ESPECIAL
Israel
As lições de um país em permanente...
ISRAEL, UMA
...tensão, que sabe converter desafios...
NAÇÃO DE
...em novas
oportunidades
EMPREENDEDORES
POR SANDRA BOCCIA*
* COM REPORTAGEM DE THOMAZ GOMES E COLABORAÇÃO DE DANIEL WAISMANN
52 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014
FOTOS: EITAN SIMANOR / ALAMY / GLOW IMAGES, PAUL DOYLE/ALAMY/
LATINSTOCKIMAGES, NIR ELIAS/REUTERS/LATINSTOCK E DIVULGAÇÃO
HISTÓRIA REESCRITA
Em sentido horário, jovens soldados em campo de treinamento;
garota no campus da Universidade de Tel Aviv; crianças na escola em
Jerusalém; instalação de bicicletas perto da prefeitura de Jerusalém;
escritório de startup “telavivi”; arranha-céus da “capital tecnológica” do país
ESPECIAL
Israel
GEOGRAFIA DA ARIDEZ
“V
OCÊS SÃO CASADOS?
Esqueçam seus namorados, namoradas,
mulheres ou maridos. Vocês estão em Tel
Aviv. Aproveitem.” Ouvida com pressa, a
mensagem dita por Avner Warner, 34 anos,
óculos Ray-Ban na cabeça e barba rala por
fazer, poderia ser inadvertidamente interpretada como um convite aberto à infidelidade — o que, por si só, já teria o poder
de chocar os visitantes brasileiros da Terra
Santa. Mas o seu discurso de tom teatral faz
parte de uma elaborada estratégia de comunicação. À frente da diretoria de desenvolvimento econômico internacional da prefeitura de Tel Aviv, ele tem por missão fazer com que a cidade se transforme em um
hub de empreendedores, investidores e novos talentos não apenas israelenses, mas de
todo o mundo. Por isso, tenta desmanchar a
imagem de atos terroristas e conflitos milenares que, aos olhos estrangeiros, ainda se
sobrepõe à do belíssimo pôr do sol nas águas
do Mediterrâneo, um mar quase sem ondas,
coalhado por caiaques e veleiros.
Com vibrante vida noturna, clima descontraído e certo ar de permissividade —
bastante diferente de sua vizinha religiosa, Jerusalém —, Tel Aviv nunca precisou
de muitos esforços para atrair talentos de
outras partes do país. Há tempos é um ímã
para os jovens sabras — como são chamados os judeus nascidos em Israel. Seu status de “capital tecnológica e financeira” está consolidado. O desafio é, de fato, atrair
talentos de outros países e se tornar um
polo de empreendedorismo tão desejado >
Entenda como funciona o ecossistema de inovação de Israel
Israel: pequeno, inovador
e cercado por inimigos
EXÉRCITO
O serviço militar obrigatório —
três anos para os homens e dois
anos para as mulheres — desenvolve
habilidades de trabalho coletivo
e senso de questionamento
nos futuros empreendedores
israelenses. A preocupação
com a segurança nacional torna
o país um mercado fértil para
tecnologias de proteção de
dados e sistemas de defesa.
Nação de startups
Dos centros de excelência de todo o país saem
empreendedores com alto nível de escolaridade
PERFIL DOS
EMPREENDEDORES
LÍBANO
FUNDAÇÃO:
1948
POPULAÇÃO:
8 MILHÕES
IDIOMA:
HEBRAICO
PIB:
US$ 254 BILHÕES
RENDA PER CAPITA:
US$ 33.900
MAR MEDITERRÂNEO
SÍRIA
IDADE MÉDIA:
36 ANOS
HAIFA
91%
TEL AVIV
JORDÂNIA
SÃO HOMENS
CISJORDÂNIA
ACADEMIA
GOVERNO
A partir de leis que incentivam
aportes em startups e criação
de centros de pesquisa, o poder
público ajuda a transformar as
ideias de empreendedores em
oportunidades de negócio. Em
1968, o governo criou o escritório
oficial do Cientista-Chefe,
divisão responsável por conectar
— e capitalizar — iniciativas
de universidades e empresas
com demandas de mercado.
