa impressão nos
usuários que possam acessá-las, ou convergir impressões para certos tipos específicos de
audiência. Conforme dito popular, “nunca temos duas chances de causar uma primeira boa
impressão”. No gênero digital home page, o papel da língua no ato comunicativo assume uma
perspectiva ainda maior - uma vez que neste contexto a presença física está separada da
presença virtual, a única forma de causar impressões ou recrutar audiência é pela ação verbal.
Além da auto-apresentação, uma segunda função verificada nas páginas analisadas foi
a de recrutar e delimitar um público alvo. Döring relata que embora alguns usuários tenham
construído suas páginas por obrigação, muitos outros as constroem porque têm afinidade com
o meio virtual ou porque têm um tipo de audiência específico em mente. Este fato também
pôde ser constatado em todas as páginas analisadas.
Usando as teorias da comunicação mediada por computador segundo as quais, uma
pessoa ao criar sua página deseja estabelecer um contato comunicativo com um tipo
específico de audiência, podemos observar dois aspectos diferentes, porém co-relacionados: o
da criação de comunidades virtuais e o da revelação da subjetividade do autor da página.
Em relação ao primeiro aspecto – criação de comunidades virtuais, vale observar que
ao criar a página com um público alvo em mente, o autor da mesma já cria um mecanismo de
1248
inclusão de membros que partilham com ele de interesses comuns e de exclusão de outros
membros que assim não o fazem. Este é um dos principais requisitos, citados por Swales
(1990, p. 46), para tornar uma classe de eventos comunicativos em um gênero; isto é, eventos
comunicativos são enquadrados como gêneros quando há um conjunto partilhado de propostas
comunicativas e interesses comuns entre os membros daquela comunidade discursiva.
Quanto ao segundo aspecto, revelação da subjetividade do autor da página, deve-se
considerar que ao desejar estabelecer contato com um tipo específico de audiência e recrutar
leitores para sua página, o autor procurará criar um impacto positivo sobre seu público alvo,
sendo assim, ele vai desejar mostrar aquilo que lhe interessa, seu gosto pessoal, para assim se
comunicar com grupos de pessoas com interesses semelhantes. Partindo dessa consideração,
podemos inferir que podemos conhecer melhor o autor da página, ao analisarmos o público
alvo que ele tinha em mente ao criá-la. Talvez possamos dizer que da mesma forma que
usamos o ditado: “diga-me com que andas que eu te direi quem és”, possamos utilizar um
ditado semelhante adaptado ao meio virtual: “diga-me quem é o público alvo de tua home
page que eu te direi quem és”.
5.1.2. Atributo “conteúdo”
O conteúdo observado nas páginas analisadas versava sobre a vida pessoal e/ou
profissional do autor da página. Em todas as páginas foi possível perceber o gosto pessoal do
autor e verificar o público alvo a que elas se destinavam.
5.1.3. Atributo “forma”
1.
2.
3.
4.
Após a análise dessas 8 páginas, os padrões encontrados em todas elas foram:
Apresentação do(a) autor(a) onde o(a) mesmo (a) delimitava o seu público alvo (em
apenas uma página analisada, este elemento não foi verificado);
E-mail para contato;
Título;
Links. Apesar dos links serem totalmente diferentes de página para página, em todas
elas estes refletiam o gosto e interesses pessoais de seus autores.
Além destes elementos, outros como gravuras, fotos e data de criação e atualização das
páginas foram encontrados, porém não em todas elas. Dentre os padrões detectados por Dillon
e Gushrowski (2000) em seu estudo, os elementos mais encontrados nas páginas analisadas
foram: título (96%), e-mail para contato (86%), data da última atualização (84%), lista de
conteúdos (74%), data de criação da página (72%), links (68%), mensagem de boas vindas e
apresentação (67%), gráficos5 (60%), e fotos (56%)6. Como pode ser verificado, os padrões de
forma observados nas home pages analisadas são os mesmos identificados por Dillon e
Gushrowski (2000) em seu estudo com 100 páginas pessoais, o que vem a comprovar que o
tamanho da amostra neste estudo, embora pequeno, valida o argumento de que as home pages
são gêneros digitais com padrões relativamente estáveis.
