D I R E I T O CONSTITUCIONAL
Fernando Rabello
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A NOVA INTERPRETAÇÃO DO
MANDADO DE INJUNÇÃO PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
THE NEW INTERPRETATION OF THE WRIT OF INJUNCTION BY THE
BRAZILIAN SUPREME COURT
Cristina Giudice Batista Henriques
RESUMO
ABSTRACT
Trata do mandado de injunção, garantia constitucional prevista
para impedir que a falta de norma regulamentadora torne inviável
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Enfoca a grande controvérsia existente quanto aos efeitos da
decisão desse instrumento e do novo posicionamento do
Supremo Tribunal Federal em relação ao assunto.
The author broaches the writ of injunction, a constitutional
guarantee that ensures the practice of constitutional rights
and freedom, besides those nationality, sovereignty and
citizenship rights, even in the absence of a regulating norm.
She focuses on the great controversy regarding the effects of
injunction rulings and the new interpretation of this remedy by
the Supreme Court.
PALAVRAS-CHAVE
KEYWORDS
Direito Constitucional; mandado de injunção; Supremo Tribunal
Federal; decisão – efeitos; controle jurisdicional – inafastabilidade; poderes - separação.
Constitutional Law; writ of injunction; Brazilian Supreme Court;
ruling – effects of; non-obviation of (jurisdiction); powers –
separation of.
Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010
1 INTRODUÇÃO
A fixação da verdadeira função do
direito processual em uma ordem jurídica tem-se tornado a grande tarefa de
doutrinadores, legisladores e operadores
do direito. Nos dias atuais, privilegia-se
aquele instrumento que mais garanta
efetividade aos direitos.
O mandado de injunção surge com
a Constituição Federal de 1988, para
garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e
à cidadania.
Não obstante, a Suprema Corte do
país, à exceção do entendimento de alguns ministros, vinha-lhe dando uma interpretação que esvaziava o seu conteúdo,
tratando-o, não como uma garantia constitucionalmente assegurada, mas como
simples processo objetivo de declaração.
Com isso, mesmo que o jurisdicionado buscasse o Poder Judiciário para solução de seu conflito e fosse atendido em
seu pleito, nenhum resultado prático lhe
sobreviria. Referida situação era criticada,
de maneira rígida, por vários doutrinadores, que reclamavam uma posição menos tímida do Supremo Tribunal Federal
em relação à matéria.
Em recentes julgados, o Supremo
Tribunal Federal reviu o seu posicionamento e passou a conferir ao mandado
de injunção a sua verdadeira função,
garantindo, com maior efetividade, o
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania.
gal se mostra insuficiente ou incompleta
para solucionar, com justiça, determinado caso concreto.
Por outro lado, ainda segundo Alexandre de Moraes (2004), outros autores apontam as raízes do mandado de
injunção nos instrumentos existentes no
velho Direito português, com a única finalidade de advertência do Poder competente omisso.
Contudo, como afirma o autor
(MORAES, 2004), tais raízes históricas
não correspondem ao mandado de injunção criado pelo legislador constituinte
de 1988, cabendo, com isso, à doutrina
e à jurisprudência pátrias a definição dos
contornos e objetivos dessa ação.
Em contrapartida, José Afonso da
Silva (2005) entende que a fonte mais
próxima do mandado de injunção seria
o writ of injunction do Direito norteamericano, o qual tem cada vez mais
aplicação na proteção dos direitos da
pessoa humana.
No Brasil, o mandado de injunção foi
previsto pela primeira vez pela Constituição Federal de 1988.
2.2 CONCEITO E PRESSUPOSTOS
O mandado de injunção é uma garantia constitucional inédita prevista no
art. 5º, inc. LXXI, da Constituição de 1988,
tratando-se de verdadeira ação constitucional (PIOVESAN, 2003).
áveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição
(SILVA, 2005, p. 448).
Lembra Alexandre de Moraes (2004)
que, na análise do primeiro mandado de
injunção pelo Supremo Tribunal Federal,
esta Corte decidiu de forma unânime
pela autoaplicabilidade do referido instituto, independentemente de edição de
lei regulamentando-o.
Flávia Piovesan (2003) alerta que
a concessão do mandado de injunção
está condicionada a um liame jurídico de
causa e efeito, devendo, para tanto, estar
clara essa relação que envolve nexo de
causalidade.
Segundo ela, para que se compreenda o alcance do novo instituto, importa
destacar que a concessão da injunção
está condicionada a uma relação de
causa e efeito. Vale dizer, a uma causa
– a falta de norma regulamentadora – a
ordem jurídica atribui uma consequência – a inviabilidade do exercício de direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade,
à soberania e à cidadania (PIOVESAN,
2003, p. 135).
Essa questão já fora decidida pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo Regimental no Mandado
de Injunção n. 81/DF, no qual o Ministro Relator Celso de Mello, enfrentou-a,
afirmando que essa situação de lacuna
O mandado de injunção é uma garantia constitucional
inédita prevista no art. 5º, inc. LXXI, da Constituição
de 1988, tratando-se de verdadeira ação constitucional.
2 MANDADO DE INJUNÇÃO
2.1 ORIGENS
Conforme ensina Alexandre de Moraes (2004), há uma certa dissonância
entre alguns doutrinadores a respeito
da origem do mandado de injunção.
Segundo ele, alguns autores apontam a
sua origem no writ of injunction do Direito norte-americano, que representa um
remédio utilizado, frequentemente, com
base na chamada jurisdição de equidade,
aplicando-o sempre quando a norma le-
Diz o referido dispositivo: LXXI conceder-se-á mandado de injunção
sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos
direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Constitui um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se
considere titular de qualquer daqueles
direitos, liberdades ou prerrogativas invi-
técnica constitui requisito necessário que
condiciona a própria impetrabilidade
do mandado de injunção: MANDADO
DE INJUNÇÃO. SITUAÇÃO DE LACUNA
TÉCNICA. PRESSUPOSTO ESSENCIAL DE
SUA ADMISSIBILIDADE. PRETENDIDA
MAJORAÇÃO DE VENCIMENTOS DEVIDOS A SERVIDORES PÚBLICOS. ALTERAÇÃO DE LEI JÁ EXISTENTE. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
A estrutura constitucional do man-
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dado de injunção impõe, como um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade, a ausência de norma regulamentadora. Essa situação de lacuna técnica - que se traduz na
existência de um nexo causal entre o yacuum juris e a impossibilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e
a cidadania - constitui requisito necessário que condiciona a
própria impetrabilidade desse novo remédio instituído pela
constituição de 1988. O mandado de injunção não constitui,
dada a sua precípua função jurídico-processual, sucedâneo de
ação judicial que objetive, mediante alteração de lei já existente, a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos.
Refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor.
2.3 COMPETÊNCIA
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A competência para o julgamento do mandado de injunção se estabelece de acordo com a autoridade responsável pela
elaboração da norma regulamentadora, ou seja, a competência
será definida conforme a autoridade responsável pela edição da
norma faltosa.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece algumas regras de competência para julgamento e processamento do mandado de injunção. Em seu art. 102, inc. I, q,
afirma competir ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente,
a guarda da Constituição, cabendo, originariamente, processar e
julgar o mandado de injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do
Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal
de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do
próprio Supremo Tribunal Federal.