As universidades funcionam
como celeiros de novos talentos
para as empresas. A maioria das
instituições tem programas de
empreendedorismo, incubadoras
e parcerias com centros de
pesquisa. O período no exército
faz com que os estudantes
sejam pelo menos três anos
mais velhos do que a média
global — o que contribui para que
eles encarem oportunidades de
negócio com mais naturalidade.
47%
JERUSALÉM
JÁ TIVERAM OUTROS
NEGÓCIOS
FAIXA DE GAZA
78,9%
MAR MORTO
TÊM ENSINO SUPERIOR
40%
EMPREENDEDORES
TÊM MESTRADO OU PHD
89%
EGITO
TÊM HABILIDADES TÉCNICAS
9H42M
É A JORNADA MÉDIA
DE TRABALHO
US$ 47.500
É O PRÓ-LABORE
MÉDIO ANUAL DOS
EMPREENDEDORES
GOLFO DE
ÁCABA
FONTES: Central Bureau of Statistics of Israel e CIA – The World Factbook
54 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014
Rede de apoio
13%
MORARAM NO
VALE DO SILÍCIO
CENTROS DE P&D
Atraídas pelo ambiente criado
pelo governo e pela qualidade
da mão de obra, grandes
corporações investem na
abertura de incubadoras e
centros de inovação. Microsoft,
Cisco, Apple e IBM estão entre
as empresas com iniciativas de
P&D no país. O investimento
privado no setor inspira novos
empreendedores e forma times
de colaboradores especializados.
FUNDOS DE INVESTIMENTO
A combinação entre fundadores
capacitados, ideias criativas e
incentivos públicos aumenta o
interesse de investidores e fundos
internacionais. O acesso ao
capital de risco — potencializado
por uma cultura de IPOs — é
essencial para executar e escalar
projetos de inovação locais.
FONTES: Startup Genome/Telefónica - Startup Ecosystem Report
Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 55
ESPECIAL
Israel
quanto o Vale do Silício, nos Estados Unidos. Warner, um advogado que trocou a
sisuda carreira de direito corporativo pelo glamour das startups “telavivi”, parece
convencido de que apenas assim a cidade
vai dar o salto qualitativo de que precisa.
“Estamos revendo a política de vistos. Só
teremos sucesso no futuro se nos conectarmos a outras culturas agora.” A exemplo de Warner, israelenses costumam falar com tamanha convicção sobre seus
sonhos que fica difícil duvidar de sua capacidade de realizá-los. Em hebraico, a essa autoconfiança, muitas vezes misturada
à insolência, audácia e rispidez, dá-se o nome de chutzpah. As doses variam de pessoa para pessoa, mas todo empreendedor
tem um pouco em seu caráter.
Em Israel, empreender é um verbo em
hyperlink. Abrir uma empresa é apenas um
de seus significados. Também quer dizer se
reinventar, ter atitude ou simplesmente erguer coisas do nada. Enquanto mostra os
encantos do bairro de Neve Tzedek aos brasileiros, Gabby Czertok, 34 anos, fundador
da Hydrospin, empresa que cria sistemas
inteligentes para monitorar o fluxo da água
nas redes de distribuição, lembra dos pioneiros. Quando as primeiras famílias de judeus chegaram, vindas da Polônia, há pouco mais de cem anos, Tel Aviv era apenas
um amontoado de dunas de areia. “E veja
só tudo o que construíram. Não é fantástico? O empreendedorismo faz parte da nossa história”, diz. Czertok é egresso da 8200,
a mítica unidade de elite das Forças de Defesa de Israel — responsável, entre outras tarefas, pelo rastreamento de terroristas. Servir nessa divisão equivale a ter um selo de
excelência no currículo pelo resto da vida.
O orgulho manifesto por Gabby e seus conterrâneos passa, obrigatoriamente, por fantásticas histórias de sobrevivência. O horror
recente do Holocausto — quando 6 milhões
de judeus foram assassinados — deixou cicatrizes irreparáveis. Por outro lado, forjou
personalidades aguerridas, apegadas ao presente e sem medo de fracassar. E não seriam
essas as qualidades imprescindíveis para o
sucesso de qualquer empresa? Nas páginas a
seguir, você vai entender por que Israel é, por
excelência, uma nação de empreendedores.
