Actas del II Congreso Internacional SEEPLU - Difundir l/a Lusofonia
Cáceres: SEEPLU / CILEM / LEPOLL, 2012.
Texto literário e ensino de português L2
Sara Parracho – [email protected]
Otília Costa e Sousa – [email protected]
Instituto Politécnico de Lisboa, Escola Superior de Educação (CIED)
Resumo
As crianças oriundas de meios desfavorecidos têm à partida mais
dificuldades na escolarização, se acrescentarmos o facto de estas crianças
não terem o Português como língua materna, estamos perante uma situação
de alto risco. Partindo da análise de uma situação problemática de ensino
aprendizagem do Português a crianças oriundas de meios de imigração,
delineou-se uma intervenção apoiada na leitura de obras literárias para
crianças. Durante a leitura deu-se atenção ao que diz o texto e também ao
modo como diz o texto (Eco 2003). O uso do texto literário visava um input
de qualidade em termos textuais e linguísticos, constituindo-se como texto
modelo para a reescrita das crianças.
Abstract
Children that came from low income social environments have more
difficulties in school, and if we add that to the fact that Portuguese can be
not their mother tong we are in a high risk situation. Starting from the
analysis of a problematic situation of teaching and learning Portuguese to
immigrant children, we have designed an intervention supported on the
reading of literature for children. During the reading, we pay special
attention to what the text said and the way it did it (Eco 2003). The usage of
literature aimed a high quality input in textual and linguistic terms,
becoming a model for children to rewrite texts.
S. Parracho / O. Costa e Sousa. “Texto literário e ensino de português L2”.
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Introdução
Aprender a escrever um texto é um processo longo e
trabalhoso. Segundo Kellog (2008), este processo levaria mais de vinte
anos até que o escritor escreva o seu texto tendo em conta não só o
que sabe sobre o assunto, mas sobretudo a perspetiva e as
necessidades do leitor. Escrever é um processo complexo e recursivo
que envolve vários sub-processos: desde a seleção do tópico,
mobilização de conhecimentos prévios, geração de ideias novas,
planificação, redação, atenção à ortografia e caligrafia, à revisão, à
edição de texto (Chapman 2006).
Se escrever é complexo e difícil, para quem escreve numa
língua em que não é suficientemente proficiente certamente será
ainda mais difícil. Se pensarmos num sujeito que escreve em L2 e cujo
nível de proficiência é básico, a tarefa de escrever será bastante árdua,
já que, para além da complexidade inerente ao ato de escrever, estes
sujeitos se confrontam com a sua parca competência linguística
(Krashen 1982). Assim, a proficiência será mais limitada (BardoviHarlig,1995; Cumming 1989), o vocabulário mais reduzido (Myles
2002), o conhecimento das possibilidades da língua mais restrito. Para
Silva (1993: 209), escrever em L1 ou em L2 ‘difere em aspetos
salientes e importantes’. O mesmo autor clarifica que as limitações na
escrita de alunos L2 são de desenvolvimento, pois estes alunos ainda
estão a aprender a língua de escolarização (ibidem: 210). Quando se
trata de ensinar a escrever a sujeitos de L2 deve ter-se em atenção a
proficiência linguística dos sujeitos. Assim, o ensino da escrita em
contextos em que a língua de escolarização não é a língua materna
dos alunos, além do ensino da escrita propriamente dito, precisa de
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se trabalhar o desenvolvimento das competências linguísticas e
comunicativas dos sujeitos (Myles 2002).
É consensual que uma boa competência em L2 é vital não
apenas no futuro escolar da criança como na sua integração no país
de acolhimento, tanto a nível pessoal como profissional (August &
Shanahan 2006). O relatório do Instituto de Estudos Sociais e
Económicos (IESE) confirma esta importância da relação entre
‘sucesso escolar (uma das premissas da integração social) e o domínio
da língua do país de acolhimento dos jovens’, dado que a língua é
condição de acesso às aprendizagens (Dionízio 2005: 32) em todas as
áreas curriculares.
Aprender a língua numa perspetiva de escola, isto é, como
instrumento de aprendizagem, tem impacto no percurso escolar e
profissional dos sujeitos. Como alerta Rose, as profissões liberais têm
subjacente um corpo teórico acumulado através da leitura, as
profissões técnicas envolvem menos leitura e são aprendidas mais
através de treino prático, enquanto as ocupações manuais são
aprendidas sem leitura através de demonstração pessoal. Os sujeitos,
se não desenvolvem uma relação com o modo escrito que lhes
permita aceder aos textos da escola, não têm condições de continuar
na escola e de continuar a aprender o que lhes daria acesso a
profissões mais diferenciadas (2006: 40).