Na construção das páginas a linguagem assume um papel preponderante no exercício das
funções da mesma. Logo, vale comentar de modo especial a forma lingüística verificada nas
páginas analisadas.
5
Por gráficos, o autor considera figuras e outros elementos não lingüísticos.
Os autores listam ainda outras características encontradas, porém em menor porcentagem. Para um
detalhamento maior de todos os elementos identificados nas páginas pessoais, ver DILLON & GUSHROWSKI
(2000)
6
1249
5.1.3.1. Características lingüísticas
Nas páginas observadas, foi possível observar que diversos registros foram usados.
Determinadas páginas foram escritas com inglês padrão, estando a linguagem utilizada muito
próxima da linguagem escrita formal. No entanto, em outras home pages, o registro usado foi
extremamente informal, aproximando-se da linguagem oral. Souza (2000) propõe que a
linguagem usada em ambientes virtuais encontra-se na fronteira entre a oralidade e escrita.
Analisando interações em chat, o autor observa o uso de simplificações, língua informal,
abreviações e outras formas não padrões da língua. De forma análoga, em algumas home
pages, verificou-se o uso de minúsculas para o pronome “I”, o uso de contrações e
simplificações. Crystal (2001) observa que estes usos não formais da língua são, muitas vezes,
marcas de identificação grupal. Membros de determinadas comunidades discursivas usam
determinadas formas lingüísticas para estabelecer pertinência a um grupo e excluir outros
indivíduos de sua comunidade. Sendo assim, constata-se que, além do foco de interesse do
autor da página, o uso da língua nas páginas contribui para a formação de comunidades
discursivas.
Tomando o conceito de registro explicitado na seção 2, pode-se acrescentar também,
que os desvios da língua padrão encontrados nas home pages não se configuram realmente
como desvios, mas como registros utilizados pelos membros da comunidade discursiva do
gênero “homepages”. Estes registros estão associados ao tipo de contexto no qual a atividade
comunicativa ocorre, a saber, o contexto digital. Conforme Crystal (2001, p. 201), “as
propriedades da escrita tradicional são fundamentalmente alteradas pela web”. Para o autor, “a
grafologia dinâmica da web tem uma conseqüência imediata de trazer para a escrita novas
convenções como signos para certos tipos de funcionalidade” (CRYSTAL, 2001, p. 201).
A escrita formal foi mais encontrada em páginas pessoais com funções comunicativas
no âmbito profissional: apresentação de trabalhos publicados, currículos, etc. A escrita
informal foi encontrada em páginas pessoais que foram desenvolvidas com o intuito de
conhecer pessoas com os mesmos interesses para desenvolver algum tipo de relacionamento
virtual. Foi também observado o uso de registros diferentes na mesma página. Por exemplo,
quando a autora da página apresentava seu currículo, o registro formal era utilizado, quando
ela comentava sobre sua vida pessoal, o registro informal era utilizado. Mais uma vez é
possível confirmar o argumento de que o tipo de registro está associado ao tipo de atividade e
função comunicativa que se pretende realizar com a linguagem. Comprova ainda que os
conceitos de registro e gêneros são distintos, uma vez que em um mesmo gênero – home
page, mais de um registro foi utilizado.
Uma característica percebida, mas que não pode ser generalizada pelo tamanho do
corpus analisado é que os registros mais informais foram encontrados nas páginas femininas e
de pessoas em uma faixa etária abaixo de 40 anos. Talvez, os registros informais do gênero
páginas pessoais possam ser sensíveis às variações de gênero e faixa etária.
Uma última característica lingüística observada foi o uso de termos próprios do gênero
home page, como por exemplo: links, e-mail me, click, etc. Segundo Swales, um ponto para
caracterizar um grupo de eventos comunicativos como gênero é criação, pelos membros mais
proficientes do gênero, de nomenclatura própria utilizada para nomear as atividades
comunicativas daquele gênero.
