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INDÚSTRIA TÊXTIL NA BAHIA – O APOGEU NO
SÉCULO XIX E TENDÊNCIAS ATUAIS
Webber Stelling 1
Orientador: Prof. Dr. Fernando Pedrão 2
Resumo
Este artigo tem como escopo realizar uma abordagem histórica sobre a indústria têxtil
na Bahia, enfocando sua importância para a economia estadual no século XIX e os
fatores que a levaram à decadência no século seguinte. Objetiva também discutir as
oportunidades de reativação do setor, ressaltando suas possibilidades de dinamizar a
economia estadual.
Palavras-chave: indústria têxtil, Bahia, economia baiana.
Abstract
This paper aims to do an historic approach at the textile industry of Bahia, analyzing its
importance to the economy of this state in the 19th century and the facts that cause his
decline in the following century. It also discusses the opportunities of textile sector
reactivating, considering the possibilities of local economic increase.
Key-words: textile industry, Bahia, economy of Bahia (Brazil).
1
Economista formado pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e Especialista em Economia Baiana
pela Universidade Salvador – UNIFACS; trabalha na Desenbahia – Agência de Fomento do Estado da Bahia S/A, email: [email protected] .
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Livre-docente da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Professor do
Mestrado em Análise Regional da Universidade Salvador – UNIFACS.
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Introdução
A indústria têxtil é tradicionalmente uma das pioneiras na industrialização de
uma região ou país; por longo tempo, manteve significativa importância na história
econômica da Bahia. O estudo de sua evolução contribui para a compreensão das causas
da estagnação e decadência de um Estado que foi um dos mais industrializados do
Brasil na segunda metade do século XIX e décadas iniciais do século XX, época em que
os avanços obtidos levavam a crer que a antiga província manteria sua posição de
destaque na indústria nacional.
Fontes sobre indústria têxtil na Bahia são muito escassas – em geral, pode-se
contar apenas com dados quantitativos esparsos em jornais, arquivos de fábricas e
órgãos públicos, bem como breves comentários em publicações sobre temas mais
amplos, como indústria têxtil nacional ou desenvolvimento econômico da Bahia.
A trajetória da indústria têxtil baiana do século XIX ao terceiro quartel do século
XX, todavia, é minuciosamente descrita na tese de mestrado “Evolução de Uma
Empresa no Contexto da Industrialização Brasileira”, em que as atividades da
Companhia Empório Industrial do Norte, fundada em 1891 e representativa do auge do
setor têxtil baiano, são discorridas em detalhes. Constantes crises a partir da década de
1950 culminaram com o fechamento da empresa, em 1973.
Essa tese fo i a principal fonte utilizada na segunda seção deste artigo (A Velha
Indústria Têxtil), pois o comportamento da companhia e do setor têxtil revelou em que
medida os diversos condicionantes externos e internos foram favoráveis à
industrialização baiana nos períodos abordados.
A terceira seção (A Indústria Têxtil Baiana nos Primórdios do Século XIX) é
consagrada às mudanças que se observaram com o advento da República, época em que,
se por um lado a Bahia ainda se destacava na indústria nacional, já se mostravam
presentes os fatores que prenunciavam sua involução.
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Dedica-se a quarta e última seção às conclusões, buscando-se compreender os
motivos que levaram o ramo têxtil baiano, que foi o mais importante da indústria
estadual de 1830 a 1950, a um processo de decadência que acompanhou a contínua
perda de importância da economia nordestina em relação ao Centro-Sul do País, região
em que se processou uma industrialização mais duradoura. Apontam-se também nesta
seção tendências e possíveis vantagens da criação de cadeias produtivas têxteis com
utilização do algodão e fibras sintéticas, hipótese que seguiria as diretrizes para o
desenvolvimento econômico previstas no Plano Plurianual do Governo do Estado.
A Velha Indústria Têxtil
Para se compreender a história da indústria têxtil na Bahia, faz-se necessário
rever os fundamentos da economia brasileira nos períodos colonial, imperial e da
República Velha, o que se pretende expor resumidamente neste artigo, na medida em
que for explicitada a evolução desse ramo industrial, outrora expressivo no cenário
econômico baiano.
Ciclos de média e longa duração, ligados a atividades primárias voltadas para o
mercado externo – culturas de cana-de-açúcar, fumo, algodão, cacau e café, por
exemplo – predominaram na história econômica brasileira e baiana. Como
conseqüência, variáveis exógenas, depreciando esse produtos “únicos” de exportação,
freqüentemente afetaram de forma negativa as frágeis economias nacional e local.
Os anos anteriores à Independência foram particularmente críticos: a decadência
da economia açucareira, sem competitividade para enfrentar a concorrência das
Antilhas, e a exaustão das minas de ouro e pedras preciosas no século XVIII resultaram
em uma longa recessão. O enfraquecimento do principal setor econômico brasileiro, o
agroexportador, entre fins do século XVIII e a primeira metade do século XIX, consistiu
em forte desestímulo para a industrialização no Brasil, inibindo a formação de poupança
em um ambiente econômico com crônica escassez de capitais.
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A produção têxtil no período colonial, ainda sob a forma de artesanato, foi
reprimida por diversos decretos que, entre 1766 e 1785, proibiram a fabricação de
tecidos de algodão na colônia, conseqüência direta das pressões inglesas sobre Portugal.
Apesar de constantemente burlados, esses decretos determinaram, em conjunto com a
própria estrutura social, atrasos na transição para formas mais modernas de produção.
A transferência da família real em 1808 trouxe consigo a revogação desses
decretos; adicionalmente, o Alvará de 28/04/1809 criou isenções e privilégios para os
pioneiros da indústria brasileira. Surgiram fábricas privilegiadas, que, todavia, não
suportaram a concorrência inglesa, mormente a partir do Tratado de 1810, instrumento
de política imperialista que concedeu imensos privilégios à Inglaterra no comércio com
o Brasil, atrofiando sua incipiente industrialização.