Ecossistema de negócios
Capital de risco
Os investimentos em inovação e a tradição
empreendedora dos israelenses colocam o país na
liderança do ranking mundial de startups per capita
O volume de investimentos nas startups do país não para de crescer. Em 2013, foi recorde
NÚMERO DE STARTUPS:
4.800
Com 1 startup
para cada
1.800 pessoas,
Israel tem o maior
índice mundial
de empreendedorismo per capita
O país ocupa
o 3º lugar no
ranking de
companhias
listadas na
NASDAQ —
atualmente,
são 69
empresas
Os investimentos
em pesquisa e
desenvolvimento
correspondem
a 4,7% do PIB
de Israel. No
Brasil, o índice
é de 0,59%
70
OUTROS
OPORTUNIDADE
19
DINHEIRO PARA INOVAÇÃO
VOLUME DE INVESTIMENTOS
EM STARTUPS NOS ÚLTIMOS
DEZ ANOS (EM BILHÕES)
2004
2005
2006
2007
2009
1,5
1,3
1,6
1,8
2013
38,5
26,9
15,4
CAPACITAÇÃO
DOS FUNDADORES
SISTEMA
DE EDUCAÇÃO
2008
2009
2010
2011
2012
2013
107 DIAS
22,5
21,3
19,7
16,5
10
3
7
BIOTECNOLOGIA
SOFTWARE
INTERNET
MÍDIA
SEMICONDUTORES
TECNOLOGIA
SUSTENTÁVEL
OUTROS
FONTES: Angel List Research Center/KPMG/IVC Research Center/KPMG/IVC Research Center/KPMG/Doing Business
Tel Aviv: na cola do Vale do Silício
LOCAL X GLOBAL
A MAIORIA DAS
EMPRESAS INVESTE
NO MERCADO
INTERNACIONAL (EM %)
A capital financeira do país é o segundo melhor lugar do mundo para abrir uma startup
60,6
TÊM CLIENTES DE
OUTROS PAÍSES
FOCO NO B2B
PÚBLICO-ALVO DAS
SOLUÇÕES CRIADAS
PELAS STARTUPS (EM %)
B2B
BIOTECNOLOGIA
EM ALTA
INVESTIMENTOS
POR SETOR (EM %)
CULTURA
EMPREENDEDORA
INVESTIMENTOS
EM PESQUISA E
DESENVOLVIMENTO
62,5
2007
BRASIL
*RECORDE HISTÓRICO
50
39,4
2006
2,1
1,9
2,3*
2012
TÊM APENAS
CLIENTES LOCAIS
2005
1,1
1,3
ISRAEL
14 DIAS
55
51
60
61
62
63
63
70
73
76*
2004
2,1
2011
REDE DE INCENTIVO
OS FATORES QUE MAIS
CONTRIBUEM PARA
O CRESCIMENTO DAS
STARTUPS (EM %)
BUROCRACIA: BRASIL X ISRAEL
TEMPO MÉDIO PARA ABRIR UMA EMPRESA
INTERESSE GLOBAL
CRESCIMENTO DOS APORTES
FEITOS POR INVESTIDORES
ESTRANGEIROS (EM %)
2008
2010
NECESSIDADE
37,5
CONSUMIDOR FINAL
FONTES: Israel Institute of Technology / Global Entrepreneurship Monitor (GEM) / Startup Genome/Telefônica - Startup Ecosystem Report
56 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014
No ano de 2013,
662 empresas
israelenses
receberam
aportes
financeiros
US$ 3,47 milhões
é o valor médio
das rodadas de
investimento
inicial
O ecossistema
local reúne
250 centros
de inovação
tecnológica
Apenas 5% das
soluções são
desenvolvidas por
equipes externas
11
MOTIVAÇÃO
EMPREENDEDORA
EMPREENDER É A
PRIMEIRA OPÇÃO
DA MAIORIA DOS
ISRAELENSES (EM %)
Existem 2.193
investidoresanjo em atividade
no país
1
RANKING
GERAL
PRESENÇA
DE STARTUPS
PERFORMANCE
DAS EMPRESAS
ACESSO
A CAPITAL
CULTURA
EMPREENDEDORA
CAPACIDADE
DOS FUNDADORES
REDE
DE APOIO
VALE DO SILÍCIO
VALE DO SILÍCIO
VALE DO SILÍCIO
VALE DO SILÍCIO
VALE DO SILÍCIO
VALE DO SILÍCIO
VALE DO SILÍCIO
LONDRES
2
TEL AVIV
TEL AVIV
LOS ANGELES
TEL AVIV
VANCOUVER
SEATTLE
3
LOS ANGELES
NOVA YORK
TORONTO
BOSTON
LONDRES
LOS ANGELES
TORONTO
4
SEATTLE
LOS ANGELES
PARIS
NOVA YORK
SANTIAGO
VANCOUVER
SEATTLE
5
NOVA YORK
SYDNEY
CHICAGO
LONDRES
SÃO PAULO
TEL AVIV
TEL AVIV
6
BOSTON
BOSTON
TORONTO
LOS ANGELES
SEATTLE
SYDNEY
PARIS
7
LONDRES
LONDRES
BOSTON
SEATTLE
BOSTON
BOSTON
CHICAGO
8
TORONTO
CHICAGO
NOVA YORK