Uma das dificuldades do modo escrito tem a ver com o facto
de, segundo Halliday (1996: 349), o escrito apresentar padrões de
organização léxico-gramaticais diferentes do modo oral. As
diferenças situam-se a diversos níveis, por um lado, o modo escrito
apresenta maior densidade lexical, por outro, apresenta metáforas
gramaticais. Além disso, o vocabulário vai-se tornando cada vez mais
distante do vocabulário quotidiano: palavras mais abstratas, técnicas
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e literárias (Chall e Jacobs 1996: 39). As crianças de meios
desfavorecidos têm menos oportunidades fora da escola para ouvir e
praticar estruturas complexas e vocabulário mais difícil. Possuem
menos livros, leem menos e veem mais televisão (que expõe a criança
a um registo de língua mais simples) (ibidem). Uma das funções da
escola é tornar os alunos conscientes dessas diferenças, de modo a
usarem de forma eficaz padrões do escrito tanto quando leem como
quando escrevem.
A sala de aula deve constituir-se como uma comunidade que
define práticas de literacia (géneros, valores, regras de participação) e
fornece modelos e demonstrações de diferentes funções e formas de
escrita que dão forma aos processos de escrita da criança (Chapman
2006: 15-16).
Ainda que trabalhemos sobre escrita, a leitura assume, nesta
investigação, um papel central. Ao focalizarmos a aprendizagem da
escrita de textos, tivemos em atenção que aprendemos a linguagem
dos escritos, lendo textos (Rose 2007). Segundo Halliday (1996: 340), o
acesso ao modo escrito permite o acesso a formas mais elaboradas de
língua usadas na escrita. Como os sujeitos do nosso estudo são
oriundos de famílias afastadas de práticas letradas, a leitura de textos
visa, por um lado, a construção de um conhecimento comum,
constituindo os textos lidos um património partilhado pela turma, e,
por outro, a partilha de modelos de língua presentes nos textos,
destacados e observados com sistematicidade durante a leitura. Para
assegurar condições de sucesso, Chall e Jacobs (1996: 41) defendem
um programa forte e intensivo de leitura, de textos literários e
também de outros textos, de modo a desenvolver o vocabulário, a
compreensão e fluência na leitura.
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Temos consciência que leitura e escrita não são atividades
simétricas, nem que se alimentam mutuamente de forma natural.
Muitas vezes os professores pensam estas duas atividades em
“coexistência fecunda” (Delforce 1994: 327). Para este autor, tudo se
trata como se os benefícios da leitura na escrita e desta na primeira
resultassem de uma impregnação difusa. Na verdade, para conseguir
operacionalizar a interação leitura/escrita a crença do benefício
automático da leitura sobre a escrita tem que ser posta em causa. A
questão fundamental será então: que tipo de leitura pode influenciar
o desenvolvimento da competência de escrita? Ou seja, como
descrever ou observar os escritos quando o objetivo é
aprender/ensinar a escrever? Para isso, pareceu-nos que a prática de
leitura teria que ser acompanhada de reflexão sobre as estruturas
linguísticas presentes nos textos. Os padrões destas estruturas
ficariam disponíveis para serem usados pelas crianças posteriormente
nos textos criados por elas.
Como veremos na secção da intervenção, após a análise das
dificuldades dos alunos, partiu-se da leitura em voz alta pelo
professor de textos que considerámos exemplares para a observação
conjunta de estruturas linguísticas determinadas: construção de
personagens, construção de espaço, construção de tempo, construção
de nexos causais, conectores... Deste modo, as estratégias de escrita a
aprender são contextualizadas nos textos a ler. Como o objectivo era
melhorar o texto narrativo, analisam-se narrativas para aprender
estratégias de escrita nos textos lidos.
Além de atividades de compreensão, de análise de estruturas
linguísticas, treinou-se a fluência na leitura. A observação de
determinados padrões linguísticos presentes nas obras, levava à
discussão e ao destaque com cópia e fixação na parede. Esta leitura
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em profundidade visava o reinvestimento desse conhecimento em
textos futuros.
Na escrita em L2, a língua materna do sujeito pode interferir no
modo como os sujeitos escrevem quer a nível da estrutura do texto e
da organização da informação, quer a nível da gramática da língua
(Kubota 1998). Os sujeitos do nosso estudo têm a língua portuguesa
como L2, não foram escolarizados, nem desenvolveram competências
de literacia na sua língua materna. Nos textos em análise, observamse interferências do crioulo, embora, no presente estudo, essa
dimensão não seja estudada.
Estudo empírico
O estudo foi efetuado numa escola da Amadora com crianças
que frequentavam o 3º e 4º anos do ensino primário. Trata-se de uma
investigação ação em que se tenta intervir no desenvolvimento da
competência de escrita dos sujeitos.
