Caso clínico:
Desnutrição
Apresentação: Milena Jordão V. Gomes/Marcela Sena T. Mendes
Unidade de Pediatria do HRAS
Internato 2010 - ESCS
Coordenação: Luciana Sugai
www.paulomargotto.com.br
Brasília, 28/9/2010
Anamnese
• Identificação
– Filha de SCJ, 2 meses e 24 dias, feminino, parda,
natural de Santa Maria, residente no Pedegral
• Queixa principal
– Baixo peso desde o nascimento
Anamnese
• HDA
– Mãe refere baixo peso desde o nascimento. Refere boa sucção
ao seio materno e aleitamento em livre demanda,
complementado com mingau a base de leite ninho e maisena.
Nega outros alimentos.
• RS
– Refere coriza hialina e tosse seca há dois dias
– Refere fezes endurecidas 1 vez ao dia com esforço do lactente
– Nega febre, dispnéia, cianose central, sudorese em pólo cefálico
durante amamentação.
– Diurese clara e abundante
– Sem outras queixas
Anamnese
• Antecedentes fisiológicos
– Nascida de parto normal, 35 semanas, peso: 3130g
(anotado no cartão) comprimento: 50 cm
– DNPM: Olha quando chamada, responde a sons,
preferência pela face humana, sustenta temporariamente a
cabeça quando em decúbito ventral.
– História obstétrica da mãe: G4PN4A0 (G1:7 anos, G2:5 anos
G3: 3anos)
– Realizou 3 consultas de pré-natal.
– Nega intercorrências no pré-natal, uso de medicações,
tabagismo, etilismo ou uso de drogas durante a gestação.
Anamnese
• Antecedentes patológicos
– Nega doenças ou internações
prévias
– Ao nascer, ficou internada por
2 dias. Não há relato de
permanência em UTI
neonatal no cartão.
– Vacinações: não tomou a
tetravalente nem a vacina
antipneumocócica 10
– Hábitos de Vida:
– Reside em casa de alvenaria,
3 comodos, esgoto e água
encanada. Sem asfalto.
– 1 cachorro
– Cuidada pela mãe. Relata
que o pai é tabagista. A
mãe nega tabagismo ou
etilismo.
– Sono preservado
• Antecedentes familiares
–
–
–
–
–
Mãe (31) saudável
Pai: saudável
Avó: asma
Tia: DM
Irmãos saudáveis. Todos
foram amamentados.
Exame físico
• Peso: 2960g
• comprimento:55cm
PC: 38cm
• BEG, fáceis senil, extremamente
emagrecida, hipoativa, hipocorada
(+/4+), acianótica, anictérica,
eupneica. FR:43 irpm
• FA ~2x 2cm FP 1x0,5cm
normotensas
• Olhos encovados, TCSC reduzido
• AP respiratório: MV sem RA
• ACV: RCR 2t BNF sem sopros
• Abdome: plano, RHA+ sem VMG
• Extremidades bem perfundidas e
sem edemas
Exames complementares
• 24/08
– WBC: 7720 (N19 B3 L63 M 12 E1)
– Reticulócitos 0,6%
– Hg: 10,4 HTC 31,9 VCM 90,7
HCM 29,6
CHCM 32,6 RDW 16,1 PLT 574000
– CD negativo
– Obs: 6 eritroblastos em HC 06/08/10, sendo
encaminhado pela hemato para investigação
diagnóstica
Hipóteses????
Evolução
DATA
peso (g)
NAN (ml)
25/ago
2965
50
26/ago
2960
50
27/ago
3020
70
28/ago
3165
90
29/ago
3255
90
Evolução
• Exames realizados durante a internação:
– Exames:
– EAS - D: 1020 pH7,5 células raras 2 piocitos p/c muco e
bactérias escassas. Urocultura contaminada.