CINGAPURA
NOVA YORK
CINGAPURA
BOSTON
9
VANCOUVER
SÃO PAULO
VANCOUVER
VANCOUVER
TEL AVIV
LONDRES
NOVA YORK
10
CHICAGO
BOSTON
LONDRES
SÃO PAULO
BANGALORE
TORONTO
MOSCOU
11
PARIS
WATERLOO
SANTIAGO
BERLIM
LOS ANGELES
MOSCOU
SÃO PAULO
12
SYDNEY
MELBOURNE
VANCOUVER
PARIS
NOVA YORK
SYDNEY
TEL AVIV
FONTES: Startup Ecosystem Report – pesquisa feita pela Telefónica e pelo projeto Startup Genome em 20 polos de startups, em 12 países. O número em cada categoria indica o lugar obtido no ranking
Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 57
ESPECIAL
Israel
CHOQUE CULTURAL
Empreendedor brasileiro +
investidor sabra: vai rolar?
UM PAÍS COM
NOVOS HORIZONTES
Os israelenses fazem das startups
e da inovação um estilo de vida
F
ORMADO EM ENGENHARIA ELÉTRICA PELA
Universidade Technion, o MIT do Oriente Médio, Yair
Shamir, 68 anos, hoje Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural de Israel, fez uma brilhante carreira militar
como piloto e comandante da Força Aérea. Depois de 25
anos, já com uma coleção de medalhas por sua atuação na
Guerra dos Seis Dias (1967) e na Primeira Guerra do Líbano (1982), ele deixou voluntariamente o Exército para se
dedicar ao mundo dos negócios. Na época, seu pai, o exprimeiro-ministro de Israel, Yitzhak Shamir, ficou meses
sem falar com o filho. Para ele, a perspectiva de enriquecimento jamais deveria se sobrepor ao prazer de servir a nação. Mas Yair sempre disse que sua escolha não tinha nada a ver com ambição financeira, e sim com um propósito,
o de promover a indústria do seu país. Conseguiu mais do
que isso. Entre seus inúmeros papéis como businessman,
todos bem-sucedidos, atuou como executivo, empreendedor e investidor. Quando deixou a cadeira de presidente
das Indústrias Aeroespaciais de Israel (IAI), em 2011, por
exemplo, a fabricante de jatos e aviões tinha alcançado lucro de US$ 94 milhões, ações lançadas em Bolsa e lugar de
destaque na produção de drones — bem antes que a aeronave não-tripulada virasse hit em todo o mundo.
Em pé no púlpito de uma das salas elegantes do
Knesset, o Parlamento de Israel, em Jerusalém, o calmo
Yair fala da passagem do tempo, e como os sonhos se renovam de uma geração para outra. “Dia desses, o mais
velho dos meus sete netos, que tem apenas 13 anos, me
perguntou: ‘Vovô, o que significa exit?’ Tive de arrumar
um modo de explicar a ele que esse era um novo jeito
de ficar rico. No fim do dia, quase todos os que lançam
58 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014
startups têm a intenção de fazer exit, ou seja, ser comprados por um grande grupo”, comenta ele, que permanece ativo no mundo dos negócios por meio do seu
fundo de private equity Catalyst, focado em empresas
inovadoras que têm por estratégia crescer em mercados emergentes, sem contar as inúmeras empresas onde atua como membro do Conselho Consultivo.
O discurso de Yair não parece conter um juízo de
valor, e ele prefere não entrar no arenoso território
das ideologias. Mas abre uma fresta para entender
por que “empresas” como os kibbutzim — que tanta importância tiveram na fundação de Israel, de clara inspiração socialista, e hoje pouco diferem de empresas capitalistas — estão atualmente perdendo espaço e importância para as startups.