Estabelece, ainda, que caberá ao Supremo Tribunal Federal
julgar, em recurso ordinário, o mandado de injunção decidido
em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a
decisão (art. 102, II, a).
A competência para o julgamento do mandado
de injunção se estabelece de acordo com a
autoridade responsável pela elaboração da
norma regulamentadora [...]
Por sua vez, estabelece no art. 105, inc. I, h, a competência
do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da
norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou
autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e
dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do
Trabalho e da Justiça Federal.
Ponderando sobre o tema, o Ministro aposentado do
Superior Tribunal de Justiça, Antônio de Pádua Ribeiro, atenta
que a Constituição Federal não estabeleceu a competência para
o julgamento do mandado de injunção aos Tribunais Regionais
Federais, à Justiça Federal de primeiro grau, à Justiça do Trabalho e à Justiça Militar. (RIBEIRO, 1990).
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Segundo o referido autor, em relação à Justiça Federal e à
Justiça Militar, como a legislação ordinária não pode estabelecer
casos de competência além dos exaustivamente expostos na
Constituição Federal, a princípio, elas não teriam competência
para julgar o mandado de injunção. (RIBEIRO, 1990).
Hely Lopes Meirelles (2005, p. 269 e 270), contrariamente,
entende que os demais tribunais e os juízos federais e estaduais
teriam competência de acordo com o que a lei vier a dispor.
Portanto, os juízos competentes para julgar mandado de injunção são o STF e o STJ, remanescendo competência para os
demais tribunais e juízos federais ou estaduais, na forma que
a lei pertinente vier a dispor.
O Supremo Tribunal Federal defende a competência da
Justiça Federal para o julgamento do mandado de injunção,
entendendo que, quando a omissão normativa for imputada à
autarquia federal, a competência originária será do juiz federal.
(BRASIL, QO MI n. 571-SP, 1998).
O Ministro Relator, Sepúlveda Pertence, justificando seu
voto no julgamento do Mandado de Injunção n. 571/SP, salienta que, não obstante a Constituição Federal afirme ser da
competência do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar
originariamente o mandado de injunção, quando a elaboração
de norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou
autoridade federal, da administração direita e indireta, a al. h,
do inc. I, do seu art. 105 subtrai dessa área de competência não
apenas os casos de competência do Supremo Tribunal Federal,
dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral e da Justiça do
Trabalho, mas também da Justiça Federal. (Idem).
Dessa forma, se a Justiça Federal detém a competência
geral para as causas em que sejam partes a União, as entidades autárquicas federais e as empresas públicas federais, ao
Superior Tribunal de Justiça restaria, apenas, hipóteses excepcionais como, por exemplo, omissão verificada por parte de um
Ministro de Estado.
Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça também
entende que a Justiça Federal possui competência para o julgamento do mandado de injunção.
MANDADO DE INJUNÇÃO. COMPETÊNCIA. PRECEDENTES
DA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. Tratando-se de mandado de injunção diante de omissão
apontada em relação à norma emanada do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, órgão autônomo vinculado ao Ministério das Cidades e presidido pelo titular do Departamento
Nacional de Trânsito, a competência para processar e julgar o
mandado de injunção é da Justiça Federal, nos termos do art.
109, I, da Constituição Federal.
2. Mandado de injunção não conhecido. (BRASIL, MI n.
193-DF, 2006).
Já em relação à Justiça do Trabalho, Antônio de Pádua
Ribeiro afirma que, como a Constituição Federal, no art. 113,
delegou à lei ordinária a tarefa de dispor sobre a constituição,
investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de
exercício dos órgãos da Justiça do Trabalho, poderia a lei estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento
do mandado de injunção. (RIBEIRO, 1990).
No que se refere à Justiça Eleitoral, a Constituição Federal
estabeleceu que caberá recurso das decisões dos tribunais regionais eleitorais quando denegarem o mandado de injunção
(art. 121, § 4º, inc. V).
Kildare Gonçalves Carvalho (2007,
p. 682) afirma que nada impede que lei
federal disponha sobre competência remanescente para outros casos de mandado de injunção, respeitados aqueles
previstos na Constituição.
Os Estados-Membros podem legislar
a respeito da competência dos tribunais
de justiça e dos juízes de primeira instância, de modo que lei pode dar a eles
competência para julgar o mandado de
injunção. É o que acontece no Estado de
Minas Gerais, cuja Constituição, em seu
art. 106, inc. I, f, dispõe ser da competência do Tribunal de Justiça processar
e julgar originariamente o mandado de
injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição de órgão,
de entidade, ou de autoridade estadual
da administração direta e indireta.
A Constituição do Estado de Minas
Gerais estabelece, também, no parágrafo
único do art. 113, que será da competência do juiz de direito julgar o mandado de
injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição do Prefeito, da Câmara Municipal ou de sua Mesa
Diretora, ou de autarquia ou fundação pública municipais.
2.4 LEGITIMIDADE ATIVA
O mandado de injunção, segundo
Alexandre de Moraes (2004, p. 182), poderá ser ajuizado por qualquer pessoa
cujo exercício de um direito, liberdade
ou prerrogativa constitucional esteja
sendo inviabilizado em virtude de falta
de norma reguladora da Constituição
Federal.
Legitimado ativo para o mandado
de injunção, para Kildare Gonçalves Carvalho (2007, p. 677), é a pessoa, física
ou jurídica, que está impossibilitada de
exercer um direito constitucional, por falta de norma regulamentadora.
O Supremo Tribunal Federal, a
exemplo do mandado de segurança coletivo, admite a utilização do mandado
de injunção coletivo, tendo como legitimados as mesmas entidades legitimadas
para o exercício daquela ação.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de
admitir a utilização, pelos organismos
sindicais e pelas entidades de classe,
do mandado de injunção coletivo, com
a finalidade de viabilizar, em favor dos
membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados
pela Constituição. Precedentes e doutrina. (BRASIL, MI n. 20-DF, 1994).
Dessa forma, o requisito para a impetração do mandado de injunção coletivo
será a falta de norma regulamentadora
que torne inviáveis os direitos, liberdades
ou prerrogativas dos seus membros e associados indistintamente.
acordo com as peculiaridades do caso
concreto, não se devendo negar aos municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais e a eventual
possibilidade de ações constitucionais
cabíveis para a sua proteção.
O Ministro Gilmar Mendes lembrou,
ainda, que é amplamente adotado o entendimento segundo o qual as pessoas
jurídicas de direito público podem ser
Os Estados-Membros podem legislar a respeito da
competência dos tribunais de justiça e dos juízes de primeira
instância, de modo que lei pode dar a eles competência para
julgar o mandado de injunção.
No mesmo sentido, José Afonso da
Silva (2005, p. 461 e 462) afirma que o
mandado de injunção também pode ser
um remédio coletivo, já que pode ser
impetrado por sindicato (art. 8º, III) no
interesse de Direito Constitucional de
categorias de trabalhadores quando a
falta de norma regulamentadora desses
direitos inviabilize o seu exercício.