Contexto e sujeitos
O trabalho que se apresenta foi realizado numa escola de um
bairro desfavorecido de Lisboa: a escola EB1/JI Cova da Moura,
pertencente ao agrupamento de Escolas da Damaia – Amadora. O
bairro, de construção clandestina na fase que se seguiu à
descolonização, apresenta carências de diversa ordem. Nesta escola a
maioria da população é de etnia cabo-verdiana, tendo grande parte
das crianças da escola o português como língua não materna. A
língua falada no bairro e nas famílias é maioritariamente o crioulo de
Cabo Verde. Estas crianças têm o crioulo cabo-verdiano com língua
materna, utilizando-a para comunicar em casa ou entre si, na rua ou
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no recreio. O português é a língua de escolarização. Os sujeitos do
estudo são dezasseis crianças do 3º e 4º anos de escolaridade com
idades compreendidas entre os oito e os doze anos. Doze crianças têm
o crioulo cabo-verdiano como língua materna e quatro afirmam que o
português é a sua língua materna. Todas as crianças têm pelo menos
um dos progenitores de etnia cabo-verdiana, vivem no bairro e estão
inseridas em agregados familiares em que o crioulo é a língua de
comunicação.
A situação linguística na escola é também interessante. A escola
serve o bairro e, como afirmámos, para a grande maioria das crianças
o português é L2. É certo que, se um aprendente de L2 está inserido
num grupo turma em que a maioria dos sujeitos é falante L1 da
língua de ensino, é fácil criar situações de interacção para que os
falantes L2 se envolvam em diálogo com pares para quem a língua de
instrução é L1. Por outro lado, quando todos os sujeitos são
aprendentes L2, partilhando a língua materna, a situação torna-se
mais difícil pois as oportunidades para interagir com falantes da
língua de instrução não existem, e a necessidade de a língua de
escolarização ser usada como língua franca também não se faz sentir,
dado que todos os sujeitos se entendem porque partilham a mesma
língua materna. Além disso, o modelo da língua que estão a aprender
e em que é suposto aprenderem passa a ser único – o professor. Neste
caso, o tipo de aprendizagem fica limitado, pois, por um lado, estão
ausentes as oportunidades de interação em situação de reciprocidade,
e, por outro, o modelo de interacção e as formas linguísticas usadas
são mais distantes da realidade das crianças. A oportunidade de
ouvir sujeitos diferentes em L1 é um factor fundamental na
aprendizagem, pois permite expor as crianças a modelos diferentes
de língua, por exemplo, diferentes modos de expressar ideias e
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diferentes modos de negociar sentidos (Wells e Haneda 2009: 145146).
Os docentes, para planificar as aulas de língua portuguesa, para
além das diretrizes do Ministério da Educação e dos respetivos
documentos orientadores do currículo, utilizam como suporte de
referência documentos provenientes da Direção Geral de Inovação e
Desenvolvimento Curricular (DGIDC) recomendados para a língua
não materna, o Quadro Europeu Comum de Referência (QECR). Nos
últimos dois anos tem funcionado na escola um Atelier de Língua
para alunos de língua não materna que apresentam mais dificuldades
na língua de escolarização.
De referir também que cada docente desta escola tem
autonomia (dentro dos parâmetros determinados pelo agrupamento)
para decidir se pretende utilizar todos os manuais adotados pela
escola. Os alunos deste estudo não tinham manual de Língua
Portuguesa.
De acordo com o QECR para línguas (2001:48), “os Níveis
Comuns de Referência foram resumidos a partir de um banco de
“descritores exemplificativos”, concebidos e validados para o QECR.
As especificações foram escaladas matematicamente, de modo a
corresponderem aos níveis, analisando o modo como tinham sido
interpretadas na avaliação de um grande número de aprendentes.
Para facilitar a consulta, as escalas dos descritores são associadas às
categorias relevantes do esquema descritivo nos Capítulos 4 e 5 do
documento. Os descritores remetem para as três meta-categorias
seguintes do esquema descrito: Actividades comunicativas,
estratégias e competências comunicativas linguísticas” (ibidem 2001:
50).
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Os níveis de proficiência linguística categorizam-se
globalmente (incluindo modo oral e escrito) da forma apresentada no
quadro1:
Elementar
Independente
Proficiente
Nível Iniciação
A1
Nível Elementar
A2
Nível Limiar
B1
Nível Vantagem
B2
Nível Autonomia
C1
Nível Mestria
C2
Quadro 1- Níveis de proficiência Linguística
Aquando do início deste estudo, avaliámos os níveis de
proficiência linguística das crianças na língua de escolarização.
Aplicámos os testes de proficiência a todas as crianças,
independentemente da língua materna, pois, como já referimos, todas
as crianças têm pelo menos um dos progenitores de etnia caboverdiana. No quadro 2, apresentam-se os resultados:
Nível proficiência
Oral
Escrita
Global
Língua Materna
A1
A2
B1
A1
A2
B1
A1
A2
B1
Português
0
2
2
2
2
0
1
1
2
Crioulo de Cabo Verde
0
11
1
7
5
0
2
10
0
Quadro 2: Níveis de proficiência dos sujeitos
Conforme se pode verificar, através do quadro 2, os quatro
alunos com língua materna português, apresentam um nível de
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proficiência superior na oralidade em relação à escrita, uma vez que
os dois que na oralidade se situam em A2, na escrita situam-se em
A1, e os que na oralidade se situam em B1, na escrita estão em A2. O
nível global de proficiência foi obtido através da média entre o nível
obtido na oralidade e na escrita o que situa estes alunos: um em A1,
outro em A2 e dois em B1. O mesmo acontece com a criança que tem
o português língua não materna. Esta apresenta um nível B1 na
oralidade, mas na escrita o nível obtido foi inferior, resultando num
nível global de A2. Este facto constituiu explicação para os restantes
casos em que constatamos que apresentam um nível A2 na oralidade,
mas em que mais de metade dos sujeitos obtém um nível inferior na
escrita, baixando o nível de proficiência global.