– Glicemia: 75 uréia 15 creatinina 0,4 Ca 9,2 BT 0,2 BD 0,1
TGO 39 TGP 17 Na 138 K 5,4 Cl 98 CK 109 CKB 57 LDH 805
– Gaso venosa NR
– PT 5,9 albumina 3,6 FAL 206 P5,1 Mg 2,5 leucócitos 7250
(N29 L61 M2 E8)
– Hb 11,1 Htc 33,2 VCM 88,9 HCM 29,9 RDW 15,1 PLT
517000
– Sorologias para sífilis, toxoplasmose e CMV: NR
– Solicitados, mas não realizados: gordura fecal, sangue
oculto, substâncias redutoras nas fezes
Avaliação do estado nutricional
• Avaliação do estado nutricional
• Pesquisa de exposição a fatores
de risco
• Análise
da
alimentação,
pesquisa de sintomas e sinais
clínicos de desnutrição e a
aferição
das
dimensões
corpóreas
• Dois
principais
indicadores
antropométricos: peso/estatura
e estatura/idade
• Formas de classificação
Avaliação do estado nutricional
Normal
Estatura/idade> 95%
Peso/estatura> 90%
Falta de crescimento
Stunted
Desnutrição pregressa
Estatura/idade< 95%
Peso/estatura> 90%
Emagrecido (wasted)
Desnutrição aguda
ou recente
Estatura/idade>95%
Peso/estatura<90%
Wasted + stunted
Desnutrição crônica
ainda ativa
Estatura/idade< 95%
Peso/estatura<90%
Filha de SCJ
Peso para idade
50%
Estatura para idade
91,6%
Peso/estatura
65,8%
Gomez
Desnutrição grave
Waterlow
Stunted + wasted
simplificada
Waterlow
(OMS)
Desnutrida grave
(< -3)
* De acordo com gráficos do MS – OMS, 2006
Definições e epidemiologia
• Transição nutricional: diminuição da prevalência da
DEP em detrimento do aumento do soprepeso e da
obesidade
• 200 milhões de crianças desnutridas em todo o mundo
• É a segunda causa de morte mais freqüente em
menores de 5 anos nos países em desenvolvimento.
• IBGE 86: queda de 20% das formas de desnutrição no
Brasil em comparação com a década anterior
• UNICEF 2006 – cças < 5 anos – comprometimento
moderado a grave
– Peso /idade: 6%
– Peso/estatura: 2%
– Estatura/idade: 11%
Definições e epidemiologia
• Definição:
síndrome metabólica decorrente da deficiência de
energia e proteínas em proporções variadas
• Doença de origem multicausal e complexa
• Classificação
•
Desnutrição de causa primária: conseqüente a oferta
alimentar insuficiente em energia e nutrientes entidade
multifatorial
•
Desnutrição
secundaria:
decorre
do
inadequado
aproveitamento funcional e biológico dos nutrientes disponíveis e
/ou elevação do gasto energético associada a alguma doença de
base
•
Cardiopatias congênitas, neuropatias, SIDA, pneumopatias
crônicas, fibrose cística, síndrome do intestino curto, entre outras
• Independente da etiologia  aumento da mortalidade,
comprometimento do desenvolvimento cognitivo e motor, atraso
escolar e redução da capacidade de trabalho na vida adulta
Fatores contribuintes
Baixo conteúdo
energético e freqüência
insuficiente dos
alimentos
complementares
administrados;
Disponibilidade inadequada
de alimentos ( pobreza,
desigualdade social, falta de
terra para cultivar e
problemas de distribuição
intra-familiar);
Necessidades relativamente
maiores, tanto de energia
como de proteínas, em
relação aos demais membros
da família
Infecções repetidas, que podem
produzir anorexia e reduzir a
ingestão de nutrientes, sua absorção
e utilização, ou produzir a sua perda;
Práticas inadequadas de
cuidado infantil tais como
administração de alimentos
muito diluídos e/ou não
higienicamente preparados.