Sobre esse posicionamento, Flávia
Piovesan (2003) alerta que a possibilidade de cabimento do mandado de
injunção coletivo não se estende à proteção de direitos difusos, sob pena de se
transformar em instrumento de tutela de
direito objetivo, possibilitando a eliminação de lacunas do sistema jurídico.
Pedro Lenza afirma que o Supremo
Tribunal Federal já proferiu decisão no
sentido de negar legitimidade ativa do
mandado de injunção à pessoa jurídica
de direito público. Não obstante a existência de decisão do Supremo Tribunal
Federal rechaçando essa hipótese, parece ter sido superado tal entendimento
com o julgamento do Mandado de Injunção n. 725.
No caso, o Ministro Relator do Mandado de Injunção n. 725-RO, Gilmar
Mendes, em contraposição ao parecer
da Procuradoria-Geral da República, que
afirmava existir precedente da Corte declarando que a pessoa jurídica de direito
público não possuía legitimidade ativa
para a impetração de mandado de injunção, ponderou que não se deve fazer
desse entendimento exposto nesse precedente, uma regra geral. (BRASIL, MI n.
725-RO, 2007).
Segundo ele, a decisão citada deve
ser devidamente contextualizada de
titulares de direitos fundamentais.
2.5 LEGITIMIDADE PASSIVA
Legitimado passivo, para Kildare Gonçalves de Carvalho (2007, p. 677), é a pessoa estatal a quem pode ser imputado
o dever jurídico de editar o provimento
normativo (lei, regulamento, ato administrativo normativo, dentre outros).
José dos Santos Carvalho Filho (2004,
p. 869) afirma que legitimado passivo é o
órgão ao qual cumpre o dever de instituir
a norma regulamentadora que viabilize o
exercício do direito por seu titular. Referido autor ressalta que a regulamentação a
que se refere a Constituição seria a regulamentação primária, ou seja, aquela que,
sendo efetivada, poderia permitir o exercício do direito. Dessa forma, os órgãos
responsáveis por regulamentações secundárias não teriam legitimidade passiva ad
causam para a ação.
Os particulares, como enfatiza Alexandre de Moraes (2004), não se revestem
de legitimidade passiva ad causam para
o mandado de injunção, pois não lhes
compete o dever de emanar as normas
reputadas essenciais ao exercício de direitos, sendo somente ao Poder Público
imputável o encargo constitucional da
emanação de provimento normativo para
dar aplicabilidade à norma constitucional.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, já afirmou ser incabível o litisconsórcio passivo, necessário
ou facultativo, entre particulares e entes
estatais. (BRASIL, Ag Rg no MI 335, 1991).
Não obstante, Flávia Piovesan (2003,
p. 145), sustentada na tese de Carlos Mário Velloso, entende que a legitimidade
passiva para o mandado de injunção re-
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cairia sobre a parte privada ou pública que viria a suportar o
ônus de eventual concessão da injunção.
Cabe ressaltar, ainda, que terá a legitimidade passiva o órgão que tem a incumbência de deflagrar o processo de formação do ato regulamentador (CARVALHO FILHO, 2004). Dessa
maneira, se a Constituição Federal estabelece que a iniciativa
para determinada lei é do Presidente da República, como ocorre
nos casos do art. 61, §1º, da Constituição Federal, somente ele
será legitimado passivo para o mandado de injunção e não o
Congresso Nacional.
2.6 OBJETO DO MANDADO DE INJUNÇÃO
2.6.1 AS NORMAS REGULAMENTADORAS
18
O mandado de injunção é, como visto, uma garantia constitucional que objetiva tutelar os direitos e liberdades constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania, sempre que a falta de norma regulamentadora
torne inviável o seu exercício.
Logo, a princípio, para definir o objeto dessa garantia, é essencial delimitar o entendimento do que seria norma regulamentadora.
Flávia Piovesan (2003) afirma que a definição de norma regulamentadora deve ser colhida a partir de uma análise sistemática
da Constituição Federal, levando-se em consideração o principio
interpretativo que determina ser conferida a mais ampla eficácia às
garantias constitucionais.
Dessa maneira, a Constituição Federal, ao tratar da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que também objetiva suprir inércias, afirma que declarada a inconstitucionalidade
por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (art. 103, § 2º, da CF).
O mandado de injunção é [...] garantia
constitucional que objetiva tutelar os direitos e
liberdades constitucionais e as prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania, sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o seu exercício.
Acolhendo-se esse raciocínio, norma regulamentadora
significa toda e qualquer medida para tornar efetiva norma
constitucional, o que inclui leis complementares, ordinárias,
decretos, regulamentos, resoluções, portarias, dentre outros
atos (PIOVESAN, 2003, p. 135). Nesse sentido, inclui-se nesse
conceito não apenas a edição de atos legislativos normativos,
mas também a produção de ato administrativo e ato material.
Compartilhando de tal entendimento, José Afonso da Silva
(2005, p. 450) define norma regulamentadora como toda medida para tornar efetiva norma constitucional.
Nesses casos, a aplicabilidade da norma fica dependente
da elaboração de lei ou de outra providência regulamentadora,
a qual, não existindo, inviabiliza o exercício do direito. Sendo
assim, o real objeto do mandado de injunção deve ser delimitado a partir do entendimento de qual seria a norma carente de
regulamentação.
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2.6.2 EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS
Segundo José Afonso da Silva (2005, p. 180), devemos distinguir eficácia de aplicabilidade das normas. A Constituição é
expressa sobre o assunto quando estatui que as normas definidoras de direitos e garantias constitucionais têm aplicação
imediata. Contudo, a própria Constituição estabelece algumas
normas definidoras de direitos e garantias constitucionais dependentes de legislação ulterior para viabilizar o seu exercício.
José Afonso da Silva, como lembra Pedro Lenza (2008), foi
grande responsável pelo estudo da eficácia das normas constitucionais, tratando do tema de maneira sistemática na primeira edição, em 1967, de aplicabilidade das normas constitucionais. Seu
estudo já foi adotado por diversas vezes pelo Supremo Tribunal
Federal como critério classificatório das normas constitucionais.
As normas constitucionais, para José Afonso da Silva, podem ser de eficácia plena, contida ou limitada.
São de eficácia plena aquelas normas que, no momento
de sua entrada em vigor, estão aptas a produzir todos os seus
efeitos, independentemente de norma integrativa infraconstitucional. São normas que se aproximam do que a doutrina clássica norte-americana chamou de “autoaplicáveis” (self-executing,
self-enforcing ou self-acting).
Normas constitucionais de eficácia contida, embora tenham
condições de produzir todos os seus efeitos quando da promulgação da nova Constituição, poderão ter sua abrangência
reduzida por norma infraconstitucional (LENZA, 2008).
Pedro Lenza (2008) afirma que a restrição de tais normas
poderá se realizar não só por leis infraconstitucionais, como
também por outras normas constitucionais, como é o exemplo
da decretação do estado de defesa ou de sítio, a qual pode
limitar diversos direitos. Além disso, as normas de eficácia contida também podem sofrer redução por meio da limitação de
conceitos vagos exercida pela administração pública, como, por
exemplo, quando a norma se refere a “motivos de ordem pública”, “bons costumes” e “paz social”.