Na Universidade Hebraica de Jerusalém, top 100 do
mundo no ranking do Financial Times, da qual saíram
cinco ganhadores do Prêmio Nobel, os professores de
MBA abrem suas aulas perguntando se todos conhecem o Waze. Os fundadores do aplicativo de trânsito vendido ao Google no ano passado por US$ 1,1 bilhão (veja matéria na página 64), Amir Shinar e Ehud
FOTO: ILAN SHACHAM/ GETTY IMAGES
PÔR DO SOL NO
MEDITERRÂNEO
A área portuária de Tel Aviv foi
revitalizada e hoje atrai dezenas
de startups de tecnologia
A obra: Nação Empreendedora —
O Milagre Econômico De Israel
E O Que Ele Nos Ensina
Autores: Dan Senor e Saul Singer.
Editora Évora, 308 páginas
Shabtai, reforçam as novas fileiras do clube dos milionários da tecnologia que inspiram admiração.
Essa onda, na verdade, começou em meados dos
anos 80. Do comitê de membros fundadores desse
clube faz parte, por exemplo, o atual prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, 55 anos, eleito no ano passado
como a 43-ª pessoa mais influente do país, segundo o
Jerusalem Post. Numa rota inversa à de Yair, Barkat
fez fortuna nos negócios antes de ingressar na política, desenvolvendo os primeiros programas antivírus
do mundo e investindo em empresas como a gigante Check Point, criadora do FireWall e avaliada hoje
em US$ 5 bilhões. Foi também em meados da década que Dan Tolkowsky, 93 anos, o vovô das startups,
fundou o Athena, o primeiro fundo a investir em pequenas empresas de tecnologia, que daria origem a
um dos mais vigorosos sistemas de financiamento de
negócios nascentes de todo o mundo. O movimento
ganharia ainda maior volume no início da década de
90, quando o governo criou o lendário fundo Yozma,
numa iniciativa liderada por Yagal Erlich, então Cientista-Chefe do país, e despejou US$ 100 milhões em
“Na bagagem da minha visita a Israel, trouxe uma lição fundamental: objetividade. Embora
os israelenses sejam informais
demais para uma pessoa como
eu, que valoriza o planejamento
e algum senso de hierarquia, a
franqueza extrema nos negócios
impressiona. Pude vivenciar a
chamada ‘chutzpah’ durante um jantar com os alunos de
MBA Executivo da Universidade Hebraica de Jerusalém. Estávamos sentados à mesa havia uns 15 minutos, quando um
rapaz se levantou subitamente da cadeira e pediu com certa
rispidez para que minha colega trocasse de lugar. Alon, sócio
de um fundo de venture capital* ,
tinha acabado de ouvir falar
da minha startup e queria ficar frente a frente comigo. Justo? Uma vez sentado, adotando
um tom entre objetivo e áspero,
ele começou a fazer perguntas
sobre o meu negócio. Não houve conversa jogada fora nem
procrastinação, tão típicas dos
brasileiros. O foco era na atratividade do negócio. Em minutos, marcamos uma nova reunião em um restaurante de Tel
Aviv, com os respectivos sócios.
Temos concepções diferentes
de estratégia e ainda estamos
em negociação. Pode ser que
não dê certo, mas valeu a pena aprender que, combinando objetividade e ‘chutzpah’,
é possível criar um ambiente
empreendedor bem mais dinâmico que o Brasil.”
Marcio Hamano, 35 anos, sóciofundador do qreservas, empresa de
sistemas de reservas e gestão para
pousadas e hostels.
* Os nomes foram mantidos em sigilo
a pedido do empreendedor
Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 59
ESPECIAL
Israel
1.
4.
O HOMEM QUE
DEU CRÉDITO
AO SONHO
DO WAZE
5.
2.
EM PAZ
COM A VIDA
Jovens em
momento de
descontração
na sede da startup
WIX (veja no
quadro abaixo),
onde quase tudo é
permitido: (1) os
funcionários
podem tocar seu
instrumento
predileto no meio
do expediente,
(2) praticar
ioga todas as
manhãs no rooftop
(3) e até mesmo
levar seu cãozinho.