Celso Furtado aponta a forte queda nos preços dos têxteis ingleses nos primeiros
decênios do século XIX como obstáculo à subsistência do artesanato têxtil então
existente. Segundo o mesmo autor, nos períodos compreendidos entre 1821/1830 e
1841/1850, enquanto os preços dos produtos importados permaneceram estáveis, houve
decréscimo de cerca de 40% nos preços de produtos de exportação brasileiros –
basicamente açúcar, fumo e algodão –, origem de constantes déficits na balança
comercial da jovem nação.
Cabe assinalar que os têxteis ingleses tiveram seus preços minorados por
redução de custos de produção através da incorporação de novas tecnologias; a queda
dos preços das “commodities” brasileiras deveu-se à concorrência de outras praças
coloniais, como as Antilhas, para onde haviam emigrado os judeus produtores de açúcar
expulsos do Brasil, então colônia portuguesa, no século anterior. Enquanto a Inglaterra
firmava-se como a grande potência econômico- militar do mundo, o Brasil perdia
progressivamente a competitividade de seus produtos de exportação.
Medidas protecionistas, como a elevação de alíquotas de importação, não seriam
suficientes para estancar a crise que assolava a economia brasileira pós-independência.
Somente com a ascensão do café, incrementada na segunda metade do século, o setor
agroexportador, base da economia (periférica) brasileira, recuperar-se- ia, gerando uma
acumulação de capitais que, muito mais que as políticas protecionistas lançadas à época,
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possibilitaria o surgimento de um surto de industrialização mais duradouro que o
observado na década de 1840.
Costuma-se apontar o ano de 1844 como marco inicial do desenvolvimento
industrial brasileiro no século XIX, embora anteriormente algumas poucas indústrias
tenham sido fundadas. Segundo Nelson de Vincenzi, a primeira fábrica de tecidos
nacional foi criada no ano de 1814, em Vila Rica (MG). Heitor Ferreira Lima sustenta
que entre 1822 e 1841 o total de fábricas brasileiras alcançou 14 unidades, sendo apenas
duas sociedades anônimas; presume-se, através da análise de documentos da época, que
a maioria dessas plantas fosse têxtil.
Acredita-se que as primeiras fábricas de tecidos baianas datam da década de
1830, hipótese baseada em registros históricos como a fala do Presidente da Província
da Bahia João dos Reis de Souza Dantas (1882) e a do também Presidente da Província
da Bahia Francisco Gonçalves Martins (1849), que informam, respectivamente, sobre a
criação de uma fábrica em Santo Antônio do Queimado (1834) e uma denominada
“fábrica da Conceição”, que segundo o texto original, “trabalhou em proporções
menores nos anos de 1835 a 1837”.
As primeiras indústrias têxteis brasileiras predominantemente se instalaram em
cidades, pois assim se localizavam próximas a fatores de produção como mão-de-obra e
energia, bem como se beneficiavam da infra-estrutura pré-existente. Outras
características dessa fase foram desconcentração regional – o mercado consumidor
estava distribuído de forma relativamente homogênea – e exploração de faixas de
mercado marginais, pouco interessantes para o capital externo.
Destarte, essas pioneiras indústrias produziram fazendas grosseiras, destinadas à
confecção de embalagens de produtos para exportação e roupas para os escravos, bens
produzidos artesanalmente desde os tempos coloniais. A especialização local em tecidos
grosseiros é explicada pelos altos preços que os tecidos finos e luxuosos atingiam,
mesmo antes da Revolução Industrial, o que fez com que a esmagadora concorrência
inglesa não ocupasse essa fatia menos rentável do mercado. Essa primitiva indústria
têxtil foi estimulada através da concessão de descontos na tributação de produtos
exportados em sacos de fabricação nacional, fato que comprovadamente ocorreu na
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Província da Bahia em 1846.
A próxima indústria têxtil a se instalar na Bahia da qual se tem conhecimento foi
a “Todos os Santos”, na cidade de Valença. Sobre sua data de fundação, há
controvérsias, porém os registros mais confiáveis – a própria documentação da empresa
– apontam o ano de 1844. Foi a maior e mais importante fábrica de tecidos do século
XIX e, segundo Rômulo Almeida, ficou conhecida como a melhor do Império e, talvez,
da América do Sul.
A Fábrica de Tecidos Todos os Santos foi a primeira indústria nacional movida
por energia hidráulica, ocupando até 300 operários, em sua maioria mulheres. Marco da
industrialização baiana contemporânea, foi visitada por D. Pedro II em 1860. Consistia
em um complexo industrial formado por barragem, comportas, canais, edifícios, fornos
de fundição e oficinas, dos quais só restam atualmente as ruínas do edifício principal
(originalmente com cinco pavimentos), barragem, canais e algumas pontes. Projetada e
implantada pelo engenheiro norte-americano Carson, era acionada por rodas d’água
localizadas no subsolo, para onde foi deslocado parte do caudal do Rio Una.
As duas rodas d’água, com potências máximas de 45 e 35 cavalos mecânicos –
trabalhando efetivamente com 30 e 20 cavalos mecânicos, respectivamente –
transmitiam a força hidráulica aos filatórios e aos teares, instalados nos pavimentos
superiores. Sua produção média era de 4.000 varas 3 de tecidos por dia.
Essa grande indústria funcionou durante trinta anos com alta ociosidade, devido
a problemas com o abastecimento de matérias-primas e na colocação de seus produtos
no mercado. Após ser incorporada pela “Valença Industrial”, em 1887, sua produção
integrou-se com a da Fábrica Nossa Senhora do Amparo no último quartel do século
XIX, comunicadas através de um complexo sistema de comportas – extremamente
avançado para a época – que possibilitava a transposição da segunda cachoeira do Rio
Una (contada a partir da foz).
