Da arte em Lukács e Vigotski à natureza do trabalho educativo na pedagogia
histórico-crítica
Art in Lukács and Vygotsky to nature of educational work in historical-critical
pedagogy
Arte en Lukács Vygotski y la naturaleza del trabajo docente en la pedagogía históricocrítica
Mariana de Cássia Assumpção1
Newton Duarte2
Eixo temático: 9. Pesquisa, Artes, Mídias e Educação.
Resumo: O objetivo deste estudo foi analisar como a educação escolar, em geral, e a
educação estética, em particular, colaboram para a formação humana e para o processo de
construção da consciência de classe com vistas à superação da sociedade capitalista.
Tratou-se de um estudo teórico que utilizou a técnica de pesquisa bibliográfica, na qual
analisamos o legado estético de György Lukács e Lev Vigotski procurando evidenciar a
relevância da educação estética para a humanização e sensibilização dos indivíduos. Os
resultados apontam que as contribuições no campo estético permitem estabelecer estreitas
relações com os pressupostos educacionais defendidos pela pedagogia histórico-crítica, em
especial aqueles que reforçam a natureza e a especificidade do trabalho educativo.
Palavras-chave: Arte. Educação. Pedagogia histórico-crítica.
Abstract: The aim of this study was to analyze how education in general, and aesthetic
education, in particular, facilitate human development and the process of construction of
class consciousness in overcoming of capitalist society. This was a theoretical study using
the technique of literature, in which we analyze the aesthetic legacy of György Lukács and
Lev Vygotsky seeking to demonstrate the relevance of aesthetic education and awareness
for the humanization of individuals. The results indicate that the contributions in the aesthetic
field allow us to establish close relationships with educational assumptions espoused by the
historical-critical pedagogy, particularly those that reinforce the nature and specificity of the
educational work.
Keywords: Art. Education. Historical-critical pedagogy.
1
Mestranda em Educação Escolar UNESP/Araraquara. Bolsista CAPES.
[email protected]
2
Professor titular da UNESP/Araraquara. [email protected]
2 Resumen: El objetivo de este estudio fue analizar cómo la educación en general, y la
educación estética, en particular, facilitar el desarrollo humano y el proceso de construcción
de la conciencia de clase en la superación de la sociedad capitalista. Este fue un estudio
teórico utilizando la técnica de la literatura, en la que se analiza el legado estético de György
Lukács y Lev Vygotski tratar de demostrar la relevancia de la educación estética y la
conciencia para la humanización de las personas. Los resultados indican que las
contribuciones en el campo de la estética nos permiten establecer una estrecha relación con
los supuestos educativos adoptados por la pedagogía histórico-crítico, en particular las que
refuerzan la naturaleza y especificidad de la labor educativa.
Palabras clave: Arte. Educación. Pedagogía histórico-crítica.
A arte em Lukács e Vigotski
Lukács (1966a, 1966b, 1967a, 1967b) analisa a arte como um modo específico de
reflexo da realidade objetiva. A maneira estética de reflexo da realidade objetiva foi
denominada, pelo estudioso húngaro, como mimese, palavra esta, de origem grega,
[mímesis], que etimologicamente significa imitação. Embora a arte seja uma forma de
reflexo que, portanto, “imita” a realidade, não se deve concluir daí que a arte se restringe a
reproduzir a realidade de forma mecânica, passiva ou natural, tal como ela aparece de
imediato aos indivíduos imersos no cotidiano.
No materialismo histórico-dialético a categoria de mimese significa uma reprodução
da realidade concreta em sua forma mais plena, isto é, em sua essência. Aparentemente a
arte trabalha apenas com a aparência, mas por trabalhar a aparência dando-lhe uma forma
artística adequada ao conteúdo humano a ser refletido, o jogo de aparências transforma-se
no seu oposto, ou seja, há o desvelamento da essência. Lukács (1966b, p. 216) ressalta que
o fato da arte ser um reflexo mimético da realidade significa que ela se volta
necessariamente à vida dos seres humanos, esforçando-se para despertar a totalidade
humana e provocar uma compreensão mais ampla e enriquecida da prática social.
A função da arte é revelar a vida como fruto do trabalho humano. Por isso, faz-se
necessário investigá-la como uma vivência objetiva da qual se pode captar a realidade como
produto da atividade humana. Desdobra-se, assim, que as obras de arte caracterizam-se
como uma esfera antropomórfica e imanente de objetivação do gênero humano.