Vale lembrar que, enquanto não materializado o fator de
restrição, a norma tem eficácia plena.
Normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que
não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando
de uma lei integrativa infraconstitucional, sendo de aplicabilidade mediata, reduzida ou diferida (LENZA, 2008).
Pedro Lenza (2008) observa que, diferentemente da doutrina norte-americana, José Afonso da Silva, no mesmo sentido de
Vézio Crisafulli, dá às normas constitucionais de eficácia limitada
um mínimo efeito, qual seja, o de vinculação do legislador infraconstitucional aos seus vetores.
As normas de eficácia limitada são divididas em dois grupos: normas de princípio institutivo (ou organizativo) e normas
de princípio programático.
As primeiras contêm esquemas gerais (iniciais) de estruturação de instituições, órgãos ou entidades. Já as segundas
veiculam programas a serem implementados pelo Estado, visando à realização de fins sociais (LENZA, 2008, p. 108).
Importante lembrar que outros autores também apresentam diferentes classificações para referidas normas constitucionais. Maria Helena Diniz apresenta classificação das
normas constitucionais em normas supereficazes, que não
podem ser emendadas; normas com
eficácia plena; normas com eficácia
relativa restringível e normas com eficácia dependente de complementação
legislativa (LENZA, 2008).
Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres
Britto classificam as normas constitucionais em normas de aplicação (irregulamentáveis e regulamentáveis) e normas
de integração. As primeiras já estão aptas
a produzir todos os seus efeitos, dispensando regulamentação ou permitindo-a,
mas, nessa hipótese, sem qualquer restrição do conteúdo constitucional. As segundas, por sua vez, são integradas pela
legislação infraconstitucional, sendo ora
completáveis, ora reduzíveis (Idem).
2.6.3 NORMAS CONSTITUCIONAIS DE
EFICÁCIA LIMITADA COMO OBJETO DO
texto. A terceira corrente, a que se adota, entende que os direitos, liberdades
e prerrogativas tuteláveis pela injunção
não são apenas os constantes no Titulo II da Carta Maior, que se refere aos
direitos e garantias fundamentais, mas
quaisquer direitos, liberdades e prerrogativas, previstos em qualquer dispositivo da Constituição, tendo em vista que
inexiste qualquer restrição no art. 5º,
LXXI, do texto. Entende-se que o mandado de injunção protege direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas,
estas sim, inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania.
equiparável à ausência de norma, pela
ineficácia da regra de direito contrária à
Constituição.
Pelos mesmos motivos, Kildare Gonçalves Carvalho (2004) apresenta posicionamento de Willis Santiago Guerra
Filho, que afirma caber o mandado de
injunção não só quando houvesse falta
de norma para regular o caso concreto,
mas também quando se verificasse omissão parcial.
Não obstante, esse posicionamento
encontra a oposição de alguns autores,
que entendem ser incabível o mandado de injunção quando houver regu-
O mandado de injunção, conforme já decidido pelo Supremo
Tribunal Federal, é uma norma autoaplicável; contudo, não
possui regramento procedimental próprio.
MANDADO DE INJUNÇÃO
Diante das considerações expostas
no item anterior, pode-se afirmar que
apenas será objeto do mandado de injunção as normas de eficácia limitada
prescritivas de direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Sem a regulamentação, tais normas não
possuem aplicação, não podendo produzir os seus efeitos (LENZA, 2008).
Destarte, como afirma Pedro Lenza
(2008, p. 651), o mandado de injunção
surge para curar uma doença denominada síndrome da inefetividade das normas constitucionais.
Segundo Alexandre de Moraes
(2004), somente as normas constitucionais de eficácia limitada de princípio
institutivo e de caráter impositivo e as
normas programáticas vinculadas ao
princípio da legalidade, por dependerem
de ação normativa ulterior para garantir
a sua aplicabilidade, poderiam ser objeto
do mandado de injunção.
Flávia Piovesan (2003, p. 139 e
140) aponta três correntes doutrinárias
a respeito do objeto do mandado de
injunção: A corrente mais restritiva sustenta que a parte final do art. 5º, LXXI,
ao se referir a prerrogativas “inerentes
à nacionalidade, à soberania e à cidadania”, restringe o alcance da expressão
“direitos e liberdades constitucionais” a
estes bens jurídicos. Uma segunda corrente restringe a expressão “direitos e
liberdades constitucionais” aos direitos e
garantias fundamentais do Titulo II do
Hely Lopes Meirelles (2005) afirma
que o mandado de injunção somente
será cabível em relação às omissões que
afetem o exercício dos direitos constitucionais fundamentais. Ele elenca diversas
hipóteses as quais não podem ser objeto
do mandado de injunção.
Segundo o referido autor, não será
cabível a ação para obter regulamentação dos efeitos de medida provisória;
para a discussão da inconstitucionalidade, ilegalidade ou descumprimento de
norma em vigor; para se buscar o cumprimento de norma regulamentadora já
existente que estaria sendo desobedecida e, por fim, não caberia o mandado de
injunção para regular norma quando a
própria Constituição já regulou a matéria
provisoriamente.
A respeito da possibilidade de ser
objeto de mandado de injunção a omissão legislativa parcial, Flávia Piovesan
(2003, p. 137) afirma que será possível
o seu cabimento quando a norma ofende o princípio da isonomia, o que ocorreria ante a exclusão legal de benefício.
Segundo ela, nesse caso, a omissão
legislativa parcial seria equiparável à
falta de norma regulamentadora, o que
ensejaria o cabimento do mandado de
injunção para estender a disciplina legal
aos grupos impetrantes excluídos.
A autora (PIOVESAN, 2003) alerta
que, nesse mesmo sentido, pode-se falar
em cabimento do mandado de injunção
na hipótese em que a norma regulamentadora é inconstitucional, por ser
lamentação injusta ou inconstitucional
(PIOVESAN, 2003).
Vale mencionar que o Supremo Tribunal Federal já afirmou que, se há lei
preexistente à ordem jurídica, não há de
se falar em omissão, tendo em vista que
a questão de a lei existente satisfazer ou
não os ditames constitucionais não se
identifica com a falta de norma regulamentadora, mas com o controle de constitucionalidade tradicional.
2.7 DECISÃO
Em relação à natureza jurídica da
decisão do mandado de injunção e aos
seus efeitos, grande controvérsia surge
na doutrina. Isso acontece porque, como
afirma Flávia Piovesan (2003), o sucesso
do mandado de injunção requer uma leitura renovada do princípio da separação
dos poderes e, sob a ótica tradicional,
este princípio constitucional tem sido um
dos maiores obstáculos à sua efetivação.
No Supremo Tribunal Federal, o Ministro Néri da Silveira resumiu com clareza as posições lá existentes, como lembra
Alexandre de Moraes (2004).
Dessa forma, a esse respeito haveria duas grandes posições: a concretista
e não concretista. A primeira se dividiria
em geral e individual, esta última em direta e intermediária.
Pela posição concretista, segundo
Alexandre de Moraes (2004), o Poder Judiciário, por intermédio de uma decisão
constitutiva, presentes os requisitos exigidos pelo mandado de injunção, declara a
Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010
19
existência da omissão administrativa ou legislativa e implementa
o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional até que sobrevenha regulamentação do poder competente. Como já mencionado, esta posição divide-se em duas
espécies: concretista geral e concretista individual.
