A AMEAÇA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:
TERCEIRIZAÇÃO SEM LIMITES E PRECARIZAÇÃO SEM PRECEDENTES
Luciano Pereira
Assessor Jurídico da CUT/MG
e do SINDADOS/MG
A terceirização no Brasil, ao longo das últimas três décadas, vem se apresentando como
uma eficiente ferramenta do capital para a redução de seus custos com a mão de obra,
além de atender aos seus anseios de desoneração das obrigações advindas da
formalização do contrato de trabalho, o que confirmou ser falsa a retórica empresarial
de que no mundo competitivo é necessário concentrar toda a energia da empresa no foco
do negócio e transferir, para terceiros especializados, as atividades que não lhe são
essenciais.
Assim, a terceirização aplicada em terras brasileiras tem trazido, como efeito
incontornável, a precarização das relações de trabalho, que se expressa na redução de
salários e benefícios dos trabalhadores terceirizados, elevação da jornada de trabalho,
maior rotatividade, aumento dos acidentes de trabalho e doenças laborais, desrespeito às
normas de saúde e segurança, bem como a elevação da inadimplência dos direitos
trabalhistas.
Verifica-se, ainda, como efeito indireto do processo de terceirização, mas que, do
mesmo modo, serve aos verdadeiros propósitos do empresariado, um enfraquecimento
na capacidade de organização dos trabalhadores e seus sindicatos, tanto dos empregados
terceirizados, quanto daqueles que são diretamente contratados, visto que passam a
existir inúmeros empecilhos, inclusive legais, à criação de identidades coletivas no local
de trabalho, onde os subcontratados são vistos e se vêem, como trabalhadores de
“segunda categoria”.
Eis o cenário produzido pela terceirização: intensa precarização das relações de trabalho
e, no campo da organização dos trabalhadores, uma representação sindical ainda mais
dividida e fragilizada. Verdadeira afronta aos princípios constitucionais da dignidade
humana e do valor social do trabalho!
A Constituição Federal consagrou o trabalho como um dos fundamentos da República e
como um valor social a ser protegido (art. 1º, III e IV, CF), assegurando aos
trabalhadores tratamento digno e justo, o que se insere como um dos objetivos
republicanos (art. 3º, CF), reforçado pela inserção dos direitos e garantias fundamentais
inscritos nos arts. 5º, 6º e 7º, de nossa Lei Maior.
Do mesmo modo, é imperativo constitucional que a livre iniciativa se compatibilize
com a valorização do trabalho humano, no qual a nossa ordem econômica é fundada, em
consonância com o disposto no art. 170 da Constituição Federal.
A ausência de um marco regulatório para a terceirização favoreceu sobremaneira a
realização dos propósitos empresariais, fazendo com que o refreamento à sua
propagação ilimitada viesse somente por meio de decisões da Justiça do Trabalho que,
desde 1993, firmou jurisprudência sobre a matéria, passando a discipliná-la, no setor
privado, através da Súmula nº 331 do TST - Tribunal Superior do Trabalho, a qual não
admite a terceirização nas atividades-fim das empresas.
Já no setor público, a precária regulamentação da terceirização se faz por meio do
Decreto nº 2.271/1997, que limita sua prática às atividades materiais acessórias,
instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência
legal do órgão ou entidade.
Neste cenário, inconformado com os escassos limites que lhe foi impostos, o setor
empresarial empenhou-se na revogação da Súmula nº 331 pelo TST e, posteriormente,
na aprovação do Projeto de Lei n. 4.330/2004, em tramitação na Câmara dos Deputados,
o qual pretende acabar com quaisquer limites à terceirização, estimulando sua prática de
forma indiscriminada e autorizando a introdução da terceirização em todas as atividades
das empresas privadas e dos órgãos públicos, sem restringi-la à atividade-meio.
Em ambos os casos, a estratégia empresarial frustrou-se, ao menos temporariamente, o
que fez com que o grande capital – com destaque para as multinacionais instaladas no
Brasil – buscassem novo palco para a encenação de seu enredo: o STF - Supremo
Tribunal Federal.
Em recente decisão, o STF reviu sua própria jurisprudência e aprovou a “repercussão
geral”, para apreciar o Recurso Extraordinário interposto pela empresa CENIBRA Celulose Nipo-Brasileira S.A., contra condenação que lhe foi imposta pelo TST –
Tribunal Superior do Trabalho, que declarou ilegal a terceirização de suas atividades
fins, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, em conjunto o
sindicato da categoria, SINDEX/MG.
Se provido o recurso empresário, o STF irá promover verdadeira intervenção no TST e
usurpar a função legislativa do Congresso Nacional, bem como aprofundar a
precarização das relações de trabalho já imposta pelo processo de terceirização hoje
praticado, fragilizando o vínculo de trabalho e dispersando ainda mais a organização
dos trabalhadores. Imporá um enorme rebaixamento nos níveis de efetividade dos
direitos dos trabalhadores, que significa verdadeira revogação de direitos sociais,
consagrados na CLT e na Constituição Federal.
A harmonização dos pressupostos da livre iniciativa com a afirmação dos direitos
fundamentais dos trabalhadores é exigência constitucional, em relação à qual não pode
haver transigência. Admitir a ruptura de qualquer limite à terceirização, como sugerido
pelo voto do Ministro Fux, do Supremo Tribunal Federal, ensejaria a mais insidiosa
revogação de direitos trabalhistas após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Este o desafio que a classe trabalhadora tem diante de si: preservar os direitos tão
duramente conquistados por décadas de luta, impedindo tamanho retrocesso e, ao
mesmo tempo, avançar no processo civilizatório das relações de trabalho, tornando-as
menos arbitrárias e mais democráticas ou, em outras palavras, aplicando as conquistas
da cidadania no local de trabalho.
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