Lukács (1966a) ressalva que as objetivações mais evoluídas, com destaque para a
arte e a ciência, surgiram em decorrência das demandas sociais. Porém, estas objetivações
foram historicamente se diferenciando de sua base comum, tornando-se esferas autônomas
uma vez que alcançaram uma forma mais pura de reflexo da realidade. Esse processo de
paulatino distanciamento das objetivações em relação à vida cotidiana é, sobretudo,
3 momentâneo, haja vista que, depois de apreender os fenômenos do real de modo mais
fidedigno, as objetivações ou, ao menos, suas consequências, retornam ao seu ponto de
partida, isto é, voltam novamente à vida, enriquecendo-a.
Lukács (1966a) afirma que não só a estética, mas as objetivações mais
desenvolvidas em geral são produtos tardios da história humana. Ademais, o que se
constituiu como um dos pontos mais importantes de sua investigação foi a tentativa de
entender como os aspectos da vida cotidiana retratados nas obras de arte levam os
indivíduos a uma reflexão mais acurada e, sobretudo, mais crítica sobre a vida da
humanidade.
Em outras palavras, ao acentuar os aspectos aparentes da relação entre os seres
humanos e destes com a sociedade, a obra de arte faz com que o sujeito ultrapasse o nível
do seu ser tomado individualmente, aproximando o homem singular ao indivíduo genérico3.
A peculiaridade do estético está na dialética entre aparência e essência.
A especificidade do reflexo artístico da realidade é a representação dessa
relação recíproca entre fenômeno e essência, representação que faz surgir
diante de nós, porém, um mundo que parece composto apenas de
fenômenos, mas de fenômenos tais que, sem perderem sua forma
fenomênica, seu caráter de “superfície fugida”, aliás precisamente mediante
sua intensificação sensível em todos seus momentos de movimento e de
imobilidade, permitem sempre que se perceba a essencialidade imanente
do fenômeno (LUKÁCS, 1970, p. 206).
A arte, em certo sentido, reconstrói a heterogeneidade cotidiana apresentando-a
não em seu aspecto indiferente em-si, mas como uma unidade homogênea e sensível que
busca se tornar um para-nós. Nota-se que a reelaboração será, de fato, estética se produzir
no indivíduo receptor e criador um confronto com aspectos alienantes da cotidianidade,
provocando uma elevação dessas subjetividades à autoconsciência do gênero humano.
A arte também contribui para a compreensão das diferenças entre o mundo artístico
e o mundo cotidiano, já que ela:
[...] reflete a realidade, mas de um modo próprio. Com os seus recursos, ela
apresenta uma reprodução fiel da realidade, mais rica do que aquela vivida
e sentida pelo homem imerso na vida cotidiana. A partir dessa
3
Adotamos a análise de Heller (1977), na qual o termo homem singular se refere a toda e qualquer
pessoa e o termo indivíduo se refere àquele que tem condições objetivas e subjetivas de vida que lhe
permite superar o centramente na particularidade, em direção a uma relação consciente com o
gênero humano.
4 diferenciação, Lukács insiste no papel educativo da arte, sua capacidade de
enriquecer a visão de realidade que se encontra fragmentada na
cotidianidade (FREDERICO, 2005, p. 87).
A esfera estética deve ser entendida como um reflexo que está condicionado ao
aqui e agora4 histórico e, ao mesmo tempo, encerra uma totalidade com características e
leis singulares. Uma obra literária, por exemplo, é construída a partir de uma unidade de
tempo, ação e lugar, ou seja, ela deve possuir um enredo único, com personagens que
passam por emoções específicas e cujos movimentos desencadeiam situações também
peculiares.
O efeito da obra se dá em termos das relações entre a subjetividade dos indivíduos
e sua condição de pertencimento ao gênero humano e, nesse sentido, a obra artística pode
influenciar a vida cotidiana, porém, de modo indireto. Apesar de não se verificarem de
imediato, os efeitos estéticos ocorrem e são, sobretudo, humanizadores e enriquecedores
da visão de mundo dos indivíduos.