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A mídia eletrônica “Dicionário Aurélio – Século XXI” apresenta, dentre outras, as seguintes acepções para vara:
“Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a cinco palmos, ou seja, 1,10metro. Porção de tecido com o
comprimento dessa medida”.
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Existiu também por essa época uma fábrica denominada “São Carlos do
Paraguassú”, de cuja existência, em 1857, faz-se referência em um ofício ao Presidente
da Província, este último datado de 1861.
O período de 1840 a 1846 foi marcado pela recuperação econômica na Bahia:
estabeleceram-se a Associação Comercial e a Companhia para Introdução e Fundação
de Fábricas Úteis na Província da Bahia, bem como foram implantadas fábricas de papel
e tecidos, além de novos engenhos. Outrossim, foram descobertas jazidas de diamantes
na Chapada Diamantina e fundou-se o Banco Comercial da Bahia em 1845.
Apesar dessa recuperação econômica, o breve ciclo de expansão industrial de
1844 foi rapidamente impactado por vários fatores negativos: concorrência externa e
entre províncias, altos impostos, custos elevados de matéria-prima, dependência externa
para aquisição de maquinário, combustíveis e outros insumos e instabilidade das
políticas alfandegárias. Conseqüentemente, em 1846 as fábricas de tecidos de Valença e
os engenhos da Conceição e do Queimado entraram em sérias dificuldades.
A fragilidade dessas fábricas pioneiras era evidenciada quando ocorriam
mudanças na tecnologia de transportes, reduzindo custos de importação, que
freqüentemente alteravam as condições de equilíbrio com a concorrência estrangeira e
entre regiões/províncias, de forma que para proteger sua fatia de mercado os industriais
da época reivindicavam a criação de tarifas alfandegárias interprovinciais e o
protecionismo.
A década de 1840 também assistiu ao término da vigência dos acordos
comerciais firmados nos primórdios do século, principalmente com a Inglaterra. As
tarifas alfandegárias passaram então a oscilar entre 2% e 60%, frustrando as
expectativas dos setores industrialistas. A maioria dos produtos estrangeiros, inclusive
os têxteis, foi taxada em apenas 30%; o próprio Ministro da Fazenda, Alves Branco,
reconhecia a ineficácia dessas barreiras para proteger a nascente indústria nacional,
reflexo da subordinação do protecionismo brasileiro do século XIX às exigências
fiscais, predominantes nessa primeira reforma tarifária e em todas as subseqüentes,
abrangendo o fim do Império e princípios da República Velha.
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As políticas alfandegárias merecem atenção mais acurada na análise do processo
de industrialização brasileira do século XIX. A cobrança de tarifas sobre produtos
importados era a principal fonte de receitas para o setor público durante aquele século,
especialmente em sua segunda metade, fato que se poderia esperar de um país cuja
principal atividade econômica era a grande lavoura de exportação. Com o controle do
Estado, os grandes fazendeiros da época repassavam os custos da manutenção de
políticas de defesa do setor agrário à sociedade como um todo – os crescentes gastos
governamentais com subsídios e acumulação de estoques eram financiados pelo
aumento de tarifas alfandegárias.
Embora em alguns momentos houvesse uma certa conciliação de interesses entre
industriais e agricultores, pois estes forneciam localmente matérias-primas àqueles – o
que levou ao surgimento dos conceitos de indústria “natural” e “artificial”, em função
do fornecimento de matérias-primas ser local ou não – , prevaleceram os interesses dos
agricultores nas reformas tarifárias do Império e da República Velha, ou seja, pequena
tributação sobre o setor agrário compensada por tarifas alfandegárias que
freqüentemente encareciam a importação de máquinas, equipamentos e insumos em
geral para a indústria.
Ao contrário dos fazendeiros e comerciantes, grupos relativamente coesos, os
próprios industriais em ascensão freqüentemente se desuniam, afastados por interesses
contraditórios, como os fabricantes de fios e industriais do ramo de tecelagem: estes
buscavam facilitar a importação de fios estrangeiros, mais baratos que os nacionais,
enquanto os primeiros, obviamente, eram favoráveis à implantação de fortes barreiras à
entrada desses insumos.
Outro componente da “Velha Indústria Têxtil” baiana foi a “Fábrica Nossa
Senhora do Pilar”, registrada na Junta Comercial em 1873. Não há mais provas de
continuidade de suas atividades; todavia, os nomes dos mesmos sócios fundadores da
fábrica do Pilar constam em outro documento de venda de uma fábrica chamada
“Bonfim” ou “Progresso” – todas as três denominações aparecem em diversos textos de
autores fidedignos, com os mesmos fundadores, capital inicial e endereço, o que faz
supor tratar-se do mesmo empreendimento, mais citado como “fábrica Bonfim”.
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Entre 1870 e 1875 surgiram quatro fábricas de tecidos, quantidade jamais
atingida em período semelhante no Estado. Após esse “boom” têxt il, somente foi
fundado novo estabelecimento fabril do ramo em 1890, com a implantação da
“Companhia Fabril dos Fiaes”, que utilizou a juta como principal matéria-prima. Apesar
da aparente calmaria desses 25 anos, a partir de 1887 o setor foi marcado por um
processo de concentração, com o surgimento de sociedades anônimas que
protagonizaram fusões: a “Companhia União Fabril da Bahia” consistia de seis unidades
fabris; a “Companhia Progresso Industrial da Bahia” reunia duas fábricas; e a empresa
“Valença Ind ustrial” incorporou duas fábricas em 1887.
Atualmente denominada Valença Têxtil, a Valença Industrial permanece em
atividade até os dias hodiernos, após várias modificações em seu controle acionário.