Aqueles que defendem a posição concretista geral sustentam que, com uma normatividade geral, o Poder Judiciário
implementa o exercício da norma constitucional até que a omissão seja suprida, tendo sua decisão efeitos erga omnes. Como
lembra Alexandre de Moraes (2004), essa posição sempre foi
pouco aceita na doutrina, uma vez que, ao proclamar a decisão
com esse efeito, o órgão julgador estaria ocupando a posição
de legislador.
Flávia Piovesan (2003), em grande crítica feita a essa corrente, defende que não seria razoável que o Poder Judiciário
elaborasse norma geral e abstrata, quando da apreciação de
um caso concreto. Segundo ela, não condiria com a finalidade
de um instrumento de tutela de direito subjetivo o intuito de
sanear vícios da ordem jurídica (direito objetivo).
[...] será inconstitucional qualquer norma
jurídica que obste a possibilidade de uma
busca pela prestação da tutela jurisdicional
àquele que se sentir lesado em seus direitos.
20
Pela concretista individual, a decisão do Poder Judiciário só
produzirá efeitos para o autor do mandado de injunção, que
poderá exercitar plenamente o direito, liberdade ou prerrogativa
prevista na norma constitucional (MORAES, 2004, p. 187).
Essa última posição é dividida em outras duas: concretista
individual direta, pela qual o Poder Judiciário, imediatamente ao
julgar procedente o mandado de injunção, implementa a eficácia
da norma constitucional ao autor, e a concretista individual intermediária, pela qual o Poder Judiciário, após julgar procedente o
mandado de injunção, fixa ao Congresso Nacional o prazo de 120
dias para a elaboração da norma regulamentadora, devendo, se a
inércia permanecer, fixar as condições necessárias ao exercício do
direito por parte do autor (MORAES, 2004).
Paulo Bonavides (2003, p. 551), filiando-se à posição concretista individual, afirma: Havendo, por conseguinte, um direito
subjetivo constitucional, cujo exercício se ache tolhido pela privação de norma regulamentadora, o titular desse direito postulará, perante o Judiciário, por via do mandado de injunção,
a edição de norma aplicável à espécie concreta. Nesse caso a
edição de norma saneadora da omissão é provisoriamente do
Judiciário e não do Legislador, concretizando-se graças àquela
garantia, a satisfação do direito subjetivo constitucional cujo
exercício ficara paralisado, à míngua da regra regulamentadora por parte do órgão competente para elaborá-la.
Alexandre de Moraes (2004, p. 188), a respeito do tema,
entende que inexiste incompatibilidade entre a adoção da posição concretista individual e a teoria da separação dos poderes consagrada expressamente pelo art. 2º da Constituição
Federal. Referido autor adota, expressamente, essa posição.
Flávia Piovesan (2003, p. 171) sustenta que o princípio da
separação dos poderes deve ser compreendido à luz da sistemática de “freios e contrapesos”. Dessa maneira, a omissão do
Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010
órgão legislativo é contida e controlada pelo Poder Judiciário.
Segundo ela, essa perspectiva permite visualizar no mandado
de injunção um instrumento que traduz possibilidades reais de
eficácia da Constituição, a depender, especialmente, do grau
de responsabilização do Poder Judiciário, na tarefa de conferir
concretização ao princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, controlando a discricionariedade dos Poderes Públicos.
Por fim, pela posição não concretista, entende-se que se deve
atribuir ao mandado de injunção a finalidade específica de ensejar
o reconhecimento formal da inércia do Poder Público, decretando
a decisão apenas a mora do poder omisso (LENZA, 2008).
Essa última posição foi dominante no Supremo Tribunal
Federal por muito tempo, como se pode observar pelo acórdão proferido no Mandado de Injunção n. 107/DF. No referido
acórdão, não obstante a posição da maioria, o Ministro Carlos
Velloso apresentou voto divergente, sustentando que, no caso
do entendimento prevalecente, o mandado de injunção teria os
mesmos efeitos que tem a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão. (BRASIL, MI 107-DF, 1990).
Além disso, o ministro afirma que esse entendimento da
Corte esvazia a garantia constitucional do mandado de injunção,
que tem por escopo viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Como lembra Pedro Lenza (2008), o Supremo Tribunal
Federal adotou, em alguns casos, a posição concretista individual intermediária, como é o caso do Mandado de Injunção n.
232-I-RJ. Contudo, Alexandre de Moraes (2004) salienta que,
no julgado em questão, o Supremo Tribunal Federal baseou-se
no fato de o Poder Legislativo ter descumprido um prazo constitucionalmente estabelecido para a edição de norma nos Atos
das Disposições Constitucionais Transitórias, fato que tornaria
inconstitucional a mora do parlamento.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal também adotou a
posição concretista, para proteger direito assegurado no art.
195, § 7º, da Constituição Federal, desrespeitado pela inércia
estatal. Nesse caso, declarou-se a mora do Congresso Nacional
e, além disso, estabeleceu-lhe prazo de seis meses para legislar,
sob pena do exercício do direito independentemente de regulamentação. (BRASIL, MI n. 232-RJ, 1991).
2.8 PROCEDIMENTO
O mandado de injunção, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, é uma norma autoaplicável; contudo, não
possui regramento procedimental próprio. A Lei n. 8.038, de
1990, que instituiu normas procedimentais para os processos
perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal
Federal, determinou, no parágrafo único do seu art. 24, que,
no mandado de injunção, serão observadas, no que couber,
as normas do mandado de segurança, enquanto não editada
legislação específica.
3 O MANDADO DE INJUNÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Supremo Tribunal Federal apresentou, ao longo dos
anos, uma evolução em seu posicionamento em relação aos
efeitos da decisão proferida no mandado de injunção.
Em um primeiro momento, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal considerou que o mandado de injunção seria uma declaração,
pelo Poder Judiciário, da ocorrência de
omissão inconstitucional, a ser comunicada ao órgão legislativo inadimplente
para que promova a integração normativa do dispositivo constitucional nela
objetivado. (BRASIL, MI 107-DF, 1990).
Essa posição foi muito criticada pela
doutrina, uma vez que se equiparava a
injunção à ação direita de inconstitucionalidade por omissão1 e, além disso,
esvaziava a garantia constitucionalmente
nela prevista.
Como afirma Hely Lopes Meirelles
(2005, p. 274), esse posicionamento firmou-se com pequena maioria, havendo
vários acórdãos dando pela procedência
do mandado de injunção exclusivamente para que o Poder Legislativo omisso
fosse cientificado do julgado.
Em seguida, houve uma pequena
evolução no Supremo Tribunal Federal,
com o julgamento do Mandado de Injunção n. 232-RJ, quando aquela Corte,
além de reconhecer a existência da omissão, fixou prazo a fim de que se ultimasse
o processo legislativo faltante, sob pena
de, vencido este, passar a requerente a
gozar do direito requerido. (BRASIL, MI
232-RJ, 1991).