Lukács (1970, p. 216) afirma que a influência de uma obra de arte “[...] depende da
maior ou menor justeza e força compreensiva com as quais é refletida a realidade, da
profundidade e da paixão com as quais é captado o essencialmente novo, com as quais é
captado o conteúdo ideal”. Seguindo esse raciocínio, ele defende que, apesar de estarem
cronologicamente distantes, as obras de arte genuínas, por meio das contradições que
suscitam e pela força evocativa, fazem os seres humanos reviverem:
[...] o presente e o passado da humanidade, as perspectivas de seu
desenvolvimento futuro, mas os revivem não como fatos exteriores, cujo
conhecimento pode ser mais ou menos importante, e sim como algo
essencial para a própria vida, como momento importante também para a
própria existência individual (LUKÁCS, 1970, p. 268-269).
Nota-se que na concepção lukacsiana tem lugar de destaque o processo de
desfetichização dos seres humanos, uma vez que o objeto estético deve promover uma
“sacudida” na subjetividade. Pela percepção do conteúdo e da forma artísticos o passado se
faz presente, o receptor consegue interpretar a obra de arte suplantando o fetichismo
generalizado na vida cotidiana alienada (DUARTE, 2009). O processo no qual a
personalidade do sujeito alcança um patamar mais desenvolvido, aproximando-se da
autoconsciência do gênero humano é chamado de catarse, termo de origem grega
[kátharsis] que etimologicamente significa purgação, purificação.
4
Do latim hic et nunc.
5 Lukács analisa a catarse como um processo, ao mesmo tempo, estético e ético que
caracteriza o efeito da obra de arte sobre o indivíduo. Nesse sentido, ele mostra que para
alcançá-la é preciso: “[...] se elevar acima de sua singularidade, ao menos enquanto dure
sua relação com um mundo com a representação estética do mundo real” (LUKÁCS, 1967b,
p. 476). Adiante, Lukács sintetiza os traços essenciais do conceito de catarse destacando
que se trata de: “[...] uma ruptura da imagem cotidiana de mundo, das ideias e dos
sentimentos costumeiros relativos aos homens, aos seus destinos, aos motivos que os
movem: porém uma ruptura que reconduz a um mundo melhor entendido” (LUKÁCS, 1967b,
p. 571).
Celso Frederico ao estudar o conceito de catarse em Lukács nos traz reflexões
interessantes, especialmente quando diz que:
A arte e a ciência são formas desenvolvidas de reflexo, de recepção, da
realidade objetiva na consciência dos homens. Elas se constituem
lentamente
e
durante
a
evolução
histórica
e
se
diferenciam
incessantemente. Lukács privilegia a ciência e a arte como formas puras de
reflexo, mas entre elas, num fecundo ponto médio, localiza o reflexo próprio
da vida cotidiana (a consciência do homem comum). A vida cotidiana é o
ponto de partida e o ponto de chegada: é dela que provém a necessidade
de o homem objetivar-se, ir além de seus limites habituais; e é para a vida
cotidiana que retornam os produtos de suas objetivações. Com isso, a vida
social dos homens é permanentemente enriquecida com as aquisições
advindas das conquistas da arte e da ciência (FREDERICO, 2000, p. 303).
A catarse seria o ponto máximo em que a criação e a recepção artística podem
chegar, é o momento no qual o indivíduo dá um salto na apreensão da realidade em seus
processos essenciais. É preciso que o indivíduo, muitas vezes, se aproprie de várias obras
para que ao longo do tempo ele possa analisar a realidade de forma mais fidedigna,
penetrando até as raízes dos problemas da prática social. Ou seja, faz-se imprescindível a
educação dos indivíduos.
Para Vigotski (1999) a arte seria uma técnica criada pelo ser humano para dar uma
existência social objetiva aos sentimentos, possibilitando que os indivíduos se relacionem
com esses sentimentos como um objeto, como algo externo. Ademais, Vigotski (1999, p.
310) considera que desde sua gênese histórica, a partir da atividade de trabalho e produção
das condições materiais da existência humana, até as formas mais desenvolvidas da prática
social, a arte possui uma função que vai muito além de comunicar sentimentos. Para ele, a
arte é uma técnica criada pelos seres humanos para objetivar os sentimentos. Ou seja, na
6 recepção e criação artísticas o indivíduo entra em contato com os sentimentos que
ultrapassam as experiências pessoais e se lançam ao gênero humano:
Segundo Vigotski:
[...] a arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade
através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e
pessoais do nosso ser. Seria mais correto dizer que o sentimento não se
torna social mas, ao contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós
vivencia uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isto deixar de
continuar social (idem, p. 315).