5.1.4. Atributo “interatividade”
O atributo interatividade foi observado pela inserção em todas as páginas de e-mail
para contato. Em algumas páginas, foi encontrado também, um link para uma sessão de chat
com o autor da página, ou com um grupo de pessoas que partilhem do mesmo interesse do
1250
mesmo. O caráter comunicativo da página, é assim estabelecido, atribuindo à home page uma
função de ação social.
No gênero “home page”, a interatividade acontece não apenas pela leitura construída,
mas também pelas possibilidades de contatos comunicativos estabelecidos. Araújo (2003, p.
141) propõe que as home pages...
“... cumprem um complexo papel de mediação dentro da nova comunidade
discursiva que ajudam a constituir, pois possibilitam tanto o contato inicial, voltado
ao estabelecimento de vínculos de confiança entre os membros dessa comunidade
quanto a posterior interação voltada à realização de trocas diversas”.
5.1.5. Atributo “usabilidade” ou “navegabilidade”
Nas páginas analisadas, este atributo não causou nenhum tipo de problema. Todos os
links sugeridos funcionavam bem. Porém sabe-se que nem sempre, os criadores das páginas
são cuidadosos quanto ao caráter técnico de criação das mesmas. Além de denotar
incompetência tecnológica, a usabilidade inadequada da página concorre para desmotivar os
usuários a acessarem a mesma. Neste caso, a função comunicativa e social da página fica
comprometida e a página, ao invés de recrutar um público alvo e construir comunidades
discursivas, afastará os usuários.
5.2. Home page como gênero: aplicando o conceito
Para finalizar esta seção, o conceito de Paiva (2003) será retomado para que se
comprove o status de gênero das home pages.
Os gêneros textuais são:
(1) sistemas discursivos complexos – pelo estudo realizado por Araújo (2003), Döring
(2003) e pela breve análise realizada neste estudo, foi possível perceber que a tarefa de
estabelecer os padrões das home pages é complexa, embora determinados padrões
sejam identificáveis e recorrentes.
(2) Socialmente construídos pela linguagem – As funções comunicativas das páginas são
realizadas principalmente pela linguagem.
(3) Com padrões de organização facilmente identificáveis – a grande maioria das páginas
analisadas por Dillon e Gushrowiski (2003) e as analisadas neste estudo apresentaram
um padrão de elementos comuns.
(4) Dentro de um continuum de oralidade e escrita – nas páginas analisadas, foi
verificado o uso de linguagem situada, conforme propõe Souza (2000), na fronteira da
oralidade e escrita. Foi observada variação lingüística de acordo com o tipo de
atividade comunicativa encontrada no gênero.
(5) Configurados pelo contexto sociohistórico que engendra as atividades comunicativas
- o contexto social no qual as home pages se inserem – o contexto digital – condiciona
o uso de determinados padrões lingüísticos para o cumprimento das funções
comunicativas das mesmas.
6. Considerações finais
O estudo realizado salientou pontos importantes para reafirmar a posição das home pages
como gêneros digitais. Primeiramente foi possível constatar que, mesmo com um corpus
pequeno, os padrões recorrentes nas páginas analisadas foram os mesmos encontrados no
estudo realizado por Dillon e Gushorowski com um corpus mais significativo. Além disso,
todos as características de gênero propostas por Swales (1990), bem como os atributos citados
1251
por Araújo (2003) e a definição de Paiva (2003) para gênero foram averiguados nas páginas
analisadas, confirmando assim o seu status como gênero digital.
Uma segunda constatação importante foi a de que gêneros e registros são conceitos
diferentes, assim como propõe Swales. No estudo realizado, foi possível detectar o uso de
mais de um registro em um mesmo gênero digital, o que comprova a diferença de conceitos.
Foi também possível constatar que a variação lingüística dos registros está atrelada à variação
da atividade comunicativa dentro do gênero.
Finalmente, pôde-se observar as múltiplas funções comunicativas exercidas pela home
page enquanto gênero digital e destacar o papel preponderante da linguagem no cumprimento
destas funções.
Referências
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institucional. Linguagem em Estudo. Tubarão: Editora UNISUL. v.3.n.2, pp: 135-167, janjun. 2003.
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