1 - Estátua de José Estêvão em frente ao Palácio de São Bento
Alberto Carlos Lima
Início do século XIX
Arquivo Municipal de Lisboa — Arquivo Fotográfico: A14178
“José Estêvão Coelho de Magalhães é uma personagem histórica de homem público
que fascina, à partida, qualquer observador pelas múltiplas facetas da sua personalidade.
Revolucionário, militar, parlamentar, jornalista, advogado, professor, mação e
filantropo, a sua presença em todas as áreas da actividade nacional marcou, de forma
indelével a primeira metade do século XIX português com a qual tende a confundir-se.
Ninguém, melhor do que ele, traduziu as contradições e os conflitos de um período tão
complexo onde a realidade se esconde, muitas vezes, perante leituras simplistas e
apressadas em que as ideologias predominam. Na verdade, os jogos políticos não nos
permitem ver, sempre com claridade, a sociedade para além das máscaras do poder.
Neste ambiente José Estêvão surge-nos como a importante anomalia e sinal de
provocação, ou de escândalo, na luta pela transparência e honestidade políticas. A
rebeldia está já presente no seu nome de baptismo: Estêvão - o mártir cristão lapidado
pelo escândalo provocado entre as autoridades do Templo - e Pórcio - nome mação e
símbolo de rectidão oratória - retirado da História de Roma. Rebeldia política, mas não
familiar, pois não existiu alguém mais fiel aos seus entes queridos, quer se trate do pai,
dos irmãos, dos filhos, ou da mulher. Assim sendo, a sua rebelião voltava-se contra as
injustiças de uma sociedade, ainda muito marcada pelos estigmas do absolutismo
português, dos princípios de oitocentos. A rigidez das estruturas sociais e políticas do
passado não eram compagináveis com as necessidades da liberdade do novo século.
Nesta perspectiva, o presente Catálogo não podia deixar de focar os aspectos
dramáticos da sua formação, nas cidades beirãs de Aveiro e Coimbra, permitindo
simultaneamente
percepcionar o seu universo
familiar e mental. Contudo,
a evolução política nacional
neste
período
não
é
esquecida,
pois
a
experiência
falhada
do
vintismo e do primeiro
cartismo dos anos vinte,
não lhe foi indiferente,
tendo
participado
activamente nas primeiras
lutas civis e militares dessa
época.
No entanto, o exílio e a
Guerra Civil de 1828-1834,
confrontando-o
enorme
combates
2 - José Estêvão Coelho de Magalhães
José Maria Sales
Óleo sobre tela
Escola Secundária José Estêvão de Aveiro
com
sofrimento
e
das
o
dos
perdas
humanas militares e civis,
dar-lhe-ão um novo élan
que permitem compreender o papel dinâmico, embora moderador, que desempenha
durante o Setembrismo onde se estreia como brilhante orador parlamentar. O
radicalismo político que o move não o impede de travar qualquer tentativa de pressão
militar de esquerda, ou de direita, sobre as Cortes porque as considera o pilar
indestrutível da liberdade e do governo representativo. A profunda desilusão com o
manietamento ou silenciamento progressivo das Cortes durante os anos de vigência da
Constituição de 1838 (1838-1842) e dos primórdios do cabralismo conduzem-no à luta
revolucionária (Revolta de Torres Novas e Almeida) e ao exílio em França em 1844. A
revolta da Maria da Fonte (1846), a Patuleia (1847) e a conspiração das Hidras (1848)
testemunham as últimas tentativas revolucionárias de institucionalizar um governo
parlamentar e democrático em Portugal. A tolerância e abertura de espírito de José
Estêvão e a capacidade de compreender os problemas da modernidade e da
modernização do país explicam a adesão à Regeneração e a ruptura com uma esquerda
tradicional, incapaz de compreender as dinâmicas do progresso oitocentista. Ruptura
que nunca entenderá como definitiva, mas apenas como um compasso de espera,
necessário para obter um consenso alargado, que viabilize a materialização do programa
dos
melhoramentos
materiais
fontista.
Na
verdade,
a
conclusão
ou
bom
encaminhamento deste processo, a partir dos anos de 1859-1860, não o deixam
acomodado mas exigente face aos históricos e aos regeneradores, na senda de uma nova
Regeneração, que dinamize o processo de mudança e modernização aparentemente
estagnado. Daí a insistência numa reforma geral do estado e das instituições e a
identificação com um anticlericalimo de ocasião motivador da unidade da opinião
liberal do país. O fascínio da sua personalidade junto dos seus familiares, amigos,
conterrâneos e do povo em geral de Lisboa e Aveiro perpetuam a sua memória,
unanimamente festejada por homens públicos dos mais diversos quadrantes e regimes
políticos desde 1862 até à actualidade.”
Texto de Júlio Rodrigues da Silva
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