Carolina Eleonora de Oliveira Fava
PROFT em Revista
ISBN 978-85-65097-00-0
Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2013
Vol. 1, Nº 3 março de 2014
Carolina Eleonora de Oliveira Fava
Formanda em Letras com Pós Graduação no curso de Tradução e
Língua Inglesa na Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep
Professora de inglês no CF English Courses em Americana.
SAYAT-NOVA
–
TRADUÇÃO
DE
UM
POETA
SAYAT-NOVA – THE TRANSLATION OF A
POET
RESUMO
O presente trabalho constitui uma reflexão crítica acerca da tradução
inédita do roteiro de cinema de Sergie Paradjanov – A cor da Romã,
sobre o poeta Sayat-Nova. Com base no estudo crítico do autor e de
sua obra, nos conceitos teóricos sobre tradução domestica ou
estrangeirizada, assim como nos pressupostos teóricos acerca da
literatura, apresentaremos comentários que visam justificar nossas
escolhas de tradução. Nossos comentários focalizar-se-ão, sobretudo,
na problemática suscitada durante a reprodução das imagens e do
tom, os quais, a nosso ver, constituem a força expressiva de A Cor da
Romã.
Palavras-Chave: tradução, poética, Sergei Paradjanov, Sayat-Nova.
ABSTRACT
This article is a critical reflection about the unpublished
translation of the script of Sergei Paradjanov – The color of
pomegranate, about the poet Sayat-Nova. Based on a critical study
of the author and his work, and on theoretical concepts about the
domestication and foreignization of the translation theory, in
addition to the presupposed theories about the literature, we
show some comments whose aim is to justify our choices about
the translation. Our comments focus on the set of problems we
faced during the reproduction of images and tons, which, for us,
establish the expressive power of the The color of pomegranate.
Keywords: translation, poetry, Sergei Paradjanov, Sayat-Nova
Carolina Eleonora de Oliveira Fava
Contato:
[email protected]
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Carolina Eleonora de Oliveira Fava
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste numa reflexão teórica acerca das escolhas realizadas
durante o processo tradutório do roteiro de A cor da romã de Sergie Paradjanov.
Neste roteiro o autor conta a sua visão sobre a vida do poeta Sayat-Nova a partir da
junção de textos sobre o mesmo, que deu origem ao filme com o mesmo título anos depois. Este
filme foi muito criticado e censurado na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (Armênia),
por sua força poética e seu caráter altamente subjetivo.
A escolha desse texto se deve, primeiramente, por ser uma tradução inédita do diretor
armênio Sergei Paradjanov, que anteriormente havia somente em inglês e francês. Em segundo
lugar, para a complementação da tese de doutorado de Alan Victor Costa que trata desta obra.
E finalmente, por ter sido uma obra muito criticada e censurada no ano de 1969 ao por se
contrapor às propostas do realismo socialista.
Acreditamos ser sua tradução para o português um grande desafio para o tradutorpesquisador, pois o diretor ao escrever o roteiro, usou toda forma poética para isso, e no filme
ele conseguiu traduzir o poeta de forma visual e imagética, mais do que literária; assistindo ao
filme percebemos essa característica.
Para analisar a tradução, nos baseamos nas discussões sobre a teoria da tradução de
Antoine Berman, John Milton, entre outros estudiosos. Berman (2002) fala da necessidade de
estudar mais profundamente as teorias sobre tradução e sua história. Milton (1993) discute mais
sobre a tradução domesticada e estrangeirizada.
Objetivamos, portanto, além de apresentar a tradução inédita do roteiro Sayat-Nova,
demonstrar a tradução e o próprio fazer tradutório, os passos que levaram a chegar ao
resultado final, juntando poeta, diretor, imagem e palavras.
DESENVOLVIMENTO
O AUTOR
Sergei Paradjanov nasceu em Tblissi, como Sarkis Paradjanian, em 9 de Janeiro de 1924
numa família armênia. O lugar em que morava com sua família na Geórgia era um mesclado
de diferentes povos, culturas, crenças, línguas; entre eles haviam georgianos, armênios, russos,
cristãos, mulçumanos, judeus, etc.
Sua paixão por coisas antigas e velhas iniciou após seu pai ter perdido o emprego de
vendedor, pois foi quando ele começou a viver num reino barroco repleto de artefatos de
diferentes lugares e tempos. Essa paixão faz parte intensamente de suas obras, sendo mais bem
vista em suas obras Sayat-Nova e Um milagre em Odense.
Sayat-Nova – Tradução de um Poeta / Sayat-Nova – The Translation of a Poet
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O diretor sempre reinventava sua vida para cada novo interlocutor, continuamente
aprofundando seus trabalhos. Depois do Ensino Médio, Paradjanov fez aulas de canto e
coreografia, que abandonou para tentar entrar no Instituto de Cinematografia de Moscou, onde
se formou em 1952.
Ele foi o único diretor soviético de filmes a ser preso durante os governos de Stalin,
Brezhnec
e
Andropov.
Alguns
dos
motivos
alegados
para
suas
prisões
foram:
homossexualidade, suborno de um oficial e desacato ao comitê soviético.