Quanto aos alunos que têm o crioulo de Cabo Verde como
língua materna, a nível da proficiência na oralidade, dos doze, onze
situam-se em A2 e um em B1. Os mesmos doze, a nível de
proficiência escrita, sete situam-se em A1 e cinco em A2, o que
também revela uma maior proficiência na oralidade em relação à
escrita, embora aqui a diferença seja maior. Quanto ao nível global de
proficiência, dois apresentam um nível de A1 e dez de A2. A razão
pela qual nenhum destes alunos se situa no nível B1 (nível global), foi
devido ao facto de a pontuação obtida na oralidade ter sido baixa.
Se é verdade que ser bilingue pode ter efeitos positivos na
aprendizagem, a questão da proficiência em ambas as línguas e o
desenvolvimento de comportamentos de literacia são cruciais no
processo de escolarização. De acordo com Bialystok (2006: 596),
‘Children who speak two languages poorly, or two languages in the
absence of literary experience in at least one of them, may not reap
any benefit from their experience’.
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Objetivos e metodologia
Este estudo visa aferir de que modo o ensino explícito do
processo da escrita e o input linguístico-textual desenvolvem a
competência textual. Na análise das produções escritas das crianças,
tomaram-se como indicadores de desenvolvimento, a extensão dos
textos, a sua estrutura e a complexificação frásica.
Trata-se de um estudo de investigação ação em que a
professora da turma é também a investigadora. O estudo consta de
recolha de textos que constituíram o pré-teste e o pós-teste e a
conceção de uma intervenção didática para melhorar a escrita das
crianças.
Numa primeira fase, em fevereiro 2010, fez-se uma avaliação da
competência de escrita de texto (narrativa). Utilizou-se um conjunto
de imagens para elicitar uma narrativa (Hickmann 1982; Batoréo
2000), pedindo às crianças para, após observação das imagens,
contarem uma história. Após a recolha dos textos escritos pelos
alunos, procedemos à análise dos mesmos. A partir da análise,
concebemos uma intervenção didática e, no final, recolhemos novos
textos, seguindo a mesma metodologia.
Análise dos textos da primeira recolha
Da análise dos textos, ressaltaram dificuldades com a estrutura
da narrativa e, a nível frásico, observámos uma escrita paratática com
os constituintes frásicos reduzidos maioritariamente aos núcleos.
Segundo Garcia (2000: 3524), o uso da hipotaxe e da parataxe
depende do grau de formalidade do registo empregue.
Predominando a hipotaxe nos registos mais elaborados e a parataxe
nos mais coloquiais. Segundo o mesmo autor, na linguagem das
crianças predominam as construções paratáticas (ibidem: 3522).
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No que diz respeito à estrutura do texto narrativo, verificámos
que duas crianças não respeitaram o pedido e fizeram descrição das
imagens em vez de contarem uma história:
- A primeira imagem tem uma arvore grande com um ninho e
dentro do ninho estão três passarinhos e a mãe esta decima do
ninho.
ž- A segunda imagem tem um gato no chão, e uma árvore á frente
dele com três passarinhos e a mãe está a alvantar voou.
- A terceira imagem tem uma árvore com três pássaros, e um gato
ão lado da árvore.
Constatámos que, num total de dezasseis alunos, catorze
respeitam o pedido e elaboram um texto narrativo e dois não
respeitaram o pedido e, como afirmámos, elaboraram um texto
descritivo. Dada a idade dos alunos, pensamos que estes conheceriam
a estrutura do texto narrativo (Sousa 2008). O que poderá estar em
causa, neste comportamento, é a natureza da tarefa e a falta de
familiaridade dos alunos com esta. Escrever uma narrativa a partir de
um conjunto de imagens é uma tarefa da escola, fazendo parte da
cultura escrita da escola. No entanto, esta tarefa pode ficar distante da
cultura familiar das crianças. Refira-se que os dois alunos que não
respeitaram a estrutura textual afirmam ter o português como língua
materna.
Dos alunos que escreveram um texto narrativo, verificamos que
metade não respeitam totalmente a estrutura narrativa, faltando
elementos considerados importantes. Assim, numa análise mais
detalhada podemos afirmar que todos os textos têm princípio, com
ou sem fórmula de abertura, todos incluem o tempo, constroem as
personagens e dão um final, mostrando, deste modo, que conhecem
os rituais de abertura e fechamento do tipo de texto referido. Todos
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os alunos incluem início e fim no seu texto, mas no que concerne à
utilização das fórmulas ritualizadas de abertura e fechamento,
observa-se que oito dos alunos, ou seja metade, utiliza fórmula de
abertura e destes, quatro utilizam fórmula de fechamento.