Em outro mandado de injunção o
Supremo Tribunal Federal, além de declarar a omissão legislativa em relação
à promulgação da lei determinada pelo
§ 3º do art. 8º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, estabeleceu
um prazo para que essa legislação fosse aprovada e uma sanção, embora não
quantificada, ao decidir que, caso não
fosse ultimado o processo legislativo,
ficava assegurada ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via
processual adequada, sentença líquida
de condenação à reparação constitucional devida.
Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo
do direito a reparação econômica contra
a União, outorgado pelo art. 8., par. 3.,
ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da
mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em
juízo, contra a União, sentença liquida de
indenização por perdas e danos.
1. O STF admite - não obstante a
natureza mandamental do mandado de
injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido
constitutivo ou condenatório, formulado
pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contem o pedido, de
atendimento possível, de declaração
de inconstitucionalidade da omissão
normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados
de Injunção 168, 107 e 232).
2. A norma constitucional invocada
(ADCT, art. 8., par. 3. - “Aos cidadãos
que foram impedidos de exercer, na vida
civil, atividade profissional especifica, em
decorrência das Portarias Reservadas do
Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5,
de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5
será concedida reparação econômica,
na forma que dispuser lei de iniciativa
do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da
promulgação da Constituição” - vencido
o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder
a impetrar mandado de injunção, dada
a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado
pela omissão legislativa denunciada.
3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a
qual igualmente se deva imputar a mora
legislativa que obsta ao seu exercício, e
dado ao Judiciário, ao deferir a injunção,
somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade
de não se ultimar o processo legislativo,
no prazo razoável que fixar, de modo a
facultar-lhe, quanto possível, a satisfação
provisória do seu direito.
4. Premissas, de que resultam, na
espécie, o deferimento do mandado de
injunção para: a) declarar em mora o
legislador com relação à ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT,
comunicando-o ao Congresso Nacional
e a Presidência da Republica; b) assinar
o prazo de 45 dias, mais 15 dias para
a sanção presidencial, a fim de que se
ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei,
reconhecer ao impetrante a faculdade
de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de
condenação a reparação constitucional
devida, pelas perdas e danos que se
arbitrem; d) declarar que, prolatada
a condenação, a superveniência de lei
não prejudicara a coisa julgada, que,
entretanto, não impedira o impetrante
de obter os benefícios da lei posterior,
nos pontos em que lhe for mais favorável. (BRASIL, MI283-DF, 1991).
Lembra Hely Lopes Meirelles (2005)
que idêntica posição foi tomada nos
Mandados de Injunção ns. 384, 543 e
562, sendo que nestes o Supremo Tribunal Federal fixou, inclusive, as bases da
indenização a ser paga aos impetrantes.
Não obstante, em seguida, o Supremo Tribunal Federal, tratando do revogado § 3º do art. 192 da Constituição
Federal, deixou de assinalar prazo para
o Congresso Nacional, sustentando que
essa providência excepcional só se justificaria se o próprio Poder Público, além
de seu dever de editar a norma faltante,
fosse também sujeito passivo da relação
de direito material emergente do preceito constitucional em questão. (BRASIL,
MI 472-DF, 1995).
Recentemente, em 30 de agosto de
2007, o Supremo Tribunal Federal, julgando o Mandado de Injunção n. 721/
DF, afirmou que esta ação é mandamental e não simplesmente declaratória,
decidindo que, como inexiste a disciplina
específica de aposentadoria especial do
servidor público, imporia a adoção, via
provimento judicial, daquela própria dos
trabalhadores em geral (art. 57, §1º, da
Lei n. 8.213 de 1991): MANDADO DE INJUNÇÃO. NATUREZA. Conforme disposto
no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de
injunção quando necessário ao exercício
dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há
ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de
declaração não é objeto da impetração,
mas premissa da ordem a ser formalizada. Mandado de injunção. Decisão.
Balizas. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada.
Aposentadoria. Trabalho em condições
especiais. Prejuízo à saúde do servidor.
Inexistência de lei complementar. Art. 40,
§ 4º, da Constituição Federal. Inexistente
a disciplina específica da aposentadoria
especial do servidor, impõe-se a adoção,
via pronunciamento judicial, daquela
própria aos trabalhadores em geral –
art. 57, § 1º, da Lei n. 8.213/91.
Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010
21
Depois disso, em 25 de outubro de 2007, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento dos Mandados de Injunção
ns. 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato
dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), buscando
assegurar o direito de greve para seus filiados, reclamando da
omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a
matéria, conforme determina o art. 37, inc. VII, da Constituição
Federal. (BRASIL, NOTÍCIAS..., 2007).
Na decisão, aquela Corte decidiu que, temporariamente, enquanto não houvesse lei regulamentadora do direito de
greve dos servidores públicos, fosse aplicada a eles a mesma
disciplina relativa aos trabalhadores em geral, ou seja, a Lei n.
7.783, de 1989.
Pode-se ver que, a partir da colação dos julgados, recentemente, o Supremo Tribunal Federal apresentou uma significativa evolução no entendimento da matéria, o que demonstra
uma real preocupação com a efetivação dos direitos e garantias
constitucionalmente previstos.
3.1 O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO CONTROLE
JURISDICIONAL
22
A inafastabilidade do controle jurisdicional está prevista no
inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que assim afirma:
a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito.
Referido dispositivo trata do princípio constitucional, segundo o qual fica assegurado o acesso aos órgãos judiciais a todo
aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos, não
sendo lícito à lei vedar esse direito.
Segundo diz Carvalho (2007, p. 654), é a inafastabilidade
do acesso ao judiciário, traduzida no monopólio da jurisdição,
ou seja, havendo ameaça ou lesão de direito, não pode a lei
impedir o acesso ao Poder Judiciário.
Se a Constituição garante a todos o direito de
acesso ao Judiciário, a tal direito deve
corresponder um dever jurídico. Seria o dever
de o Estado tutelar as posições jurídicas que
estejam realmente sendo lesadas ou
ameaçadas.
Nesse contexto, pode-se afirmar que, a princípio, o destinatário dessa norma é o legislador, que fica proibido de elaborar
normas jurídicas que impeçam ou restrinjam de maneira desproporcional o acesso aos órgãos jurisdicionais.
Dessa maneira, será inconstitucional qualquer norma jurídica que obste a possibilidade de uma busca pela prestação da
tutela jurisdicional àquele que se sentir lesado em seus direitos.
Além disso, por trás das poucas letras constitucionais revelase mais um verdadeiro significado para o postulado. Como destinatário do referido princípio deve ser considerado também o
aplicador da norma.
Sendo assim, o direito delineado no inciso XXXV do artigo
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5º da nossa Carta Magna expressa que, além da garantia do
conhecimento da lesão ou da ameaça de lesão pelo Poder
Judiciário, assegura que a tutela jurisdicional seja adequada,
verdadeiramente capaz de assegurar efetividade ao direito
material lesado ou ameaçado. [...] Assim é que, além de se ter
no legislador um destinatário da norma contida no artigo 5º,
XXXV, da CR, também o juiz deve ser entendido como destinatário daquele princípio (CÂMARA, 2004, p. 48 e 49).