Sem dinheiro, ele foi forçado a abrir sua casa e vender seus objetos de arte. Conseguiu
amigos e inimigos. Em dezembro de 1973 ele foi preso acusado de negociar artigos de arte em
moeda estrangeira e, posteriormente, acusado de homossexualidade, pois a sentença era maior.
SEU TRABALHO
Inicialmente, Sergei Paradjanov começou como assistente nos estúdios Kiev, em que fez
em 1954 um filme infantil. Nos três anos seguintes, fez apenas documentários. Em 1958 ele
criou The first guy, baseado na vida dos fazendeiros soviéticos.
Em seguida, criou seu trabalho cedendo ao mais puro estilo do Realismo Social, no
entanto, com um pouco de ironia: mulheres de fazendeiro tirando pó das flores com lenços
brancos, desfile de tratores, num fundo com partes do Lago do Cisne de Tchaikovsky. Em
seguida, fez outros filmes como Rapsódia Ucraniana em 1961, A flor na pedra em 1962, nos quais
manteve o espírito do cinema soviético contemporâneo.
Para o centenário do escritor ucraniano Mikhail Kotsiubinsky (1864-1913), Paradjanov
foi pedido para filmar Sombras dos antepassados esquecidos, cujo resultado foi uma nova escola
cinematográfica chamada de escola ilustrada, ou escola poética ou apenas escola Kiev. Esse filme
dava mostras do modelo estético que se seguirá em Sayat-Nova e resultará nas desavenças que o
perseguirão por toda a vida.
Nesse filme, o diretor transformou a história, que tinha como tema de amor e morte,
num grande evento poético, mantendo os motivos simbólicos, e o conto de Kotsiubinsky. Criou
cerimônias, casamento, funeral, celebrações, rituais mágicos. No entanto, com a saída de Stalin,
Khrutshchev reagiu fortemente contra o cinema poético, e com isso, contra Paradjanov.
O diretor escreveu Kiev Frescoes, um documentário sobre as obras do pintor Hakob
Hovnatanian de Tblissi, num cenário em que a ideologia reinava. No entanto, a filmagem foi
interrompida depois de terminada as primeiras cenas. Meses depois, mesmo sem autorização,
Paradjanov retorna para Erevan quando escreve o roteiro Sayat Nova que começa logo a filmar.
Logo depois, mesmo sendo armênio de Tblissi, foi tachado como nacionalista ucraniano.
Seus filmes foram banidos e tirados de cartaz. A filmagem de Sayat Nova foi interrompida por
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Sayat-Nova – Tradução de um Poeta / Sayat-Nova – The Translation of a Poet
diversas vezes. Cansado das intrigas e interrupções das filmagens, o diretor chegou a enviar
um pedido via carta para que o filme fosse banido e que ele pudesse voltar para sua cidade.
Entretanto, o filme foi reeditado e cortado em 20 minutos pelo diretor Sergei Yutkevich.
Mesmo assim o filme sobre o poeta armênio foi sua maior obra, pelo seu lirismo e
meditação poética na personagem e destino do poeta.
Assim, ele foi aclamado na antiga URSS e pode fazer outros filmes com sua criatividade
ainda em evidência. Seu filme autobiográfico A confissão, cujo roteiro escreveu vinte anos antes
e que ele sentiu que pudesse descrever a si mesmo sem precisar de metáforas e alusões. No
entanto, não pode terminar, pois descobriu ter câncer e decidiu se cuidar, vindo a falecer em
1990.
O FILME E ROTEIRO
O filme marca um ponto crítico na carreira do cineasta Sergei Paradjanov, chocando-se
com a repressão artística e cultural da União Soviética no início dos anos sessenta. A audácia
formal do cineasta, servindo de suporte intelectual para as vítimas da Ucrânia de prisão injusta
começam a preocupar as autoridades.
Em 1966, Paradjanov recebe a ordem oficial dos Estúdios Armenfilm de Erevan para
produzir uma cinebiografia do poeta armênio do século XVIII, natural de Tbilisi, Sayat Nova
(1712-1795), representante da arte cancioneira, que escreve poemas e os canta com
acompanhamento de alaúde ou de uma kamantcha.
O filme A cor da romã é um mosaico interpretativo do universo biográfico do poeta,
repleto de símbolos e representações imagéticas.
Filho de tecelões, a convite do rei Irakli, da Geórgia (1762-1798), Sayat Nova se torna
cancioneiro da Corte, onde se apaixona pela princesa Anna, irmã do monarca, inacessível a ele
por razões de etiqueta. Este amor impossível será a constante fonte inspiradora de toda sua
obra.
Banido, exilado, o poeta se vê obrigado a abraçar a vida monástica. Ele ingressa no
mosteiro de Haghpat como um sacerdote regular. E ao recusar a abjurar o cristianismo, morre
numa igreja, no momento da invasão da Geórgia pelas tropas persas.
A ordem da filmagem segue por várias razões. A reputação internacional do cineasta
atrai a Armenfilm Estúdios, também ansiosa para protegê-lo contra as ameaças a ele. E o
trovador Sayat Nova tem a dupla vantagem de ser um autor local, que encarna o espírito de um
povo, do lado armênio, e um poeta que inspirou um espírito transcaucasiano, recitando nas três
línguas do Cáucaso (Geórgia, Armênia, Azerbeijão), símbolo da amizade entre os povos e do
internacionalismo, aos olhos das autoridades soviéticas.