No que diz respeito à construção linguística da existência das
personagens, verifica-se que na introdução da primeira personagem
pontuam os verbos de predicação de existência no imperfeito (Sousa
1999) e na introdução de outras personagens surgem verbos como
aparecer, chegar, ver, chamar e vir, predominantemente no pretérito
perfeito simples (cf Sousa 2007, 2008), conforme se pode observar no
quadro 3:
Introdução
das
personagens
Alunos
A
1ª Personagem
GN
Indefinido
GN
definido
2ª personagem
Outros
Era…Um
passarinho
B
Estão 4
pássaros
GN
Indefinido
GN
definido
3ª personagem
GN
Indefinido
GN
definido
Foi um gato
Chegou o
cão
Aproximouse um gato
Foi
chamar o
cão
C
Era…Um
pombo
Apareceu
um gato
O cão
apareceu
D
Tinha um
pássaro
Apareceu
um gato
O cão
apareceu
E
Tem…Um
pássaro
F
Era…Uma
mãe e 7
passarinhos
O gato
estava
Estava um
gato
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Depois o
cão
E o cão
está a ver
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G
H
Era…3
pombas
brancas
Apareceu
o gato
apareceu o
cão
I
Era…Um
pássaro
J
Era…Um
passarinho
K
Está um
passarinho
Veio um
gato
O lobo
veio
L
Está um
ninho de
pombos
Apareceu
um gato
E o cão
ficou
M
-
Um gato
apareceu
apareceu
um cão
-
Estava lá
um animal
E o gato
Tem o
passarinho
N
Era…Um
pássaro
O
Há um
pardal
Encontrou
um gato
E o lobo
apareceu
um cão
Viu o
gato
Está um
cão
P
Quadro 3: Pré-teste - construção linguística das personagens
Além da forma verbal, na introdução da primeira personagem
domina o grupo nominal (GN) indefinido e na introdução da
segunda e terceira personagens o GN definido surge mais vezes.
Estas estruturas são índice de desenvolvimento textual. O GN
indefinido assinala a introdução de uma nova entidade no texto, o
uso de definido assinala a retoma de referência de personagens já
introduzidas. O uso de GN definidos para introduzir personagens
revela a necessidade de mais reflexão neste domínio (Sousa 2008). O
uso de verbos de movimento e de perceção na introdução das
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segunda e terceira personagens é indicador de desenvolvimento
textual. O uso destes verbos contribui para uma maior coesão textual
(Sousa 2007, 2008).
De mencionar ainda que apenas um aluno deu título ao seu
texto e um aluno construiu linguisticamente o espaço da acção.
Quanto à estrutura do texto narrativo, em geral, a maior lacuna
encontra-se ao nível da construção do problema e da sua resolução.
Os oito alunos que apresentaram um problema no seu texto
apresentaram igualmente a resolução do mesmo. A construção do
problema é um elemento fulcral na própria definição de narrativa.
Sem problema, não há justificação para a história: um percurso em
que um herói ultrapassa obstáculos para resolver um problema. No
entanto, não podemos com isso afirmar que metade das crianças não
conhece a narração. O que nos parece é que as crianças não têm ainda
noção da estrutura segundo as convenções da escrita na escola.
Em síntese, dos alunos que constituem este estudo, oito crianças
no seu texto apresentam princípio, meio e fim. As categorias tempo e
espaço são mais frequentemente referidas de modo indirecto através
de ações do que construídas linguisticamente de forma explícita. Este
aspecto precisa ser trabalhado explicitamente.
Após a análise da estrutura narrativa dos textos produzidos
pelos sujeitos, analisámos o tipo de frases presentes nesses textos.
Verificámos que nos textos dominam as frases coordenadas, havendo
mesmo textos em que só existe coordenação:
A árvore no tronco tem no ninho pitainho e um pássaro banco.
O gato estava a vansar. na árvore tem um o pássaro foi buscar a
comida e o gato parado
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O pássaro banco na estava-lá e pintainhos no ninho a pedir a
comida o gato estava mais parado.
O gato estava a subir na árvore e tinha pintainho depois o cão.
A árvore está um gato a subir a calda do gato e o cão mardeu
calda do e o pássaro um cadinho de comida.
A árvore e o pássaro voltou árvore e o cão ficou atrás do gato.