Mas a equipe
tem de combinar
uma agenda: só
entra um por
dia. (4) A
descontração dá
o tom nas zonas
próximas ao porto,
onde ninguém
tem medo de
abrir o laptop
e trabalhar, às
vezes, pela
madrugada afora.
(5) A moderna
aceleradora
da Nielsen, que
tenta atrair
novos talentos
pelo país.
3.
startups, como aval para os investidores estrangeiros.
Na mesma década, Israel recebeu 1 milhão de russos,
que chegaram logo após a quebra da ex-URSS. Um em
cada três deles era engenheiro ou técnico.
Israelenses têm, de fato, uma cabeça pragmática. Nada afeitos à hierarquia e burocracias de qualquer espécie, adotam modelos simples quando o assunto é transferência de tecnologia. Na Universidade Hebraica de Jerusalém, quem cuida dessa tarefa
é uma empresa criada justamente com essa finalidade, a Yussum. Orientado para a cooperação com
empresas privadas, nacionais e internacionais de diferentes tamanhos, o país ocupa hoje o oitavo lugar
no ranking que considera a cooperação entre empresas e universidades. A pesquisa é aberta e existem
laboratórios privados nas principais universidades e centros de pesquisa. Até mesmo os professores são avaliados não apenas por seus papers, mas
também pelo número de patentes e de startups
criadas pelos alunos. “Temos setores jurídicos e
de marketing que trabalham para transformar inovações acadêmicas em produtos comerciais. Em
apenas cinco anos, contabilizamos 480 invenções,
850 pedidos de patente, sendo que 600 foram concedidos e 30 empresas foram estabelecidas”, diz o
vice-reitor da Universidade Technion, Paul Feigin.
Para Inbal Arieli, 38 anos, fundadora da Gammado,
que ela denomina de “incubadora de elite”, devido
ao extremo rigor na escolha das empresas, a cultura de inovação e empreendedorismo dos israelenses
começa bem antes de eles chegarem ao Exército
ou à universidade. Para sustentar sua tese, usa a
própria família como exemplo. Contrapõe uma foto onde aparecem a avó centenária, sobrevivente
dos campos de concentração nazistas, crianças em
desalinho e outros parentes em poses descontraídas, jogados no chão, à outra, de uma comportada
família suíça, onde todos estão sérios e sentados.
Em outra sequência, seus filhos pequenos surgem
literalmente brincando com fogo, e adolescentes
parecem se divertir em brinquedos inventados por
eles mesmos em um acampamento. “Nós educamos pessoas independentes, mas que têm um forte
senso de colaboração. Não somos tão bons em detalhes, mas somos ótimos para criar um ambiente
inovador,” afirma Inbal, que durante o serviço militar serviu na unidade de inteligência 8200, a qual até
hoje é ligada pelo programa de capacitação em empreendedorismo e inovação criado pelos veteranos.
O discurso familiar de Inbal guarda um dos pontoschave da forte cultura empreendedora do país. Ao mesmo tempo que estimulam a tomada de risco, em um
saudável jogo de erros e tentativas, os israelenses não
punem nem estigmatizam quem fracassa. Experiências malsucedidas podem até contar pontos no currículo: arriscar faz parte do mindset da sociedade.
O gosto pelo caos criativo, contudo, tem lá suas
desvantagens. Como sobra opinião e falta hierarquia,
as empresas encontram mais dificuldades em criar e
seguir processos, vitais para grandes organizações.
Yahal Zilka,
partner da
Magma Ventures,
um dos primeiros
fundos a investir
no Waze, conta
que atualmente
analisa, em
média, 600
projetos por mês.
Seu portfólio,
contudo, não
conta mais de 25
empresas. “Meu
critério de seleção
é simples: time,
tecnologia e
expertise. Mas
quando os
garotos do Waze
chegaram até
mim, o que mais
me chamou a
atenção foi a
simplicidade. Eles
só queriam ajudar
as pessoas a
fazer os próprios
mapas dos
lugares por onde
passavam”, diz.