As dificuldades começam com envio do roteiro. Após decisão favorável do Goskino
(Comissão de Estado de Cinema), em Moscou serão mais críticos (Mikhail Bleiman e Sergei
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Youtkevitch são os dois relatores). Mesmo acusando seu roteiro de ter um caráter
excessivamente literário, gosto pela alegoria, sua construção em iluminura e sua falta de senso
dramático e relação com a História, a filmagem é permitida, uma vez que atenda aos pedidos
dos Estúdios Armenfilm, para solucionar as deficiências do roteiro. Filmado nos mosteiros de
Sanahin e Haghpat de 1967 a 1968, importantes centros da cultura armena nos séculos X a XIII,
o filme conta com o apoio da Igreja, que torna possível o empréstimo de muitas relíquias e
livros. O filme passa a ser considerado um comovente tributo ao patrimônio cultural da região
do Cáucaso.
A recepção do filme é ambígua. Apesar da opinião crítica do Goskino (o trabalho é
considerado obscuro e formalista, demasiado alegórico, mergulhado em um clima religioso, e
padece de realismo), os Estúdios Armenfilm obtêm permissão para distribuir o filme, após
algumas correções menores (o título é alterado para A cor da romã e o texto dos subtítulos é
refeito), na república soviética da Armênia. Uma distribuição simbólica é programada para as
outras repúblicas soviéticas, sob a condição de uma nova montagem. Paradjanov recusa
qualquer outra intervenção. A remontagem é dada ao cineasta Sergei Youtkevitch, que escreve
intertítulos novos e mais narrativos, altera a ordem das seqüências de modo a criar um sentido
cronológico e encurta a duração.
Distribuído discretamente, o filme não foi proibido oficialmente, embora não seja
proposto para exportação, apesar dos pedidos. As autoridades temem atrair demasiada atenção
do Ocidente, dada a reputação internacional do diretor e depois das decepções associados com
a censura de Andrei Rublev de Tarkovsky.
É a versão montada por Youtkevitch que é distribuída na França, em 1982 e que
assistimos para fazer a tradução.
O filme reflete toda a poesia, prosa e beleza que se encontra no roteiro, de forma que os
versos e suas repetições criam rimas visuais. E pelo visual o diretor cria a vida do poeta, não
como uma biografia comum, mas sim como algo surreal. Como em Costa:
“A criança conhece as personagens adultas com as quais nunca conviveu, e
estas, mesmo após deixarem de fazer parte do eixo cronológico da história, nunca
desaparecem completamente. As seqüências obedecem a um princípio de rimas
visuais que induzem no espectador uma sensação de desordem, se este as busca
em sentido linear. Na tela, imagens do real e do sonho não são sujeitas a uma
hierarquia específica de aparição e, assim, todas elas se mostram como imagens
de cinema. Tudo o que vemos acontecer ali acontece filmicamente, não como
situações ou pessoas ou formas de representação que encontraríamos ao dobrar a
esquina. Compreendida dessa maneira, A cor da romã desenvolve o
acontecimento em seu modo sobrerreal. O que se vê na tela não diz muito da
natureza perfeita das imagens arquetípicas, como também não se faz
literalmente, como manifestação realista do mundo dos fenômenos. O filme
acontece como espetáculo da luz prismada nas lentes poéticas do diretor no
desenrolar de seu espaço imaginal, no intermundo das formas puras com a
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Sayat-Nova – Tradução de um Poeta / Sayat-Nova – The Translation of a Poet
aparência dos acontecimentos da carne. É nesse não-lugar de convivência que a
narrativa se desenvolve em dramaturgia da imagem.”1
A TRADUÇÃO
O ATO DE TRADUZIR
O papel do tradutor é delicado, pois cabe a ele a reescritura de uma dada obra numa
língua destino, e com isso ele se faz de mediador das culturas de origem e alvo. Essa mediação
pode ser dada de duas maneiras, como já diziam os estudiosos Antoine Berman, Friedrich
Schleiermacher, entre outros, maneiras essas conhecidas como estrangeirização e domesticação.
Estrangeirizar um texto seria levar o leitor até a cultura do autor original, manter suas
características iniciais e únicas, fazendo-o pensar na obra como traduzida, deixando o texto
longe do leitor. A domesticação já é levar essa leitura num nível mais natural, em que o leitor,
muitas vezes, não pensará ou notará ser uma tradução; dessa maneira, o texto estará mais
próximo dele.
No início dos estudos já se cogitou a possibilidade de traduzir um texto somente
domesticando-o ou estrangeirizando-o totalmente, como os alemães tentaram inicialmente suas
traduções (Milton, 1993, p. 51-57). No entanto, como diz Lenita Esteves (2007) talvez a mescla
de ambas seja o caminho a ser percorrido para um melhor resultado.