Localizada à margem do Rio Una, na altura de sua primeira cachoeira, era acionada por
rodas d’água e foi visitada por D. Pedro II, ocasião em já havia sido construída uma
comporta para embarcações de porte médio transporem a queda d’água. Posteriormente,
houve a instalação de turbinas geradoras de energia elétrica, que além de abastecer a
fábrica, iluminavam a cidade de Valença. Seu crescimento, em paralelo ao crescimento
populacional do município, determinou a construção da Usina Hidrelétrica do
Candengo, em 1922, ampliada na década de 1930.
Em 1891, fundou-se a Companhia Empório Industrial do Norte, com instalações
inteiramente novas, que se tornou a maior da Bahia. Maiores detalhes sobre essa
empresa serão expostos na próxima seção, após uma breve análise sobre o setor têxtil e
a conjuntura econômica baianos na segunda metade do século XIX.
As unidades fabris da Velha Indústria Têxtil baiana eram de pequeno porte: a
fábrica de Santo Antonio do Queimado possuía em 1848 somente 10 teares e 700 fusos;
a fábrica Todos os Santos em 1841 tinha 48 teares – mesmo número apresentado pela
Nossa Senhora de Amparo em 1860 – e 1.500 fusos. Números semelhantes são
observados em outros empreendimentos baianos contemporâneos.
Embora
classificadas
como
de
pequeno
porte
em
comparação
a
empreendimentos congêneres da Europa e da América do Norte, essas fábricas eram de
grande envergadura para a realidade do Brasil da época: a tecelagem baiana era a grande
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indústria nacional do século XIX e manteve-se importante na economia baiana durante a
primeira metade do século XX.
Inicialmente, a maior parte da matéria-prima era local, oriunda do província:
entre 1875 e 1876 o consumo de algodão deve ter atingido de 800.000 a 900.000
quilogramas, situação que não se manteve após essa data, quando outros estados
nordestinos passaram a forne cer o algodão. Há indícios que a precariedade dos
transportes dificultava o escoamento do algodão para o Recôncavo; outrossim, as
lavouras de algodão são altamente suscetíveis a pragas, o que as torna itinerantes.
Existem poucos dados comparativos da produção baiana em relação à nacional;
estima-se, todavia, que no ano de 1875, a produção local, avaliada em cerca de
3.700.000 metros, equivalia a um terço da produção nacional, hipótese coerente com a
participação da Bahia no número de estabelecimentos nacionais (vide Tabela 1).
O forte declínio da lavoura açucareira, acentuado na segunda metade do século
XIX, foi parcialmente compensado na Bahia por dois novos produtos agrícolas: o cacau,
que representou 1,5 % do valor das exportações brasileiras na década de 1890, e o fumo,
com crescente aceitação no mercado europeu. Essa substituição de “plantations”,
entretanto, não foi suficiente para devolver a hegemonia da agricultura baiana, pois o
centro da economia nacional já se havia deslocado para o Sudeste.
Por outro lado, na década de 1860 dois eventos isolados indiretamente
incentivaram a indústria têxtil baiana: as dificuldades financeiras motivadas pela Guerra
do Paraguai, que forçaram a elevação das tarifas alfandegárias de modo generalizado, e
a Guerra Civil Americana, que, com a paralisação da cotonicultura dos estados sulistas
americanos, incentivou a cultura do algodão no Brasil, barateando a principal matériaprima têxtil da época.
Não foram esses eventos bastantes para sustentar o crescimento da econo mia
local. Sem condições climáticas e geológicas para aderir à onda cafeicultora, que
deslocou o centro da economia brasileira para o eixo Rio/São Paulo, a Bahia foi
perdendo sua proeminência no setor têxtil – enquanto em 1866, ainda sob os benéficos
efeitos da Guerra de Secessão sobre as exportações baianas, mais de 50 % do parque
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industrial estava na Província, em 1875, de um total de 30 estabelecimentos, apenas 11
eram baianos, como pode ser observado na tabela a seguir.
TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA ESTIMADA DAS FÁBRICAS
BRASILEIRAS DE TECIDOS
1866, 1875, 1885
PROVÍNCIA
1866
1875
1885
Maranhão
1
1
Pernambuco
1
1
Alagoas
1
1
1
Bahia
5
11
12
Rio (estado e D.F.)
2
5
11
6
9
1
5
13
9
30
48
São Paulo
Minas Gerais
TOTAL
Fonte: Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1972.
O crescimento do consumo mundial de café também foi responsável pela
melhoria econômica do País no último quartel do século XIX; nas duas últimas décadas
desse século era o produto mais exportado pelo Brasil. A acentuada expansão da
cafeicultura culminou por criar mercados regionais, principalmente após a Abolição,
através do crescimento da força de trabalho livre – gerando maior demanda de produtos
de consumo, como alimentos para subsistência da nova classe trabalhadora – e da maior
procura por serviços de transporte para escoamento da produção. Conseqüentemente,
aumentou também a demanda por fazendas grosseiras para o ensacamento do café e
para as roupas dos escravos e trabalhadores livres.
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Por outro lado, a recuperação da economia através de um produto primário de
exportação reforçou a ideologia do “destino agrário do Brasil”, fortalecendo
politicamente os grupos ligados à grande lavoura baseada no trabalho escravo. Assim, a
ideologia e a práxis liberais, que se traduziam na Europa como o desenvolvimento do
capitalismo industrial, na sociedade brasileira eram convertidas pelas forças
conservadoras em idéias fundamentadas no binômio exportação de produtos primários,
importação de manufaturados.
Não havendo uma classe industrial com expressividade política, predominaram
portanto os interesses fiscais em todas as reformas tarifárias no Brasil da economia
cafeeira. Assim, novamente os interesses agrário-comerciais sufocaram os anseios dos
setores industrializados da sociedade brasileira; o liberalismo periférico tupiniquim era
o oposto do pragmatismo de jovens nações como os Estados Unidos e o Japão, que, com
populações mais homogêneas quanto à distribuição da renda, adotaram, desde essa
época, políticas firmes e coerentes de incentivo à indústria.