Do predomínio de orações coordenadas resulta algum sentido
de falta de ligação entre os elementos, de desconexão. Por isso, um
dos aspectos a trabalhar na intervenção era a construção frásica,
nomeadamente a coordenação / subordinação. Este trabalho
começou a ser feito em atividades de leitura, observando o sentido
das frases, a sua intenção comunicativa e as formas linguísticas que
serviam essas finalidades. Dado o tipo de texto, algum deste trabalho
passou por perceber que a narrativa é constituída por acontecimentos
que se sucedem, mas que estes são ações que se enquadram num
plano de ação de uma personagem. Por isso, na leitura de textos, na
planificação e na revisão, dava-se uma atenção especial ao como e ao
porquê da ações e aos meios linguísticos que os veiculam. O objetivo
era ensinar a ligar os vários acontecimentos estabelecendo nexos de
dependência e a explicar/ enquadrar estes acontecimentos
explicitando as razões subjacentes ou as suas circunstâncias. De facto,
na aprendizagem da competência textual, estes passos permitem-nos
ensinar a construir a coerência textual, pois a coerência causal e
estrutural são partes integrantes da construção da coerência
(Gernsbacher 1990, apud Chui e Rondelli 2010).
Na análise de frases e orações, como referido, e de acordo com
as gramáticas em uso, assumimos duas grandes categorias:
coordenação e subordinação (Duarte 2000, Mateus et ali 2003, Bosque
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e Demonte 2000). De acordo com Garcia (2000: 3516), assumimos que,
na união de frases, a coordenação se caracteriza por nenhuma das
orações transportar semanticamente a presença de outras, enquanto
na subordinação, a subordinante implica um significado que encarna
a subordinada, ainda que, em alguns casos, possa permanecer
implícito.
Na análise de frases, seguimos de perto Duarte (2000). Assim,
considerámos frases complexas frases que se combinam com outras
frases de forma a obter-se unidades frásicas complexas. As frases
complexas formadas por coordenação podem ser ligadas de dois
modos: pausas (ou vírgulas) ou conjunções coordenativas
(copulativas, disjuntivas e adversativas). As frases complexas
formadas por subordinação podem ser de três tipos: substantivas,
adjectivas e adverbiais.
Utilizámos o termo frase superior para referir toda a frase
complexa e frase (ou oração) subordinada para referir a unidade
frásica que é constituinte da frase superior. As frases subordinadas
podem ocupar posições de tipo diferente nas frases superiores de que
fazem parte.
Na análise dos textos das crianças, confrontámo-nos com usos
que nem sempre vêm referidos nas gramáticas e, nestes casos,
tivemos que decidir como classificar determinadas estruturas. Refirase, a título de exemplo, a análise oracional de verbos enunciativos,
quando em discurso direto. Se não há dúvidas que disse que vinha é
constituída por uma oração completiva, já a estrutura disse: já vou
continua a apresentar sintaticamente uma dependência, ainda que a
segunda oração não seja introduzida por uma conjunção. Este tipo de
construção não é contemplado nas gramáticas que consultámos.
Portanto, tomámos uma decisão e considerámos o verbo dizer como
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um verbo de três argumentos (x diz y a z), considerámos igualmente
que a estrutura linguística com função sintática complemento direto
sempre que corresponda a uma predicação é uma oração completiva,
ainda que os conectores não ocorram na frase.
No gráfico 1, apresentamos as orações usadas por cada aluno:
Gráfico 1 - Orações - resultados do pré-teste
Quanto ao total de orações produzidas pelos alunos nos seus
textos, estas oscilam entre 9 e 22, sendo a média de 16 orações.
A nível da complexidade frásica podemos observar pela
mancha gráfica (Gráfico 1) de cada aluno, que a maior percentagem
de frases são coordenadas, tendo dois alunos um máximo de cinco
frases subordinadas, dois alunos não produziram nenhuma frase
deste tipo, um aluno tem uma e os restantes oscilam entre duas ou
três frases subordinadas. Com estes resultados observamos ainda que
todos os alunos utilizam maioritariamente frases coordenadas, a
percentagem da sua utilização oscila entre os 50% e os 95%, com uma
média de utilização de 72%. Já no que se refere à utilização de frases
subordinadas a média é de 15%.
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O predomínio da coordenação produz um efeito de falta de
conexão. Os eventos são construídos todos ao mesmo nível e sem que
haja uma hierarquia entre eles. Este tipo de construção produz um
texto pouco coeso, faltando quer ligações a nível da relação
interfrásica, quer a nível do léxico, quer a nível de conectores. De
entre as orações subordinadas, as orações que produzem um efeito de
maior ligação são as subordinadas adjetivas e substantivas. Segundo
Tomasello (2003: 243), “(...) the different clauses are more tightly
interrelated as they appear as constituents in a single complex
construction under a single intonation contour (...)”.
Neste momento, podemos apresentar apenas alguns dos dados
que temos disponíveis, a partir dos quais obtivemos resultados
efetivos, comparando os textos do pré-teste com os do pós-teste.
Como já referimos anteriormente, são considerados como
medida de desenvolvimento de competência textual: a extensão do
texto, um maior uso de subordinação e a utilização de conectores
(quantidade e diversidade). Neste sentido, podemos observar
(Quadro 4) que o número médio de palavras e de orações aumentou
substancialmente, bem como a média de utilização de orações
subordinadas.