Antoine Berman (2002) discute sobre a linguagem pura que Walter Benjamin evocou
como a tarefa do tradutor, dizendo que há uma pureza na linguagem que vai além da língua
materna, que há uma verdade pura no texto que se sobressai as palavras. Foi esse o nosso
objetivo, encontrar um arranjo de palavras que transparecesse sentimentos semelhantes àqueles
pretendidos pelo autor em seu idioma, coisa que em uma tradução literal provavelmente não
seria possível. Estrangeirizamos e domesticamos o texto conforme achamos necessário para que
a pureza verdadeira do texto fosse percebida. E foi com esse pensamento que obtivemos o
resultado da obra.
1
COSTA, 2012, p. 29-30.
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A ESCOLHA DO MÉTODO TRADUTÓRIO
Com objetivo de manter a poesia original, o roteiro foi traduzido com a mesma
formatação, por vezes em versos, por vezes em prosa. Como afirmou Antoine Berman (2002)
tentamos nos colocar em condição invisível para passar a verdadeira realidade e cultura da
obra, sem deixar que nossos pensamentos influenciassem a tradução, tentando não alterar sua
essência, marcando assim, a poesia do roteiro. Dessa maneira, maior atenção foi dada á escolha
de palavras.
Inicialmente essa fase pareceu fácil, pois as palavras não eram de difícil entendimento.
No entanto, como o roteiro recebido para a tradução foi traduzido do armênio para o francês e
depois para o inglês, seria importante confirmar o significado das ações, expressões, e, mais
intensamente, as imagens que havia no roteiro e no filme.
Lendo o roteiro tivemos uma ideia inicial da obra. Ao assistir ao filme essa imagem
mudou, ampliando e se transformando numa poesia visual e imagética, dando sentidos que
antes não existiam.
O objetivo, então, tornou-se traduzir tentando transfundir as imagens que o autor
passara tanto no roteiro quanto no filme. Para isso, tivemos apoio do Prof. Dr. Milton José de
Almeida e do Prof. Dr. Alan Victor Costa, ambos grandes estudiosos da poesia e cinematografia
armênia no Laboratório de Estudos Audiovisuais OLHO, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), com quem pudemos tirar dúvidas e ter uma maior aproximação dos
significados do filme/roteiro.
Dessa maneira, a tradução ficou o mais próxima possível do objetivo que o autor Sergei
Paradjanov pareceu ter.
PALAVRAS ESTRANGEIRAS
Sayat-Nova é um roteiro biográfico, ou seja, relata a história do poeta armênio na visão
do diretor Sergei Paradjanov. Por ser um texto descritivo, faz diversas menções a palavras
árabes, armênias, ou a figuras religiosas, monumentos, igrejas, etc, do povo árabe. Essas
menções são explicadas no final do texto, pois são importantes para conhecer melhor a cultura
da vida das pessoas envolvidas na história, principalmente do poeta que se vê cercado por
esses lugares, imagens, dando grande sentido á sua vida e arte.
Não traduzimos essas palavras para não descaracterizar a essência do texto. Sendo
assim, mantivemos seus significados como nota de fim após a tradução para esclarecimentos e
conhecimento.
Matagh – Sacrifício em Armeno
Samtavissi - Templo Georgiano construído em 1030, 48 quilômetros de
distância da cidade de Gori.
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Sayat-Nova – Tradução de um Poeta / Sayat-Nova – The Translation of a Poet
PALAVRAS
Little Haroutine opened one book... then another... then another...
The Sun rose...
O pequeno Haroutine abre um livro... então outro... e outro...
O Sol surge...
O roteiro original é escrito no passado, como se tivessem contando uma história, como
se tudo já tivesse acontecido e acabado. No entanto, traduzimos no presente para que o leitor
faça parte da história, para que ao ir lendo, ele vá descobrindo as ações, os fatos, e interagindo
com os personagens. Assim, obedecemos a uma escolha posterior do próprio cineasta, que
organizou as legendas do filme em tempo presente.
In absolute silence, a LOAF OF BREAD appears suddenly on the Black
screen. From outside the frame, a hand throws a live fish onto the bread…
A cluster of grapes on a stone slab. A man’s foot steps lightly on the
grapes… crushing them… Wine flows from them.
No silêncio absoluto, um PÃO aparece sobre o fundo preto. Fora de quadro,
a mão joga o peixe vivo sobre o pão...
Um punhado de uvas sobre uma pedra plana. O pé do homem pisa leve sobre
as uvas... amassa... Vinho escorre das uvas.
Logo no começo, aparece um pão e depois se joga um peixe sobre o mesmo. A seguir, há
um homem que pisa em uvas para fazer vinho. Ao pesquisar, sabe-se que o pão é um símbolo
de fartura, de vida, de fé, como o vinho também. Há, na Bíblia, a parte em que Deus repartiu o
pão e vinho e deu aos seus discípulos dizendo serem o corpo e o sangue de Cristo, por isso a
escolha de manter a formatação da palavra também em letras maiúsculas no texto traduzido.
Essa parte é bem visual, entretanto no filme o peixe está entre dois pães, mas decidimos deixar
como o roteiro.
Os títulos de cada cena são chamados em inglês de miniatures. Para a melhor tradução o
prof. Dr. Alan Victor Costa explicou que miniatura, em português, é uma palavra técnica da área
das artes plásticas que foi emprestada pelo cinema para se referir a uma possível interpretação
imagética do que está no roteiro, sem necessariamente estar exatamente igual ao mesmo. A
miniatura é uma representação artística de um fato. Podemos também chamar de iluminura
quando uma pintura representa a interpretação de um fato e não, necessariamente, o fato em si.