Se a Constituição garante a todos o direito de acesso ao Judiciário, a tal direito deve corresponder um dever jurídico. Seria
o dever de o Estado tutelar as posições jurídicas que estejam
realmente sendo lesadas ou ameaçadas. A tutela a ser prestada
pelo Estado, porém, não pode ser meramente formal, devendo,
verdadeiramente, assegurar efetividade ao direito material lesado ou ameaçado para o qual se pretende a proteção. Em outras
palavras, ao direito de ir a juízo pedir proteção corresponde o
dever de o Estado prestar uma tutela jurisdicional adequada.
Como afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart (2008, p. 34), o direito de acesso à Justiça, portanto,
garante a tutela jurisdicional capaz de fazer valer de modo
integral o direito material.
A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada
nos acanhados limites do acesso aos órgãos jurisdicionais já
existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e, sim, viabilizar o acesso à
ordem jurídica justa (WATANABE APUD LENZA, 2008, p. 614).
Dessa maneira, o estudo quanto aos efeitos da decisão do
mandado de injunção deve partir do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, que garante, além do acesso à
justiça, a efetiva tutela do direito material posto à apreciação.
3.2 EVOLUÇÃO INTERPRETATIVA QUANTO AO MANDADO DE
INJUNÇÃO
O julgamento do Mandado de Injunção n. 721/DF, em 30
de agosto de 2007, representou uma significativa mudança de
entendimentos a respeito da eficácia das decisões em relação
a esta ação.
Em seguida, em 25 de outubro de 2007, da mesma forma,
o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, decidindo pela aplicação da
norma regulamentadora do direito de greve dos trabalhadores
em geral, Lei n. 7.783, de 1989, aos servidores públicos.
O entendimento jurisprudencial que orientava ser a decisão
do mandado de injunção uma decisão declaratória de omissão
do Poder Público já encontrava, nos votos de alguns ministros,
a sua controvérsia. A exemplo do que ocorreu no julgamento
do Mandado de Injunção n. 107/DF, no qual o Ministro Carlos
Velloso apresentou voto divergente, pode-se afirmar que o Supremo Tribunal Federal já acenava, embora minoritariamente,
por uma maior efetividade daquela ação.
Além disso, também se encontram, em outras decisões
mais antigas do Supremo Tribunal Federal, votos que refutam
a posição limitativa e tímida adotada por esta Corte. Foi o que
ocorreu no julgamento do Mandado de Injunção n. 20/DF, no
qual o Ministro Nery da Silveira reclamou por uma decisão mais
representativa.
Nele, o ministro afirmou que, à semelhança do mandado
de segurança, o mandado de injunção há de ter eficácia. De-
cisão em sentido contrário seria admitir
que a Corte decida sem que sua decisão
tenha eficácia.
No Mandado de Injunção n. 721/DF, o
Supremo Tribunal Federal, adotando a posição concretista individual direta, determinou
que se aplicasse a Lei n. 8.213, de 1991, à
servidora pública, viabilizando o direito inscrito no § 4º do art. 40 da Constituição Federal.
No caso, a inexistência de lei complementar
vinha obstando o direito de aposentadoria
por mais de quinze anos.
O Ministro Marco Aurélio, relator do
processo, iniciou seu voto lembrando
que a existência de disposições constitucionais dependentes de regulamentação levou o constituinte originário
de 1988 a prever, dentre os direitos e
garantias individuais, o mandado de
injunção, fazendo-o mediante preceito
a sinalizar a eficácia da impetração,
tendo em conta o exercício dos direitos
e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania.
Segundo Celso de Mello, em seu
voto proferido no Mandado de Injunção
542/SP, a omissão do Estado, que deixa
de cumprir a imposição constitucional,
qualifica-se como comportamento revestido de maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder
Público também desrespeita a Constituição [...] e impede [...] a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei
Fundamental.
A natureza jurídica do mandado de
injunção leva o seu pronunciamento a ganhar contornos mandamentais, a ganhar
eficácia maior, a ponto de viabilizar, consideradas as balizas subjetivas da impetração, o exercício dos direitos tutelados.
O mandado de injunção seria, então, um
instrumento capaz de revelar a lei fundamental como de concretude maior, abandonada visão simplesmente lírica.
Com a inserção do mandado de injunção no cenário jurídico-constitucional,
buscou-se tornar concreta a Lei Maior.
Dessa forma, ao agir, o Poder Judiciário
não lança preceito abstrato na ordem jurídica, mas apenas viabiliza, no caso concreto, o exercício do direito, da liberdade
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Nesse
caso, o pronunciamento judicial faz lei
entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando,
até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, qual seja, o suprimento da lacuna
regulamentadora pelo Poder Legislativo.
O Ministro Eros Grau, nos mesmos
autos, em voto de vista, sustenta que, havendo, sem qualquer dúvida, a mora legislativa na regulamentação do preceito,
a questão que deve ser analisada é quanto à eficácia das decisões do Supremo
Tribunal Federal: Importa verificarmos
é se o Supremo Tribunal Federal emite decisões ineficazes; decisões que se
bastam em solicitar ao Poder legislativo
que cumpra o seu dever, inutilmente. Se
é admissível o entendimento segundo o
qual, nas palavras do Ministro Néri da
Silveira, “a Suprema Corte do País decide sem que seu julgado tenha eficácia”.
Ou, alternativamente, se o Supremo Tribunal Federal deve emitir decisões que
efetivamente surtam efeitos, no sentido
de suprir aquela omissão.
ES e 708/DF, prevaleceu o voto do Ministro Gilmar Mendes. Nele, o ministro teceu considerações a respeito da questão
da conformação constitucional do mandado de injunção no Direito brasileiro e
da evolução que o Supremo lhe tem conferido. Ressaltou que a Corte, afastando
a orientação inicialmente perfilhada no
sentido de estar limitada à declaração
de existência da mora legislativa para a
edição de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso
com o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma
regulamentação provisória pelo próprio
Judiciário. Registrou, ademais, o quadro
de omissão que se desenhou, não obstante as sucessivas decisões proferidas
nos mandados de injunção.
No Mandado de Injunção n. 712/PA,
prevaleceu o voto do Ministro Eros Grau,
que conhecia do Mandado de Injunção
[...] o estudo quanto aos efeitos da decisão do mandado de
injunção deve partir do princípio da inafastabilidade do
controle jurisdicional, que garante, além do acesso à justiça,
a efetiva tutela do direito material posto à apreciação.
23
José Ignácio Botelho de Mesquita,
citado pelo Ministro Eros Grau no julgamento do Mandado de Injunção n. 721/
DF, sustenta que, não havendo norma
legal ou sendo omissa a norma existente,
cumprirá ao juiz decidir o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Dessa forma, não
será a falta de norma regulamentadora
que pode tornar inviável o exercício de
algum direito, mas, sim, a existência de
alguma regra ou princípio que proíba ao
juiz recorrer à analogia, aos costumes e
aos princípios gerais de direito para suprir a falta de norma regulamentadora.
Sendo assim, o mandado de injunção destina-se, apenas, à remoção de
obstáculo criado pela omissão do poder
competente, mediante a formação supletiva da norma faltante.
No caso, a atuação supletiva do Poder Judiciário, em atenção ao princípio
da independência e da harmonia entre
os Poderes, não importa permissão para
imiscuir-se indiscriminadamente no que
é da competência dos demais Poderes.