Ainda assim, apesar de tantos ciclos de queda e ascensão, o final do século XIX
revelava uma Bahia com industrialização ainda destacada dentro do contexto nacional,
porém em processo de contínua perda de importância a nível nacional: em 1890, a
proporção de fábricas na Bahia era a nona parte do total nacional. A indústria baiana,
segundo Góes Calmon, registrava a presença de 123 fábricas em atividade na Bahia em
1892, principalmente concentradas na agroindústria do açúcar e nas fábricas de tecidos,
estas predominantemente instaladas na capital e no Recôncavo – raízes da concentração
espacial verificada até a atualidade – e responsáveis pela criação de uma economia
urbano- industrial, em paralelo com o comércio e a exportação de produtos agrícolas.
O final do século foi marcado pela relativa abundância de fábricas de tecidos,
modernizadas e ampliadas, pelas novas fundições e fábricas de charutos no Recôncavo,
pela abertura de novas vias de transporte para o interior, com destaque para as estradas
de ferro conectando os rios Paraguaçu e São Francisco à capital. Embora existisse esse
ambiente de prosperidade, persistiram as crises financeiras e a decadência nas lavouras
de cana e algodão, e, prenúncio da decadência no século seguinte, a Abolição da
Escravatura e a Proclamação da República desorganizaram a economia local,
fundamentada no trabalho escravo, e enfraqueceram politicamente a Bahia no cenário
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nacional, por sua ativa defesa da Monarquia.
A Indústria Têxtil Baiana nos Primórdios da República Velha
Com o advento da República, a política alfandegária permaneceu essencialmente
fiscal, a serviço dos interesses dos cafeicultores. Entretanto, com o intuito de conquistar
o apoio dos setores industrialistas – necessário para a consolidação do novo regime – a
reforma promovida por Rui Barbosa trouxe alguns benefícios indiretos para a indústria
têxtil:
-
entrada livre para produtos químicos destinados a adubos ou corretivos para
culturas agrícolas ligadas à indústria;
-
isenção e/ou redução de tarifas para importação de máquinas, ferramentas e
outros bens de capital;
-
diminuição de taxas sobre importação de matérias-primas para a indústria
nacional, em paralelo a um acréscimo dos direitos sobre manufaturados que
já fossem produzidos internamente.
As contas externas não estavam equilibradas: os estoques de divisas,
provenientes da exportação de produtos agrícolas, eram insuficientes para as
necessidades de importação – consumo e formação de capital – e para o pagamento do
serviço da dívida externa. A política econômica deflacionista adotada por Campos
Sales, em cumprimento ao “Funding- Loan”, provocou inúmeras falências, incluindo 17
bancos.
Como conseqüência da retração geral da atividade econômica, somou-se à
escassez de moeda estrangeira a insuficiência de meio circulante nacional, agravada
pela abolição da escravatura, que ampliou necessidades de pagamento de salários.
Assim, em 1889, a execução de uma lei de 1888 – promulgada ainda no Império
– que permitia aos bancos emitir moeda, iniciou um processo de expansão monetária,
que ficou conhecido na história do Brasil como “Encilhamento” – nome dado à época
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ao local do hipódromo do Rio de Janeiro em que eram realizadas as apostas – , gerando
um surto inflacionário sem precedentes. As emissões, que em princípio tinham como
finalidade o aquecimento das atividades econômicas, prejudicadas no Nordeste também
por uma grande seca na década de 1890, cederam em pouco tempo espaço para
atividades puramente especulativas, tais como sociedades fabulosas que pouco tempo
depois tiveram seu capital social esvaído.
Na Bahia, essa bolha especulativa fez surgir 32 companhias entre 1890 e 1891.
Em 1891 a bolha especulativa estourou: títulos de crédito perderam seu valor e
multiplicaram-se as falências, com o agravamento do processo inflacionário.
Por outro lado, como já foi mencionado, ao final do século XIX a economia
baiana exibia sinais de uma industrialização expressiva para o Brasil da época: havia
123 fábricas no Estado, sendo 12 de tecidos, todas em atividade. O período
compreendido entre o final do século XIX e a década de 1930 é considerado o auge da
indústria têxtil baiana. Houve uma concentração de empresas, exemplificada pelas
Companhia União Fabril da Bahia (resultante da fusão de cinco fábricas em 1891) e
Companhia Progresso Industrial da Bahia, que incorporou as fábricas Todos os Santos e
Nossa Senhora do Amparo em 1887. Data também desse período a criação da
Companhia Empório Industrial do Norte.
Nessa fase é observado o ingresso de capitais ingleses nas fábricas baianas,
reflexo da expansão do capitalismo internacional característica dessa fase da história
contemporânea. Um exemplo é a Companhia Fabril dos Fiaes, que possuía, dentre seus
fundadores, Archibald Mac Nair, Arthur Henry Willcox, Charles Vaughan e James
Scott Withnall, todos comerciantes ingleses de Manchester, o primeiro radicado na
Bahia.
Em 1891 foi fundada a União Fabril da Bahia, sociedade anônima fruto da
reunião de seis fábricas: Santo Antônio do Queimado, Nossa Senhora da Conceição,
São Carlos do Paraguassu (em Cachoeira), Modelo, São Salvador e Nossa Senhora da
Penha. Esse conjunto de plantas empregava 805 empregados, 358 teares e 15.885 fusos.
Nesse mesmo ano foi fundada a Companhia Progresso Industrial, incorporando as
unidades fabris de São Braz e do Bonfim. Seus empregados somavam 500 almas; havia
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208 teares e 7.997 fusos.
O apogeu da indústria têxtil na Bahia é bem representado através da Companhia
Empório Industrial do Norte, fundada em 04/03/1891, maior e mais importante de seu
setor à época, destacando-se pela modernidade e progressividade. Foi fundada por Luiz
Tarquínio, Leopoldo José da Silva e Miguel Francisco Rodrigo de Moraes, ricos
comerciantes que possuíam largas visão e competência, comprovadas pelo planejamento
minucioso da fábrica e pelo sucesso nas primeiras décadas do empreendimento, que
esteve entre as 11 maiores fábricas de tecido do Brasil.