DE ISRAEL PARA O MUNDO
Da biotecnologia à segurança de redes,
conheça 11 startups israelenses que cresceram
e se destacam no mercado internacional
60 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014
www.wix.com
www.checkpoint.com
www.carambo.la
www.amdocs.com
www.viber.com
USADO POR MAIS
DE 40 MILHÕES DE
PESSOAS, o sistema
de construção de sites
captou US$ 122 milhões
em sua estreia na
NASDAQ, em novembro
passado. Depois do IPO
— o maior já registrado
por uma startup
israelense — o serviço
passou a ser avaliado
em US$ 750 milhões
AS SOLUÇÕES DE
SEGURANÇA VIRTUAL da
empresa são desenvolvidas
por ex-militares e adotadas
por governos e corporações
do mundo inteiro — a base
atual é de aproximadamente
100 mil clientes. A equipe
de 2.900 funcionários está
dividida entre os escritórios
de Tel Aviv e de San Carlos
(Califórnia, EUA). Em 2013,
faturou US$ 1,3 bilhão.
PARTICIPANTE DO PROGRAMA
da aceleradora 8200 EISP,
criou uma plataforma de
conteúdo patrocinado
para vídeos online. Voltada
para dispositivos móveis,
computadores e smart TVs,
a tecnologia atraiu o interesse
dos fundos Rutledge Vine
Capital, Plus Ventures e
Explore, que investiram
US$ 1 milhão na startup
em julho de 2013.
A DESENVOLVEDORA DE
SOFTWARE para o setor de
telefonia é um dos maiores
e mais antigos cases de
sucesso de Israel. Fundada
em 1982, fatura US$ 3,3
bilhões por ano e atua em 70
países. Entre os seus clientes,
estão empresas como AT&T,
Vodafone e Nextel. Em 2012,
inaugurou um centro de
inovação em São Carlos, no
interior paulista.
COM 300 MILHÕES de
usuários — 10 milhões deles
no Brasil —, o aplicativo é
um dos protagonistas do
mercado de mensageiros
virtuais. Em fevereiro, foi
comprado pela gigante
Rakuten, por US$ 900
milhões. No mesmo mês,
o fundador Talmon Marco,
40 anos, esteve no país e
anunciou a abertura de
um escritório em São Paulo.
WIX
CHECKPOINT
CARAMBOLA
FOTOS: DIVULGAÇÃO
AMDOCS
VIBER
Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 61
ESPECIAL
Israel
“NOSSOS ESTUDANTES JOGAM O JOGO DA VIDA REAL”
Pontes entre o mundo acadêmico e o mercado fazem com que ideias
inovadoras se transformem em projetos atraentes para investidores
Sheizaf Rafaeli
QUEM É: Diretor do Centro de Pesquisas em Internet
da Escola de Negócios da Universidade de Haifa
TERRA DE
GIGANTES
Multinacionais
de tecnologia,
como o Google
(à esq.) e a Intel
(à dir.) mantêm
importantes
centros de
pesquisa e
desenvolvimento
na área apelidada
de Silicon Wadi.
As empresas
sabem que vão
contar com
mão de obra
qualificada e
com o apoio do
governo e das
universidades
Um desafio para o governo, nos próximos anos, será o de alocar os dois grupos populacionais que mais
crescem no país, e caminham à margem da indústria
de tecnologia: os árabes-israelenses e os judeus ultraortodoxos, que têm importantes lacunas de formação em disciplinas como ciências e inglês.
Mas a passagem compulsória pelas Forças Armadas,
de três anos para os homens e dois para as mulheres,
ainda é considerada a melhor escola de empreendedorismo. “O Exército é uma excelente preparação para quem quer montar uma empresa. É onde aprendemos a lidar com pressão e a tomar decisões rápidas”,
diz Avner Valkany, piloto que ficou famoso depois de
desobedecer seu comandante e promover uma fuga
cinematográfica durante os conflitos no Líbano, em
2006 — mais tarde, viraria personagem de um livro escrito por Dan Senor e Saul Singer, Nação Empreende­
dora. O empreendedor Yuval Susskind, fundador da
empresa de energia solar Aora, 43 anos, acrescenta mais
uma vantagem: “Aqui, não precisamos do LinkedIn.
Todo mundo conhece todo mundo e, por isso, criamos
fortes laços de confiança”, diz, brincando. Segundo ele,
a teoria dos seis graus de separação entre pessoas não
funciona por ali: “Aqui, é só um e meio”. A verdade é
que, em Israel, os empreendedores são todos um.
* A jornalista viajou a Israel com o apoio da FGV (Fundação Getulio Vargas), da Universidade Hebraica de Jerusalém e da Conib (Confederação Israelita do Brasil)
Como funciona o ecossistema
de inovação em Israel?