Contudo, por ser uma palavra técnica do cinema, mantivemos miniatura como a correspondente
no português.
MINIATURE DEPICTING THE LAMENTATIONS OF THE
TRANSCAUCASIAN PEOPLES IN MEMORY OF SAYAT-NOVA
MINIATURA RETRATANDO AS LAMENTAÇÕES DOS POVOS
TRANSCAUCASIANOS EM MEMÓRIA DE SAYAT-NOVA
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A miniatura que retrata a lamentação dos povos em memória de Sayat-Nova é uma
forma poética de falar de sua morte logo no início do roteiro, mas que no filme não aparece. No
texto o poeta adulto se encontra com o jovem em lamentação de sua morte.
Looking to the sky, He watches itinerant actors, disguised as imps, leaping
back and forth on a tight-rope.
Olha para o céu, ele assiste atores itinerantes, vestidos como diabos, saltam
para frente e para trás numa corda bamba.
Na cena em que há os atores retratando a invasão na Armênia, alguns são chamados de
imp. No primeiro momento imaginamos que poderiam ser duendes ou moleques; no entanto, na
cena seguinte, no sonho de Sayat-Nova, esses imps se transformam em angels, anjos em
português, como se fosse o oposto do que eles estavam fazendo. Por isso a escolha da palavra
diabos para essa tradução, uma vez que retrata a invasão na Geórgia, o que prejudicou e matou
várias pessoas.
Black-robed monks squeeze through tight holes, emerging from the cavern
where the mortal remains of the Catholicoi lie buried, out of the cavern
where the wine vats lied buried; they prepare receptacles for the oil and the
wine.
Monges em mantos pretos passam se espremendo por buracos apertados,
saindo da gruta, onde os restos mortais dos Cristãos permanecem
enterrados, para fora da gruta onde os tanques de vinho estão enterrados,
eles preparam os recipientes para o óleo e o vinho.
Como o texto envolve a religião cristã, de certo haveriam muitas palavras relacionadas a
este contexto. No entanto precisamos pesquisar quando deparamos com a palavra Catholicoi. O
dicionário online da editora Oxford trás a seguinte definição Catholicos - noun (plural Catolicoses
or Catholicoi) the Patriarch of the Armenia of the Nestorian Church e não encontramos tradução
relativa no português, já que é referente a um povo que existiu na época. No entanto,
traduzimos com cristãos por se tratar da Comunidade Cristã Armena, já que a palavra católico
tem o significado mais abrangente de comunidade, mas deixamos como nota de fim essa
explicação para dizer que essa comunidade se difere dos Católicos Romanos. Os Cristão
Armênios formaram a primeira comunidade cristã, logo no primeiro século do cristianismo, sob
ação dos apóstolos Judas Tadeus e Bartolomeu, constituindo um grupo católico diferente do
grupo romano, formado a partir das perspectivas de Pedro e Paulo no século IV, em Roma.
The khachkars are Aermenian monumentts from the Middle Ages – stele in
sculpted Stone (from 0.5 to 3 meters high) bearing s sculpted cross in the
middle.
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Os khachkars são monumentos armenos da Idade Média – com estela em pedras esculpidas (desde 0,5 a 3 metros de altura) que levam uma cruz esculpida no meio.
O mesmo aconteceu com a palavra khachkar, que por ter em seu nome o peso de um
grande significado, seria importante que o leitor o conhecesse e aprendesse o que ela
representa. Trata-se de monumentos armênios da Idade Média – estelas em pedras esculpidas
(de 0,5 a 3 metros de altura) que levam uma cruz, em relevo, no meio.
Akhpat... Sayat-Nova slept... A restless doe belled... Dogs barked...
Restless white pigeons fluttured in the darkness.. Sayat-Nova slept...
Youths had entered the cathedral. Candles were -burnin...
Sayat-Nova slept...
Sayat-Nova went out to Milk the doe. [...]
Akhpat... Sayat-Nova dorme... uma corça inquieta brame... Cachorros
latem...
Inquietas pombas brancas alvoroçam-se na escuridão... Sayat-Nova dorme...
Jovens entram na catedral. Velas queimam...
Sayat-Nova dorme...
Sayat-Nova vai para fora tirar leite da corça.
Uma característica da tradução é que mantivemos os nomes das personagens e
pronomes pessoais, mesmo que repetidos nas frases. Essa decisão foi tomada, após entrevista
com os professores doutores da Unicamp (Almeida e Costa) sobre a obra, que por se tratar de
um roteiro de cinema, é importante sua característica de guia para se fazer o filme. Por isso, a
repetição dos nomes e pronomes para enfatizar os atores, as ações, cenas, e também, para
manter o modo poético da escrita do diretor. Outra característica é o próprio estilo literário da
poesia armena do século XVII, contexto do poeta Sayat-Nova, para o qual a repetição soa
natural e tem a função de gerar ênfase. Lembrando também que este é um recurso bastante
recorrente nas culturas de predominância da oralidade, que buscam alcançar sentido através da
repetição.
AS CORES
A woman in Black against a background of Gray rocks. She, too, is crying.