Corroborando essa visão progressista, destacava-se a excelente assistência
dispensada aos operários: boas casas na Vila Operária, escola para seus filhos, com
turno noturno para os adultos, serviços médicos e farmacêuticos gratuitos,
abastecimento de água e coleta de esgotos, armazéns e creche.
Tantos benefícios causaram espanto nesses anos pós-abolição, gerando até
suspeita de iniciativas socialistas, embora o próprio Luiz Tarquínio justificasse essas
medidas como geradoras de maior eficiência e lucro, através de cálculos que
demonstravam que os gastos com a Vila seriam menores que o prejuízo econômico
gerado pelo absenteísmo maior, se os operários morassem longe de seu local de
trabalho.
Embora entre suas leituras constassem autores socialistas, suas idéias e
concepção de trabalho, de forte inspiração britânica, eram as de um liberal. Seus pontos
de vista foram divulgados, entre outros públicos, na própria fábrica, em um pequeno
jornal, “O Operário”, em que procurava imbuir o operariado de concepções tipicamente
vitorianas: o valor do trabalho, a disciplina consciente, a poupança, a moralização dos
costumes, idéias julgadas necessárias para a transição de uma sociedade escravocrata
para uma industrial.
O operariado baiano era considerado adequado às lides industriais. Embora sem
experiência prévia, muitos empresários da época fizeram elogios à sua disposição e
empenho no trabalho, desde que bem dirigidos e treinados; era uma sociedade com
baixíssimos níveis de educação e escassez de emprego: os trabalhadores recrutados,
16
esforçavam-se para usufruir uma oportunidade real de melhorar suas condições de vida.
A fábrica, localizada em Boa Viagem, contava com 697 operários e 899 teares
em sua fundação. Foi uma das 29 companhias criadas na Bahia em 1891, em pleno
Encilhamento – a maioria dessas empresas não sobreviveu por muito tempo, exceto as
que operaram nos ramos de fiação e tecelagem de algodão. Nessa época a indústria
têxtil reunia quase a quarta parte dos capitais aplicados em novos empreendimentos; por
sua vez, o capital da Companhia Empório Industrial do Norte correspondia à quinta
parte do capital aplicado em seu setor. Após dois anos de funcionamento, a unidade era
responsável pela terça parte da mão-de-obra empregada, por quase dois terços dos teares
e quase a metade da produção da indústria têxtil baiana.
Essa empresa resistiu a diversas crises, exportando produtos para quase todos os
Estados brasileiros e também para o exterior, em épocas mais favoráveis; foi fechada
em 1973, em meio a diversas circunstâncias negativas.
Outra empresa dessa época foi a Companhia Valença Industrial (CVI), fundada
em 1899 e sucessora da “Empreza Valença Industrial”, citada anteriormente. Opera até
a atualidade no mercado nacional de tecidos de algodão, após diversas mudanças de
propriedade: hodiernamente pertence ao grupo cearense Têxtil União, dedicando-se à
fabricação de tecidos de brim, com produção de cerca de 1,3 milhão de metros/mês. É
uma das mais antigas fábricas de tecidos em operação no País e a única a funcionar na
Bahia.
Assim, também no início da República Velha a produção baiana de têxteis
mantinha-se em destaque no cenário nacional, situação que foi progressivamente se
deteriorando ao longo do século XX.
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Conclusões
Nos primórdios do século XIX, o “Porto da Bahia” era responsável por mais de
80% do comércio entre colônia e metrópole, com destaque para os tecidos como objeto
de importação. Apesar de sua importância para a economia colonial, ou justamente por
causa dela – vide a célebre frase de Eduardo Galeano, “a importância de não ser
importante”, referindo-se às diferenças de desenvolvimento das ex-colônias de
povoamento em relação às colônias de exploração, estas importantes para as economias
metropolitanas – a Bahia perdeu sua posição no cenário da industrialização brasileira ao
longo do último século, com o crescimento da monocultura do café, que deslocou o
centro da economia para o Vale do Paraíba – dizia se no final desse século “o Brasil é o
Vale”.
Assim, as primeiras indústrias têxteis originaram-se de capitais acumulados pela
lavoura canavieira e pela mineração – atividades em franca decadência no século XIX –
que dessa forma buscaram outras alternativas de valorização. Em meados do mesmo
século, a origem do capital industrial passou a ser predominantemente o capital
comercial: os fundadores das indústrias têxteis em geral eram comerciantes que
buscavam diversificar suas atividades produzindo fios e tecidos, especialmente quando
as oscilações cambiais eram desfavoráveis para as casas importadoras, que então
passavam a produzir localmente mercadorias anteriormente importadas. Passado o
período de taxas altas de câmbio, essas indústrias evidenciavam suas fragilidades e
freqüentemente encerravam suas operações.
Outra característica desse processo de industrialização foi a concentração
espacial, fruto da necessidade imperativa de localização próxima aos centros urbanos de
maior porte, dada a precariedade dos meios de transporte: das dez fábricas baianas
operando entre 1875 e 1889, sete situavam-se em Salvador e três no Recôncavo – destas
últimas, duas em Valença e uma em Cachoeira. A Bahia até hoje ainda sofre os efeitos
dessa concentração de atividades econômicas na capital e no Recôncavo, agravada pela
escassez de alternativas para o desenvolvimento do semi-árido.
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Além dessa procura de atividades rentáveis pelos capitais da velha economia
canavieira e da intermediação comercial, a estruturação do setor têxtil na Bahia deveuse também à abundância de matéria-prima – mormente o algodão, principal matériaprima têxtil no mundo até hoje – e recursos hídricos na Região do Recôncavo, utilizados
inicialmente como fonte direta de energia (hidráulica) e necessários para o
funcionamento de hidrelétricas construídas pelas próprias indústrias têxteis.