Vigotski (1999) evidencia o caráter histórico-social dos sentimentos, destacando
que o seu percurso vai do social ao individual. Em outros termos, a apropriação dos objetos
estéticos é uma das formas pelas quais os sentidos e sentimentos construídos pela
humanidade se tornam individuais.
Nessa perspectiva, a arte não se limita a reproduzir a vida cotidiana de forma
mecânica e superficial. Ela tem como ponto da partida as demandas da vida cotidiana, o seu
material é extraído, pois, da vida dos indivíduos. Entretanto, a arte implica uma
transformação qualitativa dos aspectos encontrados no cotidiano, ou melhor, a obra de arte
implica:
[...] algo que transforma, que supera o sentimento comum, e aquele mesmo
medo, aquela mesma dor, aquela mesma inquietação, quando suscitados
pela arte, implicam o algo a mais acima daquilo que nelas está contido. E
este algo supera esses sentimentos, elimina esses sentimentos, transforma
a sua água em vinho, e assim se realiza a mais importante missão da arte
(idem, p. 307).
Diante do exposto, pode-se afirmar que não cabe à arte meramente reproduzir os
eventos tal como eles ocorrem na cotidianidade dos indivíduos, mas sim provocar
transformações subjetivas profundas por meio de vivências estéticas que sintetizem o
caráter social da subjetividade humana. Vale frisar que a arte integra-se à vida na medida
em que todo o seu material é extraído do conjunto das relações humanas e seus efeitos
retornam, por assim dizer, à vida dos indivíduos. Contudo, uma característica elementar às
obras de arte consiste na transformação do material recolhido da vida em algo novo, pois
“[...] a arte recolhe da vida o seu material mas produz acima desse material algo que ainda
não está nas propriedades desse material” (idem, p. 307-308).
7 Vê-se que da mesma forma que Lukács, Vigotski também afirmou, algumas
décadas antes5, que a arte parte da vida, dos conflitos humanos, mas se eleva, acarretando
uma transformação de ordem qualitativa para, então, retornar à vida e aos próprios
indivíduos.
Essa mudança, essa transformação que a arte produz é resultado da catarse. A
catarse é definida por Vigotski como a “[...] transformação das emoções, nessa
autocombustão, nessa reação explosiva que acarreta a descarga das emoções
imediatamente suscitadas” (idem, p. 272). Essa força de sentimentos é incorporada pelos
sujeitos em decorrência do processo catártico, gerando uma transformação subjetiva.
Segundo Vigotski (1999) a arte autêntica provoca uma contradição emocional,
suscita sentimentos opostos entre si, promovendo no indivíduo receptor uma espécie de
curto circuito. Deste ponto pode-se analisar a lei da reação estética que, na concepção
vigotskiana, “[...] encerra em si a emoção que se desenvolve em dois sentidos opostos e
encontra sua destruição no ponto culminante” (idem, p. 270).
Esse processo consiste, grosso modo, na superação de elementos “[...] do nosso
psiquismo que não encontram vazão na vida cotidiana [...]” (idem, 1999, p. 308) e das
contradições estabelecidas pelas forças sociais. Pode-se afirmar que a obra de arte
representa, sob uma configuração superada, transfigurada e solucionada, os processos que
constituem o psiquismo cotidiano. Vigotski defendeu que “[...] a obra de arte é um produto
sumamente complexo da elaboração dos elementos da realidade, de incorporação a essa
realidade de uma série de elementos inteiramente estranhos a ela” (idem, 1999, p. 329).
De acordo com Vigotski, a reação estética “[...] não é apenas uma descarga no
vazio, um tiro de festim, mas uma reação à obra de arte e um estimulante novo e fortíssimo
para posteriores atitudes” (idem, p. 318). Porém, essas atitudes posteriores não estão
ligadas a ações concretas, mas apenas purificam o nosso psiquismo “[...] revelando e
explodindo para a vida potencialidades imensas” (idem, p. 319).