Média Pré-teste
Média Pós-teste
Palavras
95
168
Orações
16
31
Palavras por oração
6
5,5
Coordenadas
11
17
Subordinadas
3
12
Quadro 4 – Resultados, em média, no Pré-teste e no Pós-teste:
palavras, orações.
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Apresentamos também os resultados da complexificação
frásica, no pré-teste e no pós-teste em percentagem (Quadro 5). A
partir da análise do quadro 5, observa-se um aumento percentual das
frases subordinadas e uma diminuição das coordenadas.
Frases
Percentagem Préteste
Percentagem Pósteste
Coordenadas
77%
53,9%
Subordinadas
20%
37,5%
Frases simples e/ou
superior
3%
8,6%
Quadro 5 – Percentagem de orações coordenadas e subordinadas no préteste e no pós-teste.
Analisámos, também, os conectores usados no pré-teste e no
pós-teste. Apresentamos os resultados no quadro 6:
Percentagem
Pré-teste
Percentagem
Pós-teste
-
2,5%
E
51,5%
39,0%
Para
6,7%
11,6%
Depois
8,2%
3,7%
Mas
8,2%
10,4%
e depois
5,2%
1,7%
quando
5,2%
10,0%
então
1,5%
3,3%
logo que
1,5%
-
no dia seguinte
2,2%
-
passado um bocado
1,5%
1,7%
Conectores
de seguida
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neste/naquele
momento/instante
-
1,7%
por isso
-
1,2%
enquanto
-
1,2%
até
-
1,2%
subitamente
-
0,8%
logo
0,7%
-
até que
0,7%
0,4%
e por enquanto
0,7%
-
de repente
0,7%
1,7%
um dia
0,7%
-
de tarde
0,7%
-
e assim
-
0,4%
só que
-
0,4%
entretanto
-
0,4%
porque
3,0%
6,6%
em cima
0,7%
-
Totais
100%
100%
Quadro 6: uso de conectores no pré-teste e no pós-teste
No quadro 6, apresentamos os conectores usados pelas crianças.
Observa-se no pós-teste uma maior quantidade e diversidade de
conectores. O uso de conectores foi um dos elementos que
possibilitou a construção de textos mais coesos e coerentes. No préteste podemos observar que em dois textos o único conector
empregue é o “e”.
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No diagnóstico, como fomos assinalando, os alunos precisavam
de melhorar, entre outros:
a) Estrutura da narrativa, em especial na construção do
problema, peripécias e na resolução do problema.
b) A nível mais local, precisam de melhorar a construção de
frase, nomeadamente construção de frases complexas e
subordinadas e o uso de conectores.
Intervenção pedagógica: pressupostos, atividades, resultados
A partir dos resultados da análise dos textos do pré-teste,
procedemos à elaboração de um plano de intervenção. Este teve em
conta as maiores dificuldades manifestadas pelos alunos, a saber: a
própria noção de narrativa e mecanismos de textualização,
nomeadamente complexificação de estruturas frásicas. Assim,
traçámos um plano de intervenção que visa trabalhar:
i) a estrutura da narrativa (princípio, meio - problema,
resolução do problema - e fim) a partir da leitura de textos de
autor;
ii) os mecanismos de textualização: construção da personagem,
espaço e tempo;
iii) a complexificação das estruturas frásicas e o uso de
conectores;
iv) construção de nexos causais.
O programa de intervenção seguiu determinados pressupostos:
dada a características linguísticas dos sujeitos, procurámos um input
textual rico e variado, que constituísse um desafio para as crianças
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(Krashen 1982). Os textos, estando acima do nível de
desenvolvimento das crianças, tiveram o seu acesso mediado pelo
professor (Vigotsky 1978). Sendo a escrita uma tarefa complexa que
mobiliza diferentes competências, o ensino teve em conta as etapas de
produção textual: planificação, textualização revisão (Scardamalia e
Bereiter 1987). Como o registo da escola fica distante do registo das
crianças e o acesso a textos é reduzido, tivemos como preocupação
construir uma comunidade textual (Olson 1994, Sousa e Costa 2010),
por isso lemos muitos textos, atentámos nas estruturas linguísticas
desses textos e as crianças reescreveram alguns dos textos.
Descrevemos muito brevemente o plano de intervenção. Numa
primeira fase da nossa intervenção, que corresponde ao 3º ano de
escolaridade dos alunos (fevereiro de 2010 a junho de 2010),
debruçámo-nos mais intensivamente sobre a aquisição e
desenvolvimento da estrutura da narrativa. Para tal, lemos obras para
esta faixa etária. As obras eram lidas e era sempre assegurado a
compreensão das mesmas com actividades antes, durante e após a
leitura. Concomitantemente era analisada a estrutura para que os
alunos verificassem a constância da mesma, todas respeitando a
estrutura canónica da narrativa. Selecionávamos as obras de acordo
com o que pretendíamos destacar em cada sessão. Assim, se o
objectivo era estudar a personagem, a obra escolhida era exemplar
nesse domínio. Usámos o mesmo critério para as outras categorias a
trabalhar.