Why? Whys is she tearing at her mourning clothes, and why is she singing?
She sings against a rocky background... and the rocks echo her song... and
again she appears in Black... Why? Why is the Georgian woman in black?
Mulher em preto sobre fundo de rochas cinza. Ela também chora. Por quê?
Por que ela rasga suas roupas de luto, e por que canta? Ela canta contra um
fundo rochoso... e as rochas ecoam sua música... e novamente aparece em
preto... Por quê? Por que a mulher georgiana está em preto?
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O diretor Paradjanov tem como característica transformar tudo que está em cena em
personagem, como objetos, animais, posição das câmeras, vestimentas, cores, etc. Essa
característica marcou seus trabalhos e o consagrou no cinema Armeno.
In the Center of Moedani, a boy in white... A boy like a blue fresco. He looks
at the world around him…
Dirty wool, spun into thread.
The thread is thrown into a vat… Color suddenly appear – yellow, blue…
Drying, the thread drips colors…
And a rug is woven… on white cords…
A generous weaver unfurls rugs beneath the feet of passers-by…
People walk back and forth on the rugs…
Horses walk on the rugs…
Even the boy in white with a face like a blue fresco walks on the rugs…
He dances on them, laughing.
Old women in black waiting near the walls of Saint-Kevork sung by the
white cock.
Cockerels sing…
One has its throat cut…
It hops about, bloody…
The old women pray…
The noise of the city fades. In the boy’s imagination:
Sion cathedral…
Saint-Kevork…
No centro de Moedani, um garoto em branco... Um garoto como um afresco
azul. Ele olha o mundo ao seu redor...
Lã suja, virando fio.
O fio é jogado no tonel... Cores aparecem de repente – amarela, azul...
Secando, o fio pinga cores...
E um tapete é tecido... em cordas brancas...
Um generoso tecelão desenrola tapetes embaixo dos pés de quem passa...
Pessoas andam para frente e para trás nos tapetes...
Cavalos andam nos tapetes...
Até mesmo o garoto em branco com a face como um afresco azul anda nos
tapetes...
Ele dança sobre eles, rindo.
Mulheres velhas em preto esperam perto das paredes de Saint-Kevork,
cantado pelo galo branco.
Frangos cantam...
Um tem sua garganta cortada...
Ele pula, sangrento...
As velhas rezam...
O barulho da cidade diminui. Na imaginação do garoto:
Catedral Sion...
Saint-Kevork...
O texto remete por diversas vezes às roupas das personagens, pois o autor/diretor
retrata os sentimentos das mesmas através de suas vestimentas. As roupas e as cores não são
simplesmente partes do cenário, elas têm um significado. Quando se diz woman in black
preferimos mulher em preto ao invés de mulher de preto, pois a personagem não está apenas
vestindo a cor preta, mas está também sentindo e vivendo aquelas emoções que a cor passa
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para ela. Quando se tem a boy in white... a boy like blue fresco também remete a personalidade do
garoto; cor branca (white) significando sua pureza e fresco azul (blue fresco), como referência
ao azul celeste dos afrescos renascentistas é uma forma de pintar que remete á ingenuidade de
seu amor e infância de poeta.
The king is wrapped in a white sheet.
His retinue is wrapped in white sheets.
The bard is wrapped in white sheet … He slowly tunes the strings of the
kemancha, listening to its belly…
And in the growing silence, the bard sang… And his words and the notes
from the kemancha resounded in the caults of the baths…
Which echoed them…
The kind listens to the bard…
His retinue listens…
Smoke rises from the ember. Steam rises from the pilaf.
Green water cascades into the pool.
Through the splashing, the princess hears the bard.
The princess listens for silence… Moving forward, she leans her breasts
beneath the fountains of green water, and honored, falls silent… The green
water streaks her white breasts. She listens to the bard…
O rei é enrolado num lençol branco.
Seu cortejo é enrolado em lençóis brancos.
O cancioneiro é enrolado num lençol branco... Lentamente, ele afina
as cordas da kemancha, ouvindo seu corpo...
E, do silêncio crescente, o cancioneiro canta. E suas palavras e as
notas da kemancha ressoam nas abóbadas dos banhos...
que ecoam...
O rei ouve o cancioneiro...
Seu cortejo também...
Fumaça surge das brasas. Fumaça surge da pilaf.
Cascatas de água verde na piscina.
Em meio aos espirros das águas, a princesa ouve o cancioneiro.
A princesa presta atenção no silêncio... Indo adiante, ela inclina seus
seios sob as fontes de águas verdes e, honrada, cai em silêncio... As
águas verdes correm por seus seios brancos. Ela ouve o cancioneiro...
Como a obra tem uma tensão de emoções, tentamos manter e focar nelas destacando as
cores que aparecem para subliminar os sentimentos, como no trecho acima: após o rei e a
princesa tomarem banho, são envoltos em lençóis brancos; o mesmo acontece com o poeta; ação
que remete a pureza dos sentimentos da princesa e poeta. Ao escutarem a música do
cancioneiro, há brasas e fumaça representando o início de um amor.