Inovadores e inventores trabalham em todas as áreas de conhecimento. Alguns são funcionários
de grandes empresas, nas áreas
de defesa, agricultura e farmácia,
por exemplo. Inovações nessas
áreas exigem grandes laboratórios, regulação e esforços. E nós
temos tudo isso. Temos também
muitos “inovadores de garagem”,
gente da área de tecnologia que
faz progressos relevantes mesmo
com pouco capital.
Como o governo facilita o processo?
Existe um gigantesco esforço
do governo em criar demanda,
além de financiar e monitorar
o trabalho das grandes indústrias e de suas inovações. No
passado, o governo foi também
o maior empregador do país em
alguns setores da economia, e
ainda hoje é um dos maiores
clientes das empresas.
Os estudantes israelenses chegam
mais tarde à universidade. Isso é
uma vantagem ou desvantagem?
Sim, eles chegam mais velhos
à universidade, cerca de quatro ou cinco anos, em comparação a outros países. Mas ainda em tempo de serem permeáveis a novas ideias e assumir
uma postura investigativa. As
universidades funcionam como aceleradoras para novas
mentes, hothouses que estimulam a inovação. Em Israel, os
estudantes jogam o jogo da vida real, e não apenas o acadêmico. Todas as universidades
contam com as chamadas unidades de transferência de conhecimento. E todas têm programas bem estruturados de
inovação e de empreendedorismo. É esse triângulo, que em
um vértice tem os inovadores,
no outro os subsídios e as poLEIA MAIS
líticas encorajadoras do goveranálises sobre
no, e no terceiro os esforços da Israel e informações
academia, que beneficia todo
para quem tem
o mercado e atrai os investidoa intenção de
res. Dessa forma, todos os enfazer negócios
volvidos no ecossistema cono país em
lhem bons frutos.
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DEPOIS DE SER COMPRADA
por US$ 800 milhões pela
IBM, a startup de segurança
digital transferiu suas
operações para Boston, nos
Estados Unidos, em setembro
de 2013. Os produtos da
empresa incluem soluções
para o consumidor final e
para o mercado B2B, como
programas antivírus, prevenção
a ataques de hackers e gestão
de fraude para o varejo.
PLATAFORMA DE
DESENVOLVIMENTO de
aplicativos para pequenos
e médios empreendedores.
Nos últimos sete anos, levantou
US$ 110 milhões em fundos
e bancos de investimento
americanos — o valor de
mercado da empresa é de
aproximadamente US$ 1,5
bilhão. Atualmente, os apps
criados pelo sistema são usados
por 250 milhões de pessoas.
REPRESENTANTE DA
NOVA geração israelense de
biotecnologia, desenvolve
nanopartículas para
combater doenças como
Aids e hepatite. Ainda em
fase de desenvolvimento
— os primeiros testes em
pacientes devem acontecer
apenas em 2018 —,
o tratamento combate
os vírus antes que atinjam
as células humanas.
O APLICATIVO MONITORA,
protege e melhora o
desempenho de planos
de dados para usuários
de smartphones. Em
novembro, foi comprado
por US$ 120 milhões
pelo Facebook. Além de
implementar o programa
em sua estratégia mobile,
a rede social aproveitou
a aquisição para inaugurar
um escritório em Tel Aviv.
A TECNOLOGIA CRIADA
pela ScaleiO melhora
o desempenho de
servidores e facilita a
transferência de dados
na nuvem. Em junho
de 2013, teve a sua
operação incorporada
pela EMC, gigante
americana de cloudcomputing. O valor da
transação foi estimado
em US$ 250 milhões.
O MARKETPLACE de
serviços ficou famoso
por reunir ofertas de
apenas US$ 5. Em 2012,
recebeu um aporte
de US$ 15 milhões
dos fundos Accel e
Bessemer Venture
Partners. O dinheiro foi
aplicado na expansão
internacional — hoje,
o site reúne usuários
de 200 países.
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62 pequenas empresas & grandes negócios Março, 2014
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FOTOS: XINHUA NEWS AGENCY / EYEVINE/ OTHER E DIVULGAÇÃO
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Março, 2014 pequenas empresas & grandes negócios 63
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Israel, uma nova nação de empreendedores