Alternadas com este tipo de sessões, incluímos atividades de
planificação e textualização a partir de sequências de imagens,
inicialmente 3 imagens, depois 4 e no final 6. Nestas sessões foram
utilizadas diferentes metodologias de trabalho: em grande grupo, a
pares e individual. Em primeiro lugar, era feita uma exploração oral
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das imagens: Quem? Como é? O que acontece? Porquê? ... Na sessão
seguinte, procedia-se à planificação, seguida de textualização. Estas
sessões de escrita aconteceram regularmente intercalas com as sessões
que envolviam a utilização de obras literárias ao longo de toda a
intervenção.
No final do 3º ano, em junho de 2010, constatámos que os
alunos já tinham adquirido a estrutura da narrativa. Estando a
estrutura da narrativa adquirida, entrámos na 2ª fase da intervenção e
procedemos à planificação de sequências centradas em actividades
para desenvolver o vocabulário e simultaneamente a complexidade
das frases.
Portanto, desde setembro de 2010 até março de 2011 (final da
intervenção), para além das atividades de escrita referidas
anteriormente, começámos a focalizar, durante a leitura, o
vocabulário e as construções frásicas existentes nas obras de autor. Na
sessão de escrita seguinte tentávamos que a leitura fosse capitalizada.
Como verificámos que a mobilização de aspetos focalizados durante
a leitura era difícil (vocabulário e frases complexas) na escrita, a partir
da sessão 22 decidimos investir na reescrita de textos de autor. Assim,
a partir de novembro de 2010 até ao final, foram realizadas
actividades intensivas e sistemáticas sobre as obras de autor
escolhidas como modelo, neste caso António Torrado e Maria Alberta
Menéres. As obras trabalhadas foram: “O macaco do rabo cortado”,
“Gil Moniz e a ponta do nariz” e “As Aventuras da Engrácia”. O
trabalho sobre as obras, nas duas primeiras tiveram a duração de
uma semana e na terceira, devido ao seu tamanho e estrutura, durou
um mês.
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Estas obras foram trabalhadas da seguinte forma:
1º Obra lida pela professora na sala de aula
2º Compreensão da leitura
3º Obra lida pelos alunos (em silêncio e preparação da leitura
em voz alta)
4º Treino da leitura integral da obra, em casa e na sala de aula
5º Elaboração de listas de palavras e expressões presentes nas
obras
6º Construção de fantoches e/ou ilustração da sequência da
história
7º Leitura e/ou dramatização na turma e para outras turmas
8º Reescrita individual.
Uma outra razão que nos levou a destacar estas atividades foi o
facto de nos últimos meses de aulas, depois de realizada a
intervenção, em trabalhos efetuados pelos alunos em atividades
diversificadas, estes utilizarem expressões e palavras dos autores,
conseguindo identificar textos destes, sem que estivessem
identificados. Sem ser um dos objetivos deste trabalho, parece-nos
que a reescrita traz benefícios quando se trata de capitalizar
vocabulário e estruturas de textos de autor. Esta constatação merecia,
por si só, um estudo.
Discussão
Com este estudo pretendemos, numa primeira instância,
verificar se o ensino explícito da escrita enquanto processo melhora a
escrita e observar simultaneamente qual o papel do input na escrita
das crianças, neste caso específico, fazendo o levantamento do
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impacto dos textos lidos e analisados, de acordo com a metodologia
apresentada, nos textos das crianças.
Deste modo, através dos resultados obtidos no pré-teste e da
análise realizada, verificámos que a estrutura da narrativa (escrita)
não estava adquirida. Tendo oito crianças elaborado narrativas
respeitando todos os elementos constituintes da sua estrutura. Outro
problema identificado relacionava-se com o excesso de coordenação.
Na
intervenção
planificámos
sessões
diversificadas,
significativas e desafiantes que melhorassem estes pontos e
simultaneamente, melhorassem o vocabulário. Refira-se que, ao longo
da intervenção, observámos uma progressiva melhoria quer a nível
da aprendizagem da estrutura do texto narrativo, quer a nível da
complexificação de estruturas linguísticas e da construção de relações
de causalidade.
Na análise do pós-teste, verificam-se ganhos quer a nível da
extensão dos textos e da construção da narrativa (estrutura e relações
de causalidade), quer a nível da complexificação de estruturas (frases
subordinadas, variedade e quantidade de conectores). A ortografia,
com melhorias visíveis, continua, no entanto, a ser uma área
problemática.
Outro aspeto a destacar é o facto de se observar nos textos das
crianças uma apropriação de léxico e expressões dos autores,
constituindo um claro fenómeno de intertextualidade. A título de
exemplo, veja-se: ‘Dormiram num sonho profundo até ao raiar do
sol’, ‘E foi embora, sem rasto nem sombra’. As crianças convocam
também para os seus textos outros textos: ‘Até parecia o lobo mau da
história “A capuchinho vermelho” ou ‘Apareceu um gato preto com
olhos verdes como o da história da bruxa Mimi’.
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