Definições de acordo com as novas
curvas da OMS ( desnutrição < p3)
Desnutrição: curva de peso x idade
Crianças < 5 anos
< p3: baixo peso
<p0,1: muito baixo peso
5-10 anos
< p3: baixo peso
<p0,1: muito baixo peso
Desnutrição: curva de peso x estatura
<5 anos
<p3: magreza
<p0,1: magreza acentuada
Desnutrição> curva de IMC x idade
<5 anos
<p3: Magreza
<0,1: magreza acentuada
5-10 anos
< p3: magreza
<p0,1: magreza acentuada
10-19 anos
<p3: magreza
<p0,1: magreza acentuada
*Fonte: manual de atendimento à criança com desnutrição grave em nível hospíitalar, MS 2005
Fisiopatologia
Agravo em fase critica 
lesão irreversível
↓ glicogênio, gordura e
proteínas (muscular) - ↑
glicogenólise , lipólise,
proteólise; gliconeogênese
↓ síntese de insulina, ↑
glucagon e ↑ epinefrina
↑ GH; ↓ igf1
↑ cortisol
↓ hormonios tireoidianos
↓ K , ↑ Ca ,↓Mg,
Perda da integridade das
barreiras (epitelial e
mucosa)
<Muco, lisozima, alterações
de pH
↓ global no nº de células T
no timo, baço e linfonodos
Menor produção de IL1
Diminuição dos
componentes do sistema
complemento
Niveis de Ig variavel
↓ IgA secretora
↓ secreções gástrica, biliar e pancreática
sobrecrescimento bacteriano
> descamação e dificuldade digestivo-absortiva
do epitélio intestinal e atrofia vilositária do
intestino delgado  má absorção e maior risco de
diarréia
* Monte, CMG. Desnutrição: um desafio secular à nutrição infantil. J. pediatr 2000: 76 (supl.3): S285-S297
Formas clínicas
• Marasmo
– Lactentes jovens
– Criança com baixa atividade, com
membros delgados, desaparecimento
da bola de Bichat (↓TCSC)
– Fácies senil, costelas visíveis e
nádegas atróficas.
– Cabelos finos e escassos e
comportamento apático.
– Pode haver abdome globoso com
hepatomegalia
– Tendência à hipotermia
– Diarréia,
infecção
respiratória,
parasitoses e tuberculose comumente
presentes
Formas clínicas
• Kwashiorkor
– “doença do primogênito, quando
nasce o segundo filho”
– Crianças > 2 anos
– Perda de gordura subcutânea menos
intensa que no marasmo;
– Lesões de pele hipocrômicas ao lado
de hipercrômicas, alterações dos
cabelos, hepatomegalia (esteatose),
ascite, fáceis de lua e/ou anasarca
– Apatia e irritabilidade
– Edema: hipoalbuminemia (aumento
da
permeabilidade
capilar)+
descompensação infecciosa+ estresse
oxidativo
• Kwashiorkor-marasmático
Tratamento
• Indicações de internação
– Desnutrição moderada (escore z< -2DP ou relação
P/E entre 79-70% da mediana) a grave (escore Z <
-3DP ou relação P/E< 70% da mediana
– Qualquer desnutrido que apresente edema
• O tratamento é dividido em 3 fases:
– 1ª fase: estabilização
– 2ª fase: reabilitação
– 3ª fase: acompanhamento
Objetivos
• 1ª fase: estabilização
–
–
–
–
Tratar os problemas que ocasionem risco de morte
Corrigir as deficiências nutricionais específicas
Reverter anormalidades metabólicas
Iniciar a alimentação
• 2ª fase: reabilitação
– Dar alimentação intensiva visando recuperar grande parte
do peso perdido
– Estimulação emocional e física
– Orientar a mãe ou pessoa que cuida da criança
– Preparação da alta
• 3ª fase: acompanhamento
– Após alta, acompanhamento ambulatorial para prevenir
recaída
*Fonte: Manual de atendimento à
criança com desnutrição grave em nível
hospitalar, MS 2005
Hipoglicemia
• Importante causa de morte
• Glicemia< 54mg/dl
• Quadro inespecífico
– ↓T corporal
– Letargia,
dificuldade
de
coordenação motora e perda
de consciência
– Sonolência, crises convulsivas
e coma GRAVE
• Suspeitou  tratou!
Hipotermia
• Freqüente na presença de:
–
–
–
–
Infecções graves
Marasmo
Presença de áreas extensas de pele lesada
< 12m
• Importante causa de mortalidade hospitalar
• Quando? Tax< 35ºC ou T retal< 35,5ºC
• Conduta:
– Técnica canguru; agasalhos, cobertores; aquecedor ou
lâmpada próximo à criança. Trocar freqüentemente
fraldas, roupas e lençóis molhados
– Tratar a hipoglicemia, alimentar e reidratar a cça,
tratar infecções.
Desidratação
• Diagnóstico diferencial com choque séptico
• Clínica: sede presente ou diminuída, olhos
encovados, sinal da prega, pulsos finos e rápidos,
mãos e pés frios, débito urinário reduzido,
irritabilidade ou letargia
• Tto:
–
–
–
–
–
–
–
VO é a preferencial (IVhiperhidratação e ICC !)