Encarada como atividade marginal, secundária, a industrialização baiana não foi
duradoura, pois a economia estadual sempre se baseou em uma agricultura sem
sustentabilidade. O capitalismo periférico baiano fundamentava-se mais na especulação
comercial – os lucros da cana-de-açúcar foram predominantemente acumulados pelos
intermediários entre a colônia e a metrópole – e, mesmo após a ascensão de uma elite
agrário-exportadora, fenômeno observado no “ciclo” do cacau, a renda sempre foi muito
concentrada, impedindo um desenvolvimento regional sustentado, com a aplicação dos
lucros auferidos pelos latifundiários em outras regiões.
Outrossim, as políticas governamentais do século XX privilegiaram os centros
cafeicultores, localizados nos estados do Sudeste, como locais de desenvolvimento
industrial do País. Ademais, quando o Sudeste se industrializou a economia mundial se
encontrava em nova fase, com matriz industrial diferenciada da do século anterior,
baseada na energia elétrica; os novos tempos eram movidos a petróleo e a indústria
baiana, descapitalizada, não pôde modernizar seus equipamentos, contínua e
progressivamente perdendo sua competitividade – daí as inúmeras falências no século
XX.
A economia brasileira na segunda metade do século XIX foi agraciada pela
recuperação econômica, fundamentada no incremento na quantidade de produtos
exportados e, principalmente, no aumento de preços dessas mercadorias primárias –
basicamente café e borracha. Especificamente na Bahia, dois produtos substituíram a
decadente lavoura açucareira: o cacau, que chegou a atingir 1,5 % do valor total das
exportações brasileiras, e o fumo, graças à elevação de seu consumo na Europa , apesar
de sua produção ser considerada “lavoura de pobre”, realizada em pequenas
propriedades. Entretanto, a ascensão desse produtos foi suficiente apenas para
compensar a derrocada da monocultura da cana-de-açúcar.
19
A balança comercial brasileira, que entre o longo período compreendido entre
1823 e 1860 havia registrado apenas nove exercícios superavitários, de 1861 a 1900
tornou-se sempre favorável, excetuando-se três exercícios deficitários. Os empréstimos
internacionais, que entre 1824 e 1852 destinavam-se preponderantemente à cobertura de
déficits, dívidas flutuantes, juros e amortizações, entre 1858 e 1889 destinaram-se, em
sua maioria, a obras de infra-estrutura, principalmente à construção de estradas de ferro,
que beneficiaram o novo eixo de prosperidade econômica nacional: a economia do café.
Assim, nos séculos XIX e XX, a criação de um mercado regional, abrangendo as
províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, com implantação de uma
malha ferroviária e ampliação do mercado consumidor – graças aos incentivos à
imigração, mesmo minorados pela exploração a que esses imigrantes eram submetidos
pelos barões do café – contrastava com a estagnação do capitalismo baiano; dados
apresentados por Celso Furtado demonstram que houve perda de renda per capita em
relação ao Sudeste já em meados do século XIX.
Como exemplo de insustentabilidade do desenvolvimento com renda
extremamente concentrada, típico da realidade baiana, a monocultura do cacau na
região de Ilhéus/Itabuna, sem maior diversificação de atividades produtivas, impediu o
desenvolvimento da economia local, pois, como é característico de regiões
monocultoras, houve uma evasão da maior parte dos lucros para as metrópoles
nacionais; o exe mplo clássico é a permanência do subdesenvolvimento na região
cacaueira após 100 anos de intensa atividade – somam-se os casos de famílias
decadentes da região que nos tempos de fartura aplicaram seus lucros em imóveis no
Rio de Janeiro e em São Paulo, sem se preocupar em modernizar suas plantações.
Atualmente, a busca do desenvolvimento econômico e social da Bahia deve
contemplar investimentos na indústria têxtil. Não obstante o Plano Plurianual em vigor
não fazer referência explícita ao setor, é nele definida como uma de suas diretrizes a
criação e o adensamento de cadeias produtivas. Assim, estimular a implantação de
fiações e tecelagens de pequeno e médio porte na Bahia, voltadas inicialmente para o
mercado interno – há uma abundância de confecções no Estado, em sua maioria
informais, que importam tecidos principalmente do Centro_Sul do País – seria o ponto
20
de partida para essa ação.
Dados da FIEB – Federação das Indústrias do Estado da Bahia informam a
presença de 83 empresas envolvidas na cadeia produtiva têxtil no Estado: seis
beneficiadoras de algodão, 14 beneficiadoras de outras fibras têxteis naturais, treze
fiações (trabalhando com algodão, outras fibras têxteis naturais e fibras artificiais ou
sintéticas), uma fábrica de linhas e fios, dez tecelagens, uma indústria especializada no
acabamento de fios, tecidos e artigos têxteis e 38 confecções, indústrias de vestuário e
similares, em sua maioria micro e pequenas empresas.
O setor têxtil é extremamente diversificado em sua composição empresarial,
corroborando a possibilidade de inserção de pequenas e médias empresas no Estado.
Segundo dados da ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil, em 1997, havia no
País 550 fiações, 700 tecelagens, 2.960 empresas dedicadas à produção de malhas e 370
ao acabamento; quanto ao porte, 3 % são grandes empresas (mais de 200 funcionários),
43 % são médias empresas (de 51 a 200 funcionários), 36 % são pequenas (de 11 a 50
funcionários) e os restantes 18 % são microempresas (até 10 funcionários).
A Valença Tê xtil é a maior tecelagem em atividade no Estado, com 60 modernos
teares a jato de ar e capacidade de produção de 1.300.000 metros/mês de brim 100 %
algodão (dados da Gazeta Mercantil – BA, de 22 de junho de 2001) absorveu desde
1998, ano em que foi adquirida pelo grupo cearense Têxtil União, R$ 20.000.000,00 em
diversos processos de modernização. Pretende investir mais R$ 25.000.000,00 em
2002/2003, passando a produzir também peças de vestuário em nova planta.