Contribuições para a análise da natureza do trabalho educativo na pedagogia
histórico-crítica
A pedagogia histórico-crítica pode ser considerada, no contexto atual, como uma
pedagogia contra-hegemônica, pois se coloca a favor do ato de ensinar. Ancorando-se na
perspectiva marxista, essa teoria pedagógica entende a educação como um tipo de trabalho
não material, cuja função precípua, segundo Saviani (2008, p. 13) é: “[...] produzir direta e
5
Não há indicações de que Lukács tenha tomado contato com essa obra de Vigotski.
8 intencionalmente em cada indivíduo singular a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens”.
A pedagogia histórico-crítica situa a educação como um tipo específico de prática
social que pode vir a contribuir com o processo de revolução social, uma vez que promove a
transformação subjetiva dos indivíduos. Tal formação caracteriza-se, sobretudo, por um
movimento no qual o indivíduo passa de uma concepção de mundo baseada no senso
comum à ampliação da autoconsciência do gênero humano a partir da apropriação das
objetivações mais elaboradas já produzidas pela humanidade.
Nesse sentido, podemos fazer relações entre o legado estético de Lukács e
Vigotski e a concepção de educação escolar defendida pela pedagogia histórico-crítica,
pois, da mesma forma que no âmbito estético a função da arte é ampliar a consciência do
indivíduo, modificando qualitativamente a sua subjetividade, também a função da educação
reside nesse ponto, ou seja, ela não deve se reduzir a aspectos pragmáticos e imediatos.
Os conhecimentos artísticos, filosóficos e científicos ensinados na escola não têm uma
finalidade prática direta, contudo, precisam ser organizados para transformar a concepção
de mundo dos sujeitos. Trata-se do processo caracterizado por Saviani como passagem do
senso comum à consciência filosófica:
[...] a passagem do senso comum à consciência filosófica é necessária para
situar a educação numa perspectiva revolucionária. Com efeito, é essa a
única maneira de convertê-la em instrumento que possibilite aos membros
das camadas populares a passagem da condição de “classe em si” para a
condição de “classe para si”. Ora, sem a formação da consciência de classe
não existe organização e sem organização não é possível a transformação
revolucionária da sociedade (SAVIANI, 2007, p. 7).
É preciso ressaltar o fato de que esse é um movimento dialético, pois o senso
comum não será suplantado em definitivo. Porém, é a relação que se estabelece com ele
que precisa ser alterada qualitativamente, ou seja, deve-se partir de uma relação de
identificação direta para uma relação de crítica contínua. O movimento caracterizado por
Saviani, como passagem do senso comum à consciência filosófica, processo esse que não
é simples nem rápido, uma vez que implica: “[...] passar de uma concepção fragmentária,
incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma
concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada”
(idem, 2007, p. 3).
9 Considerações finais
Tendo essas considerações em vista, podemos entender os pressupostos que
balizaram a elaboração do método de ensino proposto por Saviani (2009) que, em linhas
gerais, é o mesmo que Marx (2011) empregou na análise da economia política a partir do
qual, para se atingir o concreto, é necessária a mediação das abstrações. Por essa razão é
que a pedagogia histórico-crítica afirma ser o papel da escola o de trabalhar com as
abstrações, distanciando os indivíduos, relativa e momentaneamente, da realidade imediata
em direção ao conhecimento objetivo da realidade. E, nesse sentido, Saviani (2009, p. 66)
conceitua a educação como uma “[...] atividade mediadora no seio da prática social global”,
sendo a prática social o “ponto de partida” e o “ponto de chegada” desta teoria pedagógica.
A pedagogia histórico-crítica não preconiza que os indivíduos fiquem presos às
abstrações e permaneçam afastados da realidade, pois isso configuraria um equívoco em
relação aos próprios conceitos marxianos. Essa teoria pedagógica defende que, por meio da
especificidade da educação, é possível se conhecer a realidade para, então, transformá-la,
na mesma direção em que Marx afirma que “[...] os filósofos apenas interpretaram o mundo
de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo” (MARX, 2007, p. 539).
Esperamos que a análise aqui apresentada possa trazer esclarecimentos acerca
dos pressupostos estéticos de György Lukács e Lev Vigotski, bem como possa evidenciar
que a natureza do trabalho educativo não é outra senão a de transformar, tal como a arte, a
concepção de mundo dos indivíduos. As relações que se dão entre arte e educação no
campo marxista são de suma importância para entendermos a complexidade do gênero
humano em sua totalidade e deve ser, pois, objeto permanente de estudo.
Referências
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