Para enfatizar novamente a importância das cores há outros exemplos: the king in black /
o rei em preto - the princess in white / a princesa em branco - He looked like a white Saint Kevork! / ele
parece um São Jorge branco! - monks in black slide silently along the monastery walls in the dark /
Monges em preto deslizam pelas paredes do monastério no escuro - quando estão no monastério
esculpindo suas khachkar; nun in black / freiras em preto no contraste da nun in white / freira em
branco essa significando pureza, ingenuidade, uma vez que se apaixona pelo poeta, etc.
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Anais do Simpósio Profissão Tradutor 2013
Carolina Eleonora de Oliveira Fava
AS IMAGENS
Por ser um roteiro, ao lê-lo, imaginamos que os leitores devam visualizar o que está
sendo lido, montar em suas mentes as cenas, personagens, e a história. Com esse sentido,
tentamos traduzir de maneira que essa visualização fosse facilitada, com isso, clareamos e
destacamos essas imagens com palavras descritivas, adjetivos, baseando sempre em seu sentido
no contexto geral.
Geralmente antes das miniaturas, há uma legenda, ou melhor, versos que representam o
que será dito a seguir, o que nos fez pensar e raciocinar sobre a imagem a ser descrita na
sequência. Na legenda ...likes books... inicialmente entendemos, pelo contexto da cena, que após
descobrir os livros, o poeta se pareceu com eles, pelo seu mundo imaginário, criativo, e imenso,
tendo como tradução como livros. No entanto, como é nessa parte que Sayat-Nova conhece os
livros e se apaixona por eles, achamos que a melhor tradução seria gosta de livros, pois também
já mostra um indício do que se esperar na cena.
Thunder... Lightning... Water.
He shivered...
Trovões... Relâmpagos ... Chuva.
Ele treme...
Na frase Thunder... Lightning... Water o diretor remete a ação da chuva que caia sem fim,
resultando no encontro do poeta com os livros. Mesmo que a palavra water seja água, usá-la
como chuva dá a visualidade que Paradjanov quis em seu texto e que usou em seu filme.
The Princess is Making Lace.
The palace of Irakli, the princess’ apartments.
Anna’s Young hands making lace...
Sayat’s Young hands strumming strings. He was singing the Love of
Majnûn. Glorifying Laïla’s beauty, He nodded his head, his eyes closed...
Anna slowly fixed her eyes on Sayat... Her fingers mechanically worked the
thread...
A Princesa tece.
No palácio de Irakli, os aposentos da princesa.
As mãos jovens de Anna tecem.
As mãos jovens de Sayat dedilham as cordas. Ele canta o amor de Majnûn.
Glorificando a beleza de Laïla, ele balança a cabeça, com seus olhos fechados...
Lentamente, Anna fixa seu olhar em Sayat... Seus dedos trabalham os fios
mecanicamente...
No roteiro e no filme o poeta se encontra com a princesa em momentos que estão
ocupados, ou seja, o cancioneiro está tocando sua Kemancha, ou cantando, e a princesa, está
tecendo. Não há uma descrição direta do que a princesa tece, e no filme não dá para perceber
com certeza o que é confeccionado. Por esse motivo, saímos do original em inglês para o melhor
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entendimento em português; como no trecho anterior, substituímos o original making lace que
seria fazendo laço por tecer, não é possível ter certeza de que ela está fazendo um laço, e sim que
está tecendo algo, por isso a escolha do verbete.
They embraced a llama.
Peacocks fanned their tails...
Boys imitated nightingales...
Eles abraçam a lhama.
Os pavões lequeiam suas caudas...
Garotos imitam rouxinóis...
Uma das cenas mais imagéticas é a dos pavões quando a princesa e o poeta se
apaixonam. Nessa cena o cenário está todo caracterizado, com a lhama, pavões, garotos,
música. Os pavões abrem suas caudas em sinal desse amor. Em inglês está como peacocks fanned
their tails, sendo que fan é em sentido de ventilador, ventilar, ou fazer o movimento de um
ventilador. No entanto, tentamos transpor na tradução essa imagem, como se fossem leques
sendo abanados, tendo como resultado os pavões lequeiam suas caudas.
Night... King Irakli stands between white plane trees...
Looking to the Sky, He watches itinerant actors, disguised as imps, leaping
back and forth on a tight-rope.
And Muslims, their beards and palms painted with henna, strip the king...
The king tears the cross from his chest.
The bard touches, the kemancha... but the sounds have died... silence all
around.
Sayat-Nova leaps from rug to rug... the rugs disapear into open graves.
Muslims with red beards and red palms Wind a Muslim turban on the head
of a Gerogian king...
Noite... O rei Irakli está entre árvores brancas planas...
Olha para o céu, ele assiste atores itinerantes, vestidos como diabos, saltam
para frente e para trás numa corda bamba.
E mulçumanos, suas barbas e palmas pintadas de henas, desvestem o rei...
O rei arranca a cruz de seu peito.
O cancioneiro toca a kemancha... mas os sons morrem... silêncio por toda
parte.
Sayat-Nova pula de tapete em tapete... os tapetes desaparecem dentro dos
túmulos abertos.
Mulçumanos com barbas vermelhas e palmas vermelhas enrolam um
turbante mulçumano na cabeça do rei Georgiano...