Trata-se, apenas, de dar remédio para a
omissão do poder competente.
Nos Mandados de Injunção ns. 670/
para remover o obstáculo criado pela
omissão e, supletivamente, tornar viável
o exercício do direito consagrado no art.
37, inc. VII, da Constituição Federal. Essa
remoção houve de ser feita a partir da
conjugação do exercício do direito de
greve pelo servidor público e das condições necessárias à coesão e à interdependência social, que a prestação continuada dos serviços públicos assegura.
No seu voto, o Ministro Eros Grau
afirma que o Poder Judiciário, no mandado de injunção, está vinculado pelo
dever-poder de formular supletivamente
a norma regulamentadora faltante.
Nesse caso, o Judiciário produziria norma, que se incorporaria ao ordenamento
jurídico, ocasionando algo semelhante ao
que há de se passar com a súmula vinculante. Esta, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado e aplicado.
3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo posicionamento do Supremo
Tribunal Federal demonstra uma radical
mudança no trato do assunto referente
ao mandado de injunção. Agora, como
afirma o Ministro Marco Aurélio, cabe ao
Supremo, porque autorizado pela Carta
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24
da República, a estabelecer, para o caso concreto e de forma
temporária, as balizas do exercício do direito constitucionalmente assegurado.
Segundo o ministro, é tempo de refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção,
ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e a harmonia
entre os poderes. Na verdade, existe uma frustração gerada pela
postura inicial daquela Corte, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo.
A busca pelo Judiciário vale-se da crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, obstada pela inércia do legislador.
Entender o mandado de injunção como ação declaratória resultaria em algo que não interessa ao cidadão.
Como afirma o Ministro Celso de Mello, no seu voto proferido nos autos do Mandado de Injunção n. 708/DF, o mandado de injunção deve traduzir significativa reação jurisdicional,
fundada e autorizada pelo texto da Carta política que, nesse
writ processual, forjou o instrumento destinado a impedir o
desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves
conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei
Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por
omissão – e prolongada inércia – do Poder Público.
O entendimento restritivo adotado pelo Supremo Tribunal
Federal por muitos anos não poderia mais prevalecer, sob pena
de se esterilizar a importantíssima função política-jurídica para
a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção. Este deve ser visto e qualificado como instrumento de
concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua
eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional. Com
isso, impede-se que se degrade a Constituição à inadmissível
condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade
ordinária do legislador comum. (MI 712-PA, VOTO DO MINISTRO CELSO DE MELLO).
Conforme assinalado pelo Ministro Celso de Mello, as situações configuradoras de omissão inconstitucional refletem
um comportamento estatal que deve ser repelido. A inércia do
Estado reveste-se, perigosamente, de um processo informal de
mudança da própria Constituição.
A inércia na regulamentação da Constituição constituiria um
verdadeiro desrespeito a sua normatividade.
É preciso proclamar que as constituições consubstanciam
ordens normativas cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por
ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar
que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e
omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria
autoridade da Constituição e afetem, em sua conseqüência,
o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura
normativa da Lei Maior.
A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais
traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve
ser evitado, pois nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que
elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir
integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que
se revelarem convenientes aos desígnios dos governantes, em
Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010
detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. (Idem).
É de se notar que os julgados acima referidos têm peculiar
característica: o fato de existir mora evidente do Legislativo para
regulamentar a disciplina do exercício dos direitos constitucionalmente assegurados. Não obstante, como afirma o Ministro
Eros Grau, já representa significativo avanço no trato das questões semelhantes. Para ele, a decisão proferida no mandado de
injunção se torna norma, incorporada ao ordenamento jurídico,
que passa a ser interpretada e aplicada. (MI 712-PA, VOTO DO
MINISTRO EROS GRAU).
4 CONCLUSÃO
De posse das considerações expostas neste trabalho, verifica-se que a tendência revelada pela jurisprudência, acatando os
posicionamentos dos processualistas modernos, busca, a todo
momento, dar ao Direito Processual a sua verdadeira função:
subsidiar meios de alcance ao efetivo direito material.
Foi o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal em relação aos efeitos da decisão proferida em mandado de injunção. Inicialmente entendia-se que a decisão proferida nos autos
de um mandado de injunção seria apenas uma declaração de
omissão do Poder Público, o que não trazia nenhum resultado
prático ao titular do direito material invocado.
Recentemente, com o julgamento dos Mandados de Injunção ns. 670-ES, 708-DF, 712-PA e 721-DF, parece que, a princípio, foi superado o referido entendimento. Neles, garantiu-se a
efetividade do direito invocado, suprindo a ausência de norma
regulamentadora que tornava inviável o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais.
É certo que o novo posicionamento não se aplica indistintamente a todos os casos de mandado de injunção. Em todos
esses julgamentos, a falta de norma regulamentadora inviabilizava o direito dos impetrantes há muitos anos, sendo, no caso,
flagrante a mora do Poder Público.
Não obstante, os julgados funcionam, ao menos em tese,
como paradigma para novos casos semelhantes e demonstram,
claramente, uma maior preocupação com a efetividade de direitos constitucionais.
Além disso, observa-se que os referidos julgamentos dão,
finalmente, ao mandado de injunção a sua verdadeira função,
que lhe foi conferida pelo constituinte originário, qual seja, tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania obstado pela falta de norma regulamentadora.
NOTA
1 O mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão constituem mecanismos de controle de inconstitucionalidade por omissão. No entanto, o primeiro é instrumento de tutela de direito subjetivo e a
segunda, instrumento de tutela de direito objetivo (PIOVESAN, 2003).
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8º, § 3º, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado
a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e
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reais (cf., art. 192, § 3º). Omissão do Congresso Nacional. Fixação de prazo para
legislar. Descabimento, no caso. Writ deferido. Mandado de Injunção n. 472/DF.
Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, DF, 06 set. 1995.
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Injunção n. 107/DF. Relator: Ministro Moreira Alves. Brasília, DF, 21 nov. 1990.
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do art. 195 da Constituição Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto
no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de Injunção n. 232/RJ. Relator: Ministro
Moreira Alves. Brasília, DF, 02 ago. 1991.
BRASIL. STF. Mandado de Injunção. Mandado de injunção coletivo. Direito de
greve do servidor público civil. Evolução desse direito no constitucionalismo
brasileiro. Modelos normativos no direito comparado. Prerrogativa jurídica assegurada pela constituição (art. 37, VII). Impossibilidade de seu exercício antes da
edição de lei complementar. Omissão legislativa. Hipótese de sua configuração.
Reconhecimento do estado de mora do Congresso Nacional. Impetração por
entidade de classe. Admissibilidade. Writ concedido. Direito de greve no serviço
público. Mandado de Injunção n. 20/DF. Relator: Ministro Celso de Melo. Brasília, DF, 19 maio 1994.
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Artigo recebido em 6/7/2009.
Artigo aprovado em 9/10/2009.
Cristina Giudice B. Henriques é analista judiciária no Tribunal
Regional do Trabalho da 1ª Região.
Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 48, p. 14-25, jan./mar. 2010
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