IV: choque circulatório, ileo paralítico ou convulsões
SRO para desnutridos – RESOMAL - ↑Na e ↓K
5ml/kg 30’/30’ – 70/100ml/kg/12h
SNG se vômitos ou desconforto respiratório
Manter amamentação
Após 2-3h  iniciar alimentação
Desidratação
• HV
– SF + SG 10% 1:1
– 15ml/kg na 1ª hora
– Sinais de hiperhidratação:
•
•
•
•
•
Aumento da FR
Aumento da FC
Turgência jugular
Edema palpebral
Suspender e reavaliar em 1h
Choque séptico
• Diagnóstico
– Hipo ou hipertermia
– Estado mental alterado
– Enchimento capilar
(choque frio ou quente)
– Pulsos periféricos
– Debito urinário reduzido
• Tratamento
– Reposição volêmica (IV)
• SF + SG 10% 1:1
• 15ml/kg na 1ª hora
• Reavaliar a cada 10’ para
evitar hiperhidratação
– ATBO de largo espectro
– Na presença de púrpura,
icterícia ou fígado
aumentado  1 dose de
vitamina K IM
– UTI
Distúrbios hidreletrolíticos
• Hiponatremia dilucional:
retenção de Na dentro da
célula
• Hipopotassemia:
↓contratilidade
miocárdica
• Hipomagnesemia
• Carência de ferro
• Carência de vitamina A,
ácido fólico, cobre, zinco,
selênio
•
•
•
•
Tratamento:
Reposição de K na
alimentação:
34mmol/kg/dia
Mg: 0,4-0,6mMol/kg/dia
RESOMAL (K, Zn, Cu, Mg)
Não se recomenda a
reposição de ferro –
infecção!
Deficiência de micronutrientes
• Tratamento
– Administração de vit A rotineira, no 1º dia, em dose única de
acordo com a idade
– <6m: 50000UI VO
– 6m-12m: 100000UI VO
– >12m: 200000 UI VO
• Se manifestações oculares: megadoses de Vitamina A
– Proteger os olhos com compressas úmidas
– Tetraciclina A 1% (sol oftalmica) 4x/dia
– Atropina 1% 1 gota/olho 3x/dia
• Ácido fólico: 5mg/dia
• Ferro elementar: 3-4mg/kg/dia (Transfusão se anemia
grave)
• ZN 1,5% 1ml/kg/dia
Infecção
• Todas as crianças com desnutrição grave têm infecção
e devem receber ATBO
Para infecções por parasitas: 100mg de mebendazol 2x/dia por 3 dias
Alimentação inicial
•
•
•
•
•
Composição, volume e freqüência
O volume total de líquidos, incluindo alimentação, SRO e
soro venoso não deve ultrapassar 120-140ml/kg/dia
Taxa calórica máxima: 100kcal/kg/dia (mínimo 80)
Taxa de proteínas: 1-1,5g/kg/dia
Baixa osmolaridade e baixo teor de lactose
Freqüência e volume das alimentações:
– 11ml/kg/refeição de 2/2h (dias 1 e 2).
– 16ml/kg/refeição de 3/3h (dias 3,4,5)
– 22ml/kg/refeição 4/4h (dias 6,7)
• Composição para 1000ml de água: 35g de leite em pó, 100g
de açúcar, 20g de óleo e 20ml de solução eletrolítica
• Este preparado possui 75kcal/100ml e 0,9g de
proteína/100ml de solução.
2ª fase: reabilitação - crescimento rápido
•
•
•
•
•
•
•
•
Composição, volume e freqüência
1000ml de água; 110g de leite em pó, 50g de açúcar, 30g de óleo e
20ml de solução eletrolítica
100kcal/100ml e 2,9g de proteínas/100ml
22ml/kg/refeição dias 8 e 9
Aumentar 10ml em cada refeição até que a criança deixe sobras
Volume final: 200ml/kg/dia – 4/4h
Taxa calórica: 150-220kcal/kg/dia
Taxa de proteínas: 4-5g/kg/dia
Baixo teor de lactose
3ª fase
Estimulação., atividade física e recreação
– Não cobrir a face da criança
– Permitir que a criança veja e ouça o que
está acontecendo em torno dela
– Não conter a criança com roupas ou
cobertas
– Conversar com a criança
– Quartos decorados com cores vivas e
objetos que interessem a criança
– Brinquedos
– Afeição
– Contato com outras crianças
– Terapeuta ocupacional
– Pintura, desenho, recorte e colagem,
modelagem, rodas de histórias, etc
– Atividade física
Obrigada pela atenção!
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Caso Clínico: Desnutrição