Na cena das pantomimas é fácil perceber a dor do poeta Sayat-Nova descrita: as mãos
vermelhas dos mulçumanos se interagindo com o rei, o som da kemancha que não sai quando o
cancioneiro a toca, e o poeta desaparecendo pelos tapetes que mais pareciam um túmulo. Uma
vez que é uma encenação teatral, o diretor teve que ser bem descritivo, com isso, usamos
palavras que detalharia melhor todo o sofrimento da invasão que o povo estava sofrendo.
Novamente as cores foram muito importantes: branco demonstrando que o povo estava em paz
até aquele momento; vermelho retratando a dor e morte; os túmulos já são mais que uma
indicação do grande número de mortes ocorridas com essa guerra.
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Carolina Eleonora de Oliveira Fava
Nas cenas iniciais, a água é o elemento mais marcante, ela está presente como habitat
dos peixes, nas uvas esmagadas pelos pés nus, na chuva que desce torrencialmente e encharca
os livros do monastério. É neste momento que o pequeno Sayat-Nova manifestará seu amor às
letras e sua disposição em imitá-las quando, após apreciar as iluminuras do batismo, nos
evangelhos, imita o Cristo abrindo seus braços em cruz, como que se a água tivesse extraído a
qualidade dos livros e as aspergido nele próprio.
É a capacidade da água em moldar-se como o objeto que molha, em impregná-lo com
sua presença e extrair dele suas qualidades próprias que é explorada como recurso literário e
cinematográfico por Paradjanov. Isto ganha visualidade excepcional quando o menino visita a
tinturaria de seu pai e observa como a água macera os atributos das cores e as transmite aos
tecidos. Assim também será quando ele é consagrado por seu pai com o sangue do galo, ele
limpa sua testa, mas logo que passa o São Jorge, o menino sai pulando atrás dele, como que a
imitar o saltitar do seu cavalo. Essa disposição santa, representada pelo vermelho do sacrifício o
acompanhará por toda a sua existência, pelos amores não realizáveis e pelas tragédias impostas
ao seu povo pela invasão persa, fato que ocasionará sua morte por se negar a abjurar sua
crença, o maior dos seus amores.
Daí podemos elaborar uma linha de raciocínio a respeito do elemento água e sua
capacidade de fazer transmigrar os sentidos de um objeto ao outro. Das águas que lavam
paredes e telhados do monastério, levando os sentidos dos livros ao corpo do jovem poeta que
viverá em sua carne a matriz sagrada de seus mistérios, do sangue que consagra sua fronte às
palmas de seus amores não vividos e à mazela do amor que sente por seu povo e sua fé. Este
espetáculo de elementos simbólicos será o principal motivo de perseguição ao cineasta e à sua
obra pelo comitê soviético.
Love your cell,
Love the stones!
Ame sua cela,
Ame as pedras!
Na legenda Love your cell, Love the Stones! inicia a parte sobre a vida do poeta no
monastério. Por não poder realizar seu amor pela princesa Anna, pois era apenas o cancioneiro,
Sayat-Nova decide virar monge e vai para o mosteiro Akhpat. A vida no mosteiro, tanto no
filme como no roteiro, é regrada e com afazeres, como pisar em uvas para fazer o vinho. Por
esse motivo preferimos traduzir como se fosse uma ordem, um dever, uma vez que teve que
trocar de vida e segui-la de maneira imposta por outros.
“He opened an earthenware jar that lie buried there and gulped down the
wine... Sayat-Nova staggered drunkenly down the mountain and into the
valley...”
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Sayat-Nova – Tradução de um Poeta / Sayat-Nova – The Translation of a Poet
“Ele abre um jarro de cerâmica que está enterrado lá e devora o vinho...
Sayat-Nova cambaleia bêbado descendo a montanha e entra no vale...”
Para retratar o pecado de Sayat-Nova no monastério, quando decidiu se embebedar com
vinho por estar cansado de sua vida nesse local, foi preciso confirmar com o filme para poder
ter uma visão mais clara do que isso representava. Para os monges, beber o vinho, ainda mais,
escondido, era um grande pecado, e isso só reafirmou que o poeta estava cansado da sua vida,
triste por não poder ter o amor da princesa; uma freira se apaixona por ele, o que também nada
pode acontecer; e num momento de rebeldia, ele consola no vinho.
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CONCLUSÕES FINAIS
Nesse artigo falamos um pouco sobre o diretor Armeno Sergei Paradjanov, sua vida,
trabalho e focamos mais ativamente em sua obra A cor da Romã que surgiu a partir do roteiro de
cinema Sayat-Nova. Esse roteiro conta sobre a vida do poeta armeno Sayat-Nova, sua vida como
cancioneiro do rei de Irakli, sua vida no monastério, e seu amor pela princesa Anna, que não
pode se concretizar por éticas morais da época.
Para fazer a tradução desse roteiro, nos baseamos nos estudos teóricos sobre a teoria da
tradução de diferentes estudiosos e em diferentes visões. Decidimos manter a essência do texto
original, como fonte de conhecimento cultural, literário, e poético. Usamos das teorias de
estrangeirização e domesticação do texto traduzido, concluindo que para essa obra específica,
houve uma mescla dessas duas vertentes, para que conseguíssemos chegar ao resultado
desejado.
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