O grupo paulista Quatro K assinou protocolo de intenções com o Governo do
Estado visando implantar uma fiação em Barreiras. A empresa decidiu estabelecer-se no
Oeste do Estado para aproveitar a potencialidade da região: a Bahia é o segundo maior
centro nacional de produção de algodão em pluma. Além disso, é o único Estado em
que há previsão de crescimento na safra de 2002, da ordem de 16% a 20%, segundo
dados fornecidos pela CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento. A publicação
"Bahia Análise e Dados - Retrospectiva 2000 e Perspectivas" (SEI - Superintendência
de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2000), utilizando dados do IBGE, destaca a
expansão da safra baiana de algodão no período 1999/2000, da ordem de 160 %, graças
21
ao incremento da produção mecanizada no cerrado.
A região de Barreiras recebeu muitos imigrantes nas últimas décadas,
principalmente agricultores oriundos do Sul do País. Esses produtores rurais possuem
alto grau de profissionalização e incorporam tecnologias de ponta originárias da
EMBRAPA e da EBDA. A publicação "A Agricultura na Bahia - Relatório 2000"
(SEAGRI - Secretaria de Agricultura do Estado da Bahia, 2000) informa que a
disseminação de tecnologia de ponta e condições climáticas favoráveis, além de um
controle fitossanitário adequado, resultaram em uma produtividade média superior a
200 arrobas/hectare, o dobro da média nacional. Além dessas vantagens comparativas, a
produção de Barreiras, inserida na região do Cerrado, tem como característica o algodão
de fibra longa, mais resistente que o produto do Sul, segundo agricultores e industriais
do ramo. A implantação da fábrica na região de Barreiras garantirá ao agricultor local o
consumo regular de sua produção anual, de 12.000 toneladas de algodão em pluma,
correspondentes a 60 % do consumo da planta.
Os planos da Quatro K incluem a geração de 600 empregos diretos – segundo
dados do IBGE, o setor têxtil, incluindo todas as etapas da produção, é o terceiro maior
empregador de mão-de-obra no Brasil, atrás apenas dos setores da construção civil (1°)
e de alimentos (2°) – o que certamente contribuirá para a prosperidade da região. A
capacidade de produção da fábrica será de 690.000 kg / mês de fios de algodão de
diversas titulagens (parâmetros ligados à espessura do fio), variando de Ne 8/1 a Ne
40/1. A capacidade tecnológica da fábrica incluirá também fios cardados, penteados e
do tipo open end – estes últimos fabricados segundo processo mais moderno e eficiente,
que reduz o número de etapas produtivas – , destinados à produção de tecidos planos ou
malhas, para vestuário em geral, incluindo tecidos de uso técnico, entre outras possíveis
aplicações.
Contribuindo também para o adensamento dessa cadeia produtiva, priorizando a
produção de bens finais – o Relatório "A Agricultura na Bahia" (Secretaria de
Agricultura do Estado da Bahia - SEAGRI, 2000) prevê investimentos da ordem de R$
6.000.000,00 para implantação do Condomínio de Confecções Bahia Têxtil, reunindo
23 empresas em Salvador.
22
Assim, outro mérito da reativação do setor têxtil na Bahia é constituir-se em uma
etapa necessária para a implantação de um futuro pólo exportador em Salvador,
contribuindo dessa forma para a melhoria do saldo da balança comercial, variável
fundamental para o equilíbrio das contas externas e sustentabilidade da economia
brasileira, em uma conjuntura internacional marcada pela alta volatilidade dos capitais
estrangeiros – fenômeno que ameaça com nefastas conseqüências particularmente os
países em desenvolvimento. A utilização do algodão como matéria-prima se insere na
tendência, verificada principalmente no mercado externo, de ampliação do mercado
consumidor de tecidos de fibras naturais; segundo informações da Revista Veja
(29/05/2002), "A indústria têxtil brasileira nunca exportou tanta camiseta. O superávit
do setor no primeiro trimestre deste ano foi três vezes superior ao do mesmo período de
2001".
Cabe ressaltar que o Brasil ocupava a sétima posição no ranking mundial de
produtores de malhas (dados do BNDES, de 1999); entretanto, sua participação no
comércio internacional ainda é pouco expressiva, evidenciando a necessidade de maior
apoio governamental para alavancar as exportações.
Caso essas hipóteses se concretizem, haverá grande ampliação e modernização
do setor na Bahia. O uso de mão-de-obra nessas instalações é intensivo, muito embora o
setor tenha incorporado nos últimos anos muitos automatismos ao processo produtivo,
necessários para garantir melhorias na qualidade. Além disso, o Pólo Petroquímico de
Camaçari, cujas atividades e pessoal ocupado sofreram sensível queda nos últimos 20
anos, poderia fornecer as fibras sintéticas necessárias à fabricação de tecido planos e
malhas que as mesclem com o algodão, abrindo mais uma oportunidade de escoamento
de sua produção dentro do Estado.
23
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Industrialização Brasileira : a Companhia Empório Industrial do Norte –
1891/1973. Dissertação (Mestrado de Ciências Humanas) – Universidade
Federal da Bahia, 1975.
Dados sobre o autor:
Nome: Webber Stelling
Titulação: Especialista em Economia Baiana pela UNIFACS e graduado em
Economia pela UEFS.
Atividade atual: Analista de Desenvolvimento da Desenbahia.
Endereço comercial: Avenida Tancredo Neves, 776 – Caminho das Árvores /
Salvador (BA). CEP: 41.823-900
Telefone comercial / fax: (71) 340-2317 / (71) 341-9331
Telefone celular: (71) 9972-9153
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indústria têxtil na bahia – o apogeu no século xix e